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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A Itália de Berlusconi e a passagem à ofensiva



Segundo a imprensa, há pouco mais de uma semana (em 5/12), a capital italiana assistiu a mais uma grande manifestação contra Berlusconi que, segundo os organizadores, fez desfilar pelas ruas de Roma centenas de milhares de manifestantes. Gianfranco Mascia, um dos promotores da manifestação, afirmou na altura que «esta é uma manifestação convocada por cidadãos na internet e graças à internet. Somos um movimento político, mas não pertencemos a nenhum partido e decidimos organizar esta manifestação justamente porque os partidos não o fazem».

Três ideias imediatas decorrem desta notícia: a primeira, de ordem prática, é uma evidência que a Internet pode e deve ser, de facto, um veículo comunicacional que, se utilizado de forma consequente e sob uma orientação justa, pode contribuir de modo relevante para as transformações sociais e políticas de que o mundo actual urgentemente carece; a segunda, uma crítica contundente aos partidos políticos que em Itália se reclamam de esquerda, acusando-os de inacção e incapacidade para organizarem os protestos populares contra um governo neofascista; a terceira, o sucesso da manifestação - que surpreendeu tanto pela adesão massiva à sua convocatória como pela combatividade dos participantes - desmascarou os arautos da conciliação de classes e os defensores da resignação e da desistência perante a violenta ofensiva política do capital em desenvolvimento.

Da tribuna da manifestação intervieram vários intelectuais, entre os quais o prestigiado escritor Dario Fo, prémio Nobel da literatura em 1997 - Saramago também enviou uma saudação aos manifestantes -, com os organizadores a rejeitarem a intervenção de representantes de partidos políticos e de dirigentes sindicais. Independentemente das suas reais razões e propósitos, esta recusa e a alargada relutância que ela espelha confirmam, por parte das massas trabalhadoras e populares, um visível afastamento da actuação e das posições da generalidade dos partidos políticos, tal como evidenciam o isolamento continuado das centrais sindicais italianas.

De facto, no âmbito de um fenómeno político que tem uma história de décadas e que ainda não foi revertido, o oportunismo apoderou-se das direcções sindicais, levando-as a agirem para travarem o desenvolvimento das lutas de classe, transformando-as em componentes sociais reformistas do sistema de exploração do capital e tornando a generalidade dos sindicatos em organismos conluiados com as organizações patronais.

Quanto aos partidos "de esquerda", tornados submissos perante o aparelho de estado e as políticas de sucessivos governos/conselhos de administração da grande burguesia italiana, vivem mergulhados num profundo processo de degenerescência política e ideológica que, não obstante alguns esforços realizados nos últimos anos, os mantém divididos e pulverizados por sucessivas dissensões, atolados nas ideias revisionistas e demasiadamente desligados das organizações do proletariado italiano, facto este que os incapacita para uma efectiva e justa avaliação de classe da sociedade italiana, uma avaliação apoiada na experiência e no contacto estreito com as realidades e as aspirações do movimento operário actual.

Diversos dirigentes de formações partidárias que se reclamam operárias e comunistas, em declarações à imprensa e avaliando o carácter espontaneísta da manifestação, lamentaram a ausência de um objectivo político claro e unificador para a manifestação. Têm decerto razão, nesta sua avaliação crítica, alertando para o risco da adopção das concepções do espontaneísmo, típicas de posições oportunistas pequeno-burguesas que vêm ultimamente recrudescendo os seus esforços e actividades diversionistas, tendo por denominador comum o anti-comunismo.
A inconsistência resultante da ausência de uma linha política revolucionária e de um rumo geral no qual se integrem e confluam muitas e diversificadas acções, robustecendo-as e dotando-as de eficácia política, põe a nua a fraqueza e os resultados inconsequentes destas importantes acções de massas contra o governo de Berlusconi, independentemente da sua dimensão e da legítima indignação e justas aspirações dos manifestantes.
Mas para além da sua acertada avaliação crítica, esses dirigentes partidários deverão também avaliar criticamente o que andam fazendo e por que razões foram sendo "varridos" do ideário e das aspirações dos trabalhadores italianos, extraindo dessa auto-avaliação as lições e os ensinamentos correspondentes.
Se verdadeiramente quiserem recuperar credibilidade e reganharem a confiança dos trabalhadores, preparem-se para um duro trabalho, trabalho que não se compadece com a continuação das actividades de cúpula, desenraizadas das realidades vividas - e sofridas - pelos assalariados italianos. Como a história do movimento operário e comunista ensina, é muito fácil e cómoda uma actividade de dessoramento ideológico e de rendição política, mas muito difícil será - sempre! - o trabalho de reorientação política e de reorganização partidária. Um trabalho exigente e prolongado, apelando às suas energias revolucionárias mais sólidas e profundas, reclamando uma militância dedicada e determinada, localizando e promovendo os melhores quadros, um trabalho guiado por uma firme orientação política de classe e apoiado pela teoria revolucionária da nossa época - o marxismo-leninismo.

Desafortunadamente, este quadro que vimos tratando não constitui uma situação excepcional e exclusiva dos italianos. Podemos observar diversas outras situações muito semelhantes, em vários países europeus e no mundo. Numerosos partidos operários baquearam, não sabendo resistir à ofensiva neoliberal. Abandono de identidades, de nome e de bandeira, transição para posições social-democratas, liquidação das organizações de base próprias da concepção leninista de partido - especialmente as organizações nos locais de trabalho -, num triste e vergonhoso abandono das trincheiras próprias na luta de classes.

De uma situação inicialmente localizada nos partidos comunistas que na Europa de há muito tinham já deixado de se reclamar operários, adoptando a chauvinista designação de "euro-comunistas" - sendo seus principais expoentes o PCI(1) e o PCF -, com efeitos de "contágio" visíveis em partidos de outros continentes, passamos nos anos finais do século passado para um quadro mais adverso, como consequência directa das profundas derrotas sofridas nos países socialistas do leste europeu, quadro caracterizado por recuos e transições oportunistas mais graves.

Entretanto, nos últimos anos em resultado dos esforços conjugados de alguns partidos ideologicamente mais sólidos - entre os quais o PCP -, iniciativas internacionais de estudo e debate vieram reverter parcialmente esse panorama. Os últimos Encontros Internacionais de Partidos Comunistas e Operários, promovidos por esse grupo de partidos, permitiram uma mais rigorosa e unificada caracterização da situação mundial, proporcionando-lhes a adopção de algumas linhas comuns de intervenção política e de orientação geral para as lutas de cada partido.

Neste sentido, são especialmente relevantes algumas das formulações adoptadas na Declaração final do Encontro de Deli, realizado nos passados dias 20, 21 e 22 de Novembro, pp. Ainda visivelmente aquém da gravidade e das potencialidades que a crise sistémica do capitalismo evidencia e abre, esta Declaração contém avanços significativos que devemos valorizar.

Pelo interesse que resultará da sua divulgação - aliás, já oportunamente transcrita em post's de outros blog's comunistas -, abaixo se transcreve a sua última parte.

Passar à ofensiva
«O imperialismo, dinamizado pelo fim da União Soviética e pelos períodos de “boom” que precederam esta crise, tinha desencadeado ataques sem precedentes contra os direitos da classe operária e dos povos. Tudo isto foi acompanhado por uma propaganda anti comunista frenética, não apenas ao nível de cada país, mas também em organismos internacionais e interestatais (UE, OSCE, Conselho da Europa). Mas por muito que se esforcem, as conquistas e o contributo do Socialismo para a configuração da civilização moderna são inapagáveis. Perante estes ataques sem tréguas, as nossas lutas tinham até agora sido principalmente lutas defensivas, para defender os direitos que tínhamos alcançado anteriormente. A conjuntura actual exige o lançamento duma ofensiva para não apenas defender os nossos actuais direitos, mas também para conquistar novos direitos; não apenas para conquistar novos direitos, mas também para desmantelar toda a engrenagem capitalista – uma ofensiva contra a dominação do capital e por uma alternativa política: o Socialismo.
«Resolve que nas actuais condições, os partidos comunistas e operários trabalharão activamente para mobilizar e trazer as mais amplas forças populares à luta por empregos estáveis a tempo inteiro, por cuidados de saúde, ensino e previdência exclusivamente públicos e gratuitos para todos, contra a desigualdade entre homens e mulheres e o racismo, e pela defesa dos direitos de todos os sectores de trabalhadores, incluindo os jovens, as mulheres, os trabalhadores migrantes e os membros de minorias étnicas e nacionais.

«Apela aos partidos comunistas e operários para que se entreguem a esta tarefa nos seus respectivos países e desencadeiem amplas lutas pelos direitos do povo e contra o sistema capitalista. Apesar do sistema capitalista trazer dentro de si a crise, ele não se desmorona automaticamente. A falta duma contra-ofensiva dirigida pelos comunistas engendra o perigo dum ascenso das forças reaccionárias. As classes dominantes estão a lançar uma ofensiva sem limites para impedir o crescimento dos partidos comunistas e operários e para se defenderem na situação actual. A social-democracia continua a semear ilusões quanto ao verdadeiro carácter do capitalismo, propondo palavras de ordem tais como “humanização do capitalismo”, “regulamentação”, “governança global”, etc. Na realidade, estas servem para dar suporte à estratégia do capitalismo, ao negar a existência da luta de classes e servir de apoio à realização de políticas anti-populares. Não há reformas que bastem para eliminar a exploração capitalista. O capitalismo tem de ser derrubado. Isso exige a intensificação das lutas populares, ideológicas e políticas, dirigidas pela classe operária. São propagadas muitas teorias do tipo “não existem alternativas” à globalização capitalista. Contra elas, a nossa resposta é: “a alternativa é o Socialismo”.

«Nós, partidos comunistas e operários, provenientes de todas as partes do mundo e representando os interesses da classe operária e de todas as camadas trabalhadoras da sociedade (a imensa maioria da população global), sublinhando o papel insubstituível dos partidos comunistas, apelamos aos povos para que se juntem a nós no reforço das lutas que afirmam que o socialismo é a única verdadeira alternativa para o futuro da humanidade, e que o futuro é nosso».


Contra todas as manobras de diversão ideológica conduzidas pelo imperialismo, defrontando as exacerbadas campanhas anti-comunistas em curso, resistindo face a todas as ofensivas anti-democráticas do capital, os comunistas e os revolucionários devem manter firmemente nas suas mãos a bandeira da revolução, sem hesitações ou tergiversações políticas, com a aguda consciência do carácter absolutamente único e insubstituível dos seus papeis e responsabilidades. Baquear, desistir, ceder, significa abandonar os explorados à exploração e à humilhação, deixando-os divididos e desarmados perante a acção constante das organizações e personagens do reformismo, tão generosamente apoiados - e pagos! - pela burguesia e pelos seus governos.

A luta dos comunistas transporta as sementes do futuro socialista dos seus países, uma luta irrenunciável e exaltante que vale bem a pena ser abraçada por todos os que não enjeitam as suas responsabilidades e que querem permanecer/ser coerentes na sua escolha de posição na trincheira da luta de classes, sempre do lado dos explorados, sempre solidários com os povos do mundo inteiro.

(1) Nota: Na década de setenta, consolidada a sua linha política revisionista, o PCI já está totalmente "institucionalizado", aceitando as regras da democracia burguesa e, igual a todos os restantes partidos italianos, disputa o poder político através de uma estratégia exclusivamente eleitoral, alcançando ao longo dos anos várias vezes resultados próximos e mesmo superiores a 30% dos votos nas eleições legislativas. O ponto máximo desta sua orientação eleitoralista é atingido em 1976, quando obtém 35%, mas o sistema político burguês dominante nunca o aceitou como parceiro no poder. Desde aquela data, foi vendo reduzir-se a sua base eleitoral, no decurso de um acidentado processo de disputas e divisões internas, típicas de um partido dirigido pela intelectualidade pequena-burguesa. Em 1991, acabou por decidir em congresso a sua auto-dissolução, tomando o nome de Partido Democrático da Esquerda (PDS), cujo principal dirigente, Massimo D'Alema, um ex-comunista rendido às virtudes do neoliberalismo, chegou a ser 1°. ministro da Itália (1988/2000) e, nesta qualidade, integrou a coligação militar dirigida pelos EUA de Clinton que destroçou a ex-República Federal da Jugoslávia.

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom!obrigada e Avante com a revolução Socialista Ruma ao comunismo e fora com o Imperialismo.

A CHISPA! disse...

Caro Filipe, este seu texto a imagem de outros produzidos por si,continuam com uma grave lacuna,quando não denunciam o mesmo oportunismo instalado ha longas décadas no PCP.
E uma prova bem evidente desse oportunismo,é,o facto de ele ter assinado e compremetido a levar a prática a Declaração de Dili,que apesar das suas limitações,(impostas pelos partidos mais direitistas),não deixa de ser um documento revolucionário e anti-capitalista,já o estava a TRAIR quando se ABSTINHA,no parlamento,na aprovação do Orçamento Rectificativo,quando este é um documento, que vai agravar o Défice Público e a Divida Externa e que apenas visa salvaguadar os interesses da burguesia capitalista na presente crise,os APOIOS dados a A.J.Jardim de 76 milhões de euros são bem o exemplo disso mesmo.
Caro Filipe o tempo das indirectas já acabou,se quiser servir o proletariado e a Revolução, e eu acredito que sim,sugero-lhe que faça como têm feito o PCG-KKE,vá ao fundo das questões,não tenha medo de atacar as VACAS SAGRADAS,porque estas foram as responsáveis pela traição que se verificou no campo comunista.
"achispavermelha.blogspot.com"
"A CHISPA!"
José Luz