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sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Honra e glória eterna aos operários vidreiros revolucionários do 18 de Janeiro de 1934



Inserindo-se na greve geral convocada pelos sindicatos da época, num movimento de protesto contra a deterioração das já miseráveis condições de vida e em luta contra a fascização do movimento sindical e a criação dos "sindicatos" corporativos pelo regime fascista de Salazar, o operariado da Marinha Grande decidiu a tomada do poder na vila, numa acção revolucionária com semelhanças notáveis com a gesta revolucionária da Comuna de Paris. 
Ambas sonharam a realização de uma nova sociedade dirigida pelo proletariado sobre os escombros da exploração do capital e ambas foram destruídas pelo inimigo de classe, mas o seu luminoso exemplo de "assalto aos céus" continua ainda hoje a ser para todos os revolucionários um inspirador apelo à sua principal tarefa: organizar, preparar e fazer a Revolução.  



Um testemunho histórico de um dos dirigentes da insurreição revolucionária

O levantamento do proletariado marinhense de 18 de Janeiro de 1934 é relatado na primeira pessoa em Abril desse mesmo ano, no segundo número da série ilegal do jornal da Comissão Inter-Sindical (CIS), O Proletário. Nele publica-se uma entrevista com um dos «dirigentes do levantamento operário da Marinha Grande e activo elemento do comité local do Partido e do Sindicato Vermelho Vidreiro», protagonista da heroica jornada.

O levantamento ao minuto
Sobre o desenrolar dos acontecimentos, o revolucionário recorda que «pelas 2 horas do dia 18, fizemos a distribuição das nossas forças de choque. (...) Um grupo numeroso seguiu a cortar as comunicações. Ao mesmo tempo, três outros grupos marchavam a ocupar, simultaneamente, os Paços do Concelho, a estação telegráfica e o quartel da GNR. As armas eram apenas o que se tinha podido arranjar; algumas espingardas caçadeiras, duas pistolas e umas cinco bombas».
Os dois primeiros pontos foram ocupados sem resistência, focando-se os combates em torno do posto da Guarda. Nesse momento, «já todos os pontos estratégicos da vila se encontravam nas nossas mãos. Por outro lado, já toda a massa operária da Marinha Grande estava na rua, apoiando os poucos homens armados que possuíamos. O quartel ficou completamente bloqueado e foram dados quinze minutos à força para se render. Recusou. Desencadeou-se o ataque».
Duas horas de tiroteio e deu-se a rendição: «A força foi desarmada e o comandante solicitou-nos que impedíssemos possíveis vinganças. Lembra-se de dezenas das suas vítimas que andavam pelas ruas... Concordámos em que o melhor meio de os salvaguardar contra isso, seria conservá-los prisioneiros, sob a guarda de camaradas de confiança. Por isso os conduzimos para uma fábrica de vidros. Mas repara: apenas os que temiam represálias para ali foram. Dois, por exemplo, não temeram represálias, seguiram para as suas casas e ninguém lhes fez mal.»
A vitória foi consumada às cinco da manhã. Por essa altura, «toda a Marinha Grande estava nas mãos do proletariado e milhares de trabalhadores percorriam a vila vitoriando o nosso Partido».

A violência da repressão
A resposta das forças da repressão, vindas de Leiria e de outros pontos do País, não se fez esperar e todos os meios serviram para tentar quebrar a resistência dos revolucionários: «A pouca distância da Marinha Grande, ouvimos passos de muita gente próximo de nós. A pergunta de “Quem vem lá?” respondeu-nos um arrogante “Forças do Governo!” e uma descarga. Caiu um camarada ferido. Ripostámos e durante alguns minutos se estabeleceu um nutrido tiroteio. Sentíamos que a força atacante se afastava. Avançámos. Tinham abandonado os feridos, na estrada. Mas, entretanto, entrava a artilharia em acção.»
Cercados e mal armados, os revolucionários concluem que prolongar a resistência era «loucura». Do seu lado, poucos mais de vinte possuíam armas de fogo. «O Governo opunha-nos artilharia, cavalaria, infantaria, metralhadoras... e até um avião que já voava sobre a vila, para regular o tiro da artilharia!» O recuo para o pinhal foi o passo seguinte. «Decidimos dividir-nos em pequenos grupos de quatro a cinco, e abandonar a luta procurando iludir o cerco. Ainda isto se fez de um modo organizado. Os camaradas que têm dinheiro dividem-no pelos que o não têm. Há gestos admiráveis de camaradagem. Um camarada que possuía 600 escudos fica apenas com setenta, dividindo o resto pelos camaradas! Abraços... comoção e separámo-nos...»

Diferenças e explicações
Para o sindicalista comunista entrevistado pelo jornal O Proletário, a diferença de atitude dos revoltosos face às forças da repressão é a «coroa de glória» do movimento insurreccional. «Há, sim, actos repugnantes, mas praticados pelas forças da “ordem”. As prisões, os espancamentos, as torturas, as prisões de mulheres e crianças para denunciarem os maridos e os pais; tudo isso não manifestações da “ordem” burguesa que se suguem à ocupação da vila. Antes, foi a população na rua em regozijo. Alegria dos rostos… e nem uma só vingança.»
Referindo-se às razões pelas quais o movimento assumira na Marinha Grande uma considerável dimensão e um marcado carácter insurreccional, adianta: «o proletariado da Marinha Grande, mercê das formidáveis lutas que vinha conduzindo contra o patronato e o Estado ocupava realmente um lugar de vanguarda em relação ao grosso do proletariado português, sob a direcção do Partido e do Sindicato Vermelho Vidreiro». Ambas as estruturas, «dando carácter organizado a esta exploração da indignação das massas, cumpriram o seu dever revolucionário».

(Publicado no jornal "Avante!" nº 2355, de 17/1/2019)