SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

O imperialismo é isto


Sykes-Picot no Século XXI
Em 1916, diplomatas ingleses e franceses cozinharam um plano secreto de partilha do então Império Otomano (turco). Enquanto enganavam os árabes com promessas de independência, planeavam entre si o controlo da região (com umas migalhas para o czarismo russo). Após a Revolução Russa de 1917, o jovem poder soviético descobriu o acordo Sykes-Picot nos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros e revelou-o ao mundo. Um século depois, repetem-se os planos de partilha imperialista.
Há quase uma década (Junho 2006), o norte-americano Armed Forces Journal publicava um mapa que redesenhava as fronteiras do Médio Oriente. Desde então, as guerras imperialistas deram lugar à fragmentação do Iraque e Síria e ao surgimento do «Califado Islâmico» ou ISIS. Agora começam a surgir as confissões públicas semi-oficiais dos objectivos. O ex-Embaixador dos EUA na ONU, John Bolton, escreveu (NY Times, 24.11.15) que «a realidade é que o Iraque e a Síria, tal como os conhecemos, já não existem». E falando do que chama o «eixo russo-iraniano e dos seus intermediários», afirma sem pestanejar: «o seu objectivo de recuperar para os governos iraquiano e sírio as antigas fronteiras é um objectivo fundamentalmente contrário aos interesses americanos, israelitas e dos estados amigos árabes». Não querendo ficar atrás, o chefe dos Serviços Secretos franceses para o Estrangeiro (DGSE), Bernard Bajolet afirmou: «o Médio Oriente que nós conhecemos acabou e duvido que ele volte […] não sei bem em que moldes. Mas seja como for, será com um figurino diferente do que foi estabelecido após a Segunda Guerra Mundial», quando esses países deixaram de ser colónias francesas e inglesas. O portal belga que reproduz estas afirmações (www.rtl.be, 28.10.15) acrescenta que «o director da CIA [John Brennan] exprimiu um ponto de vista semelhante». Igual objectivo foi expresso pelo ex-Ministro de Negócios Estrangeiros inglês, William Hague, falando na Câmara do Lordes em apoio dos bombardeamentos ingleses na Síria: «Devemos estar abertos a novas soluções. Ao fim e ao cabo, se as comunidades e dirigentes não conseguem viver em paz na Síria e no Iraque, teremos de tentar que vivam em paz, mas em separado, através da partição desses países» (BBC, 2.12.15). Repare-se no desplante de fingir que estamos perante um problema de indígenas incapazes de se governarem, que nada tem a ver com duas décadas de guerras, invasões e agressões, nas quais o imperialismo inglês desempenhou papel destacado.
A «coligação» mais parece a Força Aérea do ISIS
Os objectivos de dominação explicam o que de outra forma parece contraditório, como as alianças à la carte ou os pretextos para intervir na região: o governo inglês que em 2013 queria bombardear o governo sírio está agora a bombardear a Síria invocando a ameaça do ISIS... que combate o governo sírio. O pretexto é esse. A realidade é outra, como fica patente no cada vez mais claro papel da Turquia (potência da NATO) no apoio e tráficos que sustentam o ISIS. O governo sírio fez este mês queixa formal à ONU de que quatro aviões da «coligação anti-ISIS» chefiada pelos EUA bombardearam uma base do seu exército, «matando três soldados e ferindo 13» (www.cbc.ca, 7.12.15), numa «província em grande parte nas mãos do ISIL» (BBC, 7.12.15). Na semana passada, coube a sorte ao exército iraquiano em pleno combate contra o ISIS, que sofreu dezenas de baixas num ataque aéreo de aviões dos EUA (Press TV, 18.12.15). A «coligação anti-ISIS» dos EUA mais parece a Força Aérea do ISIS. Não surpreende assim que, como titulava o insuspeito Washington Post (1.12.15), «Iraquianos pensam que os EUA estão feitos com o Estado Islâmico».
O caos e o terrorismo são uma arma para justificar as guerras e agressões e, no plano interno, os estados de emergência e os mecanismos de repressão fora de controlo. Na raiz estão sempre os interesses económicos e de classe do grande capital. O imperialismo é isto.
 
Jorge Cadima in "Avante!" N.º 2195
23.Dezembro.2015        

sábado, 7 de novembro de 2015

Viva a Revolução (bolchevique) de 7 de Novembro de 1917!


Tal como a gesta heróica da classe operária parisiense, em 1871, com a revolucionária criação da Comuna de Paris, menos de meio século depois, nesta data histórica do 7 de Novembro de 1917, tinha lugar a Revolução de Outubro na velha Rússia czarista. De um ponto de vista marxista-leninista, pelo seu carácter transformador da marcha da evolução humana, são os dois maiores acontecimentos na História Mundial dos séculos XIX e XX. Tendo ambos por protagonista maior a classe operária - primeiro a francesa e depois a russa -, à cabeça de grandes movimentos sociais dos explorados contra os seus exploradores, ficaram gravados a fogo nas páginas da luta de classes, luta constante e permanente que constituiu o verdadeiro motor na caminhada da Humanidade para a sua real e completa emancipação.
A Revolução de Outubro, iniciada como todas as revoluções por uma insurreição popular dirigida pela classe operária e o seu partido de classe, com uma direcção bolchevique orientada pelas teses leninistas, rapidamente ganhou o apoio entusiástico do operariado russo que, não obstante amplamente minoritário numa população maioritariamente camponesa, venceu as resistências das classes exploradoras e, com o apoio das classes e camadas exploradas e dominadas pela aristocracia e a grande burguesia russas, operou a maior transformação social e política nunca antes experimentada na vida dos povos, na vida do povo russo imediatamente e depois irradiando como exemplo luminoso para os povos de todos os continentes.


O gatilho que fez deflagrar a revolução bolchevique e garantiu o seu êxito e aprofundamento foi o criador e revolucionário sistema do exercício do poder político pelos sovietes, a nova organização do poder operário e popular com dimensão de massas. "Todo o poder aos Sovietes!", foi a palavra de ordem radical lançada pelo partido de Lenine, iniciando-se com ela a destruição do Estado burguês e o desmantelamento das suas instituições ditas "do direito" e "democráticas", com a sua substituição pelo exercício de um poder simultaneamente representativo e executivo, executante directo dos interesses de classe das classes e camadas até aí exploradas e submetidas aos poderes do Estado burguês. Uma democracia política de massas, amplamente representativa e participada no seu dia a dia por milhões de trabalhadores-cidadãos, segundo as palavras de Lenine mil vezes mais democrática que a mais democrata das democracias parlamentares burguesas.


Defrontando a resistência encarniçada das classes antes dominantes, ganhando o confronto militar que se seguiu, tanto numa cruenta guerra civil como derrotando os exércitos invasores das potências imperialistas da época; duas décadas depois, em imparável processo de construção da nova sociedade socialista, foi capaz de mobilizar o povo e os meios materiais para derrotar o principal e mais forte componente estratégico dos exércitos nazis hitlerianos; deste modo, a nova pátria socialista soviética sobreviveu, consolidou-se e passou a disputar ao imperialismo o papel deste de força hegemónica mundial, alcançando-o e ultrapassando-o nos variados domínios - militar, científico, tecnológico, económico, social, político -, constituindo-se como um exemplo e um estímulo para o combate de classes, inspirando novas revoluções e a criação de novos países socialistas.


A marcha da História, após o desaparecimento das gerações dirigentes de Outubro e a sua substituição, a partir do Krushchev, por dirigentes reformistas e revisionistas, encaminharam a pátria de Lenine para a conciliação de classes, para políticas económicas de restauração do capitalismo mascarado de "socialismo de mercado", para a liquidação do poder popular soviético e sua substituição por uma clique de possidentes oportunistas que se foram progressivamente desmascarando da sua auto-proclamada condição de "comunistas" e isolando crescentemente esse poder "soviético" das massas operárias e trabalhadoras. O golpe dos anticomunistas Gorbatchov e Ieltsine foi a machadada final no socialismo, desarmando as forças comunistas sãs e entregando a rendição do Partido Comunista da União Soviética ao imperialismo, abrindo caminho à contra-revolução e à restauração do sistema capitalista nos diversos países europeus até aí ditos ainda socialistas.
A acção conjugada e ardilosamente construída entre os traidores internos e os inimigos externos, ditou a catástrofe histórica da destruição do campo socialista, deixando o terreno da arena internacional entregue ao restauracionismo neoliberal e neofascista, contra o qual um punhado de países procura ainda resistir, a par com os partidos comunistas que continuam o seu combate em fidelidade aos ensinamentos ideológicos e políticos dos criadores clássicos do Marxismo-Leninismo.
 
Quase a completar-se um século após a grande Revolução de Outubro, formulemos firmes votos que esse Centenário seja cuidadosamente preparado pelos comunistas e venha a ser comemorado com a seriedade revolucionária, o respeito, a dignidade e a relevância que deverá ter. Em tempos tempestuosos e exigentes, marcados pelas deserções e pelos posicionamentos oportunistas de tantos pseudo-comunistas, o combate vitorioso e o exemplo imorredouro de Outubro aí continua vivo e vivificante, iluminando os nossos caminhos para a revolução, rumo ao Socialismo.
Se é uma verdade sem contestação que não basta desejar a revolução para que ela ocorra, é igualmente uma verdade indesmentível que para a realizar é indispensável haver quem acredite no caminho para ela e quem verdadeiramente a queira e tudo faça para concretizá-la. Grande teórico da Revolução, a maior obra do legado de Lenine foi a sua realização prática.

Viva a Grande Revolução de Outubro! Viva o marxismo-leninismo!

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Um testemunho histórico e corajoso - Lições para o presente e para o futuro (5)



Retoma-se a transcrição de mais um texto de Tatiana Khabarova, desdizendo-se assim o que se anunciou aquando da publicação do texto anterior (4) da mesma autora,  como sendo de "encerramento".

Referenciar e transcrever esta "Carta a Suslov", nestes nossos tempos e decorridos quase quarenta anos de História sobre a sua escrita, surge como um imperativo de solidariedade e de camaradagem para com a sua autora.
De facto, na linha de outras corajosas intervenções desta comunista, uma lutadora pelo defesa dos ideais comunistas e do seu país, à época ainda socialista e hoje já destruído, este texto de T. Khabarova desvenda, simultaneamente, as práticas anti-leninistas da direcção do PCUS quanto à denegação da democracia - a interna no funcionamento do Partido e a socialista para todo o povo soviético - e as políticas revisionistas e oportunistas de direita, assentes em erradas visões económico-cientificistas, desprezando totalmente a ideologia dos proletários, com práticas económicas e sociais "universalizantes", cujo desfecho só poderia vir a ser - como se consumou com os gorbatchovianos - o enterro do Socialismo.

Em dois parágrafos talvez se possa sintetizar o pensamento da autora, o segundo deles uma citação de Lenine:

"(...)– muito pior é o entravamento do nosso desenvolvimento democrático, a hiper-trofia sem precedentes na história do Estado soviético da «perversão elitista», a ponto de se assistir a uma monopolização paralisante das mais importantes funções administrativas por uma casta degenerada interna, não removível através das vias legalmente estabelecidas, e que não presta contas nem é controlável pelas massas laboriosas.(...)"

"(…) Devemos compreender – escreveu I.V. Lénine em «Significado do materialismo militante» – que sem uma sólida fundamentação filosófica não há ciência da natureza, nem materialismo que possa suportar a luta contra a investida das ideias burguesas e o restabelecimento da concep-ção burguesa do mundo. Para sustentar essa luta e levá-la com pleno êxito até ao fim, o cientista deve ser um materialista moderno, um partidário consciente da-quele materialismo que é representado por Marx, isto é, deve ser um materialista dialéctico. Para atingir esse fim, os colaboradores da revista Pod Známiniem Marksizma devem organizar o estudo sistemático da dialéctica de Hegel do ponto de vista marxista, isto é, da dialéctica que Marx aplicou praticamente tanto no seu O Capital como nos seus trabalhos históricos e políticos, e aplicou com tal êxito que actualmente (…) cada dia do despertar para a vida de novos povos e novas classes confirma cada vez mais o marxismo.(...)"

O texto integral desta carta está publicado aqui:

http://www.hist-socialismo.com/docs/Khabarova_Carta_Suslov.pdf

Destruído pela mão daqueles que se diziam comunistas e seus camaradas, a derrocada do socialismo na Europa está premonitoriamente anunciada nas críticas certeiras e frontais contidas nesta carta que Tatiana Khabarova dirigiu ao membro da Comissão Política e do Secretariado do CC do seu Partido, M.A. Suslov.
Lê-la e reflectir sobre o seu conteúdo e significado histórico, eis um útil e oportuno exercício para todos os que se reclamam depositários e praticantes da teoria e da prática de Marx e Lenine.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

O Povo Português no Labirinto


No Dédalo
Dédalo, na mitologia da Grécia Antiga, era um arquitecto e inventor prodigioso, que construiu o labirinto de Creta sob encomenda do rei Minos para esconder o Minotauro, monstro de corpo humano e cabeça de touro que, por determinação de Poseidon, rei dos mares (e por razões que não vêm ao caso), todos os anos devorava sete rapazes e sete raparigas oferecidos pela cidade de Atenas, em sacrifício ritual (foi Teseu, um jovem ateniense, que penetrou no labirinto, matou o monstro e acabou com a maldição, mas isso é já outra história).
O Labirinto (ou Dédalo) era aparentemente inextricável e quem nele penetrasse já de lá não saía (Teseu utilizou um novelo de lã para recuar e sair, após matar o Minotauro).
É o que está a suceder ao povo português – ser de novo encaminhado para o Labirinto, tangido como um rebanho pelas atenciosas campanhas eleitorais do PS e do PAF (que é como quem diz do PSD e CDS). E de lá não costumam sair, os portugueses, nas sucessivas campanhas eleitorais, estentoreamente assediados com promessas, melifluamente reconhecidos com certificados de honradez, de dignidade, de patriotismo, de lucidez, de bom senso, de coragem e de profunda e atávica «inteligência sábia do povo», tudo tonitroantemente certificado pelas lideranças do PS e do PAF, deixando o povo ainda mais perdido no seu labirinto.
No final das eleições, de repente os portugueses vêem o enxame dos promitentes políticos do PS e do PAF desaparecidos em parte incerta, as promessas panfletárias reduzidas a prospectos manhosos e amarrotados, que já só podem servir para embrulhar peixe – se peixe houver para embrulhar – e a desolação do costume espraia-se pela paisagem, tendo por notas de vida e de ânimo as árvores e os rios, os caminhos e as quebradas, as ruas e os becos, os bosques e as praias, as ventanias da serra, a brisa dos pinhais e a aragem marítima, que fielmente acompanham o quotidiano dos portugueses.
Entretanto, a miséria e a exploração costumeira regressam, reactivadas, por acção da nova maioria – por outros encantos (estes de demagogia pura) eleita o novo «Governo da nação».
Tem sido assim desde há 39 anos, PS e PAF alternando-se na missão persistente de degradar sempre mais os valores da vida democrática portuguesa criados com a Revolução de Abril, numa espécie de Tico e Teco do nosso descontentamento, ora um ora outro para nos infernizar a vida, mais e mais.
Neste Dédalo, onde PS e PAF regularmente enfiam os portugueses, o Minotauro é colocado de fora, mito assustador que empurra o povo para o abrigo do labirinto, onde o trio dos lidadores espera manejá-los, sempre a bel-prazer.
Mas cuidado com os mitos. Acordam sempre. E um dia o povo português verá que o Minotauro não existe, desfazendo o Dédalo onde o lidaram durante décadas.
(Henrique Custódio, in "Avante!, N.º 2181
17 Setembro.2015)

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Refugiados - A suprema hipocrisia do Imperialismo


A crise dos refugiados, de que tanto se tem falado, não começou agora. A novidade que acordou a comunicação social está apenas no facto de essa crise ter chegado à Europa. Para os países devastados pelas guerras imperialistas, e para os seus países limítrofes, a crise existe há já muitos anos. Se há hoje mais refugiados do que em qualquer outro momento desde a II Guerra Mundial (como afirma a ONU), tal deve-se ao facto de que todos os anos cresce a lista dos países destruídos pelas políticas de guerra e rapina dos EUA, da NATO e das potências da União Europeia.


Segundo o Anuário Estatístico de 2010 da agência da ONU para os refugiados (não palestinos) UNHCR, havia no final desse ano cerca de 34 milhões de refugiados e deslocados (fora ou dentro dos países de origem). Dos cerca de 10,5 milhões de refugiados externos, 80% eram acolhidos por países em vias de desenvolvimento e a comunicação social dominante pouco se preocupava com a tragédia. Os dois principais países de origem dos refugiados eram o Afeganistão, vítima da invasão dos EUA em 2001, com três milhões de refugiados no exterior, e o Iraque, vítima em 2003 da guerra de Bush, Blair e Durão Barroso (cujo apoio à guerra lhe terá valido o seu posterior tacho à frente da União Europeia), com 1,7 milhões. Naquela altura, a Síria era o terceiro maior país de acolhimento, depois do Paquistão e do Irão, dando abrigo a mais de um milhão de refugiados. A Líbia, o país que segundo os relatórios do Programa da ONU para o Desenvolvimento (UNDP) tinha em 2010 o maior Índice de Desenvolvimento Humano de África, acolhia então milhares de trabalhadores africanos na sua economia. Síria e Líbia foram entretanto destruídas pelas guerras NATO/EUA/UE. A Líbia tornou-se na maior porta de acesso de refugiados africanos para a Europa, atravessando o Mediterrâneo onde frequentemente encontram a morte. E a Síria, reduzida a escombros pelos bandos ao serviço dos auto-proclamados «amigos da Síria» tornou-se, segundo o Anuário Estatístico de 2013 da UNHCR, o segundo maior país de origem de refugiados, com valores muito próximos do Afeganistão, ambos com 2,5 milhões. Nesse ano, continuavam a ser os países em vias de desenvolvimento a acolher a grande maioria dos refugiados: 86% do total, segundo a UNHCR. E a comunicação social “ocidental” continuava calada.


Hoje fala-se muito do drama dos refugiados sírios que chegam à Europa. Mas quem decidiu intervir militarmente na Síria? Não se pode esquecer títulos como: «Um exército insurgente que alega ter 15 000 homens está a ser coordenado a partir da Turquia [país da NATO] para enfrentar o presidente Assad» (Telegraph, 3.11.11); «A CIA acusada de auxiliar no envio de armas para a oposição síria» (New York Times, 21.6.12); «Navio espião alemão auxilia os rebeldes sírios» (Deutsche Welle, 20.8.12); ou «Estados do Golfo pagam os salários do Exército Sírio Livre» (ABCnews, 1.4.12). E há que estar atentos ao que se pode esconder por detrás do súbito interesse da comunicação social pelo tema dos refugiados. O primeiro-ministro inglês Cameron quer «uma intervenção militar para resolver a crise síria» e um ex-Arcebispo de Cantuária (chefe espiritual da Igreja de Estado em Inglaterra) defende «ataques aéreos e outro tipo de assistência militar para criar enclaves seguros e pontos de abrigo na Síria» (Telegraph, 5.9.15). Ou seja, querem mais guerra para lidar com os estragos provocados pelas suas guerras (ou pelo menos para os manter afastados das terras de Sua Majestade). E um dos maiores patrocinadores dos bandos fundamentalistas que destroem a Síria, o Rei Salman da Arábia Saudita, encontrou-se na semana passada com o Nobel da Paz Obama, para ouvir que «o Pentágono está a ultimar um acordo armamentista no valor de mil milhões de dólares com a Arábia Saudita, para lhe fornecer armas para o seu esforço de guerra contra [???] o Estado Islâmico e o Iémen» (New York Times, 4.9.15). Os pirómanos não descansam.

(Jorge Cadima, in "Avante!" Nº 2180, de 10/9/2015) 

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Federico García Lorca, vive!


Céu vivo

Não poderei queixar-me
se não encontrei o que buscava.
Perto das pedras sem sumo e dos insectos ocos
não verei o duelo do sol com as criaturas em carne viva.

Mas irei à primeira paisagem
de choques, líquidos, rumores,
que ressuma criança recém-nascida
e onde toda a superfície é evitada,
para entender o que busco terá seu alvo de alegria
quando eu voar misturado com o amor e as areias.
Ali não chega a geada dos olhos apagados
nem o mugido da árvore assassinada pela lagarta.
Ali todas as formas guardam enlaçadas
uma única expressão frenética de avanço.
Não podes avançar pelos enxames de corolas
porque o ar dissolve teus dentes de açúcar.
Nem podes acariciar a fugaz folha do feto
sem sentir o assombro definitivo do marfim.
Ali sob as raízes e na medula do ar
compreende-se a verdade das coisas equivocadas.
O nadador de níquel que espreita a onda mais fina
e o rebanho de vacas nocturnas com rubras patinhas de mulher.
Não poderei queixar-me
se não encontrei o que buscava
mas irei à primeira paisagem de humidades e latejos
para entender que o que busco terá seu alvo de alegria
quando eu voar misturado com o amor e as areias.
Voo fresco de sempre sobre leitos vazios.
Sobre grupos de brisas e barcos encalhados.
Tropeço vacilante pela dura eternidade fixa
e amor ao fim sem alva. Amor. Amor visível!

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Para entender a Europa e esta "União" Europeia


PRISÃO DE POVOS

Os acontecimentos dos últimos dias mostram à saciedade que a UE/Euro é incompatível com a democracia, a soberania e o bem-estar dos povos. É uma ditadura ao serviço do grande capital financeiro e uma autêntica prisão de povos. Como o PCP tem afirmado, esta UE não é reformável. Apenas sobre os seus escombros poderá haver futuro para os povos.
Os empréstimos ao abrigo dos programas das troikas são obra de agentes do grande capital financeiro (como o presidente do BCE, Draghi, homem da Goldman Sachs) para benefício do grande capital financeiro. A banca privada era credora de boa parte da dívida grega em 2010 e prosperava com os respectivos juros, mas decidiu pôr-se a salvo quando a crise estoirou. Tal como cá, o dinheiro das troikas nem entrou na Grécia: foi parar directamente aos credores – o capital financeiro parasitário – transferindo as dívidas para o BCE, o FMI e os bancos centrais nacionais. A «ajuda» foi para a banca. Para os povos ficaram as dívidas públicas, que explodiram nos anos das troikas. São impagáveis, mas servem de pretexto para levar os povos à miséria, aumentar a exploração e impôr relações de tipo colonial aos países endividados.
As tão badaladas «obrigações dos devedores» são à la carte. O principal jornal do grande capital inglês, o Financial Times, dedica um editorial (11.6.15) a outro país europeu que está na falência: a Ucrânia. Titula o FT: «Os credores da Ucrânia têm de partilhar a dor do país» e «têm de aceitar um haircut [perdão de dívida]». Informa que há um «pacote de apoios internacional [...] que admite a reestruturação da dívida e cortará os juros a pagar em 15,3 mil milhões de dólares nos próximos quatro anos» para que «sejam geríveis em relação à produção económica» do país. Acrescenta que há credores privados que «resistem a um perdão da dívida», mas sentencia: «terão de ceder. Têm uma obrigação moral em concordar com a reestruturação que permitirá reduzir a dívida para níveis sustentáveis». E defende «a utilização de mecanismos de indexação ao PIB», solução que considera «a melhor para todas as partes», até porque «a História mostra que, mesmo após um incumprimento [default], os investidores privados regressam rapidamente quando a economia recomeça a crescer». Remata o FT: «em matérias de tal importância geopolítica, não se pode permitir que os interesses financeiros privados ditem as políticas públicas». A adulta directora do FMI, Lagarde, já «assegurou à Ucrânia que os fundos [do FMI] continuarão disponíveis, mesmo que o país falhe nos pagamentos aos seus credores privados» (Deutsche Welle, 13.6.15). Esta duplicidade gritante de critérios é explicada pelo FT: a Ucrânia «tem o governo mais reformista desde a independência [...] que está a concretizar grandes cortes nos subsídios estatais». Se o combativo povo grego tem de ser castigado e humilhado pela sua ousadia de resistir, já os golpistas e fascistas ucranianos, que impõem políticas troikeiras do imperialismo pela violência, o terror e a guerra, merecem apoio e perdões de dívida. Medite-se ainda sobre uma terceira dívida, afastada destas considerações políticas. O FMI acaba de recusar qualquer perdão de dívida ao Nepal, país devastado em Abril deste ano por um enorme terramoto que matou 8600 pessoas e destruiu mais de 500 mil casas. A destruição não foi considerada suficiente (catholicireland.net, 30.6.15).
Os acontecimentos dos últimos dias são portadores de importantíssimos ensinamentos sobre a verdadeira natureza da dominação de classe, do imperialismo, da União Europeia e da social-democracia (nas suas várias expressões). A humilhação do governo grego mostra que se paga caro as ilusões de que é possível reformar esta UE.
 
(
Artigo de Jorge Cadima, jornal "Avante!", edição de 16/7/2015)

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Um testemunho histórico e corajoso - Lições para o presente e para o futuro (4)


Com esta transcrição, encerro as transcrições de tomadas de posição de uma comunista soviética corajosa, Tatiana Khabarova, quando Gorbatchov estava ainda no auge do seu poder autocrático. Trata-se de textos absolutamente indispensáveis para se conhecer os acontecimentos, seus antecedentes históricos, suas causas e motivações, no decurso desses anos finais do assassinato metódico, frio e premeditado, do socialismo na União Soviética, pela mão daqueles que se afirmavam comunistas.
Escrito em Nov/1988, sob o título "Porque criticamos Gorbatchov",  é uma crítica frontal e desassombrada às pantominices económicas e políticas gorbatchovianas, uma critica verdadeiramente premonitória do descalabro e posterior derrocada do socialismo na URSS.
Deixo-vos somente dois parágrafos, à guisa de introito, com o link para o site onde está editada, para uma sua tranquila e muito útil  leitura integral, neste fim-de-semana próximo.
(http://www.hist-socialismo.com/docs/Khabarova_Porque_Criticamos_Gorbatchov_1988.pdf)
 
 
"(...) Há coisas que não podem ser em «simultâneo» socialistas e capitalistas, como uma mulher não pode ser ao mesmo tempo virgem e parturiente; não existe nenhuma concorrência «socialista» de investimentos ou um «desemprego» socialista ou uma exploração «socialista» de um trabalhador assalariado por um privado. Lá onde tudo isto existe, simplesmente não há socialismo.
São por isso absolutamente justificadas a irritação e indignação crescentes das pessoas com os chamados «salários» dos actuais cooperativistas; as pessoas sentem nas «entranhas» que não se trata de «salários», mas exactamente de rendimento, com frequência especulativo.
Toda a teoria económica de Marx assenta na simples premissa(perfeitamente captada pelo instinto de classe dos trabalhadores) de que uma pessoa não pode (e não deve) ganhar mais do que o salário, isto é, o custo socialmente estabelecido da reprodução alargada das suas capacidades laborais. Tudo o resto é o sobreproduto, o qual tem sempre uma natureza social, e por isso, num regime social judicioso, é sujeito à socialização: consolidação, distribuição e utilização através de canais sociais.
A partilha do sobreproduto antes de entrar nas «artérias» da sociedade, a criação de condições para essa partilha são relações económicas de apropriação privada, burguesas pela sua natureza, para cujos perigos do seu desenvolvimento «no domínio do comércio, etc.,» V.I. Lénine alertou frontalmente e sem reservas no momento da introdução da NEP."(...)

(...)"Está bem de ver, de resto, que os artífices de todos estes «longos processos» que se arrastam infinitamente, bem como os autores das respectivas «concepções», não viveram um só dia a rotina quotidiana de quem espera por melhores condições, à qual condenaram os seus concidadãos: não, para eles tanto o «comunismo» como o «socialismo amadurecido» surgiram imediatamente e em pleno, e não dentro de 18 ou 20 anos.
A este respeito Mikhail Gorbatchov não é excepção. Em mais de três anos nunca vimos a sua esposa, essa «primeira-dama» do Estado operário-camponês, duas vezes com o mesmo vestido ou fato, nem sequer com o mesmo casaco de peles ou com o mesmo conjunto de joalharia. Percebe-se que com um tal tipo de vida se possa planear facilmente a «perestroika» para um prazo de mais duas décadas no mínimo."(...)
 

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Um testemunho histórico e corajoso - Lições para o presente e para o futuro (3)


Para uma análise rigorosa sobre as causas da derrocada do Socialismo na Europa nos finais do século passado, em especial sobre a deriva ideológica que se instalou no PCUS pela mão da sua direcção e que arrastou para posições oportunistas a generalidade dos restantes PC’s – factor que na actualidade continua sendo a principal razão do recuo ideológico generalizado nas fileiras do Movimento Comunista ­– as posições firmes e desassombradas de Tatiana Khabarova são um instrumento precioso.
Aí se transcreve um trecho da sua intervenção numa sessão realizada em 1998, assinalando o 180º aniversário do nascimento de Karl Marx e sob o título “Terá o Marxismo sido derrotado?”
 

(…)”A lei da correspondência das relações de produção ao carácter e nível de desenvolvimento das forças produtivas: esquema-chave explicativo-preditivo do marxismo como ciência
Examinemos o assunto mais de perto: existiu uma tal ciência, existirá ainda hoje, e o que lhe aconteceu nas fases já disputadas e terminadas da guerra psicológica informativa?
Qualquer verdadeira ciência possui um determinado esquema explicativo-preditivo, em torno do qual se desenvolve e graças ao qual alcança os seus triunfos.
Assim, o sistema de Newton distinguiu-se pela descoberta da lei universal da gravidade. Depois toda uma geração de cientistas, entre os quais mentes tão brilhantes como a de Laplace, dedicaram toda a sua vida a mostrar como se explicam e se podem compreender, com base na lei da gravidade, um conjunto crescente de novas esferas de fenómenos.
Será que o marxismo possui um tal esquema?
Possui. É a lei da correspondência das relações de produção ao carácter e nível de desenvolvimento das forças produtivas.
O segredo para uma utilização com êxito desta lei reside na compreensão de que o componente principal das forças produtivas, a fonte e mola do desenvolvimento do modo de produção, não é a técnica nem o progresso científico-técnico, mas sim as próprias pessoas.
As forças produtivas são pessoas, as massas laboriosas, com a técnica e tudo o mais que é necessário à produção. As relações de produção são as relações das pessoas no que respeita, em primeiro lugar, à produção de bens materiais – são a estrutura da sociedade, como Marx as definiu, ou a base económica da sociedade numa dada etapa do seu desenvolvimento. As relações de base são, na sua essência, formas de actividade produtiva das pessoas.
A base, como princípio de formação estrutural, é a parte mais conservadora do modo de produção. A estrutura não se altera a cada minuto; ela é rectificada, ajustada, concretizada, mas no seu conjunto perdura durante bastante tempo. A palavra «base» não deve ser entendida unicamente como alicerce. A base são as paredes e o telhado; na presente etapa de desenvolvimento é como uma espécie de moldura estrutural que delimita os contornos espaciais do crescimento das forças produtivas.
As forças produtivas são a parte móvel, revolucionária, do modo de produção, a fonte do seu autodesenvolvimento. A correspondência da base às forças produtivas significa que a moldura estrutural de um dado nível de desenvolvimento da sociedade é bastante ampla e conveniente; as relações económicas, as formas de propriedade, estimulam a actividade produtiva das pessoas. No estado de «correspondência», a base intervém, segundo a definição de I.V. Stáline, como o principal motor do desenvolvimento das forças produtivas. Também se pode dizer que, no estado de «correspondência», a base se adianta às forças produtivas.
Mas eis que a moldura da base fica repleta e o espaço para as forças produtivas se torna apertado. A actividade produtiva das pessoas decai, e abranda ou mesmo definha o progresso técnico. A base passa do papel de principal motor para o papel de travão das forças produtivas. A correspondência entre elas foi quebrada, as relações de base estão obsoletas. As forças produtivas procuram uma saída. Mas quem, em concreto, procura uma saída, porventura será a técnica? Para a técnica tudo isto é indiferente, quem procura são as pessoas – os representantes da nova classe em formação, que traz consigo um novo tipo histórico de actividade produtiva.
Neste ponto inferior de todo o ciclo – e este é precisamente um processo cíclico – pode-se dizer que as forças produtivas se adiantaram em relação à base, e a base se atrasou em relação ao desenvolvimento das forças produtivas. No entanto, todas estas inter-relações só serão válidas no caso de se ter presente que as forças produtivas são, em primeiro lugar, as pessoas, as pessoas e mais uma vez as pessoas.
Aliás, as próprias relações de produção são também pessoas. E é nas relações de base que radica a superstrutura, isto é, o sistema de domínio político da classe para a qual é chegada a hora de sair da cena histórica. Evidentemente, que a classe historicamente obsoleta não quer sair por vontade própria, ela agarra-se às suas prerrogativas, ao seu poder e opõe-se às mudanças que amadureceram. Na sociedade inflama-se e agudiza-se o conflito de classe ou de base, a contradição de classe antagónica.
O que acontece a seguir?
Lemos I. V. Stáline:
«Até dada altura, o desenvolvimento das forças produtivas e as alterações no domínio das relações de produção decorrem de um modo espontâneo, independente da vontade dos homens. Mas isto acontece só até um determinado momento, até ao momento em que as forças produtivas surgidas e em desenvolvimento atingem o devido grau de amadurecimento. Assim que as forças produtivas amadurecem, as relações de produção existentes e as classes dominantes que as representam transformam-se num obstáculo «inultrapassável», que não pode ser removido do caminho senão mediante a actividade consciente das novas classes, pela acção violenta destas classes, pela via da revolução. É então que se manifesta com especial evidência o enorme papel das novas ideias sociais, das novas instituições políticas e do novo poder político, chamados a suprimir pela força as velhas relações de produção.
Na base do conflito entre as novas forças produtivas e as velhas relações de produção, na base das novas necessidades económicas da sociedade surgem novas ideias sociais. As novas ideias organizam e mobilizam as massas, as massas juntam-se num novo exército político, formam um novo poder revolucionário e utilizam-no para abolir pela força as velhas regras no domínio das relações de produção e estabelecer novas regras

Aqui, antes de mais, é preciso sublinhar bem e cada um de nós deve assimilar solidamente que as novas forças produtivas, amadurecidas para a eclosão da revolução, as forças que propriamente realizam a revolução, não são, mais uma vez, de modo nenhum, nem a técnica nem o progresso científico-técnico em si, mas a classe historicamente ascendente, coesa e organizada na base de novas ideias, que surgiram sob a pressão das novas necessidades económicas da sociedade
Aquilo que teóricos infelizes, como Múkhine e outros da mesma categoria, nos contam a propósito do progresso científico-técnico, que abranda e esse abrandamento, alegadamente, «gera a revolução e destrói o aparelho do Estado» – isso não é marxismo, mas um disparate kautskiano-trotskista, que não tem qualquer relação com o marxismo leninismo-stalinismo revolucionário.
É precisamente por aqui que passa a linha de demarcação conceptual entre o marxismo como tal e o kautskianismo (que mais tarde se torna trotskismo), entre as correntes revolucionária e a oportunista, social-conciliadora, no movimento operário e comunista do último meio século. Eis essa linha separadora de águas: deveremos considerar como a principal e mais dinâmica força produtiva, como a fonte primária do desenvolvimento da sociedade, a técnica ou as pessoas, vistas num determinado contexto como a classe revolucionária mais avançada historicamente? O marxismo afirma que são as pessoas, os trabalhadores; o oportunismo contrapõe aos trabalhadores os instrumentos de produção, que alegadamente se desenvolvem espontaneamente, estando por trás desse alegado desenvolvimento espontâneo a «elite» científico-técnica e de gestão, a qual, por sua vez, serve a classe dos capitalistas ou dos proprietários pseudo-capitalistas. Eis, como se costuma dizer, toda a história."(...)

Ler o texto integral aqui:
http://www.hist-socialismo.com/docs/Khabarova_Marxismo_%20derrotado.pdf

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Um testemunho histórico e corajoso - Lições para o presente e para o futuro (2).



Carta ao Comité Central do PCUS

Publica-se em seguida uma nova carta de Tatiana Khabarova, dirigida ao Comité Central,  datada de pouco mais de um ano após aquela que antes endereçou ao Sec.-Geral do PCUS e que aqui já se reproduziu (http://oassaltoaoceu.blogspot.pt/2015/05/um-testemunho-historico-e-corajoso.html), prosseguindo o seu corajoso combate ao criminoso oportunismo que tinha tomado de assalto o Partido de Lenine, pela mão da sua própria Direcção.
Os desvios políticos oportunistas nos Partidos Comunistas começam sempre pelas suas direcções, arrastando os colectivos partidários para "o pântano".  Até que novas e sãs energias revolucionárias os levem a retomarem o caminho interrompido - ou, em alternativa, que os partidos em causa acabem por soçobrar, afundando-se na amalgama histórica da luta de classes, desbaratando os esforços e os sacrifícios das vidas e gerações que as antecederam, desaparecendo sem honra e sem dignidade...

"Mikhail Gorbatchov assegura incessantemente por toda a parte que, alegadamente, não existem alternativas à «perestroika» (tal como ele a entende), e que ninguém conseguiu propor algo diferente. Para não usar uma expressão mais forte, direi apenas que tal não corresponde à realidade. Existe tanto uma análise alternativa da situação geral no país, como um «pacote» alternativo de propostas concretas. (E isto no mínimo, uma vez que falo apenas por mim própria, outros poderiam falar por si).
Essas propostas são:
– O restabelecimento das formas de manifestação e acção das relações monetário-mercantis, normais para o regime socialista, que respondem às suas leis objectivas profundas (a modificação socialista do valor, antes designada «sistema de preços de duas escalas»);
– O restabelecimento do princípio, adequado às leis objectivas do socialismo, da formação do rendimento da actividade produtiva proporcionalmente não aos fundos e recursos, mas ao trabalho vivo (isto é, a transferência do peso principal da formação do lucro destinado ao rendimento líquido centralizado do Estado para o preço, predominantemente, dos bens de consumo geral);
– O restabelecimento da política, igualmente adequada às leis económicas objectivas do socialismo, de redução consequente dos preços, tanto dos preços na produção (grossistas), como no consumo (a retalho), à medida do aumento planificado da produtividade do trabalho e da redução do custo da produção;
– A utilização da redução planificada dos preços grossistas como alavanca económica de pressão sobre o produtor para a racionalização da gestão económica, da economia de recursos, busca de soluções científicas-técnicas progressivas;
– A deslocação do centro de gravidade dos estímulos aos trabalhadores das formas grupais-egoístas para as formas de incentivos sociais pelo seu carácter, entre as quais, a mais importante constitui o sistemático e sensível «esmagamento» dos principais preços a retalho, acompanhado do aumento da quantidade e elevação da qualidade das mercadorias colocadas à venda;
– O estabelecimento do princípio rigoroso e inviolável de que só pode ser considerada como rendimento líquido centralizado do Estado uma receita entrada no erário público e passível de ser redistribuída ulteriormente, após a venda real da mercadoria ao consumidor;
– O estabelecimento de um indicador igualmente rigoroso de redução dos custos de produção dos bens intermédios [destinados ao processo produtivo], a montante das sucessivas fases da cadeia produtiva; indicador que reflicta uma verdade económica simples: a de que, mediante uma gestão racional, a nova produção deve necessariamente reduzir e não aumentar o peso dos custos do destinatário;
– O reforço, e não afrouxamento, das formas sociais de propriedade dos meios de produção e da organização do processo de produção, tanto na indústria como na agricultura.
O estudo isento da experiência histórica do nosso país mostra que, nas condições da propriedade socializada, a política de redução regular dos preços garante uma intensificação da produção no seu conjunto e constitui o análogo, pela profundidade e eficiência da sua acção, plenamente equivalente às forças de coerção económica, características dos sistemas de «mercado» contemporâneos. Deste modo, abrindo campo à tendência, natural ao socialismo, de abaixamento dos principais níveis de preços, poderíamos alcançar excelentes resultados no objectivo de repor a nossa produção social nos trilhos do desenvolvimento intensivo, sem recorrer à desnecessária e errónea na sua raiz «reanimação» na nossa economia das relações de propriedade privada, bem como às calamidades sociais a ela associadas, em primeiro lugar o desemprego.
Tudo isto se aplica plenamente à agricultura. Aqui o erro crucial não foi a colectivização, como hoje nos procuram convencer; o erro foi a deformação e a mutilação dos princípios cooperativos do regime kolkhoziano, entre a segunda metade dos anos 50 e meados dos anos 60. Trata-se, em primeiro lugar, da imposição irreflectida e generalizada da maquinaria aos kolkhozes, transformando-os economicamente num poço sem fundo, onde «se sumiram» centenas de milhares de milhões de rublos do erário público, sem qualquer retorno económico palpável, além de que se criou aqui uma indestrutível «ténia» de subvenções. Em segundo lugar, esse erro foi a violação, em 1965, do princípio da remuneração do trabalho na agricultura em função do resultado final real, tal como do correspondente princípio de formação dos preços dos produtos agrícolas. Foi precisamente depois dessas «inovações» desastradas (e não depois da colectivização, camarada Gorbatchov!) que se criou uma situação em que quanto mais dificuldades tivesse a exploração, mais recebia pela sua produção. E as pessoas começaram a exigir remunerações não segundo o resultado real do trabalho, mas pelo simples facto de se terem apresentado para trabalhar. Assim, quando se falar da «desruralização do campo», deve-se dizer que não foi a colectivização que «desruralizou» o campo, mas a «reforma económica» de 1965.
Mikhail Gorbatchov afirma hoje que a resolução do problema agrícola, alegadamente, «foi adiada, adiada» ao longo de quase 50 anos. Mas será que se pode declarar tal coisa quando ainda está em vigor o Programa de Alimentos (o qual até hoje ninguém revogou), a par de outras iniciativas de grande envergadura sobre questões agrícolas, aprovadas pelo Plenário do CC do PCUS de Março de 1965; quando foram feitos investimentos gigantescos na produção agrícola sob a direcção de Leonid Bréjnev; quando se lançou a exploração das terras virgens e inúmeras outras acções de Nikita Khruchov, visando um «crescimento acentuado» da agricultura?
Com toda a evidência, não se trata aqui do «adiamento» de resoluções, mas exclusivamente do facto de que, durante três décadas, se tentou resolver o problema a partir de pressupostos claramente errados e ineficazes. Quanto ao potencial económico da organização kolkhoziana, em geral, ele é bastante grande e não está de longe esgotado.
A eliminação das referidas deformações, a principal das quais é a «industrialização» artificial da remuneração do trabalho dos kolkhozianos, bem como a política de preços irracional (não tem outro nome), que permite viver melhor quem pior trabalha; a eliminação de todas estas deformações permitir-nos-ia, provavelmente, corrigir com relativa rapidez a situação na frente alimentar, sem recorrer à ajuda do recém-aparecido «agricultor socialista», ou seja, o kulaque criado à pressa (o qual dentro em breve, naturalmente, precisará de jornaleiros).
A este propósito gostaria ainda de colocar uma questão ao camarada Gorbatchov.
Muitas decisões, aparentemente boas e promissoras, em matéria agrícola foram tomadas quando já era um alto funcionário do partido, precisamente encarregado destes assuntos. O facto de todas essas decisões terem fracassado não se deverá à circunstância de a direcção superior do partido estar ocupada por pessoas que interiormente não acreditavam (e não acreditam) na vitalidade da exploração colectiva socialista da terra, esperando apenas «a hora» em que fosse possível atacar, com grande alarido, a «colectivização stalinista» e dedicarem-se a fundo à restauração da «kulaquização» do campo? Poderia uma pessoa que no seu íntimo considerava a exploração kulaque como a melhor estrutura organizativa do campo, aplicar de boa-fé a política de especialização e concentração da produção agrícola? E será que dirigentes deste tipo não são culpados de nada perante o povo e o partido? Apenas Stáline (que há mais de 35 anos não está no mundo dos vivos) é culpado de tudo? Que não havia nada de bom em nenhuma das resoluções, então adoptadas com os vossos sonoros aplausos (embora, seguramente, houvesse nelas algo de sensato; não eram uma estupidez completa). E se achavam que eram uma estupidez, porque as aprovaram?
Agora sucintamente sobre a «alternativa» na esfera política:
– Realização de uma reforma eleitoral não segundo o «princípio» chocante da substituição do direito ao sufrágio universal, igual e directo pelo direito ao sufrágio não universal, desigual e indirecto, mas, pelo contrário, através da remoção do nosso sistema eleitoral dos elementos ainda existentes de múltiplas etapas, de privilégios «corporativos» e outros tipos de desigualdade eleitoral;
– Desenvolvimento e aperfeiçoamento por todos os meios da democracia, e para isso, antes de mais, deve-se ter uma compreensão clara dos princípios do Estado soviético que constituem a sua «especificidade» objectiva e a sua vantagem histórica universal perante tipos anteriores de democracia, sobretudo perante a democracia parlamentar burguesa (o papel dirigente do partido proletário, nomeadamente na administração operacional da economia, a junção – e não «divisão»! – dos poderes legislativo e executivo);
– Aprofundamento nos seus diferentes aspectos e aplicação (isto é, a sua institucionalização) do programa apresentado pelo partido ainda no final dos anos 20 de desenvolvimento da crítica de massas a partir de baixo (iniciativa individual crítica criativa), como modo objectivamente inerente ao socialismo de resolução das contradições do desenvolvimento social, estabelecimento do controlo da sociedade civil, em todos os níveis e campos, sobre o funcionamento das estruturas do Estado, a superação da alienação do cidadão comum e do produtor «de base» em relação aos meios de produção socializados.

Precisamente um ano se passou desde que dirigi a Mikhail Gorbatchov o estudo teórico «O culpado será o «stalinismo»?», em que lhe fiz a seguinte sugestão: caso peçam a Gorbatchov que refira «pelo menos alguns nomes» daqueles que divergem categoricamente das suas ideias, então que refira o meu nome. Repito a minha sugestão; e ao mesmo tempo exprimo a minha profunda tristeza pelo facto de que toda a algazarra sobre a «transparência» e a «democracia» sirva para cobrir uma atitude tão rude e incivilizada para com o povo, para com o potencial intelectual das massas, para com a cidadania, para com o zelo dos cidadãos comuns soviéticos pelo Estado.
 
Gostaria de recordar aqui que as propostas atrás referidas estão contidas, numa forma bastante desenvolvida, por exemplo, na minha «Carta ao Secretário-Geral do CC doPCUS, L.I. Bréjnev e aos delegados do XXV Congresso do PCUS» (Fevereiro de 1976) e, em particular, no documento «Direcções Essenciais do Desenvolvimento Constitucional da URSS no período de transição para a segunda fase do Comunismo» (Setembro de 1977), enviado a propósito do debate em curso nesse momento sobre o projecto de Constituição da URSS. Neste último documento (escrito há 20 anos, recordo) afirmava-se em particular:
«Na base da inevitável reforma eleitoral que incumbe ao Estado soviético realizar jaz um princípio evidente, contra o qual não pode haver quaisquer objecções sensatas, uma vez que decorre naturalmente da lógica interna do poder popular socialista:
Todas as acções políticas decisivas na formação dos órgãos de poder
do Estado por via eleitoral devem constituir direitos individuais constitucio- nais dos cidadãos da URSS». (Manuscrito citado, p. 37)
Mais adiante enumerava-se: o direito de qualquer cidadão da URSS politicamente apto de apresentar a sua candidatura a deputado; o direito de rejeição de um candidato a deputado; o direito de requerer a revocação de um deputado; o direito de iniciativa legislativa.
O documento, «Direcções Essenciais do Desenvolvimento Constitucional da URSS no período de transição para a segunda fase do comunismo», terminava com as seguintes palavras: «Parece-me inútil explicar em concreto e demonstrar extensamente a natureza não conjuntural das considerações feitas neste trabalho; elas dizem respeito a questões que permanecem por resolver; e questões não resolvidas exigem que nos ocupemos delas. Publicar a quinta Constituição, “evitando” estas questões não resolvidas, em última a análise, significará que terá de ser escrita uma sexta Constituição que as resolverá». (p. 42)

Pois bem, já tivemos durante bastante tempo uma «cópia»: a «Constituição do Socialismo Desenvolvido», que vigora solenemente há 11 anos, e um código jurídico de muitos tomos, elaborado na sua base, o qual é hoje cinicamente declarado pelos seus próprios redactores como um «palavreado jurídico», onde quanto muito se poderão encontrar duas dezenas de leis «genuínas». (Cf. «Como deve ser o Estado de Direito?», Literaturnaia Gazeta, de 8 de Junho de 1988, p. 11).

Será que se confirma inteiramente o meu «prognóstico» sombrio, feito há 11 anos, de que, uma resolução efectiva dos nossos problemas jurídico-constitucionais, que corresponda às exigências actuais, só se alcançará depois uma sexta tentativa?
Apenas rejeito resolutamente o rótulo de «antiperestroika», sob o qual, por alguma razão, por vontade própria «se colocou» o bondoso Ivan Timofeievitch Chekhovtsov. Sou uma cidadã soviética honesta, profundamente patriótica, partidária do socialismo e uma marxista-leninista convicta; para tudo o que começa com a palavra «anti» devem, no presente caso, procurar outros destinatários; e eles são mais do que suficientes!
Veja-se o que escreveu a Literaturnaia Gazeta recentemente: «Agitação anti-soviética? Mas isso não é nenhum horror! Quem o desejar que o faça, nos locais previstos pela lei.» Ou seja, o Estado soviético deverá destinar locais «legais» para… a agitação e propaganda anti-soviética. Basta de «perestroika», camarada Gorbatchov, já não há mais nada a dizer.

Aliás, a julgar pelos acontecimentos das últimas dias e semanas, aqueles que sentem uma paixão irresistível pela propaganda anti-soviética e anti-socialista não estarão lá muito de acordo convosco quando lhes designardes um local «legal» para as suas iniciativas. Eles próprios definirão não só o lugar e a hora, mas também a dimensão de tudo isso.

Solicito que dê conhecimento dos presentes documentos aos membros do Comité Central do PCUS (e não só aos funcionários do aparelho). É preciso que o Comité Central compreenda a necessidade de pôr termo ao fomento de mais um culto da personalidade, na realidade o mais vergonhoso de todos os que existiram no nosso país. É preciso, finalmente, ouvir a voz das pessoas (e serão seguramente muitas) que consideram que em vez de «renunciar» ao socialismo na URSS, às suas conquistas e à sua história (sem a qual o país não tem futuro), é mais sensato dispensar Gorbatchov do cargo de secretário-geral. E quanto mais depressa melhor. Não será demasiado elevado o preço que nos é exigido para que o senhor Reagan ou a senhora Thatcher, em sinal de aprovação, passem a mão pela melena de alguém que escuta as suas opiniões como se fossem a mais importante orientação política?"
1 de Dezembro de 1988
 

(Tatiana Khabarova - Doutorada em Ciências Filosóficas)