SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Coisas de macacos e de humanos...



Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula em cujo centro puseram uma escada e, sobre ela, uma banana. Quando um macaco subia a escada para apanhar as bananas, os cientistas lançavam um jacto de água fria nos que estavam no chão. Depois de algum tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros enchiam-no de pancada. Passado mais algum tempo, nenhum macaco subia mais a escada, apesar da tentação das bananas. Então, os cientistas substituíram um dos cinco macacos. A primeira coisa que ele fez foi subir a escada, mas foi rapidamente parado pelos outros. Depois de alguns golpes, o novo integrante do grupo não subiu mais a escada. Um segundo foi substituído, e o mesmo ocorreu, tendo o primeiro substituto participado, com entusiasmo, na agressão ao novato. Um terceiro foi trocado, e repetiu-se o facto. Um quarto e, finalmente, o último dos veteranos foi substituído.
Os cientistas ficaram então com um grupo de cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam a bater naquele que tentasse chegar às bananas. Se fosse possível perguntar a algum deles porque batiam em quem tentasse subir a escada, a resposta seria: "Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui..."




Não possuo mais referências sobre esta experiência com macacos, ignorando a fonte e a credibilidade científica do relato que transcrevi, reconhecendo assim que podemos estar perante um episódio sem fundamento. Porém, inclino-me a pensar que a experiência é verídica, na linha de tantas outras que são realizadas por primatólogos com estes nossos "primos". Experiência surpreendente e muito interessante de analisar por nós, os humanos.

Na verdade, são inúmeras as semelhanças comportamentais entre nós e eles. Possuímos uma herança genética e comportamental atávica que determina muitas dessas semelhanças. Entre nós, é muito frequente ouvirmos a frase: "Sempre houveram ricos e pobres, e sempre continuarão a haver...", testemunhando a nossa inata propensão para o conservadorismo, para a aceitação do mundo tal como ele é e já o encontramos. "As coisas, são o que são", "Oh, filho, deixa-te de idealismos e trata da tua vida", "O homem é por natureza egoísta e mau", "Adeus mundo, cada vez pior" e tantas outras expressões correntes do nosso dia-a-dia, são afinal meros afloramentos populares de um vasto e poderoso edifício ideológico, laboriosamente construído e assente sobre os caboucos arruinados e as heranças ainda de pé de sucessivos sistemas históricos ao longo de milhares de anos de evolução da Humanidade, todos eles assentes na divisão das sociedades humanas em classes e todos eles pregando e incutindo, de gerações para gerações, a passividade, a aceitação resignada do que existe e do como está, induzindo o individualismo e a divisão/competição, a subordinação à autoridade constituída, com as especificidades de cada época mas todos tendentes a garantir que os explorados aceitem a exploração, que os humilhados aceitem a humilhação.

Resumidamente, na actualidade, trata-se de um edifício ideológico herdado e constantemente actualizado, destinado a perpetuar o "status quo" com base na aceitação conformada da organização social e política predominante - o capitalismo -, como uma realidade imutável contra a qual não valeria a pena e é arriscado lutar.

Tudo isto a dar-nos a nós, os que nos reclamamos marxistas-leninistas, aos revolucionários, aos humanistas consequentes, aos defensores sérios e coerentes dos propósitos igualitários iniciais da máxima da burguesia revolucionária, "Liberdade, Igualdade, Fraternidade" - inscrita há mais de dois séculos -, a ideia do quanto é trabalhosa e dura, muito exigente, a tarefa nada inata que a nós próprios nos atribuímos, a saber, a de persuadirmos os que nos rodeiam a lutarem pela transformação radical do mundo, destruindo a ideologia dominante e edificando nas mentes e nos corações a vontade da construção de uma sociedade (quase) totalmente nova, na qual os trabalhadores sejam chamados a organizar e a exercer o seu próprio poder político de classe, tornando-o dominante pela conquista à burguesia do seu aparelho de dominação, para em seguida o destruir de alto a baixo e no seu lugar edificar uma organização sócio-política socialista.

E as notícias das grandes dificuldades que temos pela frente não ficam por aqui. Também é verdade que nada nem ninguém realizará esse colossal esforço por nós, temos que ser nós a assumir inteiramente a tarefa. E mais ainda, uma tarefa que não ficará concluída nunca, que todos os dias irá continuar a exigir-nos trabalho, esforços e inquebrantável dedicação, estudando e aprendendo com os sucessos e os insucessos, corrigindo e apurando permanentemente o rumo novo, sob pena de tudo retroceder, perdendo-se todo o trabalho e sacrifícios antes realizados.


Procurando estabelecer uma ponte entre a experiência com macacos do início e a referida necessidade de "desconstruirmos" de modo eficaz a ideologia do capital, para os leitores que ainda não o conheçam, aí fica o link (com os agradecimentos devidos ao Glauber Ataíde) de um vídeo muito interessante, onde o autor trata com criatividade este problema da "formatação" ideológica que nos querem impor, usando uma história de crianças: http://vimeo.com/4799723

Tem a duração de 50 minutos, o que exige tempo e disposição para o visionar, é em inglês, legendado, e faço votos que dêem por bem empregue o exercício - e o saboroso gozo - de o ver, para além da utilidade do seu conteúdo no nosso combate pelo socialismo.


domingo, 15 de novembro de 2009

Democratização da Informação - Uma luta na ordem do dia


Na actualidade, perante a massificação do acesso de amplas massas populares aos grandes meios de comunicação - em especial, as televisões -, estes meios transformaram-se em poderosos instrumentos do capital para a manipulação e a formatação das mentes. Tornaram-se os meios comunicacionais dominantes, ao serviço das classes dominantes, dando deste modo uma contribuição decisiva para a plena concretização prática do princípio que nos diz que a ideologia dominante é a da classe dominante.

Por tais razões, a luta contra a centralização e manipulação dos média assume um lugar central na luta geral do proletariado contra o capital. Denunciar a situação nos grandes meios de "informação", combater o enorme desequilíbrio de acesso a esses meios, consoante se trata dos defensores do capital ou dos trabalhadores, exigir políticas de democratização da Imprensa, tornaram-se acções prioritárias na actividade geral dos partidos comunistas e operários, exigindo linhas próprias de intervenção e propostas de acções conjuntas de todos os verdadeiros democratas, mobilizando as opiniões públicas para agirem e lutarem por uma Informação Social e Democrática ao serviço dos interesses públicos e colectivos de todo o povo, isenta na escolha dos seus objectos de informação, pesquisa e divulgação, verdadeira a relatar os factos, deontológica nos procedimentos dos seus profissionais.

Isto não significa alimentarmos quaisquer ilusões, quanto à sua transformação em meios de comunicação ao serviço dos povos, objectivo só possível com a prévia transformação das sociedades capitalistas actuais em sociedades socialistas. Todavia, significa que a luta pela democratização da media passou a ocupar um lugar central, na luta mais geral contra o capitalismo e os seus regimes políticos ao serviço das burguesias nacionais e do imperialismo.


Fernando Correia, um comunista, jornalista e professor universitário de jornalismo há décadas, tem vindo a reflectir sobre as realidades actuais da Imprensa em Portugal, escrevendo textos valiosos de análise e cujo âmbito geral ultrapassa os seus limites nacionais. São dele os períodos seleccionados que abaixo se transcrevem, pelo contributo que dão para uma definição - tornada hoje fundamental, indispensável - da propriedade e conteúdo de classe da Imprensa dominante e para a correspondente implementação das justas posições e propostas que os comunistas devem defender e propor aos trabalhadores e a todos os democratas sinceros. Eles aí ficam, à vossa consideração.


"O lugar central ocupado pelos media na nossa sociedade revela-se em três aspectos essenciais, relacionados entre si: o espaço que ocupam na vida das pessoas, em substituição de outras formas de participação social; as influências de diverso tipo que exercem sobre as atitudes, os comportamentos e os valores de cada um e da sociedade; os múltiplos condicionalismos, pressões e expectativas que sobre eles recaem, enquanto instrumentos de poder e do exercício do(s) poder(es), de dominação ideológica ou de conquista de visibilidade.
É cada vez maior e mais sofisticada a função dos media enquanto modeladores das formas de pensar e de agir. Simultâneamente, aumenta o número de pessoas cujo tempo livre é preenchido pelo «consumo» dos media, principalmente a TV e a Internet nas suas várias aplicações, incluindo o jornalismo digital, em detrimento de formas tradicionais de socialização, incluindo a intervenção política e o lazer.
Sublinhe-se que os media estão longe de ser apenas um meio de informação, um veículo de notícias, assumindo uma fundamental função social enquanto transmissores de conhecimento, em proporções tanto maiores quanto menor é o grau de escolaridade e de hábitos culturais das pessoas. Para grande parte dos portugueses – certamente a maioria –, impedidos (por razões económicas, de tempo – casa-transportes-trabalho-transportes-casa – de ausência de motivação e de estímulos), todo o conhecimento das realidades que estão para além da sua experiência quotidiana (família, colegas de trabalho, amigos próximos) advém-lhes, praticamente em exclusivo, da comunicação social.
Este facto reforça a centralidade social dos media e a sua influência determinante na formação das opiniões – desde logo as de natureza política, em sentido estrito, mas também todas as outras, tanto do domínio da cultura como da ética, dos valores e dos comportamentos que, podendo não ser directamente políticas, acabam por ter um grande significado enquanto componentes da consciência ideológica, quando chega a altura de assumir opções…políticas (em actos eleitorais, por exemplo).
Nas sociedades como a nossa, a relação estrutural existente entre os media e o poder capitalista, assente na pertença dos principais meios de informação (media dominantes) ao poder do capital (classes dominantes), determina à partida não só o tipo de informação por eles veiculada, tanto na selecção dos temas como da forma como são abordados, mas também o tipo de conhecimentos transmitidos e vulgarizados.

(in, "Media, sociedade e democracia", 2007, publicado em "O Militante")


Os ideólogos dos media alinhados com o sistema capitalista, assim como os donos e os gestores dos próprios media dominantes, gostam de dizer que na sua comunicação social existe diversidade política e ideológica , todas as sensibilidades e correntes de opinião têm oportunidade para se exprimir e, em suma, existe um verdadeiro pluralismo. Esta afirmação é recorrentemente corroborada pelos dirigentes dos partidos ao serviço do sistema, quer sejam dele convictos defensores, quer se «limitem» a ser seus solícitos gestores. Só deixa de ser assim, pontualmente, quando um desses partidos está na «oposição» e encontra motivos para se queixar dos «abusos» e «interferências» na comunicação social dos que estão no poder – sendo que, quando a alternância os faz trocar de posição, a mesma cena inevitavelmente se repete…
O mesmo se passa dentro dos próprios media dominantes, onde a maioria da elite jornalística, composta por directores e outros responsáveis editoriais, funciona como charneira entre as administrações e as salas de redacção e como responsável directa pela transformação dos interesses patronais em «produtos» jornalísticos. Mesmo que, neste ou naquele caso individual, o faça de forma contrariada e mesmo tente ser o mais fiel possível aos bons princípios do profissionalismo jornalístico.

(...)A questão do pluralismo não pode ser desligada da evolução recente dos media, caracterizada por um crescente predomínio do factor económico traduzido na constituição de grandes grupos plurimedia (incluindo imprensa, rádio, televisão e Internet), na mercantilização da informação (é «boa» a notícia que «vende» bem) e suas consequências na cultura e na prática jornalisticas, no reforço da concepção dos media como um elemento estruturante do domínio e do controlo social e uma arma fundamental na luta de classes.
O elevado grau de concentração da propriedade a que hoje se chegou faz com que a informação, o conhecimento e o entretenimento mediáticos sejam controlados por um pequeno núcleo de pessoas e entidades representantivos de uma camada social a que poderíamos chamar dos mais ricos entre os muito ricos.
Só o grande capital, e a política e os políticos que se lhe subordinam, podem ser protagonistas na concretização da «liberdade de expressão». Só o grande capital, e aqueles que nos media estão ao seu serviço (com ou sem carteira profissional de jornalista) têm poder para definir em que consiste e quais os limites do pluralismo. Não são os grandes patrões dos media que escrevem as notícias ou produzem os telejornais. Mas eles estão no topo da hierarquia que, de degrau em degrau, determina que na sala de redacção sejam estes e não aqueles a elaborar a agenda, a organizar as edições, a seleccionar a informação, a escolher os comentadores, etc. São eles que, mesmo sem ordens explícitas e quotidianas, ditam as «regras do jogo» e impõem o «consenso implícito» que, sem grandes sobressaltos, preside ao funcionamento dos media e à orientação das suas agendas.
Estamos, pois, perante uma realidade de classes com naturais consequências ao nível da expressão das várias correntes de opinião, pelos seus efeitos na lógica de funcionamento do sistema mediático em geral e do campo jornalístico em particular, e ainda, naturalmente, pelas suas consequências no plano da formação das opiniões e da consciência social. É a natureza de classe da propriedade dos media dominantes que nos fornece a chave para compreender a realidade da comunicação social e do seu lugar, papel e influência na nossa sociedade.
Uma nota final. A importância dos media na luta política e ideológica é fundamental, mas precisa de ser relativizada. Os media não são a única instância que condiciona a evolução dos actores sociais e da sociedade. O próprio facto de os resultados do PCP e da CDU (ainda que aquém do que seria de desejar e de prever) terem frontalmente contrariado os «prognósticos» e «sentenças» dos que há muito vaticinam o «desaparecimento» do PCP, mostra até que ponto as acções de organização e de mobilização, a intervenção junto e com os trabalhadores, a luta de massas, são decisivas na prática social, no combate político e ideológico e na própria formação da consciência social.
A luta pela democracia implica a luta pela democratização do sistema mediático. Ainda que saibamos que não serão os media a transformar a sociedade, mas será a sociedade que, um dia, transformará os media."

(in, "Media, pluralismo e consciência social", 2009, idem "O Militante")


Aqui no Brasil, vai-se vulgarizando o uso da designação "P.I.G." - Partido da Imprensa Golpista - para qualificar os grandes meios de comunicação dominantes. Considero que é uma designação politicamente equivocada. Em épocas atrasadas, chegou-se a chamar à grande Imprensa o “Quarto Poder”. O debate posteriormente realizado permitiu ultrapassar esse erro político na avaliação do papel desta grande imprensa. A brasileira, como a portuguesa, como generalizadamente todas as outras grandes imprensas nacionais, não é um poder nem é um partido. É um instrumento de intervenção política, propriedade e uso do grande capital, que assim intervém com meios poderosos na luta das ideias, na luta ideológica e política, ao serviço exclusivo dos interesses das grandes burguesias locais. Noutros casos, de difusão internacional - por exemplo, a CNN -, directamente ao serviço “globalizado” do imperialismo.

Porquê estas considerações? Elas resultam da ideia que a equivocada designação de PIG acaba desempenhando uma função de diversão, simultâneamente política e ideológica. Com efeito, induz a ideia de uma “independência” política, de uma autonomia de objectivos de classe - ambas falsas -, como se esta imprensa fosse mais um partido a somar a tantos outros. Nas grandes cadeias de televisão e nos grandes grupos editoriais intervêm direcções, editores, chefes de redacção, jornalistas, articulistas, comentaristas admitidos e encartados, todos eles exercem, de um ponto de vista de classe - aquele que a nós, comunistas, interessa - a função de agentes políticos dos interesses do grande capital, são verdadeiramente funcionários assalariados dos proprietários desses grupos, eles mesmos detentores - directos ou associados - do grande capital.

Na permanente luta de classes em curso - luta entre e intra -, claro que há contradições e conflitos de interesses. É evidente que os artigos, reportagens, textos publicados, comentários e "painéis de debate", a cada momento exprimem essas contradições, fundamentalmente porque espelhando os interesses de um segmento ou de um grupo específico no interior da classe capitalista e aparentando por vezes, por tal razão, uma falsa independência redactorial que não existe. Mas, na grande Imprensa, mandam exactamente os mesmíssimos interesses que mandam no pessoal político de turno - ministros, governadores, prefeitos, senadores, deputados, vereadores, etc. Sejam os interesses dos banqueiros, sejam dos latifundiários, sejam da grande burguesia industrial, sejam dos grandes especuladores imobiliários, aliás todos eles crescentemente concentrados, centralizados e “fundidos”, e, sob a batuta do seu vértice actual - o capital financeirizado -, associados ao imperialismo.

Daqui resulta uma conclusão, a retirar obrigatoriamente: para a esquerda - a que queira ser consequente -, é imperioso designar e tratar a grande imprensa como uma extensão específica de um mesmo e único aparato de poder político, ao serviço de uma mesma classe: a grande burguesia. Por tal razão, não lhe chamemos “poder”, ou “partido”. Visar esta grande imprensa como se fosse algo independente (e acima das classes), deixando de visar, por exemplo, o ministro Henrique Meireles (presidente do Banco Central), ou o ministro Reinhold Stephanes (ministro da Agricultura), ou o ministro Guido Mantega (ministro da Fazenda), ou o ministro Gilmar Mendes (presidente do Supremo Tribunal Federal), é confundir e deixar desarmados aqueles que necessitamos mobilizar para o nosso lado, isto é, todo o proletariado e camadas suas aliadas da pequena-burguesia, designadamente o campesinato e a intelectualidade liberal.

A situação nestes meios de comunicação (por vezes chamada “social”) exige a nossa vigorosa denúncia, sem dúvida. Mas como uma parte do sistema dominante a denunciarmos - e não como algo que lhe seja alheio ou independente, como a designação PIG pode involuntariamente fazer supor aos que a ouvem ou a lêem. A própria Conferência Nacional da Comunicação convocada pelo governo Lula só será efectivamente útil se conseguir, antes de tudo o mais - reformas, nova legislação, nova política informativa, novos meios comunicacionais públicos, etc -, deixar claro a base essencial de partida: a quem pertence a grande média e a que interesses de classe está subordinada.

É necessário e urgente, lutarmos pela criação e rigorosa aplicação de regras democráticas para o uso dos espaços legais e rádio-eléctricos - propriedade de todo o povo e cujo Estado apenas cede como direito temporário de utilização por entidades de comunicação previamente legalizadas e que garantam o cumprimento integral de um conjunto de regras democráticas - assegurando o efectivo pluralismo de informação, o direito efectivo ao contraditório, a garantia da transmissão verídica dos factos, um trabalho de promotoria dos direitos dos utentes assente em processo electivo pelos próprios, a defesa dos interesses e da cultura nacionais, a obrigatoriedade de cobertura informativa/formativa de todos os interesses e direitos estabelecidos na respectiva área geográfica de actuação, etc. Paralelamente, lutarmos pela criação de novas entidades públicas de comunicação que assegurem os interesses informativos e culturais de toda a comunidade, bem como a abertura legal de utilização e o apoio à constituição de orgãos de informação e comunicação pelas diversas entidades colectivas e sociais, nomeadamente os partidos políticos, os sindicatos, as associações profissionais, sociais, culturais, religiosas, etc.

Em síntese, devemos exigir políticas de alteração profunda no "status quo" existente, combatendo a monopolização da comunicação, despudorada e sem regras, praticada pelo grande capital, impondo-lhe regras restritivas e, simultâneamente, alargando o espaço para a criação de orgãos públicos e cooperativos, criados e/ou apoiados pelo Estado, nos quais os estatutos internos garantam a efectiva isenção e equidade informativas.

Trata-se de uma luta renhida, pois a grande burguesia defenderá com unhas e dentes o seu monopólio e domínio informativos, visando perpetuar a sua acção ideológica dominante. Mas é uma luta na qual podemos ter ao nosso lado numerosos aliados e a própria opinião pública, informada e mobilizada para o combate pela democratização da informação e da comunicação, tornando-as efectivamente sociais, ao serviço de todos e não dos possidentes exploradores, derrotando e ultrapassando o presente quadro de uma comunicação dominante dita "social" que, impunemente, mistifica e manipula a percepção da realidade.

Uma luta entre as muitas lutas políticas que travamos, pela transformação imediata e progressista das realidades do capitalismo, sistema de exploração e opressão que só o advento da sociedade socialista irá destruir e enterrar. Mas, na actualidade, esta é uma luta prioritária e a não subestimarmos, exigindo-nos a denúncia vigorosa da situação anti-democrática actualmente existente e batendo-nos pelas profundas alterações que ela exige.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Uma festança patética e serôdia

Preparada ao longo de semanas, todos os sectores reaccionários da media, organizados internacionalmente sob a batuta da central de intoxicação ideológica do imperialismo estado-unidense, lançaram uma colossal campanha mediática anti-comunista com o pretexto de "comemoração" da data da demolição do muro de Berlim, ocorrida há vinte anos, no auge da ofensiva contra-revolucionária que conduziu à liquidação dos regimes socialistas até aí existentes em vários países europeus.

O acto encenado em Berlim, no passado dia 9/11, foi patético e denunciando o seu carácter de festança da contra-revolução, marcado por um saudosismo serôdio de toda aquela gentalha "ilustre" convidada. De facto, nestes vinte anos decorridos, a realidade já se encarregou de mostrar aos berlinenses e a todos os alemães - bem como aos restantes povos dos países à época socialistas - que nada de bom têm para comemorar, muito pelo contrário.
Sobrou esta gigantesca acção propagandística global, cuja preparação e laboriosa montagem cenográfica só vem confirmar que são eles, os imperialistas e os seus governos de turno que continuam a ter muitas e redobradas razões para temer o socialismo, apavorados com a perspectiva real de, face à monumental crise mundial do capitalismo e suas duras consequências para os trabalhadores, o objectivo de uma sociedade socialista redobre a sua capacidade de atracção para os explorados, como parece ocorrer de forma crescente por todo o mundo.
Alguns governos e parlamentos, alarvemente sintonizados pela tónica do mais execrável anti-comunismo, apressaram-se a associarem-se aos propósitos daquela bufa encenação política em Berlim.
Pelo seu interesse e oportunidade, transcreve-se a seguir o texto da intervenção de Bernardino Soares, membro da comissão política do PCP, na Assembleia da República, na discussão dos provocatórios e caninos votos que ali foram apresentados sobre tal "comemoração".


O triunfalismo comemorativo a que temos assistido nos últimos dias, de que alguns aqui na Assembleia da República também reivindicam o seu quinhão, mais do que o facto histórico que se verificou há 20 anos atrás, visa reescrever a história e tentar decretar, para o presente e para o futuro, a vitória definitiva do sistema capitalista como se do fim da história se tratasse.
É aliás extraordinário, mas não certamente um acaso, que isso aconteça no momento em que uma gravíssima crise internacional põe a nu as contradições do capitalismo e arrasta os povos para a degradação das suas condições de vida, para o aumento da pobreza e para uma ainda maior exploração dos trabalhadores e dos mais desfavorecidos.

É ainda extraordinário e inaceitável que esta gigantesca reescrita da história procure fazer tábua rasa dos contributos do campo socialista em aspectos decisivos do progresso da humanidade no século XX, como são os casos do contributo determinante para a derrota do nazi-fascismo da luta e derrota do colonialismo, do progresso social económico e cultural e dos direitos dos trabalhadores em todo o mundo, da paz e da manutenção de um equilíbrio militar estratégico.

É aliás significativo que se ignorem importantes consequências das alterações ocorridas há cerca de 20 anos no Leste europeu, como a drástica redução da esperança de vida, a destruição dos sistemas sociais, o desemprego, o aumento exponencial da pobreza, da fome e da marginalidade. Ou como o retrocesso social e nos direitos dos trabalhadores entretanto verificado e em curso, incluindo no nosso país. O Imperialismo norte-americano e o seu pilar na União Europeia crescentemente militarizada encontraram um campo mais liberto para a ingerência, a invasão e o desmembramento de países soberanos. Pela primeira vez desde 1945 a guerra voltou à Europa e um país soberano – a Jugoslávia - foi desmembrado com a participação activa e directa de potências estrangeiras.

O que foi derrotado não foram os ideais e o projecto comunistas, mas um «modelo» historicamente configurado, que se afastou, e entrou mesmo em contradição com características fundamentais de uma sociedade socialista, sempre proclamadas pelos comunistas, onde são indispensáveis entre outras a democracia política e a liberdade.
O PCP rejeita por isso o teor dos votos em análise, registando diferenças substanciais entre eles, em especial os que fingem ignorar os muros reais que hoje existem contra a liberdade, a dignidade, que impõem a exploração agravada, ou que suportam a guerra e a ocupação.

O afã comemorativo destes dias visa sobretudo o presente e o futuro; visa a luta dos povos contra a natureza agressiva do capitalismo, deseja desmobilizar a esperança e esconder que há alternativa a este sistema.

Não o conseguiram no passado e não o conseguirão no futuro.

sábado, 7 de novembro de 2009

"Todo o poder aos sovietes! Viva a revolução socialista!"


Sob esta consigna, lançada pelo partido de Lénine em Abril e retomada em Novembro de 1917, o proletariado russo era conclamado pelos bolcheviques a tomar nas suas mãos o poder político, expulsando o segundo governo provisório, um governo de conciliação e traição constituído em Julho, sob a direcção de Kerensky, colocando este em fuga, para os EUA. Com a insurreição dirigida pela classe operária russa, que tomou de assalto os orgãos do poder burguês, iniciava-se, faz hoje, dia 7/Nov°, 92 anos, a primeira revolução socialista vitoriosa na história da Humanidade. Acontecimento maior na história mundial, teve profundas repercussões em todos os aspectos da organização e dos objectivos das sociedades humanas até aí existentes, originando enormes transformações políticas, sociais e culturais em todos os povos e países do mundo e iniciando uma nova época - a época da passagem do sistema capitalista, explorador e opressor, a uma nova sociedade, libertadora das forças do trabalho e, pela primeira vez, dirigida pelos próprios explorados - a sociedade socialista.
A velha Rússia czarista, semi-feudal e atrasada, irmanada às restantes nacionalidades, transformou-se na União Soviética, uma união de repúblicas socialistas que atingiram os mais altos graus de desenvolvimento económico e civilizacional, na ciência, na saúde, na educação, nas conquistas sociais, na cultura. Por exemplo, os salários reais atingiram valores sem paralelo no mundo capitalista - cerca de 15% dos salários pagavam as despesas com habitação, incluídos os abastecimentos de água, gás, electricidade! - com o trabalhador usufruindo, de facto, de inúmeros direitos políticos, sociais, culturais. Estas grandiosas conquistas acabaram provocando, pela comparação que os trabalhadores em todo o mundo puderam fazer consigo próprios, grandes lutas reivindicativas que arrancaram ao capital conquistas laborais e avanços sociais históricos.
O exemplo revolucionário dos comunistas russos alastrou a outros países e povos, estalaram outras revoluções. Graças à capacidade industrial e militar da U. Soviética e ao sacrifício inaudito dos seus povos, a II Guerra Mundial terminou com a derrota do nazi-fascismo, não obstante o incomensurável preço pago, em vidas humanas - vinte milhões de mortos - e na colossal destruição das suas estruturas económicas. Novos países socialistas emergiram, na Europa, na Ásia, na América Latina. Os trabalhadores e os povos do mundo inteiro passaram a contar com o apoio e suporte dos países socialistas - sobretudo da União Soviética - para as suas próprias lutas de emancipação social e política. Os movimentos de libertação nacionais das antigas colónias, apoiados pela solidariedade dos países socialistas, derrotaram as potências coloniais e tornaram-se países independentes e soberanos. A luta contra o imperialismo, pela paz e contra as guerras de agressão e ocupação imperialistas, adquiriram um vigor novo. O socialismo fez frente ao capitalismo e o mundo ficou mais equilibrado, abrindo espaço a novos e constantes avanços progressistas em inúmeros países.


Entretanto, este novo aniversário da Revolução de Outubro, sendo de comemoração e saudação aos revolucionários bolcheviques de 1917, deve ser igualmente um bom momento para reflectirmos sobre os acontecimentos históricos posteriores. Sobretudo a partir da segunda metade do século XX, muita coisa mudou na pátria de Lénine. A par do impetuoso desenvolvimento económico e científico, durante as décadas de cinquenta e sessenta, operaram-se transformações profundas no regime de democracia socialista, com modificações de sentido negativo no seu funcionamento e nas políticas do Estado soviético. Os ideais leninistas foram socavados por práticas de governo centralistas, reduzindo-se gradual e constantemente - excepto no curto período durante o qual Andropov foi Secretário-geral do PCUS - a participação democrática e popular na construção socialista, cavando-se um fosso crescente entre o exercício do poder e os trabalhadores. Concepções elitistas dos detentores dos aparelhos de governação, orientações e práticas políticas revisionistas, violações grosseiras ao ideal socialista, traições e deserções de alguns dos seus principais dirigentes, originaram um galopante processo de degradação política nos países socialistas da Europa que viria a culminar com as derrotas históricas das duas últimas décadas do século passado. Derrotas que operaram uma brutal viragem na correlação mundial de forças, abrindo espaço para a selvática época da globalização capitalista, sob as consignas do neo-liberalismo - afinal uma máscara política e ideológica para ocultar a real neo-fasciszação dos regimes capitalistas por todo o mundo, no âmbito da imposição pelo capital de uma nova ordem mundial totalitária.
Todavia, a 7 de Novembro de 1917 teve lugar uma revolução proletária: revolução, porque o poder político passou das mãos da classe que o detinha para as de uma outra classe; proletária, porque o poder foi assumido pelo proletariado e este, contrariamente a todas as anteriores revoluções, colocou como objectivo central a destruição do Estado burguês para no seu lugar edificar um Estado de novo tipo, Estado proletário (prosseguindo os primeiros passos, dados pelo operariado parisiense, em 1871, na Comuna de Paris), cujas características inteiramente novas permitiriam assegurar a repressão dos elementos burgueses e, simultâneamente, garantir aos operários a liberdade e a direcção política da revolução. Este novo Estado, tendo por base a constituição e funcionamento dos sovietes, nome russo dos conselhos/comissões de fábrica, de empresa e de bairro - depois alargados aos soldados e marinheiros e aos camponeses pobres - e que, após a tomada do poder à burguesia, se constituiram numa estrutura de governo de democracia participativa directa, a um tempo orgãos representativos e executivos, com ampla e activa participação democrática de massas, cujo conteúdo de classe iria permitir levar avante os seus propósitos revolucionários e transformadores.
Nessa época inicial, inovadora e criativa, segundo as palavras de Lénine “o Partido deve levar à prática as suas decisões pela via dos sovietes e nos marcos da Constituição soviética. O partido esforça-se por dirigir a actividade dos sovietes e não por suplantá-los.” O desvio a esta concepção essencial será, décadas depois, fatal para o socialismo.
Segundo alguns estudos, nos primeiros dez anos de poder soviético, 12,5 milhões de trabalhadores chegaram a participar como deputados eleitos nos sovietes. De 1924 a 1934, o número de deputados multiplicou-se por doze. Vigorava, de facto, a democracia participativa, com activo e permanente controle dos eleitos pelos eleitores, eleitos destituíveis a qualquer tempo; só nos sovietes urbanos russos, de 1931 a 1934, foram destituídos 18% dos seus deputados. A participação popular, desde a revolução, cresceu espectacularmente. No biénio de 1924-25 o número de eleitores foi de 37 milhões, com metade destes a participar nas reuniões preparatórias que antecediam as eleições e, passados dez anos, o número de eleitores subia para os 77,4 milhões.
Entretanto, na década de trinta, na sequência de um cerrado combate entre concepções opostas e facções no seio do partido bolchevique, é redigida uma nova constituição que, promulgada em 1936, veio alterar profundamente estas realidades democráticas. A democracia participativa cedeu o lugar à "democracia" representativa. Não obstante manterem o nome de sovietes, são extintos os antigos orgãos de poder com origem nas fábricas, nos locais de trabalho, nas organizações profissionais, nas comunidades camponesas pobres, nos bairros urbanos, sendo substituídos por orgãos representativos de base geográfica, com a adopção do método das eleições gerais, que vão passar a servir para eleger representantes distantes e menos conhecidos, eleitos que deixam de poder ser objecto de controle e de destituição. A vida política é "parlamentarizada", com os governantes progressivamente distanciados dos trabalhadores e do povo.
Parece também evidente que a militarização forçada da sociedade soviética, imposta pela crescente ameaça de invasão das ordas nazis de Hitler - que viria, de facto, a consumar-se em Junho de 1941 - decerto contribuiu para essa regressão do carácter amplamente democrático e avançado da democracia popular soviética que, após a guerra e nas décadas seguintes, não mais reassumiu o seu carácter transformador inicial, num processo continuado de deturpação do socialismo, agravado pelas resoluções oportunistas do XX Congresso do PCUS, sob a direcção de Kruchtchov, e concluído com Gorbatchov nos anos da falsa "perestróika", que consumaram a sua derrota.

Verdadeira pedra de toque do socialismo - foi no passado, é no presente e será no futuro -, a questão da participação amplamente democrática e popular das massas trabalhadoras em todo o percurso da sua conquista revolucionária, na sua manutenção, consolidação e aprofundamento, revela-se uma questão decisiva, fundamental, identitária. Nos antípodas dos regimes capitalistas, a chave da conquista e da progressão do socialismo reside na sua dimensão de massas, na participação e empenhamento de milhões de proletários na construção, criativa e exaltante, das suas sociedades socialistas nacionais. Acredito convictamente que o princípio do fim da União Soviética está situado na perda dos direitos e das práticas participativas originais pelos sovietes. Um retrocesso que culminou com o regresso às velhas e gastas fórmulas do sistema parlamentar burguês, com a "reconstrução" de um velho aparelho de Estado característico do capitalismo. O resultado - históricamente dramático e de consequências devastadoras - foi o operário, o empregado, o técnico e o cientista, sentirem-se espoliados do seu poder político colectivo, da sua inovadora e eficaz forma de organização própria para dirigirem e administrarem, pelas suas próprias mãos, o seu Estado socialista. Só esta verdadeira supressão e liquidação do poder soviético explica que, ao longo de décadas e, sobretudo, perante a ofensiva do capitalismo imperialista no início da década de noventa, praticamente nenhum braço se tenha levantado para defender o socialismo, nenhuma manifestação, nenhuma acção de massas dos trabalhadores se tenha levantado contra o golpe contra-revolucionário final da restauração do capitalismo.
De facto, só amamos e defendemos convictamente o que é verdadeiramente sentido e assumido como nosso, aquilo a que nos sentimos inteiramente ligados, aquilo em que participamos de corpo inteiro. Foi esse sentimento de pertença, essa convicção colectiva, esse ideal fraterno de uma construção soviética entre iguais e no interesse de todos que assegurou, nos seus primeiros anos, o avanço impetuoso da revolução. E foi essa ausência de empenhamento operário e popular militantes que condenou inexoravelmente o socialismo à derrota.


Menos de seis meses após a tomada do poder pela vitoriosa insurreição do 7 de Novembro, Lénine escreveu e deixou-nos palavras muito oportunas e úteis. Elas aí ficam, à nossa consideração, como uma lufada de ar fresco varrendo as ideias bafientas de todos quantos renegaram - e renegam - o seu enorme valor como dirigente comunista e teórico da revolução, indicando-nos a indispensabilidade de demolirmos o velho e de simultâneamente sabermos descobrir e aplicar as fórmulas acertadas para construirmos o novo.

O carácter socialista do democratismo soviético — isto é, proletário, na sua aplicação concreta, presente — consiste, primeiro, em que os eleitores são as massas trabalhadoras e exploradas, ficando excluída a burguesia; segundo, em que desaparecem todas as formalidades e restrições burocráticas das eleições, as próprias massas determinam a ordem e o prazo das eleições, com plena liberdade de revogar os eleitos; terceiro, em que se cria a melhor organização de massas da vanguarda dos trabalhadores, do proletariado da grande indústria, que lhe permite dirigir as mais amplas massas de explorados, atraí-las a uma vida política independente e educá-las politicamente na base da sua própria experiência, em que, deste modo, se aborda pela primeira vez a tarefa de que verdadeiramente toda a população aprenda a administrar e comece a administrar.
Tais são os principais sinais distintivos do democratismo aplicado na Rússia, que constitui um tipo mais elevado de democratismo, a ruptura com a sua deformação burguesa, a passagem ao democratismo socialista e as condições que permitam o começo da extinção do Estado.
Naturalmente, o elemento de desorganização pequeno-burguesa (que se manifestará inevitavelmente numa ou noutra medida em qualquer revolução proletária, e que na nossa revolução se manifesta com particular força em virtude do carácter pequeno-burguês do país, do seu atraso e das consequências da guerra reaccionária) não pode deixar de imprimir a sua marca também nos Sovietes.
É preciso trabalhar sem desfalecimento para desenvolver a organização dos Sovietes e o Poder Soviético. Existe a tendência pequeno-burguesa para converter os membros dos Sovietes em «parlamentares» ou, por outro lado, em burocratas. É preciso lutar contra isto, chamando todos os membros dos Sovietes à participação prática na administração. Em muitos lugares, as secções dos Sovietes estão a transformar-se em órgãos que gradualmente se fundem com os comissariados. O nosso objectivo é chamar todos os pobres à participação prática na administração, e todos os passos para a realização disto — quanto mais variados melhor — devem ser registados, estudados e sistematizados minuciosamente, devem ser comprovados por uma experiência mais ampla, legalizados. O nosso objectivo é conseguir que cada trabalhador, depois de cumprir a «aula» de 8 horas de trabalho produtivo, cumpra de modo gratuito os deveres estatais: a passagem para isto é particularmente difícil, mas esta passagem é a única garantia da definitiva consolidação do socialismo. Naturalmente, a novidade e a dificuldade da mudança provoca uma grande abundância de passos dados, por assim dizer, às apalpadelas, uma grande abundância de erros e vacilações — sem isto não pode haver qualquer movimento brusco de avanço. Toda a originalidade da situação que vivemos consiste, do ponto de vista de muitos que desejam considerar-se socialistas, em que as pessoas se habituaram a opor de forma abstracta o capitalismo ao socialismo, e colocaram entre um e outro, com ar profundo, a palavra «salto» (alguns, recordando fragmentos lidos nas obras de Engels, acrescentavam com ar ainda mais profundo: «salto do reino da necessidade para o reino da liberdade». A maioria dos chamados socialistas, que «leram nos livros» acerca do socialismo, mas que nunca aprofundaram a sério este problema, não sabem pensar que os mestres do socialismo chamaram «salto» à viragem considerada do ponto de vista das revoluções da história universal, e que os saltos desta natureza abrangem períodos de 10 anos e mesmo mais. Naturalmente que a famosa «intelectualidade» fornece em tais alturas uma quantidade infinita de carpideiras: uma chora pela Assembleia Constituinte, outra pela disciplina burguesa, a terceira pela ordem capitalista, a quarta pelo latifundiário culto, a quinta pelo espírito imperialista de grande potência, etc, etc.
O verdadeiro interesse da época dos grandes saltos consiste em que a abundância dos escombros do que é velho, acumulados por vezes com maior rapidez que os germes do que é novo (nem sempre visíveis, imediatamente), exige que se saiba destacar o mais essencial na linha ou na cadeia do desenvolvimento. Existem momentos históricos em que o mais importante para o êxito da revolução consiste em acumular a maior quantidade possível de escombros, isto é, fazer saltar o máximo de instituições velhas; existem momentos em que, depois de ter feito saltar o suficiente, se coloca na ordem do dia o trabalho «prosaico» («aborrecido» para o revolucionário pequeno-burguês) de limpar o terreno de escombros; existem momentos em que o mais importante é tratar com solicitude os germes do que é novo, que crescem por entre os escombros num terreno ainda mal limpo de entulho.
Não basta ser revolucionário e partidário do socialismo ou comunista em geral. É necessário saber encontrar em cada momento particular o elo particular da cadeia a que temos de nos agarrar com todas as forças para reter toda a cadeia e preparar solidamente a passagem para o elo seguinte; a ordem dos elos, a sua forma, o seu encadeamento, a diferença entre uns e outros na cadeia histórica dos acontecimentos não são tão simples nem tão rudimentares como uma cadeia vulgar feita pelo ferreiro.
A luta contra a deturpação burocrática da organização soviética é assegurada pela solidez dos laços dos Sovietes com o «povo», no sentido de trabalhadores e explorados, pela flexibilidade e elasticidade desses laços. Os pobres nunca consideram como instituições «suas» os parlamentos burgueses, mesmo na melhor república capitalista do mundo quanto a democratismo. Mas os Sovietes são «seus», e não alheios, para a massa de operários e camponeses. Aos actuais «sociais-democratas» do matiz de Scheidemann ou, o que é quase igual, de Mártov, os Sovietes desagradam-lhes e atrai-os o respeitável parlamento burguês ou a Assembleia Constituinte, do mesmo modo que a Turguénev, há sessenta anos, o atraía a moderada constituição monárquica e aristocrática e desagradava o democratismo mujique de Dobroliúbov e Tchernichévski.
É precisamente esta proximidade dos Sovietes do «povo», dos trabalhadores, que cria formas especiais de revogação e de outro controlo a partir de baixo que devem agora ser desenvolvidas com particular zelo. Por exemplo os Sovietes de Instrução Pública, como conferências periódicas dos eleitores soviéticos e dos seus delegados para discutir e controlar a actividade das autoridades soviéticas neste domínio, merecem a maior simpatia e apoio. Nada existe de mais tolo que transformar os Sovietes em algo de fossilizado e auto-suficiente. Quanto maior for a decisão com que hoje devamos defender um poder firme e implacável, a ditadura de indivíduos para determinados processos de trabalho, em determinados momentos de funções puramente executivas, tanto mais variadas terão de ser as formas e os métodos de controlo a partir de baixo, para paralisar qualquer sombra de possibilidade de deturpação do Poder Soviético, para arrancar repetida e infatigavelmente a erva daninha do burocratismo.

(As Tarefas Imediatas do Poder Soviético, V. I. Lénine, 26/Abril/1918)


Relendo estas linhas escritas por Lénine, as suas reflexões e propostas surgem-nos como um livro aberto e de conteúdo límpido, cujo acerto político e ideológico se mantêm inalteráveis, não obstante os anos e acontecimentos decorridos. Tal ideia ocorre-nos porque, enquanto a luta pela transformação revolucionária das sociedades capitalistas prosseguir, os caminhos para a sua superação e para a construção do socialismo permanecem, no fundamental, aqueles que ele experimentou durante a sua própria trajectória de comunista e de revolucionário. Afinal, sem qualquer hesitação, devemos reiterar a afirmação que a vida confirma: o leninismo é o marxismo para a nossa época.
Na luta de classes à escala mundial, as derrotas do socialismo são sempre uma resultante directa da acção ofensiva do capitalismo e dos seus múltiplos instrumentos de ingerência e subversão dos estados e países. Mas são enormes e indesculpáveis as responsabilidades dos comunistas e dos seus partidos nestas derrotas históricas - e de tão graves repercussões, de dimensão mundial - que o socialismo sofreu, enquanto partidos que eram as forças políticas dirigentes das ex-sociedades socialistas nos seus países. O preço que todos ainda pagamos é pesadíssimo. Hoje, saibamos e empenhemo-nos em sacudir vigorosamente a pressão ideológica do capital, tendo por objectivo procurarmos os rumos justos e certos para a construção do socialismo na nossa época, rejeitando firmemente ideias, métodos, estilos e práticas que as duríssimas lições da história nos ensinam quanto estavam profundamente erradas, ao mesmo tempo que recuperamos as orientações e rumos que a experiência e a vida nos indicam estarem certos e actuais.
Nesta viragem para a segunda década do nosso século XXI, o mundo está de novo em mudança. Os ideais do socialismo rejuvenescem, perante as derrotas do neo-liberalismo e face à profunda crise sistémica que atingiu o capitalismo globalizado. As lutas dos trabalhadores adquirem novo vigor, desperta o interesse renovado dos assalariados pela teoria e pelas consignas do marxismo-leninismo. Está iniciada uma nova época da passagem do capitalismo ao socialismo. Os comunistas e os revolucionários, os homens e mulheres verdadeiramente progressistas, todos devemos extrair as lições e ensinamentos das conquistas e das derrotas do socialismo no século passado e, armados destes novos conhecimentos, partirmos de novo "ao assalto do céu".