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quarta-feira, 8 de maio de 2013

Partidos Comunistas: Uma Esquerda Revolucionária ou a Esquerda do Sistema?


Trata-se de um tema recorrente, este da designação dos partidos políticos, na sua relação com o verdadeiro significado da linha política e posições de classe que os caracteriza. Aqui mesmo neste blog já várias vezes procurámos tratar a questão, nomeadamente avaliando a não-correspondência entre nomes e conteúdos, entre auto-designações e práticas políticas contraditórias.
No que aos partidos do capital diz respeito, essa falsa e mascarada nomeação é estrutural, visceral: o nome do partido, invariavelmente, serve para ocultar a sua real política de classe. Tomando como exemplos os mais próximos e do "arco da governação", o partido socialista português é, de facto, não um partido social-democrata como os seus dirigentes afirmam, mas sim um partido social-liberal  (ver aqui: http://oassaltoaoceu.blogspot.pt/2010/02/social-democracia-ou-social-liberalismo.html ), e, este mascaramento está igualmente presente na designação oficial do seu aliado, o  partido social-democrata, pois também há muito é um partido liberal; tal como o terceiro partido português do grande capital, chamado do centro democrático social, é desde o seu nascimento um partido encapotado da extrema-direita.

Dir-se-ia que tais manobras nas nomenclaturas políticas eram apanágio exclusivo destes partidos do capital, todos fingindo serem aquilo que não são, mas não é assim.
 
Também a designação de partido comunista, designação clássica para os partidos operários de génese teórica assente no feixe de teorias a que chamamos marxismo-leninismo,  hoje em numerosos casos não corresponde às bases programáticas, às práticas políticas, ao posicionamento de classe. Ou seja, os partidos comunistas - mais exactamente, aqueles que a si mesmos assim se designam - não escapam a esse processo geral de dessoramento ideológico, de mascaramento e falseamento das suas posições de classe. São numerosos os exemplos de partidos "comunistas" cujas concepções, linhas políticas e actividades práticas revelam um conteúdo de classe burguês - mais precisamente, pequeno-burguês -, o que os conduz para orientações de "colaboração" de classes, de contemporização e sujeição ao domínio político e ideológico da grande burguesia.

Numa ocasião, ao discutir as situações de traição e transfuga de membros do PCP, o dirigente Pires Jorge - já falecido -, com a sua ironia e boa disposição de sempre, quando com ele se comentava os vários exemplos de traição, "ressalvava" os erros da direcção cometidos na avaliação aos quadros e brincava com a expressão: "Pois é, camaradas, nós não temos um "sacanómetro"! Se tivessemos um "sacanómetro"!...
Também para avaliarmos os colectivos comunistas ou os assim designados, nós não temos à disposição tal "instrumento" de medida. Mas podemos e devemos avaliá-los com todos os dados que se possam reunir sobre cada qual; seja quanto aos programas, seja quanto às formas de organização, aos métodos e estilo de funcionamento, seja quanto à táctica e política de alianças conexa, seja quanto às posições políticas tomadas, seja quanto às avaliações que divulga sobre si próprio e sobre outros partidos, seja quanto à dimensão da sua "ancoragem" ideológica e a aplicação prática das teorias do marxismo-leninismo.

Neste blog já se reflectiu e escreveu sobre a questão. Hoje, o título do post ensaia uma nova colocação do problema: um partido comunista, perante o sistema sócio-económico capitalista dominante - seja num plano interno, nacional, seja no plano externo, internacional -, colocado face-a-face ao capitalismo monopolista de Estado, hoje um sistema  articulado mundialmente pelas superestruturas do imperialismo,  que posições assume?
Tal como não é possível, apesar dos esforços continuados de toda a vasta prole do oportunismo político, operar uma miscigenação entre capitalismo e socialismo, também não é possível contornar esta questão central, nuclear, constitutiva de qualquer partido comunista: ele é a esquerda revolucionária - ou é a "esquerda" do sistema?

A pergunta, de resposta aparentemente fácil e concisa, afinal não o é tanto assim. Desde logo, por exemplo,  porque pessoas bem intencionadas - e apressadas - poderão de imediato atalhar razões e afirmar: "Ora, sendo a esquerda revolucionária, obviamente é a esquerda do sistema!". A essas "boas almas" é necessário notar-lhes simplesmente que o silogismo do raciocínio, falseando o problema, oculta uma realidade inamovível: os termos da equação não se igualizam e bastará inverterem a sua ordem para o compreenderem, isto é: ser a esquerda do sistema não é - nunca será - igual a ser a esquerda revolucionária.

Evidentes derivas políticas e dessoramentos ideológicos nalguns partidos "comunistas", aí estão a evidenciar na prática a questão colocada. O caso recente do partido "comunista" francês, pelo seu simbolismo, é mais imediatamente visível: os seus dirigentes, ao decidirem abandonar os símbolos fundacionais do comunismo (a foice e o martelo), decidiram alijar uma carga nominativa que há muito constrangia a real orientação política deste partido, tendo-se em conta a sua linha revisionista e a continuada cavalgada reformista para a direita que pratica há décadas.
Entretanto, as situações existentes em outros partidos e formações "comunistas" europeus - o caso espanhol, tal como o italiano, são dois exemplos, a par de vários outros - seguem um rumo semelhante,  todos tomados pelo "institucionalismo", tanto nos seus países como no âmbito europeu, integrando o chamado partido da esquerda europeia. Também noutros continentes são vários os exemplos deste tipo de partidos "comunistas" "institucionalizados", integrantes da estrutura político-partidária do sistema capitalista.

Movimento Comunista Internacional ou Movimento Internacional das Esquerdas?

Ignorar a realidade não a anula ou transforma e o actual quadro mundial dos partidos operários e populares é parte integrante da realidade. Não nos basta afirmarmos que o movimento comunista internacional se fragilizou, procurando explicar essa "fragilização" usando a mentirosa "muleta" argumentativa da negativa alteração verificada na correlação mundial de forças com a destruição da URSS e do sistema socialista na Europa. Tanto mais que a questão central não reside nas mudanças objectivas no mundo mas sim na degradação do factor subjectivo por esses partidos "comunistas".
Olhar de frente a realidade, de forma séria e rigorosa, buscando interpretá-la, não é somente uma necessidade conjuntural ou estratégica para os comunistas (marxistas-leninistas); é um dever político de revolucionários. Encobrir erros, simplificar o que é grave, suavizar a situação objectiva e subjectiva existente em numerosos partidos comunistas, sendo um posicionamento totalmente errado é também uma traição aos ideais e patrimónios revolucionários constituintes legados por Marx, Engels, Lénine, ideais e patrimónios aos quais entregaram o melhor de si sucessivas gerações e milhões de comunistas, em todos os continentes, desde há um século.

Uma grelha de avaliação rigorosa é de construção relativamente simples, se para tal recorrermos aos eixos políticos e concepções ideológicas básicas, uns e outras definidores da condição comunista. De entre elas, podemos enunciar as seguintes:

- A existência das classes sociais, a exploração da força de trabalho e a luta de classes;

- O Estado, seus fundamentos e objectivos como instrumento de domínio de classe;

- A democracia e as suas componentes - política, económica, social, cultural;

- Imperialismo, o estádio actual do capitalismo, seu grau de internacionalização e centralização;

- Política de alianças, sociais e políticas, suas qualidades e seus limites;

- A via para o socialismo e o comunismo, suas fases e etapas;

- Partido comunista, partido de classe, suas específicas e identitárias características;

- Organização partidária, centralismo e funcionamento democráticos e a política de quadros;

- Base teórica e o papel da teoria, o materialismo histórico e dialéctico, na formação dos
  militantes e a sua aplicação e uso práticos;

- Revolução, um conceito subjectivo utópico  ou um objectivo programático central;

A utilização deste conjunto de itens operativos, se usados para uma análise objectiva a cada partido, é um exercício trabalhoso e requer espaço e tempo e não é o propósito deste post. Cada um destes itens, se tratado separadamente, pode justificar debate com post próprio,  usando-o para interpretar/identificar as ideias e manifestações mais visíveis nas linhas políticas e posicionamentos dos partidos "comunistas". Tal propósito ficará para mais adiante.

Na avaliação do quadro político mundial, uma posição contemporizadora com posições revisionistas no plano da teoria e oportunistas no plano do comportamento político não é a via para um alegado esforço de agregação de forças. Existe, sim, espaço para um Movimento Anti-Imperialista e pela Paz, de colaboração recíprocamente vantajosa entre diversificadas forças, povos e estados/países. Mas quando se trata de analisarmos a vanguarda consequente desse movimento, isto é, os partidos operários e comunistas, não há a mínima margem para conciliação com posições de traição aos fundamentos de classe e com vergonhosos compromissos "democráticos" com o capital e os seus partidos e instituições.

Aos comunistas, está vedado o caminho da "colaboração das classes", o caminho da contemporização com a exploração e a redução à miséria da classe operária, as trocas da estratégia pela táctica, uma espécie de "real politik" para aplicação por PC's que já se venderam ou se submeteram ao domínio do sistema capitalista.
A experiência do combate às concepções e práticas reformistas da II Internacional, um combate conduzido firmemente por Lénine há um século, são um guia luminoso para os comunistas na actualidade, ensinando-nos quanto nos é indispensável e inadiável dar continuidade a esse combate de sempre, hoje ainda mais necessário, responsável e insubstituível.
A coerência e a fidelidade comunistas exigem uma permanente auto-avaliação e um exame sério das realidades partidárias dos que se designam comunistas, com a assunção de uma posição coerente e frontal perante os outros partidos marxistas-leninistas, em qualquer latitude onde se encontrem. Nenhumas atitudes "pragmáticas" e tacticistas contribuem para o reforço do combate de classe que renhidamente travamos, hoje num quadro multinacional/global. A reconstrução de um Movimento Operário Internacionalista é totalmente incompatível com práticas "unitaristas" diluidoras dos princípios e liquidacionistas das bases teóricas e das posições políticas que justificam e autorizam o uso honroso do nome de comunistas.


 



 

4 comentários:

Octopus disse...

Tema extremamente interessante.

Efectivamente, do ponto de vista anarquista, os partidos comunistas fazem parte integrante do sistema e em grande parte justificam esse mesmo sistema.

Um abraço

filipe disse...


Amigo “Octopus”, agradecendo-lhe a sua avaliação positiva, quero pensar ter conseguido afirmar no post que o dito ponto de vista anarquista está errado. De facto, se o objecto político central – ontológico - dos comunistas é agir junto dos trabalhadores e do povo para a concepção, organização e realização da destruição revolucionária do sistema sócio-político capitalista e sua substituição pelo novo sistema socialista, é contraditório e paradoxal que alguns PC’s aceitem o papel oportunista que lhe cometem de serem a “esquerda do sistema”…
Um abraço.

Octopus disse...

Filipe,

Estou perfeitamente de acordo, que a que a concepção intrínseca do comunismo não é substituí-la por por um sistema socialista. Isto como dia é oportunismo.

Contudo, a filosofia anarquista não é, como muitos pensam, a alienação da "luta das classes", considera apenas que o sistema instaurado beneficia o poder instalado, e que só o fim deste sistema hierarquisado pode ser uma das soluções para o pleno desenvolvimento pessoal com uma democracia directa.

Um abraço

filipe disse...

"Octopus", parece que convergimos no ponto comum a comunistas e anarquistas quanto à necessária destruição do sistema capitalista existente e a passagem ao "pleno desenvolvimento pessoal com uma democracia directa". O ponto crucial é como realizar essa transição de um a outro momento. Quanto a mim, escolhi o comunismo por pensar que, não havendo "vácuos" na História, a transição para o socialismo tem que ser assegurada/realizada com um programa político - socialista - e com o exercício de um novo poder político - operário, de todos os trabalhadores -, capaz de destruir o velho e construir o novo. Não há espontaneidade das massas, por muito bonita e simpática ao nosso imaginário, que consiga/possa realizar tal tarefa.
Outro abraço.