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sábado, 30 de março de 2013

Lénine e nós.



A par das suas obras clássicas consagradas, aquelas que para os comunistas marxistas-leninistas são autênticos manuais-guias para uma acção verdadeiramente revolucionária, Lénine deixou-nos  numerosos outros escritos que igualmente constituem um precioso apoio teórico para os combates de hoje, volvidos estes cem anos que separam a nossa da sua época, um combate comum a todos os leninistas e que independe do tempo histórico que lhe/nos foi/é dado viver.

Alertado pela sua publicação num blog amigo (Blog do Dário), como acontece invariavelmente com a leitura de Lénine,  deste seu  escrito - do qual abaixo se transcrevem alguns trechos - transparece uma frescura metodológica e uma  capacidade prospectiva do autor quase premonitória, sendo difícil resistirmos à tentação de substituir alguns dos nomes por ele designados por outros de personagens actuais, de tal forma as formulações e análises ao oportunismo se encaixam tão surpreendentemente em comportamentos e episódios destes nossos dias.

 
Trata-se de uma crítica objectiva, acerada, frontal, denunciando os revisionistas e o oportunismo político dos reformistas, alojados no partido e no movimento operário e revolucionário, desvios políticos de direita em ascenso naqueles tempos de transformações aceleradas. Datado de finais de 1916, antecede de poucos meses a revolução burguesa russa de Fevereiro de 1917, separando águas e precisando as posições bolcheviques sobre a etapa imperialista do capitalismo; analisando circunstanciadamente as posições "economicistas" do oportunismo, cujas manifestações e "teorizações" possuem parecenças espantosas com um certo "economês" de "esquerda" que hoje, na nossa Europa e no mundo, vai pululando por aí, com os seus autores - "socialistas", "trabalhistas", "comunistas" - dissertando em animadas cavaqueiras académicas, ao mesmo tempo que cresce a miséria, o assassinato por omissão dos velhos e a fome - real, não figurada - alastra entre as classes trabalhadoras e as populações mais pobres.
 
 
"Imperialismo e a Cisão do Socialismo"

"Há alguma conexão entre o imperialismo e a monstruosa e nauseante vitória do oportunismo (na forma de social-chauvinismo) que tomou conta do movimento trabalhista na Europa?
Esta é uma questão fundamental do moderno socialismo. E tendo em nosso Partido uma literatura completamente estabelecida, primeiramente, sobre o carácter imperialista de nossa era e a presente guerra , e, em segundo, a inseparável conexão histórica entre o social-chauvinismo e o oportunismo, assim como a intrínseca similaridade entre sua ideologia política, nós podemos e devemos proceder a uma análise desta questão fundamental.
Nós temos que começar com uma tão precisa e completa definição quanto possível do que entendemos por imperialismo. Imperialismo é um estágio específico do capitalismo. Esta etapa é tripla: o imperialismo é capitalismo monopolista; parasitário ou capitalismo em putrefacção; é o capitalismo moribundo. A substituição da livre competição pelo monopólio é um atributo económico fundamental, é a essência do imperialismo. O monopólio se manifesta em cinco formas:
  1. Cartéis, sindicatos ou trustes – a concentração de produção alcança um grau que dá origem à estas associações monopolistas de capitalistas;
  2. A posição monopolista dos grandes bancos – três, quatro ou cinco gigantes no sistema bancário manipulam toda a vida económica da América, França e Alemanha;
  3. Captura de fontes de matérias-primas pelos trustes e a oligarquia financeira (capital financeiro é capital industrial monopolista amalgamado com capital bancário);
  4. A partilha (económica) do mundo por cartéis internacionais já começou. Há mais de uma centena de cartéis internacionais que comandam o mercado mundial em sua totalidade e o divide “amigavelmente” entre eles – até que a guerra o repartilhe. A exportação de capital, uma forma distinta de exportação de mercadorias sob o capitalismo não-monopolista, é um fenómeno altamente característico e está claramente ligado com a repartição político-territorial e económica do mundo;
  5. A partilha territorial do mundo (em colónias) foi completada.
 
Imperialismo é a mais alta etapa do capitalismo na América e na Europa e, posteriormente na Ásia, que tomou forma no período entre 1898-1914. A Guerra Hispânico-Americana (1898), a Guerra Anglo-Boer (1899-1902), a Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) e a crise económica europeia em 1900 são marcos históricos centrais de uma nova era da história mundial.
O facto de que o imperialismo é parasitário e um capitalismo decrépito manifesta-se, acima de tudo, na sua tendência à putrefacção, que é uma característica de todo monopólio sob o sistema privado de propriedade dos meios de produção. A diferença entre o republicano-democrático e o reacionário-monárquico imperialismo burguês é demolido precisamente em razão de que ambos estão-se decompondo vivos (o que, de forma alguma interrompe o extraordinariamente rápido desenvolvimento do capitalismo em sectores individuais da indústria, em países em separado e períodos específicos). Em segundo lugar, o apodrecimento do capitalismo se manifesta com a criação de um enorme estrato daqueles que vivem de renda, capitalistas que vivem de “vales”. Em cada um dos quatro chefes imperialistas – Inglaterra, EUA, França e Alemanha – o capital em bancos se acumula em 100.000 ou 150.000 milhões de francos, do qual cada país deriva uma renda anual de não menos que 5 ou 8 mil milhões. Em terceiro, a exportação de capital é parasitismo em alto nível. Em quarto lugar, o “capital financeiro luta por dominação, não por liberdade”. A reacção política em toda a linha é o traço característico do imperialismo. Corrupção, subornos em larga escala e todos os tipos de fraudes. Em quinto lugar, a exploração das nações oprimidas, ligada indissoluvelmente às anexações, e, sobretudo, a exploração das colónias pelas mãos das “grandes” potências, converte cada vez mais o mundo “civilizado” num parasita que vive nos corpos de centenas de milhões de homens das nações não-civilizadas. O proletariado romano vivia a expensas da sociedade. A sociedade moderna vive à custa do moderno proletariado.  Marx destacou especialmente esta observação de Sismondi. O imperialismo, em alguma medida, altera esta situação. Uma camada privilegiada do proletariado nos países imperialistas vive parcialmente à custa de centenas de milhões de homens das nações não-civilizadas.
É claro o porquê do imperialismo é uma forma moribunda de capitalismo, capitalismo em transição para o socialismo: monopólio, que cresce fora do capitalismo, já é um capitalismo morrendo, um começo para a transição para o socialismo. A tremenda socialização do trabalho pelo imperialismo (que segundo os apologistas da burguesia chamam de interconexão) produz os mesmos resultados.
Avançando na definição de imperialismo, temos a completa contradição com K. Kautsky que se recusa a olhar o imperialismo como uma “fase do capitalismo” e o define como uma política “preferida” pelo capital financeiro, uma tendência de países “industriais” de anexar aqueles “agrícolas”. A definição de Kautsky é metodologicamente falsa do ponto de vista teórico. O que distingue o imperialismo não é o papel do capital industrial, mas do capital financeiro, determinado à anexar não os países agrícolas, mas todo tipo de país. Kautsky divorcia dos países imperialistas a política da economia, divorciando o monopólio político do monopólio na economia, na tentativa de pavimentar o caminho para o seu reformismo burguês vulgar, como “desarmamento”, “ultraimperialismo” e outros pontos similares, sem sentido. O propósito e significado dessa falsificação teórica é obscurecer as mais profundas contradições do imperialismo e, consequentemente, justificar a teoria da “unidade” com os que fazem a apologia do imperialismo: com os oportunistas e os social-chauvinistas descarados (...)"

"(...) Hobson o social-liberal, falha ao não ver que uma contra-força só pode ser oferecida pelo proletariado revolucionário e a única forma é através da revolução social. Mas ele é um social-liberal! No entanto, no começo de 1902 ele teve uma excelente visão do significado e sentido de “Estados Unidos da Europa” (que isto seja dito para beneficio de Trotsky, o Kautskyista!) e tudo que está sendo agora trazido pelos hipócritas kautskyistas de vários países, nomeadamente, os oportunistas (social-chauvinistas) que estão trabalhando de mãos dadas com a burguesia imperialista exatamente para criar uma Europa imperialista sobre a Ásia e África, e que, objectivamente, os oportunistas são uma fracção da pequena burguesia e de certo estrato da classe trabalhadora que foi subornada com os super-lucros e convertida em cão-de-guarda do capitalismo e aceitaram actuar para a corrupção do movimento operário.
Mais de uma vez, e não só em artigos e resoluções do nosso Partido, nós temos repetido esta questão, a mais profunda conexão económica entre a burguesia imperialista e o oportunismo que tem triunfado (por quanto tempo?) no movimento dos trabalhadores. E, por isto, nós concluímos que o rompimento com os social-chauvinistas era inevitável. Nossos kautskyistas preferem evitar a questão! Martov, por exemplo, já nas suas conferências recorria ao sofisma que se expressou do seguinte modo, falta de imaginação em que no Boletim do Secretariado no Estrangeiro do Comité de Organizador  (n. 4, 10 de Abril de 1916):
“... Muito mal, inclusive desesperada, seria a situação da social-democracia revolucionária se estes grupos de trabalhadores, que pelo seu desenvolvimento mental estão mais próximos da intelectualidade e que são os mais habilidosos, a abandonassem fatalmente para seguirem o oportunismo...”
Empregando a imbecil palavra “fatalmente” e com uma certa manha, se ilude o facto de que certas camadas de trabalhadores já se passaram o campo do oportunismo e da burguesia imperialista! E este é o facto que queriam iludir os sofistas do Comité Organizador! Eles querem se confinar ao “optimismo oficial” de que agora fazem gala tanto o kautskyista Hilferding como muitos outros, dizendo que as condições objectivas garantem a unidade do proletariado e o desenvolvimento de nossa vitória! Nós somos “optimistas”, mas em relação ao proletariado!
Mas na realidade estes kautskyistas-hilferdinguistas, os que apoiam o Comité Organizador, Martov e outros – são optimistas... com relação ao oportunismo! Este é ponto central!
O proletariado é filho do capitalismo – do capitalismo mundial, e não apenas do capitalismo europeu ou do capitalismo imperialista. Em escala mundial, cinquenta anos antes ou cinquenta anos depois – medidos em escala mundial, este é um ponto menor – o “proletariado” obviamente “estará” unido e a social-democracia revolucionária irá “inevitavelmente” ser vitoriosa. Mas este não é o ponto, senhores kautskyistas. A questão é que no actual momento, nos países imperialistas da Europa, vocês se prosternam como lacaios face aos oportunistas que são estrangeiros ao proletariado enquanto classe, que são servos, agentes e portadores da influência da burguesia e veículos de sua influência e, se não se desembaraça deles, o movimento operário irá permanecer um movimento operário aburguesado. Advogando “unidade” com os oportunistas, com os Legiens, Davids, os Plekhanovs, os Chkhenkelis, os Potresovs e demais, vocês estão objectivamente defendendo a escravização dos trabalhadores pela burguesia imperialista através dos seus melhores agentes no movimento operário. A vitória da social-democracia revolucionária  em escala mundial é absolutamente inevitável, mas marcha e marchará, avança e avançará contra vocês e sua vitória será uma vitória sobre vocês.
Essas duas tendências, inclusive estes dois partidos no movimento operário contemporâneo, que tão claramente se revelaram em todo o mundo entre 1914-1916, foram observados por Engels e Marx em Inglaterra durante várias décadas, aproximadamente entre 1858 e 1892.(...)"

"(...) Por um lado, há uma tendência da burguesia e dos oportunistas de converter um número de sua elite e nações privilegiadas em parasitas “eternos” no corpo de toda a humanidade, para descansar sobre os louros da exploração de africanos, indianos, etc., mantendo-os em sujeição com a ajuda das excelentes armas de extermínio fornecidas pelo militarismo moderno. Por outro lado, há uma tendência das massas, que agora, mais e mais oprimidas, de levantar-se contra as guerras imperialistas, para eliminar o jugo da opressão e derrubar a burguesia. A história do movimento operário desenvolver-se-á agora,  inevitavelmente,  na sua luta entre estas duas tendências que a história do movimento operário irá agora se desenvolver, pois a primeira tendência não é casual, dado que tem um "fundamento" na economia. Em todos os países a burguesia dá origem, promovendo e assegurando, para ela mesma, “partidos operários burgueses” de social-chauvinistas em todos os países. Carecem de importância as diferenças entre um partido definitivamente formado, como o de Bissolati na Itália, por exemplo, que é totalmente social-imperialista, e, digamos, os mal formados e próximos de partidos como os de Potresov, Gvozdyovs, Bulkins, Chkheidzes, Skobelevs e outros. O importante é que, do ponto de vista economico, amadureceu e se consumou a deserção de camadas da aristocracia operária para a burguesia pois este facto económico, esta alteração nas relações entre as classes, encontrará sem grande "dificuldade" uma ou outra forma política.
 
Sobre a base económica já citada, as instituições políticas do capitalismo moderno – imprensa, parlamento, associações, congresso, etc. – têm criado privilégios políticos e feito concessões para obter o respeito e submissão dos burocratas e trabalhadores reformistas e patrioteiros. A burguesia imperialista atrai e premeia os representantes e partidários dos "partidos operários burgueses" correspondendo com lucrativos e tranquilos cargos no governo, ou nos comités das indústrias de guerra, no parlamento e em diversas comissões,  em equipes editoriais respeitáveis, legalmente estabelecidas em jornais ou na administração pública ou na direcção de sindicatos não menos sérios e "obedientes à burguesia”.
 
O funcionamento da democracia política funciona na mesma direcção. Nada em nossos tempos pode ser realizado sem eleições; nada pode ser feito sem as massas. E nesta era de imprensa e parlamentarismo é impossível de ganhar as massas sem uma sistemática administração amplamente ramificada e bem equipado sistema de adulação, mentiras, fraudes, negociatas com os populares e modernos slogans, prometendo de toda maneira reformas e bênçãos aos trabalhadores a torto e a direito, desde que eles renunciem à luta revolucionária para derrubar a burguesia. Eu poderia chamar este sistema de Lloyd-Georgismo, pelo nome do ministro inglês Lloyd George, um dos mais hábeis representantes deste sistema na terra clássica do “partido dos operários burgueses”. Um manipulador burguês de primeira classe, um político astuto, orador popular capaz de fazer todo tipo de discursos, de falas revolucionárias para uma audiência de trabalhadores, até um homem capaz de obter moderadas concessões para os dóceis trabalhadores na forma de reformas (segurança social, etc.), Lloyd George serve à burguesia esplendidamente, e serve precisamente entre os trabalhadores, estendendo a sua influência entre o proletariado, aonde a burguesia mais precisa e onde é mais difícil subjugar moralmente as massas.
E há grandes diferenças entre Lloyd George e os Scheidemanns, Legiens, Hendersons e Hyndmans, Plekhanovs, Renaudels e outros? Dos últimos, podem contradizer, alguns irão retornar ao socialismo revolucionário de Marx. Isto é possível, mas é-o a um nível pequeno de situações, se a questão for observada do aspecto político, isto é, das massas. Certos indivíduos entre os actuais líderes social-chauvinistas poderiam retornar ao proletariado. Mas o social-chauvinismo ou (o que é a mesma coisa) o oportunismo tendem a não desaparecer e nem a “retornarem” ao proletariado revolucionário. Onde o marxismo é popular entre os operários, esta tendência política, este "partido operário burguês" invocará Marx e jurará em seu nome. Eles não podem ser proibidos de fazer isso, assim como uma empresa não pode ser proibida de negociar uma marca, símbolo ou propaganda em particular. É sempre uma tendência na historia que, após a morte de um líder revolucionário que era popular entre as classes oprimidas, os seus inimigos tentem se apropriar de seus nomes para iludir estas classes.
 
O facto de que em todos os países capitalistas avançados se tenham constituído já “partidos operários burgueses”, como um fenómeno político, já foram formados  e que sem uma luta incansável e determinada contra estes partidos – ou grupos, tendências, que são sempre a mesma coisa – não há dúvidas de que não pode haver luta contra o imperialismo, ou pelo marxismo, ou pelo movimento operário socialista. A facção Chkheidze, Nashe Dyelo e Golos Truda na Rússia e os que apoiam o Comité Organizador no exterior não são nada senão variações deste partido. Não há a menor razão para pensar que estes partidos desaparecerão antes da revolução social. Ao contrário, com a aproximação da revolução, mais e mais fortes eles brilharão e quanto mais súbitas e violentas transições e saltos de progresso, maior será a luta da corrente revolucionária, de massas, contra a corrente oportunista, pequeno burguesa. O Kautskyismo não é uma tendência independente, pois não possui raízes nem nas massas nem na camada mais privilegiada que se passou para burguesia. Mas o perigo dessa corrente reside no fato de que, utilizando a ideologia do passado, esforça-se para reconciliar o proletariado com o “partido operário burguês”, por manter a unidade do proletariado com aquele partido, aumentando o prestígio destes oportunistas. As massas já não seguem os social-chauvinistas descarados: Lloyd George foi ridicularizado nas reuniões dos trabalhadores na Inglaterra. Hyndman deixou o partido, os Renaudels e Scheidemanns, os Potresovs e Gvozdyovs são protegidos pela polícia. Os kautskyistas e a sua defesa mascarada dos social-chauvinistas são ainda mais perigosos.
 
Um dos mais comuns sofismas do kautskyismo é remeterem-se às “massas”. Nós não queremos, dizem eles, separar-mo-nos das massas e das organizações de massa! Mas observe-se como Engels coloca esta questão. No século dezanove, as “organizações de massa” dos sindicatos ingleses estavam ao lado da burguesia e os trabalhadores alinhados com esta. Marx e Engels não se reconciliaram abaixando-se  a este patamar; eles o expuseram! Eles não esqueceram, primeiramente, que as organizações sindicais directamente abraçaram uma minoria do proletariado. Na Inglaterra e depois na Alemanha, agora, não mais que um quinto do proletariado está organizado. Ninguém pode seriamente pensar que é possível organizar a maioria do proletariado sob o capitalismo. Em segundo lugar, e este é o ponto principal, não é tanto uma questão de tamanho de uma organização, mas o real significado objectivo de suas práticas: suas políticas representam as massas, servindo-as, isto é, têm por objectivo a sua libertação do capitalismo, ou, ao contrário, representam os interesses de uma minoria, a reconciliação dessa minoria com o capitalismo? O último era verdade na Inglaterra do século dezanove e é verdade na Alemanha agora. Engels traçou a distinção entre os partidos de trabalhadores que servem a burguesia e os velhos sindicatos, uma minoria de privilegiados, e a “massa inferior”, a real maioria e apela a esta última que ainda não foi infectada pela “respeitabilidade burguesa”.  Esta é a essência da táctica marxista!
 
Nem nós nem ninguém pode calcular exactamente que parte do proletariado que está seguindo e irá seguir, no futuro, os social-chauvinistas e oportunistas. Isto será revelado apenas na luta, e será definitivamente decidido apenas pela revolução socialista.
Mas o que nós sabemos com certeza é que os “defensores da pátria” na guerra imperialista representam apenas uma minoria. E por isso, se nós queremos nos manter enquanto socialistas, o nosso dever é irmos mais abaixo e mais ao fundo, às verdadeiras massas; nisto está o sentido da luta contra o oportunismo e todo o conteúdo desta luta. Expondo e colocando a nú o facto de que os oportunistas e social-chauvinistas estão na realidade traindo e vendendo os interesses das massas, que eles estão defendendo privilégios temporários de uma minoria de trabalhadores, que são veículos das ideias e influências burguesas, que são na realidade aliados e agentes da burguesia, que deste modo nós ensinamos as massas a compreender quais são os seus verdadeiros interesses políticos, a lutar pelo socialismo e pela revolução, através de todas as longas e dolorosas peripécias das guerras imperialistas e dos armistícios imperialistas.
 
A única linha marxista no movimento operário mundial é explicar às massas a inevitabilidade e necessidade de romper com o oportunismo, de educá-las para a revolução numa luta sem tréguas contra ele, utilizando a experiência da guerra para expor todas as infâmias da política operária liberal-nacionalista e não para as encobrir."

(Texto integral em:  http://www.marxists.org/portugues/lenin/1916/10/imperialismo.htm)

Fenómeno típico das fases de agudização das contradições próprias do capitalismo, marcadas pelas crescentes dificuldades do capital para assegurar o seu poder político de classe e pelos conexos avanços na luta de classes, com o aparecimento de situações pré-revolucionárias, esta época da segunda década do século XX na qual Lenine escreveu apresenta, de uma forma extraordinária, muitas semelhanças com a situação desta segunda década do século XXI!
Inevitavelmente, surge-nos à memória a frase de Lenine: "Os de baixo já não querem e os de cima já não podem". A cada dia que passa, a cada contradição que estala no interior do sistema capitalista, a cada manifestação de esgotamento dos seus regimes políticos, este é um quadro sócio-político cada vez mais explicitamente observável. 
Um quadro político a exigir-nos, a par da intensificação das lutas da classe, a mesma determinação de Lenine no combate - dele e nosso - às concepções e práticas oportunistas.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Centenário de um Revolucionário - Páginas didácticas de História (IV)


(...)Nos nossos dias e no nosso país, enganam-se também a si próprios e, queiram ou não queiram, enganam o povo aqueles que afirmam que a formação dum governo constituído por democratas, socialistas, mesmo comunistas, asseguraria, por si só, a realização duma política democrática, sem que para isso se tornasse necessária a destruição do aparelho do Estado organizado pelos fascistas.
Alguns, reconhecendo a dificuldade, julgam descobrir a solução ao imaginarem uma redistribuição dos cargos, com demissões dos fascistas mais notórios dos lugares mais responsáveis e a nomeação em sua substituição de «homens de confiança». Nem se trata de um descoberta nem de uma solução. Tapando o buraco com uma tábua furada, à primeira ilusão acrescentam uma segunda.
Tal «solução» é a velha solução das «revoluções» burguesas e pequeno-burguesas, em que os partidos, que se substituíam no poder, multiplicavam nomeações e redistribuições de cargos. Em Portugal, foi o processo habitual do partidos que se sucediam no governo, tanto no tempo da monarquia constitucional, como no da república parlamentar. Diversos políticos se gabaram de ter cansado os braços no primeiro dia de governo a assinar demissões e nomeações, E entretanto nos mais dos casos de pouco lhes valia o expediente. Tal «solução» pode ser viável (embora nem sempre o seja), quando se não trata de verdadeiras revoluções, quando se não trata de alterar a «arquitectura social da Nação», mas apenas de mudar equipas burguesas, por virtude do jogo de interesses e rivalidades de grupos e camadas da burguesia. Mas, quando se trata de revoluções que alteram a natureza de classe da política governamental, então a redistribuição dos cargos é insuficiente para que o aparelho do Estado assegure a realização pelo governo das reformas ou medidas revolucionárias que se impõem.
Falando ainda da revolução russa de Fevereiro de 1917, Lénine notava como «tanto em cima como em baixo», os cargos de funcionários se haviam tornado o espólio de kadetes, mencheviques e socialistas-revolucionários. As reformas que se impunham nem por isso foram realizadas.
Não considerando de momento a via para o derrubamento do fascismo, se admitíssemos que, posto fim à ditadura fascista, se instalava no poder um governo democrático que se limitasse a «liberalizar» o aparelho do Estado fascista e a «redistribuir» os cargos, que aconteceria?
Das duas uma: Ou tal governo pretendia realizar uma política realmente democrática, realizar as reformas indispensáveis para assegurar o progresso social, atingir as forças sociais e políticas reaccionárias, e nesse caso o aparelho do Estado sabotaria e impediria de facto a realização de tal política e seria, caso necessário, um instrumento da contra-revolução.
Ou tal governo acabava por trair a sua missão, renunciando a uma política democrática e aceitando as imposições do capital financeiro e do aparelho do Estado que nunca deixara de servi-lo. E então? Então tão pouco seriam estáveis as «liberdades». É de prever que as classes trabalhadoras manifestariam a sua indignação, exigiriam do governo a satisfação das suas aspirações; e que o governo, apesar de «democrático» ou mesmo «socialista», apoiando-se no aparelho do Estado e agora apoiado por este, responderia com esquivas, com medidas demagógicas e finalmente com a repressão. A agudização da luta de classes levaria a equipa governante, com medo da revolução, a reforçar o aparelho repressivo. E, se em qualquer momento essa equipa não se mostrasse à altura da sua tarefa como defensora dos grupos monopolistas, dos latifundiários, dos colonialistas, do imperialismo estrangeiro, todos estes utilizariam a máquina do Estado, que lhes foram «conquistada» mas nunca verdadeiramente arrebatada, para formar um governo mais fiel aos seus interesses e mais «competente» na sua defesa. A reacção, a contra-revolução, mesmo o fascismo, passariam de novo à ofensiva.
As forças democráticas portuguesas devem trabalhar para que tais situações se não venham a verificar. Devem ter perfeitamente clara a ideia de que, depois de derrubado o fascismo, nenhuma política democrática poderá ser levada a cabo em Portugal, nenhumas reformas sociais profundas poderão ser realizadas, o poder dos monopólios e latifundiários não poderá ser liquidado, nenhuma garantia poderá haver contra nova ofensiva vitoriosa da reacção e do fascismo, se o aparelho do Estado for apenas conquistado, remodelado e liberalizado. É um absurdo pensar que uma revolução pode realizar-se apoiada no aparelho do Estado das classes contra as quais essa mesma revolução é dirigida.

6.

Se a revolução antifascista é considerada, não como a substituição da equipa governante fascista ao serviço dos monopólios por uma equipa liberal igualmente ao serviço dos monopólios, não como a precária subida ao poder de homens progressistas sem os meios de realizar uma política progressiva, mas como a abolição do poder dos monopólios e latifundiários, a sua expulsão do poder, a destruição das bases sociais do fascismo, a implantação dum regime democrático, a satisfação das aspirações mais sentidas dos trabalhadores, dos camponeses, dos intelectuais, das camadas sociais exploradas e oprimidas durante 40 anos de fascismo, — então a posição em relação ao problema do Estado tem de ser necessariamente diversa. Então tem de concluir-se que não basta tomar conta do aparelho do Estado. É necessário destruir a «organização da violência» o «poder especial de repressão» que os monopólios, os latifundiários, os sectores mais reaccionários da burguesia, criaram e organizaram cuidadosamente ao longo de dezenas de anos para seu uso e sua defesa. É necessário construir um aparelho do Estado capaz de assegurar a realização dos objectivos políticos, sociais, económicos e culturais da revolução antifascista, capaz de esmagar a resistência (que não deixará de ser encarniçada) das classes desalojadas do poder, capaz de defender o novo regime das tentativas da contra-revolução e mesmo de uma eventual intervenção estrangeira. Sem tal Estado, a democracia não será viável em Portugal.(...)

 
(Álvaro Cunhal, "A questão do Estado, questão central de cada revolução", 1967)