SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Uma questão central - esquerda burguesa ou esquerda proletária? (II)


A importância da teoria
 
Alguns pensam que o leninismo é o primado da prática sobre a teoria, no sentido em que o principal nele é a transformação dos princípios marxistas em actos, a «realização» destes princípios, e, no que toca à teoria, que o leninismo seria alegadamente descuidado a este respeito. É sabido que Plekhánov zombou mais de uma vez do «descuido» de Lénine da teoria e em especial da filosofia. É sabido igualmente que muitos leninistas-práticos de hoje não acarinham muito a teoria, em virtude, sobretudo, do enorme trabalho prático que a situação os obriga a desenvolver.    Devo declarar que
esta mais do que estranha opinião sobre Lénine e o leninismo é totalmente falsa e não corresponde de modo nenhum à realidade, e que a tendência dos práticos de negligenciarem a teoria é contrária a todo o espírito do leninismo e encerra grandes perigos para a causa.

A teoria é a experiência do movimento operário de todos os países, tomada no seu aspecto geral. Naturalmente, a teoria torna-se vaga se não estiver ligada à prática revolucionária, precisamente como também a prática se torna cega se não alumiar o seu caminho com a teoria revolucionária. Mas a teoria pode converter-se numa formidável força do movimento operário se for construída em ligação indissolúvel com a prática revolucionária, pois ela, e só ela, pode imprimir ao movimento a segurança, a firmeza de orientação e a compreensão da concatenação interna dos acontecimentos circundantes, pois ela, e só ela, pode ajudar a prática a compreender não só como e para onde se deslocam as classes no presente, mas também como e para onde deverão deslocar-se no futuro próximo. Ninguém como Lénine disse e repetiu tantas vezes a conhecida tese de que:

«Sem teoria revolucionária não pode haver também movimento revolucionário»
 
Lénine, melhor que ninguém, compreendeu a grande importância da teoria, em particular para um partido como o nosso, devido ao papel de combatente de vanguarda do proletariado internacional que recaiu sobre ele e também devido à complexa situação interna e internacional em que se encontra. Prevendo já em 1902 este papel particular do nosso partido, Lénine considerou necessário recordar logo nessa altura que:
 
«Só um partido guiado por uma teoria de vanguarda pode desempenhar o papel de combatente de vanguarda»
 
Será preciso demonstrar hoje, quando a predição de Lénine sobre o papel do nosso partido se tornou uma realidade, que esta tese de Lénine adquire uma força e importância especiais.
A expressão mais viva da alta importância que atribuía à teoria poderá ser vista no facto de Lénine ter empreendido, como mais ninguém, a grandiosa tarefa da generalização filosófica materialista daquilo que a ciência produziu de mais importante desde Engels até Lénine, e da crítica profunda das correntes anti-materialistas entre os marxistas.
Engels disse que «com cada descoberta, o materialismo tem de mudar a sua
forma». É sabido que essa tarefa foi cumprida na sua época por ninguém mais que Lénine, no notável livro Materialismo e Empiriocriticismo. É também sabido que Plekhánov, que se comprazia a zombar da «despreocupação» de Lénine pela filosofia, não se decidiu sequer a começar seriamente a realização de tal tarefa.
 

A crítica da «teoria» da espontaneidade, versus o papel da vanguarda no movimento.
 
A «teoria» da espontaneidade é a teoria do oportunismo; a teoria da reverência à espontaneidade do movimento operário, a teoria que nega de facto o papel dirigente da vanguarda da classe operária, do partido da classe operária.
A teoria da reverência à espontaneidade age decididamente contra o carácter revolucionário do movimento operário, opõe-se a que o movimento se oriente pela linha da luta contra as bases do capitalismo; ela defende que o movimento siga exclusivamente a linha das reivindicações «exequíveis», «aceitáveis» para o capitalismo, defende inteiramente a «linha da menor resistência». A teoria da espontaneidade é a ideologia do trade-unionismo.
A teoria da reverência à espontaneidade manifesta-se decididamente contra a que se imprima ao movimento espontâneo um carácter consciente, sistemático, é contra a que o partido siga na dianteira da classe operária, a que o partido eleve as massas a um nível consciente, a que o partido leve o movimento atrás de si; defende que os elementos conscientes não impeçam o movimento de seguir o seu caminho, defende que o partido se limite a ouvir o movimento espontâneo e se arraste na sua cauda. A teoria da espontaneidade é a teoria da subestimação do papel do elemento consciente
no movimento, é a ideologia do «seguidismo», base lógica de todo o oportunismo.

Na prática, esta teoria, que entrou em cena ainda antes da primeira revolução russa, levou os seus partidários, os chamados «economistas», a negarem a necessidade de um partido operário independente na Rússia, a manifestarem-se contra a luta revolucionária da classe operária pelo derrubamento do tsarismo, a pregarem a política trade-unionista no movimento e, em geral, a colocarem o movimento operário sob a hegemonia da burguesia liberal.
A luta do velho Iskra e a brilhante crítica da teoria do «seguidismo», feita por Lenine na brochura Que Fazer?, não só derrotaram o chamado «economismo», como também lançaram as bases teóricas de um movimento realmente revolucionário da classe operária russa.
Sem essa luta, não se poderia sequer pensar na criação de um partido operário independente na Rússia, nem no seu papel dirigente na revolução.

Mas a teoria da reverência à espontaneidade não é um fenómeno exclusivamente russo. Ela está amplamente divulgada, é certo que sob uma forma algo diferente, em todos os partidos da II Internacional, sem excepção. Refiro-me à chamada teoria das «forças produtivas», vulgarizada pelos líderes da II Internacional, que justifica tudo e reconcilia todos, que constata os factos e os explica, depois de toda a gente já estar farta deles, e, constatando, fica apaziguada. Marx dizia que a teoria materialista não
pode limitar-se a interpretar o mundo, mas que, além disso, deve transformá-lo. Mas Kautsky e C.ª não se importam com isto, preferem ficar na primeira parte da fórmula de Marx.
Vejamos um dos numerosos exemplos da aplicação desta «teoria». Diz-se que, antes da guerra imperialista, os partidos da II Internacional ameaçavam declarar «guerra à guerra››, caso os imperialistas a desencadeassem. Diz-se que, ante o início iminente da guerra, esses partidos meteram na gaveta a palavra de ordem «guerra à guerra» e lançaram o lema contrário da «guerra pela pátria imperialista». Diz-se que em consequência desta substituição de palavras de ordem houve milhões de vítimas entre os operários. Mas seria erróneo pensar que existem aqui culpados, que alguém traiu ou vendeu a classe operária. Nada disso! Aconteceu o que tinha de acontecer. Em
primeiro lugar, porque a Internacional é «um instrumento de paz» e não de guerra. Em segundo lugar, porque, com o «nível das forças produtivas» que existia naquela altura, não se podia fazer outra coisa. A «culpa» é das «forças produtivas». Isto é o que «nos» explica, com exactidão, a «teoria das forças produtivas» do senhor Kautsky.
E quem não acreditar nesta «teoria» não é marxista. O papel do partido? A sua importância no movimento? Mas o que pode fazer um partido em face de um factor tão decisivo como o «nível das forças produtivas»?...
Poderíamos citar um monte destes exemplos de falsificação do marxismo.
Certamente que não será necessário demonstrar que este «marxismo» falsificado, destinado a encobrir a nudez do oportunismo, não passa de uma modificação à maneira europeia daquela mesma teoria do «seguidismo», combatida por Lénine já antes da primeira revolução russa. Certamente que não será necessário demonstrar que a demolição desta falsificação teórica é condição prévia para a criação de partidos verdadeiramente revolucionários no Ocidente.
 

I.V. Stáline, Princípios do Leninismo, Conferências lidas na Universidade
de Sverdlov, 1924.  
Publicado no blog «Pelo Socialismo»
 

 




 

 
 









 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


 
 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 

 
 
 



 
 



segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

O nosso Sonho - Pedra Filosofal




Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso,
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos,
que em oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho alacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que foça através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara graga, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa dos ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, paço de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão de átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

António Gedeão

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Portugal na "U".E. - Dados singelos a não esquecer.

Portugal é um dos países da Europa desenvolvida onde se trabalha mais horas por ano, mas nem por isso a retribuição é maior.

Comparados com os alemães, os portugueses trabalham mais 324 horas todos os anos, mas levam para casa menos 7484 euros. De acordo com os números da OCDE, a jornada diária dos alemães é cerca de uma hora mais leve todos os dias comparada com a dos portugueses, mas como os salários e as regalias são superiores, os trabalhadores alemães saem largamente a ganhar.
A OCDE, que compara as horas trabalhadas em 2013 nos vários países que compõem a organização, mostra que os trabalhadores portugueses passam cerca de 1712 horas por ano a trabalhar, cerca de 33 horas por semana. Este período é superior ao registado em 17 países que compõem a OCDE, como a Holanda, país com uma jornada menor (1380), Alemanha (1388), Noruega (1408), França (1489), Espanha (1665) ou até Islândia (1704).

(Diário de Notícias, edição de 15/10/2014)

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Texto de Drummond de Andrade para Cartola

Texto publicado três dias antes da morte do Cartola, falecido em 30 de novembro de 1980, aos 72 anos de idade.

Cartola, no moinho do mundo

Você vai pela rua, distraído ou preocupado, não importa. Vai a determinado lugar para fazer qualquer coisa que está escrita em sua agenda. Nem é preciso que tenha agenda. Você tem um destino qualquer, e a rua é só a passagem entre sua casa e a pessoa que vai procurar. De repente estaca. Estaca e fica ouvindo.

Eu fiz o ninho.
Te ensinei o bom caminho.
Mas quando a mulher não tem brio,
é malhar em ferro frio.


Aí você fica parado, escutando até o fim o som que vem da loja de discos, onde alguém se lembrou de reviver o samba de Cartola; Na Floresta (música de Sílvio Caldas).

Esse Cartola! Desta vez, está desiludido e zangado, mas em geral a atitude dele é de franco romantismo, e tudo se resume num título: Sei Sentir. Cartola sabe sentir com a suavidade dos que amam pela vocação de amar, e se renovam amando. Assim, quando ele nos anuncia: “Tenho um novo amor”, é como se desse a senha pela renovação geral da vida, a germinação de outras flores no eterno jardim. O sol nascerá, com a garantia de Cartola. E com o sol, a incessante primavera.

A delicadeza visceral de Angenor de Oliveira (e não Agenor, como dizem os descuidados) é patente quer na composição, quer na execução. Como bem observou Jota Efegê, seu padrinho de casamento, trata-se de um distinto senhor emoldurado pelo Morro da Mangueira. A imagem do malandro não coincide com a sua. A dura experiência de viver como pedreiro, tipógrafo e lavador de carros, desconhecido e trazendo consigo o dom musical, a centelha, não o afetou, não fez dele um homem ácido e revoltado. A fama chegou até sua porta sem ser procurada. O discreto Cartola recebeu-a com cortesia. Os dois convivem civilizadamente. Ele tem a elegância moral de
Pixinguinha, outro a quem a natureza privilegiou com a sensibilidade criativa, e que também soube ser mestre de delicadeza.


Em Tempos Idos, o Divino Cartola, como o qualificou Lúcio Rangel, faz o histórico poético da evolução do samba, que se processou, aliás, com a sua participação eficiente:

Com a mesma roupagem
que saiu daqui
exibiu-se para a Duquesa de Kent
no Itamaraty.


Pode-se dizer que esta foi também a caminhada de Cartola. Nascido no Catete, sua grande experiência humana se desenvolveu no Morro da Mangueira, mas hoje ele é aceito como valor cultural brasileiro, representativo do que há de melhor e mais autêntico na música popular. Ao gravar o seu samba Quem Me Vê Sorrir (com Carlos Cachaça), o maestro Leopold Stockowski não lhe fez nenhum favor; reconheceu, apenas, o que há de inventividade musical nas camadas mais humildes da nossa população.  Coisa que contagiou a ilustre Duquesa.

Mas então fiquei parado, ouvindo a filosofia céptica do Mestre Cartola, na voz de Silvio Caldas. Já não me lembrava o compromisso que tinha que cumprir, que compromisso? Na floresta, o homem fizera um ninho de amor, e a mulher não soubera corresponder à sua dedicação. Inutilmente ele a amara e orientara, mulher sem brio não tem jeito não. Cartola devia estar muito ferido para dizer essas coisas tão amargas. Hoje não está. Forma um par feliz com Dona Zica, e às vezes a televisão vai até a casa deles, mostra o casal tranqüilo, Cartola discorrendo com modéstia e sabedoria sobre coisas da vida. “O Mundo é um moinho…” O moleiro não é ele, Angenor, nem eu, nem qualquer um de nós, igualmente moídos no eterno girar da roda, trigo ou milho que se deixa pulverizar. Alguns, como Cartola, são trigo de qualidade especial. Servem de alimento constante. A gente fica sentindo e pensamenteando sempre o gosto dessa comida. O nobre, o simples, não direi o divino, mas humano Cartola, que se apaixonou pelo samba e fez do samba o mensageiro de sua alma delicada. O som calou-se, e “fui à vida”, como ele gosta de dizer, isto é, à obrigação daquele dia. Mas levava uma companhia, uma amizade de espírito, o jeito de Cartola botar lirismo a sua vida, os seus amores, o seu sentimento do mundo, esse moinho, e da poesia, essa iluminação.

Carlos Drummond de Andrade