SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

domingo, 30 de agosto de 2009

Lénine, o leninismo e a actualidade (III)


Com este texto (III) vamos concluir estas incursões no conteúdo do "Que Fazer?", escrito por Lénine e publicado no distante ano de 1902. As transcrições agora seleccionadas, sendo as seguintes na sequência do próprio texto, abordam os problemas de uma política justa para a organização e as lutas dos operários, tratando detalhadamente o combate travado entre a orientação sindical/espontaneísta, defendida por aqueles que entendiam ser desnecessária a direcção política do movimento operário, e a orientação defendida pela linha revolucionária do partido, encabeçada por Lénine.

A atenção prioritária dada à organização e à actividade dos comunistas entre os operários - justificada pela sua situação particular e única no processo produtivo capitalista - foi sempre uma orientação central no pensamento e na actividade revolucionária do partido criado sob a direcção das ideias de Lénine. Perdoem-me os leitores o "desvio" mas penso valer bem a pena abrirmos um rápido parênteses, para mencionar um outro texto seu, igualmente datado nos primórdios das suas tentativas de criação de um "partido de novo tipo". Trata-se do texto intitulado "Carta a um camarada", datado de Setembro do mesmo ano (1902) e do qual transcrevo as duas passagens seguintes :


"Primeiramente assinalarei a minha completa concordância com a sua explicação sobre a inutilidade da organização anterior da "União" ("de círculos", como a denomina). Você chama a atenção para a ausência de uma séria preparação e de uma educação revolucionária entre os operários de vanguarda, para o assim chamado sistema eleitoral tão orgulhosa e veementemente defendido pelos membros do 'Rabotchéie Diélo' em nome dos princípios "democráticos" e, a alienação dos operários de todo trabalho activo.
Trata-se exactamente disso: 1) a ausência de uma preparação séria e de uma educação revolucionária (não somente entre os operários, como também entre os intelectuais); 2) a utilização inadequada e excessiva do princípio eleitoral; e 3) o afastamento dos operários da verdadeira actividade revolucionária. Neste ponto, encontra-se o principal defeito, não somente da organização em São Petersburgo, mas também de muitas outras organizações locais de nosso partido."


Mais à frente, e depois de tratar aspectos gerais da estruturação orgânica do partido a criar, passa a desenvolver detalhada e demoradamente como deve ser criada a organização dos operários nos seus locais de trabalho:


"Passemos agora aos círculos de fábrica. Estes são particularmente importantes para nós; já que a força fundamental do movimento reside no grau de organização dos operários das grandes fábricas, nas quais se concentra a parte mais importante da classe operária, não só quanto ao número como também por sua influência, grau de desenvolvimento e capacidade de luta. Cada fábrica deverá ser para nós uma fortaleza. E, para isso, a organização operária "de fábrica" deverá ser tão conspirativa em seu interior, quanto "ramificada" no seu exterior, isto é, nas suas relações externas deverá levar seus tentáculos tão longe e nas mais diferentes direcções, quanto qualquer outra organização revolucionária. Saliento que o núcleo dirigente deverá ser também aqui, obrigatoriamente, o grupo de operários revolucionários. Deveremos romper radicalmente com a tradição tipicamente operária ou de tipo profissional das organizações social democratas, inclusive com aquela dos "círculos de fábrica". O grupo ou comité de fábrica (com o fim de separá-lo de outros grupos, os quais devem ser inúmeros) deverá ser composto de um reduzido número de revolucionários, encarregados directamente pelo comité, e com plenos poderes para dirigir todo o trabalho social-democrata na fábrica. Todos os membros do comité de fábrica deverão ser considerados como agentes do comité, obrigados a submeterem-se a todas as suas decisões e a observarem todas as "leis e costumes" deste "exército em campanha" ao qual se filiaram e do qual não têm o direito de sair em tempo de guerra, sem a permissão do comando. Por isso, a composição do comité de fábrica tem um grande significado, tanto que uma das principais preocupações do comité de fábrica deverá ser a de criar correctamente os subcomitês. Penso que isso deverá ser assim: o comité designará alguns de seus membros (mais algumas pessoas entre os operários que não façam parte do comité por quaisquer razões, mas capazes de ser úteis por sua experiência, seu conhecimento sobre as pessoas, sua inteligência ou suas relações) para organizar em todas as partes os subcomitês de fábrica."


Hoje, ao ler estas linhas, quem não reconhecerá nelas traços essenciais de uma justa orientação, e, o carácter prioritário e essencial para a organização de um partido comunista - as suas células de empresa? Evidentemente, todos podemos constatar a semelhança.


Daquela época para o presente, muito se evoluiu na criação destas organizações de base verdadeiramente decisivas, bem como na consolidação das regras organizativas para as células de empresa. As células de empresa (ou de local de trabalho), constituem a vanguarda política dos destacamentos mais avançados e combativos do proletariado na luta de classes, indispensáveis e insubstituíveis na actividade geral de um partido revolucionário.


Nos nossos dias, a questão é aplicá-las, levá-las à prática, de forma perseverante, determinada e consequente.


Após esta incursão, que funciona como nota introdutória , retomemos agora a leitura dos excertos seleccionados do "Que Fazer?", todos eles relacionados com este mesmo tema, cujo estudo é indispensável na formação teórica e na prática política dos comunistas, qualquer que seja a sua localização geográfica, a sua área de actividade política, a sua tarefa.



"Os operários, já dissemos, não podiam ter ainda a consciência social-democrata. Esta só podia chegar até eles a partir de fora. A história de todos os países atesta que, pela próprias forças, a classe operária não pode chegar senão à consciência sindical, isto é, à convicção de que é preciso unir-se em sindicatos, conduzir a luta contra os patrões, exigir do governo essas ou aquelas leis necessárias aos operários etc. Quanto à doutrina socialista, nasceu das teorias filosóficas, históricas, económicas elaboradas pelos representantes instruídos das classes proprietárias, pelos intelectuais. Os fundadores do socialismo científico contemporâneo, Marx e Engels, pertenciam eles próprios, pela sua situação social, aos intelectuais burgueses. Da mesma forma, na Rússia, a doutrina teórica da social-democracia surgiu de maneira completamente independente do crescimento espontâneo do movimento operário; foi o resultado natural, inevitável, do desenvolvimento do pensamento entre os intelectuais revolucionários socialistas. Sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário. Não seria demasiado insistir sobre essa ideia, numa época onde o entusiasmo pelas formas mais limitadas da ação prática aparece acompanhado pela propaganda em voga do oportunismo."


"Isto mostra (o que não pode chegar a compreender o 'Rabótcheie Dielo'), que todo o culto da espontaneidade do movimento operário, toda a diminuição do papel do "elemento consciente", do papel da social-democracia significa - quer se queira ou não - um reforço da influência da ideologia burguesa sobre os operários. Todos aqueles que falam de "sobrestimação da ideologia", de exagero do papel do elemento consciente etc., imaginam que o movimento puramente operário é, por si próprio, capaz de elaborar, e irá elaborar para si, uma ideologia independente, com a única condição de que os operários 'arranquem sua sorte das mãos de seus dirigentes'."


"No momento, não seria possível falar de uma ideologia independente, elaborada pelas próprias massas operárias no curso do seu movimento, o problema coloca-se exclusivamente assim: ideologia burguesa ou ideologia socialista. Não há meio-termo (pois a humanidade não elaborou uma "terceira" ideologia; e, além disso, em uma sociedade dilacerada pelos antagonismos de classe não seria possível existir uma ideologia à margem ou acima dessas classes). Por isso, toda diminuição da ideologia socialista, todo distanciamento dela implica o fortalecimento da ideologia burguesa. Fala-se de espontaneidade. Mas o desenvolvimento espontâneo do movimento operário resulta justamente na subordinação à ideologia burguesa, efectua-se justamente segundo o programa do "Credo", pois o movimento operário espontâneo é o sindicalismo, a Nur-Gewerkschafilerei: ora, o sindicalismo é justamente a escravidão ideológica dos operários pela burguesia. Por isso, a nossa tarefa, a da social-democracia, é combater a espontaneidade, desviar o movimento operário dessa tendência espontânea que apresenta o sindicalismo para se refugiar sob as asas da burguesia, e atraí-lo para a social-democracia revolucionária."


"Constatamos, assim, que o erro fundamental da "nova tendência" da social-democracia russa é inclinar-se diante da espontaneidade; é não compreender que a espontaneidade da massa exige de nós, sociais-democratas, uma consciência elevada. Quanto maior for o impulso espontâneo das massas, mais amplo será o movimento, e de forma ainda mais rápida afirmar-se-á a necessidade de uma consciência elevada no trabalho teórico, político e de organização da social-democracia. O impulso espontâneo das massas na Rússia foi (e continua a ser) tão rápido que a juventude social-democrata encontrou-se pouco preparada para realizar essas imensas tarefas. A falta de preparação, nossa infelicidade comum, constituí a infelicidade de todos os sociais-democratas russos. O impulso das massas não cessou de crescer e de se estender sem solução de continuidade; e longe de interromper-se onde foi iniciado, estendeu-se a novas localidades, a novas camadas da população (o movimento operário provocou um redobramento da efervescência entre a juventude das escolas, dos intelectuais em geral, e mesmo entre os camponeses). Os revolucionários atrasaram-se quanto à progressão do movimento, e em suas "teorias" e actividade, não souberam criar uma organização que funcionasse sem solução de continuidade, capaz de dirigir todo o movimento.


Vejamos ainda , a terminar estas transcrições escolhidas, algumas notas de Lénine ao seu texto.


"Naturalmente, isto [falar de uma ideologia independente, elaborada pelas próprias massas operárias no curso de seu movimento] não significa que os operários não participem dessa elaboração. Mas não participam na qualidade de operários, participam como teóricos do socialismo, como os Proudhon e os Weitling; em outras palavras, não participam senão na medida em que conseguem adquirir os conhecimento mais ou menos perfeitos da sua época, e fazê-los progredir. E para que os operários o consigam com maior frequência, é preciso esforçar-se o mais possível para elevar o nível da consciência dos operários em geral; é preciso que não se limitem ao quadro artificialmente restrito da "literatura para operários", mas que saibam assimilar cada vez melhor a literatura para todos. Seria mesmo mais exacto dizer, em lugar de "se limitem", não sejam limitadas, porque os próprios operários lêem e desejariam ler tudo o que se escreve também para os intelectuais: somente alguns intelectuais (deploráveis) pensam que é suficiente falar "aos operários" da vida da fábrica e repisar aquilo que eles já sabem há muito tempo."


Diz-se frequentemente: a classe operária vai espontâneamente para o socialismo. Isto é perfeitamente justo no sentido de que, mais profunda e exactamente que as outras, a teoria socialista determina as causas dos males da classe operária: é por isso que os operários assimilam-na com tanta facilidade, desde que esta teoria não capitule, ela própria, diante da espontaneidade, desde que se submeta a essa espontaneidade. Isto está, em geral, subentendido, mas o Rabótcheie Dielo esquece-se precisamente desse subentendido, ou deturpa-o. A classe operária vai espontâneamente para o socialismo, mas a ideologia burguesa mais difundida (e constantemente ressuscitada sob as mais variadas formas) é, porém, aquela que mais se impõe espontâneamente, sobretudo ao operário."


"O Rabótcheie Dielo, tal como os autores da cantata economista, no número 12 do Iskra, deveriam "perguntar-se por que os acontecimentos da primavera provocaram uma tal reanimação das tendências revolucionárias não sociais-democratas, em lugar de reforçar a autoridade e o prestígio da social-democracia". A razão é que não estávamos à altura de nossa tarefa, que a actividade das massas operárias ultrapassou a nossa, que não tínhamos dirigentes e organizadores suficientemente preparados, que conhecessem perfeitamente o estado de espírito de todas as camadas da oposição e soubessem colocar-se à cabeça do movimento, transformar uma manifestação espontânea em manifestação política, ampliar-lhe o carácter político etc. Dessa forma, os revolucionários não sociais-democratas, mais desembaraçados, mais enérgicos, explorarão necessariamente nosso atraso, e os operários, por maior que seja sua energia e abnegação nos combates contra a polícia e contra as tropas, por mais revolucionária que seja sua ação, serão apenas uma força de sustentação desses revolucionários, a retaguarda de democracia burguesa, e não a vanguarda social-democrata."





Desta vez, neste terceiro post e propositadamente, as transcrições feitas estão seguidas e sem apontamentos sobre o conteúdo de cada uma delas. Manter o encadeamento das ideias originais, presentes em cada período transcrito, pareceu-me o mais apropriado, a forma mais útil para uma boa compreensão das ideias de Lénine, da sua fundamentação e dos seus objectivos.


Numerosos e diversificados são actualmente as linhas de diversão e dessoramento ideológico. Práticas sindicais economicistas, orientadas pela errónea ideia da "independência política" dos sindicalistas, tão cara à colaboração de classes desejada pelo patronato explorador; defesas variadas de um espontaneismo de massas que, fingindo valorizar as lutas e a componente espontânea que contêm, visam impedir a ligação dos movimentos à teoria marxista-leninista e ao seu papel simultaneamente guia e integrador, numa linha geral contra o sistema; recusa da intervenção política "dos partidos", aparentando a defesa da unidade dos movimentos de massas, como máscara para ocultar o propósito de tudo fazerem para isolá-los do partido comunista, afinal o único alvo deste falso"unitarismo" ; rejeição activa e multifacetada, pelas ideias e práticas reformistas, da necessidade de uma construção teórica independente e de classe, de uma teoria revolucionária e de uma ideologia que, a partir de fora e transformando a "classe em si" na "classe para si", seja um guião das lutas da classe operária, tornando-as políticamente consequentes. Enfim, numerosas são as "pontes" que podemos realizar entre este texto de Lénine e a actualidade.


Lidas/relidas hoje, com o leitor buscando apreender o que contêm de universal, atento à sua cuidada transposição para as realidades presentes, julgo que as ideias leninistas preservaram toda a frescura e potencial educativo e transformador no nosso próprio mundo contemporâneo.

No embate geral de classes, muitas são na actualidade as teses defendendo existir, por parte dos revolucionários, um excesso de actividade teórica, uma excessiva valorização dos factores subjectivos. Muitos são os que, até citando os clássicos do marxismo - deturpando e falseando o seu pensamento -, visam persuadir os mais incautos da errónea ideia que só contam "as condições objectivas", ocultando que a acção teórica conduz a acção prática e que entre as ideologias da burguesia e do proletariado não existe espaço para "terceiras vias". Perante estes "teóricos", defensores da inutilidade/incapacidade dos operários aprenderem e usarem a teoria, as palavras de Lénine, num dos trechos transcritos acima, surgem-nos luminosas e reconfortantes. Vale a pena repeti-las:


"Seria mesmo mais exacto dizer, em lugar de 'se limitem', não sejam limitadas, porque os próprios operários lêem e desejariam ler tudo o que se escreve também para os intelectuais: somente alguns intelectuais (deploráveis) pensam que é suficiente falar "aos operários" da vida da fábrica e repisar aquilo que eles já sabem há muito tempo."


Tal como Lénine na sua época testemunhou, com claro sentido crítico e auto-crítico, também nós hoje devemos afirmar que temos pela frente um vasto trabalho de investigação e formulação teórica. Sempre firmemente ancorados na nossa própria ideologia de classe, usando esse poderoso instrumento interpretativo da realidade a que damos o nome de marxismo-leninismo, enriquecendo o seu conjunto de teorias e vencendo os nossos próprios atrasos.





sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Eleições na Alemanha e em Portugal: A cartilha única do capital


Como uma linha de fundo da acção ideológica mistificadora do capital, todos os dias constatamos que está em desenvolvimento uma campanha mundial, usando os grandes meios de comunicação ao seu serviço, visando persuadir os trabalhadores e os povos que a crise do sistema é conjuntural e que está a terminar, para tal encenando massivamente "dados", "sinais", "indicativos", índices da propalada "retoma".

Devemos reconhecer que esta "retoma" é em parte verdadeira; para os grandes banqueiros e grupos económicos, à custa de colossais recursos financeiros públicos que os governos lhes entregaram de bandeja, a crise (a deles!) vai sendo "debelada". Prossegue o saque e a concentração e centralização típicas do capitalismo, agora enormemente aceleradas pelo fenómeno da crise sistémica em curso.

Entretanto, no outro pólo social, constituído pelos assalariados, pelos pequenos agricultores, pelos pequenos empresários - afinal, a imensa maioria da população mundial - a crise prossegue. Aprofunda-se, desenvolve-se regionalmente, atingindo o tecido económico-financeiro real e desencadeando, no seu inevitável percurso de destruição de forças produtivas - com maior violência nas economias periféricas e dependentes do sistema global -, crescentes e dramáticas consequências sociais para os países e povos.

Por coincidência, estão convocadas para o mesmo dia (27/Set) eleições legislativas na Alemanha e em Portugal. No jornal "Avante!", na sua última edição (27/8), saiu publicada a notícia que se transcreve:
"Crise na Alemanha. Patrões admitem despedimento em massa. Despedimentos depois do voto.
O governo alemão tem um acordo tácito com a indústria para evitar despedimentos até às legislativas de 27 de Setembro, mas depois haverá reduções de postos de trabalho. «De momento, a Alemanha está preservada contra mudanças, mas depois das eleições a mensagem será outra, o que é normal», reconheceu Hakan Samuelsson, presidente executivo da MAN, uma das 30 maiores empresas germânicas, ao jornal Financial Times Deutschland.
O matutino recorda, na sua edição de segunda-feira, 24, que já nas legislativas de 2005 foram tomados cuidados especiais com a questão do desemprego, embora o governo da altura, liderado pelo social-democrata, Gerhard Schroeder, tenha acabado derrotado nas urnas. Evitando sobressaltar a opinião pública em vésperas de eleições, empresas como a Siemens, o maior empregador alemão, esperaram que o sufrágio se realizasse para, no dia seguinte, anunciarem o despedimento de milhares de trabalhadores.
O mesmo está a verificar-se neste momento, alerta o FTD, notando que continua a haver um excesso de mão-de-obra e de capacidade de produção, sobretudo na indústria automóvel e na metalomecânica, expoentes da economia germânica e a base das suas exportações.Recorrer ao regime de trabalho parcial, como já aconteceu em milhares de empresas alemãs, afectando cerca de um milhão de trabalhadores, já «não basta, porque as empresas estão a sofrer», disse ao FTD o empresário Reinhold Wuerth, dono da grande fábrica de parafusos com o mesmo nome. Segundo cálculos da Agência Federal de Trabalho (BA), as empresas alemãs já gastaram este ano entre 4,2 e 6,2 mil milhões de euros para evitar despedimentos e financiar o trabalho parcial, apesar de este regime também ser fortemente apoiado por verbas do Estado. Porém, as empresas também beneficiam com o trabalho parcial, porque de outra forma teriam de pagar em média indemnizações de sete mil euros para despedir um trabalhador com pouca qualificação e 32 mil euros para despedir um operário especializado, ainda de acordo com o estudo citado pelo jornal alemão.
A agência estatal calcula que ao longo do ano haverá 1,1 milhões de trabalhadores em regime de trabalho parcial e que o número de horas trabalhadas no país diminuirá 38 por cento. Partindo de uma média anual de 1500 horas por trabalhador, tal quebra corresponderá a uma redução de 630 milhões de horas laborais, calculou a agência."


Anos atrás, quando os comunistas portugueses desmascararam corajosamente as mentiras da propaganda socialista e apontaram as consequências profundamente negativas para o seu povo que resultariam da integração de Portugal na C.E.E. - hoje U.E. -, caracterizaram simbolicamente essa integração com a célebre fábula infantil (mas carregada de sentido para os mais velhos) da panela de ferro e a panela de barro(1), de La Fontaine, afirmando que a frágil economia portuguesa, ligada/subordinada às economias europeias mais fortes, sairia irremediavelmente a perder. Os acontecimentos posteriores vêm-lhes dando inteira razão. Voltando à notícia, transcrita do nosso "Avante!": se o que está a tramar-se pelo grande capital na Alemanha (aqui, a nossa panela de ferro), descaradamente anunciado por elementos seus, é um aumento dos despedimentos logo a seguir às eleições, é fácil perspectivar o que irá passar-se em Portugal (a panela de barro da história).


Aqui fica a chamada de atenção, dirigida principalmente aos trabalhadores portugueses, e em especial àqueles politicamente menos preparados, mais ingénuos, para que meditem sobre o significado daquelas veladas ameaças do grande patronato alemão, sobre o que farão por lá depois das eleições de 27 de Setembro. Porque, sendo a cartilha deles a mesma, vale a pena interrogar o que farão também os grandes grupos económicos em Portugal.


E já agora, por falar em ingénuos, aproveito ainda para transcrever um trecho do editorial do mesmo jornal comunista "Avante!", publicado nesta mesma edição de 27/8:



"Por isso, é tempo de esses ingénuos (sinceros ou não) demonstrarem o suposto erro de análise do PCP e de explicitarem de uma vez por todas a que «diferenças substanciais» se referem, que «diferenças» concretas descobrem entre a política praticada, por exemplo e para não irmos mais longe, pelos governos de António Guterres e José Sócrates e os governos de Cavaco Silva e Durão Barroso - para além, é claro, das ligeiras e cada vez mais ténues diferenças de método que de forma alguma escondem a convergência total no conteúdo e nas consequências. A verdade é que, como há dias sublinhou o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, em matéria de política governamental, PS e PSD são «farinha do mesmo saco» - o «saco» da submissão total do poder político ao poder económico; o «saco» da destruição do aparelho produtivo nacional; o «saco» do desprezo pelos direitos e interesses dos trabalhadores e da reverência absoluta aos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros; o «saco» do desemprego, do emprego precário, do lay-off, dos salários em atraso, das pensões e reformas de miséria, das brutais injustiças sociais, do agravamento sistemático das condições de trabalho e de vida da imensa maioria dos portugueses; o «saco» da subserviência aos ditames do imperialismo, do envolvimento em criminosas guerras de ocupação com centenas de milhares de mortos e da venda a retalho da soberania e da independência nacional; o «saco» do desrespeito frontal pela Constituição da República Portuguesa; o «saco» do empobrecimento constante do conteúdo democrático do regime nascido da revolução de Abril."




(1) Nota: Já agora, vale a pena recordar esta fábula e a sua moral final, p. ex., aqui:










quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Mais um trabalhador sem terra é assassinado pelo poder dos latifundiários

O sem terra Elton Brum da Silva foi morto na manhã da passada sexta-feira (21) em São Gabriel, no Rio Grande do Sul, com um tiro pelas costas, desferido por uma espingarda calibre 12 durante desocupação, pela Brigada Militar (a Polícia Militar gaúcha), da Fazenda Southall. O assassinato ocorreu por volta das 8 horas da manhã. Elton deu entrada no hospital quase duas horas depois. Não é a primeira vez que a Brigada Militar usa de truculência durante reintegrações de posse, aliás, a violência contra os movimentos sociais instaurada desde o início do Governo Yeda denota opção clara por tratar as questões sociais, como a Reforma Agrária, como caso de polícia.

“Eu não estava tão próximo no momento dos tiros porque a gente se dividiu em dois grupos. Quando Elton foi atingido, ele estava na frente da trincheira e a cavalaria da Brigada entrou por trás, eram cerca de 80 deles, com espadas. A ação foi muito violenta, tem companheiro nosso com a perna cortada por espada. Quando eu ouvi os disparos, a gente tentou ver o que tinha acontecido, mas foi formado um cordão ao redor pelo batalhão. Nós não podíamos nem abrir os olhos, todos no chão, e eles continuavam batendo. Isso durou uns vinte minutos. Bombas de gás foram jogadas nas crianças, que estavam em grupo que tentávamos proteger. Depois que tudo acalmou, deixaram que nós entrássemos de 10 em 10 pessoas para recolher colchões e coisas do género. Foi aí que vimos que, onde aconteceram os tiros, havia uma lona preta, com muito sangue em baixo”. O relato é de Rodrigo Escobar, militante do MST, que esteve na ação em São Gabriel. Escobar contou que muitas crianças foram levadas ao hospital e que os números de feridos divulgados pela imprensa durante o dia não são nem uma pequena amostra do que aconteceu na Fazenda Southall.
Quase duas horas depois, Brum chegou sem vida ao Hospital Santa Casa de Caridade, por volta das 9h40min da manhã. Uma mulher e uma criança também ficaram feridas no confronto. Nas primeiras horas da manhã, as informações repassadas à imprensa pela Brigada Militar atribuíam a morte de Brum a um mal súbito. O assassinato só foi confirmado na metade da manhã. O ex-ouvidor agrário do Governo Yeda e também ex-ouvidor da Segurança Pública, Adão Paiani, disse que o sem-terra Brum foi morto pela Brigada Militar. Paiani relatou que foi procurado, na condição de ex-ouvidor da segurança pública, por um oficial da BM que assistiu à desocupação da fazenda. Esse oficial teria relatado que o manifestante foi morto durante discussão com um oficial da BM que atua na região da Fronteira. Brum teria dito alguns palavrões para o oficial, que revidou com um tiro de espingarda.
Lisiane Vilagrande, promotora de São Gabriel, acompanhou a ação da Brigada durante a desocupação desde as 5h da manhã desta sexta-feira. Segundo ela, a ação “foi extremamente profissional. Em momento nenhum eu senti alguma tensão ou nervosismo por parte dos policias militares que executavam a ação. Foi tudo muito rápido”.
(Transcrito de "Carta Maior")

O condenável currículo desta fazenda Southall, em intimidações e agressões, é extenso. A observação da foto, e um conhecimento mínimo do tipo de arma e da munição usada, chegam para constatarmos tratar-se de um tiro a curta distância (não mais que 5/6 metros, no máximo), o que denuncia o propósito de matar - melhor, de assassinar legalmente.
Em todo o mundo, a luta pela Reforma Agrária vem cobrando um preço demasiadamente elevado em agressões, crimes impunes, vidas ceifadas, pelas forças policiais às ordens dos interesses dos latifundiários e a mando dos governos que os servem. Neste caso, trata-se de mais uma vítima entre aqueles trabalhadores agrícolas que no Brasil lutam por uma das mais justas e universais palavras de ordem dos explorados: "A Terra a Quem a Trabalha".
A justificar a denúncia e a solidariedade de todos os verdadeiros democratas para com a vítima e os seus companheiros de luta.

sábado, 15 de agosto de 2009

Lénine, o leninismo e a actualidade (II)



Após um intervalo forçado, retomemos o propósito enunciado no texto (I), isto é, analisarmos algumas partes do "Que Fazer?", com o objectivo de as utilizarmos como ferramenta interpretativa de situações e "teorias" da actualidade.
Como dizíamos, com o cuidado atento de procurar ler a sua obra em correlação permanente com a marcha dos acontecimentos da sua época - acontecimentos e situações que ele visava interpretar/influir/dirigir - todos os seus escritos contêm ensinamentos e, simultâneamente, todos evidenciam o seu método rigoroso, polémico, dialéctico, frontal, que tanto nos estimula e atrai para o seu estudo e aplicação no presente.
Daqui resultam a justificação e o objectivo deste texto (II). Transcrevem-se períodos desta sua obra, intercalando-os com apontamentos sobre a sua possível aplicação ao nosso tempo presente. Recomecemos, então:


"De facto, não constitui mistério para ninguém que, na social-democracia internacional de hoje, se tenham formado duas tendências, cuja luta ora “se anima e se inflama, ora se extingue sob as cinzas das grandiosas resoluções de tréguas”. Em que consiste a “nova tendência que "critica” o "velho” marxismo "dogmático", disse-o Bernstein, e demonstrou-o Millerand com suficiente clareza. A social-democracia deve transformar-se de partido da revolução social em partido democrático de reformas sociais. Essa reivindicação política, foi cercada por Bernstein com toda uma bateria de "novos" argumentos e considerações muito harmoniosamente orquestrados. Nega ele a possibilidade de se conferir fundamento científico ao socialismo e de se provar, do ponto de vista da concepção materialista da história, sua necessidade e sua inevitabilidade, nega a miséria crescente, a proletarização e o agravamento das contradições capitalistas; declara inconsistente a própria concepção do "objetivo final", e rejeita categoricamente a ideia da ditadura do proletariado; nega a oposição de princípios entre o liberalismo e o socialismo, nega a teoria da luta de classes, considerando-a inaplicável a uma sociedade estritamente democrática, administrada segundo a vontade da maioria, etc.
Assim, a exigência de uma mudança decisiva - da social-democracia revolucionária para o reformismo social burguês - foi acompanhada de reviravolta não menos decisiva em direcção à crítica burguesa de todas as ideias fundamentais do marxismo. E como essa crítica, de há muito, era dirigida contra o marxismo do alto da tribuna política e da cátedra universitária, em uma quantidade de publicações e em uma série de tratados científicos: como, há dezenas de anos, era inculcada sistematicamente à jovem geração das classes instruídas, não é de se surpreender que a "nova” tendência "crítica” na social-democracia tenha surgido repentinamente sob sua forma definitiva, tal como Minerva da cabeça de Júpiter. Em seu conteúdo, essa tendência não teve de se desenvolver e de se formar; foi transplantada directamente da literatura burguesa para a literatura socialista."(...)

Sabemos, claro, que algumas designações usadas por Lénine devem ser por nós transpostas para as que actualmente utilizamos. Exemplo disto é a designação "social-democrata", que hoje significa comunista. Mas, corrigidos estes pormenores, a leitura deste período de uma obra de Lénine escrita há mais de um século surge-nos hoje espantosamente actual! Se procedermos à substituição dos nomes de alguns dos actores, substituindo-os pelos nomes "correspondentes" da actualidade, a sua análise parece-nos escrita hoje, caracterizando as nossas próprias realidades políticas. Constitui um bom exemplo da genialidade política de Lénine.
Devidamente contextualizado, este trecho tem plena aplicação ao panorama actual dos partidos comunistas, defrontando correntes reformistas externas e também internas. E isto conduz-nos a duas conclusões simples: a primeira, que não é a marcha do tempo e a acumulação de novas experiências e conhecimentos - próprios e alheios - que torna hoje os partidos que se reclamam operários imunes aos fenómenos oportunistas; a segunda conclusão, eventualmente mais dolorosa de enfrentarmos, que também no interior dos partidos o embate político e ideológico está presente, revelando-nos que a luta de classes não fica lá fora, à entrada das nossas portas. Frequentemente, encontramos camaradas com uma concepção falsa - idealista, afinal - sobre os partidos comunistas, aliás explicável pela necessidade constante de preservarmos a nossa unidade e a nossa coesão, razão essencial da força dos partidos "de novo tipo", apresentando a imagem de um partido sólido, coerente, convicto. Uma imagem que, ela própria, seja um factor importante para coesionar e mobilizar a classe e as massas populares na luta que travamos. De tanto defendermos a unidade do partido, somos nós próprios conduzidos à falsa noção de um unanimidade que, mal-grado os nossos desejos e aspirações, não corresponde à realidade.

O combate, tantas vezes áspero e renhido, travado durante os últimos anos - já décadas -, para afirmar a justa concepção de um partido marxista-leninista, contra aqueles que tudo fizeram para o descaracterizar e mesmo destruir, aí estão a confirmar que as batalhas que Lénine no seu tempo teve que travar contra as correntes oportunistas voltam e retornam sempre, assumindo novos formatos e "teorias" mas igualmente visando a liquidação das nossas características essenciais. Outros partidos comunistas - são disto exemplos o espanhol, o francês, o italiano, entre outros - omitindo o trabalho teórico, desprezando a necessidade de um activo e constante combate às teses oportunistas, deixando durante anos e anos que tais ideias fossem medrando no seu seio, "dissolvidos" internamente pela acção dos "reformadores", acabaram totalmente destruídos e hoje deles já nada resta, daqueles que no passado foram grandes partidos operários europeus.

Na luta das ideias, a acção anti-partido das concepções oportunistas é um fenómeno inevitável e intemporal, inerente ao capitalismo e ao seu sistema ideológico dominante. Assim, robustece-nos mais esta ideia da sua objectiva inevitabilidade , permitindo-nos dar-lhe as respostas a cada momento necessárias e adequadas, do que adoptarmos uma concepção idealista do partido, recusando ver os confrontos de ideias que ocorrem - e ocorrerão sempre - no seu seio. A luta de classes está presente em todas as actividades humanas. Entre nós de modo bastante amortecido - felizmente - mas também se manifesta.

(...)"Millerand deu um exemplo brilhante desse bernsteinismo prático; também, com que empenho Bernstein e Volimar apressaram-se em defender e louvar Millerand! De fato, se a social-democracia não constitui, no fundo, senão um partido de reformas e deve ter a coragem de reconhecê-lo abertamente, o socialismo não somente tem o direito de entrar em um ministério burguês, como também deve mesmo aspirar sempre a isso. Se a democracia significa, no fundo, a supressão da dominação de classe, por que um ministro socialista não seduziria o mundo burguês com discursos sobre a colaboração das classes? Por que não conservaria ele sua pasta, mesmo após os assassínios de operários por policiais terem demonstrado pela centésima e pela milésima vez o verdadeiro carácter da colaboração democrática das classes? Por que não facilitaria pessoalmente o czar a quem os socialistas franceses não chamavam senão de knouteur, pendeur et déportateur? E para contrabalançar esse interminável aviltamento e auto-flagelação do socialismo perante o mundo inteiro, essa perversão da consciência socialista das massas operárias - única base que nos pode assegurar a vitória -, são-nos oferecidos os projectos grandiloquentes de reformas insignificantes, insignificantes ao ponto de se poder ter obtido mais dos governos burgueses! Aqueles que não fecham os olhos, deliberadamente, não podem deixar de ver que a nova tendência “crítica” no socialismo nada mais é que uma nova variedade do oportunismo."(...)


A obra leninista é esta magnífica claridade de pensamento, este enfrentamento do real sem titubear, esta exemplar capacidade de discernir campos, explicar os seus significados e, pela polémica profundamente dialéctica, buscar a linha de orientação certa.

Em Portugal, é costume dizermos que, se o quiséssemos, há muito que integraríamos os sucessivos governos. Para tal, bastava-nos (!?) aceitar as políticas falsamente chamadas de "unidade das esquerdas", de "conciliação" dos interesses ditos nacionais, mas de facto ao serviço do grande capital e da conciliação de classes. Há mais de três décadas no lado da resistência e da luta contra a política de direita, ao lado dos trabalhadores e do povo, o PCP soube rejeitar firmemente os "cantos de sereia" que, vindos constante e insidiosamente do exterior, encontraram dentro do partido quem as advogasse. Tal como o texto leninista transcrito acima, também não nos "faltaram" os candidatos a ocupantes de ministérios e/ou secretarias de estado e sempre - é muito importante sublinhá-lo! - apresentando argumentos "de esquerda", anunciados tendo por esteio a necessidade de nos "modernizarmos", de sermos actuais e não fossilizados, abertos às "mudanças em curso no mundo". Pois é: por aqueles que, como Gorbachev nos seus tempos áureos, sempre afirmavam ser indispensável "renovar" o partido para sermos ainda mais verdadeiramente comunistas. Foram rechaçados, desistiram cá dentro de terem o acesso às mordomias que ambicionavam, alguns foram obtê-las ingressando nas formações políticas - PS e PSD - de facto as indicadas para eles. Mas, atenção: este fenómeno não foi definitivamente extirpado do tecido político do partido, das suas organizações. O que nos reclama prosseguirmos com atenção uma cuidada política de quadros.


(...)"Pequeno grupo compacto, seguimos por uma estrada escarpada e difícil, segurando-nos fortemente pela mão. De todos os lados, estamos cercados de inimigos, e é preciso marchar quase constantemente debaixo de fogo. Estamos unidos por uma decisão livremente tomada, precisamente a fim de combater o inimigo e não cair no pântano ao lado, cujos habitantes desde o início nos culpam de termos formado um grupo à parte, e preferido o caminho da luta ao caminho da conciliação. Alguns dos nossos gritam:' Vamos para o pântano!' E quando lhes mostramos a vergonha de tal ato, replicam:'Como vocês são atrasados! Não se envergonham de nos negar a liberdade de convidá-los a seguir um caminho melhor!' Sim, senhores, são livres não somente para convidar, mas de ir para onde bem lhes aprouver, até para o pântano; achamos, inclusive, que seu lugar verdadeiro é precisamente no pântano, e, na medida de nossas forças, estamos prontos a ajudá-los a transportar para lá os seus lares. Porém, nesse caso, larguem-nos a mão, não nos agarrem e não manchem a grande palavra liberdade, porque também nós somos “livres” para ir aonde nos aprouver, livres para combater não só o pântano, como também aqueles que para lá se dirigem!"(...)

Este período escrito por Lénine, já um "clássico" das suas citações, fala por si. Revela a dureza do percurso de um partido de princípios e de fidelidade aos trabalhadores e a necessidade da permanente rejeição daqueles que gostariam de nos ver, como eles, no "pântano". Vejamos o que o autor nos diz em seguida, de novo uma espantosa descrição das realidades da sua época e que nos surge quase premonitória, tão bem ela se aplica aos tempos actuais e nas várias latitudes.

(...)"As manifestações do actual oportunismo internacional, em toda a parte idêntico em seu conteúdo social e político, variam segundo as particularidades nacionais. Em um país, os oportunistas há muito agrupam-se sob uma bandeira distinta; em outro, desdenhando a teoria, seguem praticamente a política dos socialistas radicais; em um terceiro, alguns membros do partido revolucionário, que se passaram para o campo do oportunismo, desejam atingir os seus fins, não através de luta aberta por princípios e tácticas novas, mas através de corrupção gradual, imperceptível e, se é que se pode dizer, não passível de punição pelo seu partido; enfim, em outro lugar, esses desertores empregam os mesmos procedimentos nas trevas da escravatura política, onde a relação entre a actividade "legal" e a actividade "ilegal", etc., é completamente original. Fazer da liberdade de crítica e da liberdade do bernsteinismo a condição da união dos sociais democratas russos, sem uma análise das manifestações concretas e dos resultados particulares do bernsteinismo russo, é falar sem nada dizer."(...)

O período a seguir justifica a sua transcrição pela relevância do problema que trata, isto é, as alianças, a indispensabilidade de uma política de alianças para o proletariado e para o seu partido, e, conexa, a questão do seu justo entendimento e da sua prática correcta.

(...)"Evidentemente, a ruptura não se deve ao fato de os "aliados” se terem declarado democratas burgueses. Ao contrário, os representantes dessa última tendência constituem, para a social-democracia, aliados naturais e desejáveis, sempre que se trate de tarefas democráticas que a situação actual da Rússia coloca em primeiro plano. Mas, a condição necessária para tal aliança, é que os socialistas tenham a plena possibilidade de revelar à classe operária a oposição hostil entre os seus interesses e os da burguesia. Ora, o bernsteinismo e a tendência "crítica" a que aderiram, em geral, os marxistas legais, em sua maioria, removiam essa possibilidade e pervertiam a consciência socialista, aviltando o marxismo, pregando a teoria da atenuação dos antagonismos sociais, proclamando absurda a ideia da revolução social e da ditadura do proletariado, reconduzindo o movimento operário e a luta de classes a um sindicalismo estreito e à luta "realista” por reformas pequenas e graduais. Isso equivalia perfeitamente à negação, para a democracia burguesa, do direito do socialismo à independência e, por conseguinte, de seu direito à existência; e, na prática, tendia a transformar o movimento operário, então em seus primórdios, em apêndice do movimento liberal."(...)

Em prejuízo do desenvolvimento das lutas que podem conduzir a avanços reais na transformação da actual correlação de forças em diversos teatros nacionais, esta tendência oportunista de ocultação/diluição dos ideais, do programa e dos objectivos centrais, da própria razão da sua existência, marca negativamente a prática política de numerosos partidos que se afirmam comunistas, conduzindo-os predominantemente para os terrenos institucionais, em prejuízo da sua presença e da sua actuação, activa e constante, junto dos trabalhadores e das massas populares.

Na sequência, observemos o que Lénine escreveu sobre o dessoramento ideológico, sobre a penetração do ecletismo e da ignorância dos princípios no pensamento e na vida do partido. Vale a pena chamar a atenção para a terminologia utilizada pela corrente oportunista da sua época, tão grande a semelhança com designações da actualidade, e, como um aparente apelo à liberdade de crítica mascara afinal o real desinteresse dos oportunistas pela teoria, rejeitando a necessidade do desenvolvimento teórico do partido, desenvolvimento da teoria que permite fortalecer, a cada momento, a actividade partidária.

(...)" 'O dogmatismo', o 'doutrinarismo', 'a fossilização do Partido, castigo inevitável do estrangulamento forçado do pensamento', tais são os inimigos contra os quais entram na arena os campeões da "liberdade de crítica" do Rabótcheie Dielo. Apreciamos que esta questão tenha sido colocada na ordem do dia; apenas proporíamos completá-la com esta outra questão: Mas, quem são os juízes?"(...)"Vê-se assim, portanto, que as grandes frases contra a fossilização do pensamento, etc., dissimulam o desinteresse e a impotência para fazer progredir o pensamento teórico. O exemplo dos sociais democratas russos ilustra, de uma forma particularmente notável, esse fenómeno comum à Europa (e de há muito assinalado pelos marxistas alemães), de que a famosa liberdade de crítica não significa a substituição de uma teoria por outra, mas a liberdade com respeito a todo sistema coerente e reflectido; significa o ecletismo e a ausência de princípios."(...)

E ainda neste plano da actividade teórica do partido e as manifestações oportunistas, o período seguinte pode ser-nos muito útil e oportuno, ao colocar-nos de sobreaviso quanto ao pensamento real de muitos indivíduos que se reclamam marxistas; escrevem com frequência sobre temas políticos, usam uma linguagem aparentemente de esquerda e utilizam citações dos clássicos como suporte para as suas ideias, mas afinal tripudiam o seu significado e violam o pensamento real dos clássicos. Curiosamente, com citações de Marx, já Lénine discutia no seu tempo o carácter ilegítimo de tais citações. Assenta como uma luva em muitos teóricos de grande notoriedade nos tempos presentes! Apreciem:

(...)" 'Cada passo avante, cada progresso real valem mais que uma dúzia de programas'. Repetir tais palavras nesta época de dissensão teórica equivale a dizer à vista de um cortejo fúnebre: "Tomara que sempre tenham algo para levar!" Além disso, essas palavras são extraídas da carta sobre o programa de Gotha, na qual Marx condena categoricamente o ecletismo no enunciado dos princípios. 'Se a união é verdadeiramente necessária', escrevia Marx aos dirigentes do partido, 'façam acordos para realizar os objectivos práticos do movimento, mas não cheguem ao ponto de fazer comércio dos princípios, nem façam "concessões" teóricas'. Tal era o pensamento de Marx, e eis que há entre nós pessoas que, em seu nome, procuram diminuir a importância da teoria!"(...)

Já vai longo este post e é tempo de o fechar. Terei que deixar para mais uma nova postagem a selecção restante sobre o que Lénine nos deixou no seu escrito "Que Fazer? (as questões palpitantes do nosso movimento)". Nele tratou da construção do partido, numa sua fase ainda enbrionária, constitutiva, mas os problemas que trata continuam ainda hoje actuais, constituindo preciosos ensinamentos para todos os partidos e militantes comunistas.

Oxalá tenha conseguido contribuir para relembrar/despertar o interesse pela sua leitura, tornando-a tão palpitante quanto o são as ideias revolucionárias que nos legou.


sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Ataque brutal contra a democracia e a liberdade

É este o título do texto publicado pelo "Rádio Moscovo", a quem peço permissão para aqui transcrever:

"A partir de hoje, os registos das comunicações que produzimos através de telefone móvel e fixo e através da internet vão ficar armazenados nos operadores de tele-comunicações à disposição da justiça durante um ano. Como podem ler na lei, as nossas chamadas, os nossos e-mails, os nossos sms, os endereços que visitamos na internet, tudo isso vai ser alvo de retenção. A data, a hora do inicio e do fim e a duração das comunicações, com quem comunicamos e a localização mas - dizem eles - não o conteúdo.Esta é uma directiva europeia aplicada agora na nossa legislação e que foi implementada primeiro em Inglaterra depois dos atentados no metro de Londres. Não só é um ataque brutal à privacidade mas mais do que isso é um violento atentado à democracia. Desde o 11 de Setembro de 2001 que o "terrorismo" serviu de desculpa à vaga securitária que tanto a burguesia desejava. Impor uma legislação que permitisse a vigilância total sobre os cidadãos era um desejo antigo."

O título, forte, parece-me inteiramente apropriado.
Utilizando o link, fui ler a lei. Tem já mais de um ano, foi aprovada a 25 de Maio, promulgada a 1 e publicada a 17 de Julho do ano passado. Foi proposta pelo governo, para concretizar fiel (e canina) transposição de uma (mais uma!) directiva do parlamento europeu. Foi aprovada com os votos a favor dos deputados dos três principais partidos do "arco governativo", a saber, PS, PSD e CDS/PP. Entrou entretanto em vigor, após a publicação de portaria conjunta dos ministros da Administração Interna, da Justiça e das Comunicações.
Esta lei é apresentada como sendo destinada " para fins de investigação, detecção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes". E por crimes graves define, depois do inevitável "terrorismo" e entre outros nomes de grande efeito, o crime contra "a integridade pessoal".
Recentes episódios de censura e anulação de blogs, tornam oportuna e actual a denúncia desta lei. Se alguém, um qualquer cidadão - um qualquer de nós -, no exercício do seu legítimo direito à verdade, e no exercício das liberdades políticas que a nossa Constituição consagra, chamar mentiroso ao 1° ministro, pode esperar a mão pesada da "dura lex", ainda que se tenha limitado a dizer uma óbvia e claríssima verdade.
Alguém razoavelmente informado, sobre as práticas persecutórias e secretas - já há muito tempo em curso - dos serviços ditos de "segurança do Estado", acreditará que tal lei visa dar combate ao crime organizado, à corrupção dos detentores do poder, às grandes fraudes fiscais, aos altos esquemas de lavagem de dinheiro proveniente de actividades ilícitas, às falcatruas operadas nos e pelos bancos? Ou então, o que seria de saudar, no combate às actividades das organizações fascistas no país? Por mim, entendo que ninguém acredita nisso. Todo esse rol interminável e sujo de crimes, na sua maioria praticados por gente de "colarinhos brancos" e às escâncaras de todos nós, havendo vontade política há muito estariam investigados, julgados e condenados os seus impunes e descarados autores.
Trata-se, claramente, de mais um instrumento "legal" (entre comas) para liquidar o direito de todos nós a decidirmos quando, como, a quem (e o quê, não nos iludamos!) manifestamos o nosso pensamento, a nossa opinião, a nossa posição. É a liquidação da privacidade nas relações pessoais. É a "institucionalização" (idem, entre comas) das práticas antigas da PIDE/DGS e modernas da CIA e suas extensões domésticas. É a concretização do "Big Brother".
Cada dia, a cada iniciativa repressiva/securitária do poder usurpador instalado, mais emerge a urgência e imperiosa necessidade, para todos os verdadeiros democratas, para todos os que preservam a liberdade e os valores conquistados pela Revolução portuguesa, de unirem vontades e energias para travarmos esta marcha forçada apontada à completa liquidação da democracia política - pois a económica, a social e a cultural há muito foram liquidadas. Urge agir, para concretizar a ruptura com este regime e de novo retomarmos os interrompidos caminhos de Abril.

domingo, 2 de agosto de 2009

Honduras - A palavra às organizações de professores


Segundo noticiado hoje pela ABN, foi assassinado outro professor hondurenho, apunhalado quando acabava de assistir ao velório do seu colega, igualmente assassinado dias antes pelos golpistas. Para maior conhecimento, transcrevo abaixo, no original, o texto desta notícia.


"Tegucigalpa, 02 Ago. ABN.- Otro profesor fue asesinado este domingo en Honduras, cuando retornaba a su casa en Tegucigalpa, tras asistir al velorio del docente Róger Vallejo, quien falleció este sábado a causa de un disparo en la cabeza que recibió el pasado jueves durante una manifestación contra el golpe de Estado. Dirigentes de los gremios magisteriales identificaron a la víctima como Martín Florencio Rivera Barrientos, asesinado de 25 puñaladas, de acuerdo con los primeros informes obtenidos, informó la agencia de noticias Prensa Latina. El representante de esa organización sindical, Milton Bardales, afirmó que los únicos enemigos de Rivera Barrientos son el presidente del gobierno usurpador, Roberto Micheletti, y el jefe de las fuerzas armadas, general Romeo Vázquez, autores del golpe militar del 28 de junio pasado. 'Se trata de una campaña de intimidación contra el magisterio, el gremio más grande y organizado del país', expresó. Subrayó que a pesar de la represión y los asesinatos, los golpistas no podrán detener la lucha popular por rescatar el Estado de Derecho y la restitución del presidente constitucional, José Manuel Zelaya Rosales. Bardales denunció también maltratos a docentes y otras personas arrestadas el jueves y viernes pasado, en las ciudades de Comayagua y Santa Rosa de Copán, durante la represión a demostraciones populares antigolpistas. Con la muerte de Rivera Barrientos, ya son cinco las personas asesinadas por el gobierno usurpador. La política de represión se ha instalado en Honduras desde el pasado 28 de junio, fecha en la que se instaló en el poder un régimen dictatorial encabezado por Robeto Micheletti."


Sendo a solidariedade com a luta do povo hondurenho um dever urgente para todos nós, considerando o papel destacado que as organizações de professores das Honduras vêm assumindo na luta contra o golpe e pela liberdade e reposição da democracia no país, deixo aqui à consideração dos professores democratas e às suas organizações sindicais que possa ser equacionada a oportunidade e a justeza de uma sua tomada de posição, em solidariedade com os seus dois colegas assassinados, bem como com numerosos outros agredidos no decurso das suas acções de resistência ao golpe e aos golpistas.