SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Centenário de um Revolucionário - Páginas didácticas de História (III)

Sobre o 18 de Janeiro de 1934  na Marinha Grande - A Comuna portuguesa


"A coragem, a determinação, a generosidade dos combatentes de 18 de Janeiro, permanecem desde então na memória colectiva dos trabalhadores e do povo da Marinha Grande.
A feroz repressão que se abateu sobre os revolucionários do 18 de janeiro, o movimento sindical e o Partido Comunista Português, tornaram mais difícil o prosseguimento da luta, mas o fascismo jamais conseguiu eliminar a aspiração dos marinhenses à liberdade, a poderem construir uma sociedade onde a opressão e a exploração, não tenham lugar.
Vanguarda na luta contra a fascização dos sindicatos, a Marinha Grande continuou a sê-lo durante a longa noite da ditadura.
Fiéis ao legado dos operários vidreiros que em 18 de janeiro de 1934, pela sua acção heróica escreveram uma das mais importantes páginas da luta dos trabalhadores portugueses contra o fascismo, sucessivas gerações de marinhenses deram, com a sua luta perseverante, uma inestimável contribuição para que o povo português, derrubada a ditadura em 25 de Abril de 1974, pudesse finalmente viver em liberdade.
A classe operária e o povo da Marinha Grande pagaram um pesado tributo pelo seu espírito indomável, pela sua fidelidade à causa dos revolucionários do 18 de Janeiro, pelo seu apego à liberdade e ao socialismo.
Marinha Grande é um nome escrito a ouro na história do movimento operário português. Melhor se pode dizer: escrito com lágrimas e sangue.
Porque a luta dos trabalhadores da Marinha Grande ao longo de 50 anos de fascismo foi paga com pesadas perdas, com perseguições, torturas, prisões, com o assassínio e a deportação de muitos dos seus melhores filhos, com séculos passados nas masmorras fascistas por muitos anos, com privações e sacrifícios silenciosos e anónimos das famílias dos militantes, educadas na mesma escola de elevada consciência de classe e incansável combatividade.
As tradições de luta do proletariado da Marinha Grande são inseparáveis da actividade dos comunistas. A classe forjou a sua vanguarda revolucionária – a vanguarda revolucionária (os comunistas) soube estar à altura da classe.
Marinha Grande pode orgulhar-se de muitos combatentes de vanguarda que tem dado ao movimento operário. Pode orgulhar-se dos seus mártires e dos seus heróis. E a vinda para a sua terra natal, hoje, nesta data, dos restos mortais de um militante comunista que deu toda a sua vida à luta pela liberdade da classe operária e do povo português – o camarada José Gregório – é, ao lado de outros nomes gloriosos, um símbolo das qualidades e tradições do proletariado da Marinha Grande e do papel da sua vanguarda revolucionária – o Partido Comunista Português.»
(Excerto do discurso de Álvaro Cunhal no comício do PCP, a 18 de Janeiro de 1975, na Marinha Grande, nas primeiras comemorações do 18 de Janeiro, em liberdade).

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Centenário de um Revolucionário - Páginas didácticas de História (II)


   

A solução pacífica do problema político português

 
 
"A solução pacífica do problema político português foi a palavra de ordem táctica central do nosso Partido desde 1956 e foi acompanhada por uma série de concepções políticas que o Comité Central, particularmente na sua reunião de Março de 1961, analisou e discutiu.

Concluiu o Comité Central que a definição da via pacífica para o derrubamento da ditadura fascista, nos termos em que foi feita e com as concepções que a acompanharam, representou um desvio de direita, um desvio oportunista, de que tem enfermado a orientação do Partido desde 1956.

Concluiu ainda que muitos dos insucessos políticos e de mobilização popular do Partido, a estagnação e retrocessos orgânicos do Partido apesar das condições objectivas favoráveis, a menor ligação com a classe operária e os camponeses, a diminuição da influência dirigente do Partido no movimento democrático, a carência de quadros, resultam em larga medida desse desvio.

Concluiu finalmente que, se queremos fazer do Partido um grande Partido nacional, se queremos retomar a influência na classe operária e um papel determinante no movimento democrático, temos que corrigir esse desvio, temos de o desvendar e combater e temos de adoptar uma orientação justa.

No Informe político do CC ao V Congresso (realizado em Outubro de 1957), insiste-se em que «se verificam no governo de Salazar sintomas manifestos de decomposição política», em que assistimos à decomposição crescente do regime salazarista (p. 34), à «progressiva decomposição do salazarismo» (p. 26), e filia-se nesse facto a determinação da via pacífica do derrubamento do fascismo em substituição do levantamento nacional.

No Programa do Partido (aprovado no Congresso) emprega-se a característica expressão «desagregação contínua» do fascismo.

As Resoluções do V Congresso definem três «factores fundamentais de que depende a solução pacífica do problema político nacional»: o primeiro «a existência de um amplo e poderoso movimento de massas sobre a base da unidade e da luta da classe operária, como força dirigente, do seu grau de organização e capacidade de mobilização»; o segundo «a atracção que este poderoso movimento de massas venha a exercer sobre os diversos sectores da burguesia nacional não monopolista no sentido da formação duma larga frente onde caibam todas as forças anti-salazaristas»; o terceiro «o grau de decomposição que se tenha operado no seio da camarilha dominante e a posição que esta assuma no momento decisivo». Mas, destes três «factores fundamentais», aquele que, em todos os materiais e durante anos apareceu como decisivo, como objectivo dos outros dois, foi a «decomposição» ou «desagregação» do regime.

A ideia da desagregação do regime como factor decisivo do breve colapso da ditadura fascista e como objectivo da actuação das forças democráticas e do próprio Partido domina toda a política do Partido nos anos posteriores.

Nos documentos da Direcção Central e na imprensa do Partido repete-se constantemente tal ideia. Fala-se na «decomposição cada vez maior no campo do salazarismo» (Declaração de 19 de Maio de 1958 assinada por oito camaradas em nome do CC); diz-se em destaque que «o salazarismo está a ruir» (Manifesto da Direcção Regional do Norte de 9 de Julho de 1958); que a «ditadura de Salazar é uma força em plena decomposição que se desintegra rápida e inevitavelmente sob a pressão do movimento popular» (Avante! da 1.a quinzena de Junho de 1958); que «o regime salazarista desintegra-se» (Avante! da 1.a quinzena de Julho de 1958); que «o fenómeno da decomposição do salazarismo é perfeitamente visível para toda a gente» (Avante! da 1.a quinzena de Outubro de 1958); que «são cada vez mais patentes as manifestações de decomposição do regime salazarista» de tal forma que «o regime abre fendas por todas as aduelas» e é «um barco prestes a naufragar» (Avante! da 1.a quinzena de Dezembro de 1958); que «o facto dominante da situação política nacional é o da decomposição do regime salazarista», de tal forma que «é já com visível dificuldade que Salazar vai cobrindo as baixas dos que debandam das suas fileiras» (Avante! da 1.a quinzena de Fevereiro de 1959); que a «decomposição do regime salazarista é um fenómeno inegável e irreversível que nenhum acontecimento nem nenhuma força pode impedir» (Avante! da 2.a quinzena de Fevereiro de 1959); que é «crescente» a decomposição do regime, que «nada poderá [...] impedir a completa desagregação do salazarismo» (Avante! da 1.a quinzena de Abril de 1959); que a «verdadeira feição da situação política nacional é a da transparente decomposição do salazarismo» (Avante! da 1.a quinzena de Maio de 1959); que «o salazarismo atravessa uma crise mortal» e «Sob o fogo das lutas populares a situação decompõe-se rapidamente.» (Avante! de Junho de 1959); que «o salazarismo está mais fraco hoje do que ontem e estará mais fraco amanhã do que hoje» (Documento do CC de Julho [No original: Agosto. (N. Ed.)] de 1959); etc.

Vemos assim que, durante cerca de três anos (pois a partir de meados de 1959 os termos em que é colocada a desagregação do salazarismo se tornam mais comedidos), a concepção da «desagregação contínua», «irreversível», «inevitável», breve, da ditadura fascista, é uma constante da orientação política do Partido.
As dificuldades, contradições e mesmo a desagregação dum regime político são sem dúvida um importante factor da vitória das forças que se lhe opõem. No nosso caso, o mal foi, por um lado, tomar-se o desejo de ver o regime desintegrar-se como uma realidade, tomar-se como uma realidade o desejo de desagregação «contínua», «crescente», «progressiva», «irreversível», «próxima», «inevitável»; foi, por outro lado, colocar-se a «desagregação completa da ditadura» como o objectivo da luta do Partido.
Tomadas tais ideias como verdadeiros dogmas na actuação do Partido, a elas se procuraram ajustar numerosos factos, indo-se ao ponto de apresentar como «sintomas» do «enfraquecimento» e «desagregação» do salazarismo medidas que visavam e de certa forma conseguiram «fortalecer» e «recompor» o governo de Salazar.

Quando Salazar remodelou o governo após as «eleições», logo se disse que «esta remodelação não resolve as contradições internas do próprio regime», pois «ao contrário, acentua-as» (Informe de Gomes ao CC, em Agosto de 1958); quando Salazar procedeu a numerosas substituições de cargos com vistas a fortalecer o seu aparelho político e estadual (que revelara indecisões e debilidades na campanha de 1958), logo se afirmou que se tratava, não de um «render de guarda», mas de «verdadeiras defecções» (CC em Fevereiro de 1959, Avante! da 2.a quinzena de Fevereiro de 1959); quando cerca de 40 membros da Assembleia Nacional fascista (muitos deles animados por ideias ultra-reaccionárias) se opuseram a algumas alterações da Constituição propostas pelo governo, logo se classificou tal facto entre as provas de que «o regime se desagrega» (Avante! da 1.a quinzena de Abril de 1959); e até as projectadas alterações da Constituição (entre as quais avultava a abolição das «eleições» para a Presidência da República, que pretendia e conseguiu recompor num importante aspecto o Estado fascista) foram vistas como sintoma de enfraquecimento.
Com tais interpretações apressadas de alguns acontecimentos ao sabor dos nossos desejos, procurou-se, um tanto forçadamente, acertar os factos com as ideias que deles havia, em vez de basear as nossas ideias na análise objectiva e não idealizada dos factos.

É ensinamento dos clássicos do marxismo que o reforço do aparelho do Estado e as reformas políticas antidemocráticas levadas a cabo pela burguesia reaccionária não são tanto sintoma de força como de fraqueza. Mas daqui seria errado concluir que tal reforço e tais reformas não fortalecem as posições da burguesia reaccionária e não consolidam as suas posições ameaçadas. Não foi porém à luz deste critério, mas ao sabor dos próprios desejos, que foram consideradas algumas medidas tomadas pelo governo no plano constitucional, político, militar, de quadros, etc. O governo tomou, é certo, essas medidas porque em Maio-Junho de 1958 as debilidades do regime e a força do movimento democrático se revelaram numa gravíssima crise que pôs em perigo o regime fascista. Tomou-as ainda porque as suas dificuldades, embora de momento atenuadas, não deixaram de subsistir com agudeza. Mas algumas dessas medidas se, por essa razão, reflectiam fraqueza de regime, não representavam em si um enfraquecimento deste e muito menos sintomas de desagregação. Pelo contrário: Em vez de enfraquecerem o salazarismo, em vez de mostrarem a sua desagregação, elas visavam consolidá-lo e de certa forma o conseguiram, embora temporariamente.

Foi-se ainda mais longe. O desejo de que fosse verdade aquilo que se afirmava levou camaradas da Direcção a registar, como verdadeiros índices da «desagregação crescente e progressiva» do salazarismo, autênticos boatos, sobretudo no segundo semestre de 1958 e primeiro semestre de 1959: que Salazar teria dito em Conselho de Ministros que se iria embora em Abril; que um ministro teria falado na necessidade da amnistia; que Teotónio Pereira teria voltado do estrangeiro mais liberal, com a opinião de que era necessário «liberalizar o regime» e «fazer concessões mútuas com a oposição»; que o ministro do Interior teria tido uma síncope quando Neves Graça prendeu os dirigentes do Directório; que quatro membros da Assembleia Nacional actuariam ali como Oposição; que numa reunião fascista se teria falado tanto contra Salazar que um filho do Teotónio teria observado que os presentes mais pareciam «comunistas»; que na União Nacional se afirmaria que «Salazar é agora tão odiado quanto antes era amado»; que Salazar teria gritado que «estava sozinho», por ministros terem manifestado discordância pela prisão de alguns democratas (caso Bevan); que o ministro do Exército e o governador militar de Lisboa se teriam oposto à prisão de 20 oficiais que a PIDE quisera prender por ordem de Salazar; que funcionários da Presidência do Conselho se teriam recusado a assinar um documento de homenagem a Salazar; que Botelho Moniz, Teotónio Pereira e Craveiro Lopes teriam feito «diligências para que Salazar saísse»; que Marcelo Caetano voltara à Faculdade de Direito bastante mais liberal e mesmo na oposição; que, depois dum discurso de Cerejeira (demagógico e fascista) «a Igreja estava contra Salazar»; etc. Todos estes boatos, no seu conjunto, eram tidos em consideração para «comprovar» a ideia de que progredia rápida e irresistivelmente a desagregação do regime.
A desagregação do regime, que se acreditava estar a operar-se a largos passos, foi considerado «o factor dominante» da situação política portuguesa, o modo da «solução pacífica do problema político português» e o objectivo da acção do nosso Partido. No Informe do camarada Gomes ao CC em Agosto de 1958, fala-se em continuar a «trabalhar para a desagregação do regime» como forma de solucionar pacificamente o problema político português e em numerosos materiais se insiste na mesma ideia.

É certo que, duma forma geral, se insistiu sempre em que as acções de massas teriam uma decisiva importância. Mas essa decisiva importância residia no facto de se entender que as acções de massas apressariam ou acelerariam a desagregação do salazarismo. Já no citado documento dos camaradas Ramiro e Moreno se coloca como objectivo «acelerarmos a desagregação do regime». Repisando essa ideia, o Informe político feito pelo camarada Ramiro ao V Congresso diz que «é o desenvolvimento das acções de massas que acelera a desagregação do salazarismo» e no Informe sobre problemas de organização feito pelo camarada João diz-se que «será a luta das amplas massas que (...), ela e só ela, apressará a desintegração das fileiras salazaristas». Nem sequer se diz que a luta de massas decidirá ou provocará a desagregação do regime. A luta de massas apenas «acelera» e «apressa» tal desagregação. Reduziu-se assim a acção das massas, a luta das forças democráticas, a luta popular, apenas a um «acelerador» da desintegração. Não se encaminhavam as massas populares e as forças democráticas no sentido do assalto ao poder e sua conquista, antes se lhes atribuía como tarefa acelerar a «queda» da ditadura em virtude da sua desintegração. O processo objectivo, automático, da desagregação ficou sendo o fundamental. Assim, embora insistindo na necessidade das acções de massas, alimentava-se a crença em que, mesmo sem acções de massas, a ditadura fascista cairia inevitavelmente, como consequência do processo objectivo da sua rápida desagregação.

Este problema da importância relativa do desenvolvimento das contradições internas do regime e das lutas de massas para a desintegração do salazarismo foi abordado algumas vezes. Mais que uma vez a Direcção do Partido se manifestou contra a concepção duma «desagregação por dentro» do salazarismo, ou seja, de que «a decomposição do regime e o seu debilitamento são uma consequência exclusiva do choque das suas contradições internas». Contra tal concepção, insistiu-se em que «esta decomposição não está desligada da acção das forças revolucionárias, antes é fundamentalmente a sua consequência» (artigo de João em O Militante de Outubro de 1958), em que «o principal factor que está a decompor o regime e a apressar a sua completa desagregação» é «a luta do nosso povo» (Comissão Política do CC, Avante! da 2.a quinzena de Fevereiro de 1959).
À concepção da «desagregação por dentro» do salazarismo opôs-se assim a concepção da «desagregação por fora». A substância permaneceu a mesma: considerar como factor decisivo da solução do problema político português e como objectivo fundamental da luta não a acção triunfante das forças democráticas e das massas populares, conduzindo as forças democráticas ao poder, mas a decomposição ou desagregação completa da ditadura fascista.

A desagregação do regime que o povo se propõe derrubar e substituir é um factor importante para uma revolução vitoriosa. Lénine salientou a importância de «desagregar o regime adverso, apartar do inimigo os seus aliados fortuitos e temporários, semear a hostilidade e a desconfiança entre os que participam continuamente do poder» (Que Fazer?231). Mas esse factor é apenas um. Se a acção popular é um meio de desagregação do inimigo, essa desagregação não resolve, por si, o seu colapso. Ela apenas é uma condição favorável para o assalto ao poder pelas forças que se propõem conquistá-lo.
A desagregação dum regime é um factor para o derrubamento desse regime, mas nem sequer implica que tal derrubamento seja pacífico. Uma insurreição armada vitoriosa pressupõe também uma crise política em que o regime apresente certo grau de desagregação. Como sublinhou Lénine, para uma revolução triunfante é necessário cumulativamente que o povo não queira mais ser governado pelo governo existente e que tal governo não possa continuar governando.

Numa passagem célebre, Lénine definiu «a lei fundamental da revolução»:

«Não basta para a revolução que as massas exploradas e oprimidas compreendam a impossibilidade de viver como até então e reclamem mudanças. É essencial para a revolução que os exploradores não estejam em condições de viver e governar como até então. Só quando as “classes inferiores” não querem viver como até então e quando as “classes superiores” não podem continuar a viver como até então, pode a revolução triunfar. Esta verdade diz-se por outras palavras: a revolução é impossível sem uma crise nacional (afectando tanto exploradores como explorados)» (A Doença Infantil..., cap. IX232).

Para uma acção revolucionária vitoriosa contra um regime autoritário, a desagregação é um factor. Mas essa desagregação não se pode considerar como o fim táctico da acção de massas, mas apenas um dos dois factores que, em conjunção um com o outro, possibilitam uma acção revolucionária decisiva para o derrubamento do regime existente. Em regra um regime não cai pela sua desagregação (como se foi levado a crer), mas pela acção revolucionária das massas.
Em alguns casos, pode é certo suceder que, em virtude da decomposição dum regime, uma fracção dos elementos no poder tome a iniciativa duma mudança política. Tal iniciativa não pode porém ser colocada como objectivo político das classes revolucionárias e dos partidos revolucionários. Foi entretanto coisa semelhante que o nosso Partido fez ao colocar a desagregação do regime fascista como o objectivo da sua acção.

A ideia da «desagregação irreversível» como factor determinante da queda do regime conduz ao culto da espontaneidade. Introduz uma certa ilusão na queda automática da ditadura fascista e estimula uma posição de expectativa. A ideia da «desagregação irreversível» leva à ideia de que «eles acabarão por cair» em vez de «nós acabaremos por derrubar o governo e conquistar o poder». A crença de que «eles acabarão por cair» leva quando muito a pressionar, a fazer por acelerar a desagregação. A ideia de que «temos de conquistar o poder» leva a considerar a preparação para acções que conduzem a isso, incluindo o levantamento nacional e a própria insurreição armada.
A concepção da «desagregação irreversível» do fascismo, na sua influência política, em vez de preparar as forças democráticas e o povo português para o assalto ao poder, educou-os na ideia de que o fascismo cairia como consequência da sua própria desagregação (embora essa fosse «apressada» ou «acelerada» pelas acções de massas). A solução pacífica pela «desagregação irreversível» do regime não convenceu nem a classe operária nem as massas populares. Com tal concepção não abrimos uma perspectiva à luta democrática nacional, antes, estabelecendo dúvidas quanto à sua justeza, fechámos a perspectiva do desenvolvimento da luta popular. Daí quebra de entusiasmo, de iniciativa e de abnegação. Tal concepção contribuiu, não para fortalecer, mas para quebrar o espírito revolucionário e a combatividade das massas populares, das forças democráticas e do próprio Partido.

Num momento decisivo da luta do povo português contra o fascismo (meados de 1958) distraiu o Partido e as massas populares da preparação para combates decisivos, levou a subestimar a preparação para a luta nas novas condições que a burla «eleitoral» viria a impor. Pode dizer-se que essa concepção, com o que representou de expectativa, de culto da espontaneidade, de atentismo, impediu que o Partido se preparasse e preparasse as massas para grandes batalhas após a burla «eleitoral» de 1958. Se, em vez de educar os militantes na ideia de que «eles acabarão por cair», de que a desagregação do fascismo possibilitava a solução pacífica do problema político português, de que, quando muito, a acção das massas «aceleraria» o processo de desagregação, se houvesse educado o Partido e as massas populares na ideia de que «somos nós que temos de derrubar o governo fascista e conquistar o poder», a combatividade e disposição para a luta das massas populares, conduzidas a um elevado grau quando da campanha presidencial de 1958, teriam sido canalizadas num sentido de luta, em vez de se deixarem as massas na expectativa no momento crucial de 8-9 de Junho, quebrando assim a sua combatividade.

O Partido não colocou porém como tarefa das forças democráticas e do próprio Partido derrubar a ditadura fascista e conquistar o poder, mas sim apenas «apressar», «acelerar» a desagregação do regime.
Sendo assim, em que se fundamentava a esperança numa queda do fascismo a curto prazo? Não era nas próprias forças, na sua organização, nos seus quadros, no seu poder mobilizador e dirigente, pois, se assim fosse, tropeçaria imediatamente com debilidades e dificuldades que seria imprescindível vencer para estar em condições de conduzir a luta popular a um termo vitorioso. O Partido não fundamentava nas suas próprias forças e nas forças democráticas em geral as esperanças na queda do fascismo a curto prazo, mas apenas numa hipotética decomposição do regime conduzindo automaticamente ao seu colapso, seja porque o próprio regime se visse obrigado a mudar de processos e a liberalizar a sua política, seja porque dele se destacariam militares que resolveriam dar um golpe e pôr termo ao reinado de Salazar.
Ilusões legalistas e constitucionais e ilusões golpistas foram consequência directa e inevitável da concepção da «desagregação irreversível».

(Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal, “Edições Avante!”, Outubro de 2008, tomo II, 1947-1964)










domingo, 13 de janeiro de 2013

Centenário de um Revolucionário - Páginas didácticas de História (I)


   


Para assinalar o 50.º aniversário do IV Congresso do Partido, realizado em 1946, o camarada Álvaro Cunhal escreveu um prefácio para o I volume da edição dos materiais do Congresso publicados pelas Edições "Avante!" 
Hoje, passados que são mais 16 anos após a sua publicação, depois de tantos e tão profundos desenvolvimentos na vida política portuguesa, as suas palavras ganham ainda mais actualidade, designadamente quando nos interroga sobre as características e situações que se repetem do regime fascista para o actual, sob um mesmo sistema socioeconómico reconstituído. 
Abaixo se transcrevem trechos desse prefácio, da parte intitulada "A estrutura socioeconómica determinante da política do poder",  publicados em "O Militante", Nº 283 - Jul/Ago 2006.


"(...) Embora numa caracterização ainda não aprofundada e relativa a uma fase inicial e transitória de mudança em Portugal das estruturas socioeconómica, o IV Congresso aponta alguns aspectos essenciais dos primeiros passos impostos pela ditadura para a formação dos grandes grupos económicos e do capitalismo monopolista. E acusa a ditadura fascista de ser um regime ao serviço dos monopólios e latifundiários – uns e outros repetidamente classificados como «camarilha de exploradores sem pátria».

(...) A estrutura socioeconómica do capitalismo monopolista é a determinante da exploração dos trabalhadores e da maioria esmagadora da população, da degradação da situação social, da ausência de uma política cultural democrática, da limitação às liberdades e direitos dos cidadãos e das medidas de violenta repressão. No tempo do fascismo como actualmente.

Negar, ocultar, ignorar ou omitir esta realidade objectiva da economia capitalista é criar fortes ilusões e deixar terreno mais livre à consolidação e mesmo institucionalização em termos constitucionais do poder económico e político efectivo do capital financeiro, dos grandes grupos económicos, das transnacionais.

A actual restauração do capitalismo monopolista e do poder dos monopólios (uma vez mais associados em posição de subalternidade ao capital estrangeiro) e dos latifundiários não encerra porém a história. O futuro de Portugal democrático e independente exigirá que tal estrutura não se solidifique, sofra limitações, seja combatida e seja finalmente superada e substituída.

O IV Congresso referia a baixa dos salários reais, o aumento das horas de trabalho, o não pagamento a dobrar das horas extraordinárias, os descontos, os contratos colectivos assinados por rafeiros do patronato nos sindicatos, a imposição de tabelas salariais com limites máximos irrisórios, a exploração desenfreada de mulheres, jovens e crianças, os despedimentos em massa e, ante a luta firme dos trabalhadores, a repressão mais brutal.

O IV Congresso sublinhava que não são apenas as classes trabalhadoras as atingidas pela política fascista ao serviço do grande capital e dos grandes agrários mas também os funcionários públicos, as classes médias, os pequenos comerciantes e industriais, os pequenos lavradores, os professores, as chamadas profissões liberais.

No plano cultural, o analfabetismo, a baixa frequência das escolas primárias, a não conclusão do ano lectivo, as escolas sem professor, o vedar o acesso aos cursos superiores aos filhos das classes trabalhadoras, a perseguição aos melhores valores da cultura e da arte – são referidos no Congresso.

De perguntar: Quantas destas situações e características das relações de trabalho e de exploração impostas pelo poder dos monopólios e latifundiários no tempo da ditadura não se repetem na actualidade com a restauração do poder dos monopólios e latifundiários pela política contra-revolucionária de sucessivos governos?

Não será evidente que a causa das causas está no sistema socioeconómico?

Não será esta uma grande lição da história? Para a luta imediata com objectivos a curto prazo? Para a definição e proposta de soluções a médio prazo? E também para confirmar a validade do projecto comunista de uma sociedade que, a partir da organização socialista da economia, seja libertada da exploração, desigualdades, injustiças sociais e flagelos do capitalismo? (...)"




quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Fascismo: raízes históricas, perigos e ameaças de hoje.



Importante componente do combate ideológico, a reafirmação séria e fundamentada das verdades históricas é uma ferramenta insubstituível dos partidos comunistas e revolucionários para rechaçar e derrotar a permanente campanha dos escrevinhadores ao serviço do capital - académicos, historiadores, jornalistas, comentadores, políticos, etc, - todos arregimentados e assalariados para "reescreverem" a História, ocultando, falsificando, inventando, com o mentiroso e descarado objectivo de vestirem aos lobos a pele de cordeiros.
E mais decisivo ainda é o nosso trabalho para interpretar os acontecimentos e os seus protagonistas sob um ponto de vista de classe, identificando quem é quem e que interesses de classe serve, método do materialismo histórico que tanto se aplica aos acontecimentos passados como aos factos e personagens do presente.
 
O artigo de Jorge Cadima que a seguir se transcreve é um importante contributo para travarmos com êxito a batalha das ideias. Traça um quadro da ascensão e manutenção do nazi-fascismo na Europa, na primeira metade do século passado, sua génese e umbilical ligação ao grande capital e a mortandade que originou na 2ª Guerra Mundial, até ser travado e derrotado pelos exércitos soviéticos, fazendo a ponte histórica com as presentes manifestações neofascistas no continente e as agressões neonazis do imperialismo na actualidade.

  
  

"Nove décadas após a entrega do poder a Mussolini pelas classes dominantes italianas, o ascenso de forças de extrema direita e abertamente fascistas é uma realidade do continente europeu. Desde a glorificação oficial de veteranos das SS nas repúblicas bálticas, à entrada dos neo-nazis no Parlamento grego, o monstro ergue de novo a cabeça. Urge, pois, recordar alguns aspectos da natureza e do papel histórico do fascismo, bem como das cumplicidades que rodearam a sua ascensão. Para que não se voltem a repetir.
A «Declaração de Praga» de 2008 equacionando «nazismo e comunismo» (deixando significativamente de fora a designação «fascismo») e a subsequente resolução do Parlamento Europeu criando um «dia Europeu de Lembrança das vítimas do Estalinismo e do Nazismo», tornaram doutrina oficial de regime a grotesca falsificação histórica de que fascismo e comunismo seriam expressões gémeas de oposição às democracias liberais. A verdade é que o fascismo, em todas as suas variantes, nasceu, foi alimentado e colocado no poder pelas classes dominantes dum capitalismo em profunda crise, para esmagar pela violência os comunistas e o movimento operário, sindical e popular (mesmo nas suas variantes reformistas e social-democratas de então) e assegurar pela força a dominação de classe que sentiam ameaçada. A verdade histórica é que os comunistas foram sempre o principal alvo e as primeiras vítimas do nazi-fascismo. Foram também (nomeadamente através da União Soviética e do seu heróico Exército Vermelho) os principais obreiros da resistência e posterior derrota dessa mais brutal e agressiva expressão do capitalismo.

1922: A burguesia liberal italiana opta pelo fascismo

O fascismo tem a sua origem em Itália, país onde pela primeira vez chegou ao poder. Foi em 29 de Outubro de 1922 que o Rei de Itália convidou Mussolini a formar governo, por sugestão do patriarca da burguesia liberal italiana, Giolitti. O fascismo não chegava ao poder pela via eleitoral: havia apenas 32 deputados fascistas em mais de 400 membros da Câmara de Representantes do Parlamento italiano e «quase nenhum» no Senado. Isto não impediu que, nas palavras do historiador inglês Denis Mack Smith (in Mussolini, Paladin, 1983), na Câmara «uma enorme maioria, como não havia memória, desse a Mussolini um voto de confiança. Apenas os socialistas e comunistas votaram contra». No Senado houve «uma maioria ainda mais convincente do que na Câmara» e cinco ex-Primeiros Ministros liberais deram a sua confiança a Mussolini. Enquanto que «jornais e livrarias socialistas foram vandalizados e pilhas de livros foram queimados nas ruas; lojas foram saqueadas e foram arrombadas casas pertencentes a opositores políticos», «a bolsa de valores italiana registava a sua satisfação». Aliás, os deputados fascistas no Parlamento italiano haviam sido eleitos em 1921 em coligação com os liberais, coligação proposta pelos chefes da burguesia liberal e «encorajada por grandes industriais de Milão, incluindo a Pirelli e Olivetti». Essas últimas eleições antes da entrega do poder a Mussolini «decorreram num contexto de violência inusitada: talvez cem pessoas tenham sido mortas, e a atmosfera de intimidação oficialmente tolerada influenciou os resultados de forma significativa – algumas zonas de Itália estavam praticamente sob controlo fascista e os socialistas nem sequer podiam realizar aí os seus comícios eleitorais. A polícia emprestava por vezes camiões aos bandos fascistas e algumas unidades do exército forneciam-lhes armas; os juízes tendiam a pronunciar sentenças em seu favor, assegurando-lhes assim a impunidade». Apesar das condições em que se realizaram as eleições, os socialistas elegeram o maior grupo parlamentar, com 122 deputados, e o recém-criado Partido Comunista de Itália elegeu 16 (1). A conivência entre fascismo e «liberais» consolidou-se no próprio Parlamento. Ainda segundo Mack Smith, «mal fora eleito o novo Parlamento, os deputados fascistas, sob a direcção pessoal [de Mussolini] atacaram fisicamente odeputado comunista Misiano e expulsaram-no do edifício […]; empunharam pistolas na Câmara e ameaçaram outros socialistas com um tratamento idêntico. Embora possa parecer espantoso, o governo não tomou quaisquer medidas contra este tipo de comportamento».

Longe de «não terem percebido» o que iria acontecer, o grande capital, os liberais e os então poderosos agrários italianos, com o apoio activo do Vaticano (2), fizeram uma opção consciente pelo fascismo. A Marcha sobre Roma de 30 mil fascistas (27-28 Outubro 1922) foi uma farsa. Como escreve ainda Mack Smith, Mussolini «chega ao poder não como resultado duma revolução, mas após uma série de compromissos com o Rei e os representantes do antigo regime liberal». A natureza desses compromissos era de classe: «O fascismo estava a ter êxito não devido à sua ideologia, mas sobretudo devido às suas expedições punitivas que intimidavam a oposição socialista e atraiam apoiantes ricos. […] Era a estes que Mussolini fazia apelo quando anunciava que o capitalismo poderia melhor florescer se a Itália abandonasse a democracia e aceitasse uma ditadura como necessária para esmagar o socialismo e tornar o governo eficaz». Chegado ao poder (com um governo de coligação com liberais, democratas-cristãos e nacionalistas) Mussolini instalou um «reino de terror. Três deputados da oposição foram assassinados pelos fascistas e cinquenta outros sofreram assaltos físicos, na maioria dos casos em público e à luz do dia; algumas pessoas foram assassinadas na prisão; era administrado óleo de rícino, por vezes misturado com gasolina, em doses que podiam ser fatais; e membros dos bandos [fascistas] podiam assaltar à mocada ou matar sem medo de intervenção policial». Mas os representantes do poder burguês «alegremente concederem poderes de emergência por um ano», numa decisão que recorda a vontade de «suspender a democracia» expressa pela ex-Ministro das Finanças Manuela Ferreira Leite. A lei eleitoral foi alterada para que «doravante, qualquer partido que recolhesse um quarto dos votos ficasse automaticamente com dois terços dos assentos parlamentares». Nas eleições de 1924 os principais chefes liberais voltaram a apoiar Mussolini, apoio que se revela decisivo no momento de maior crise da consolidação do regime fascista: o assassinato do deputado socialista Matteotti, dias após ter denunciado no Parlamento as fraudes dessa eleição.

O fascismo: violência e demagogia ao serviço do grande capital

No início do século XX, e após décadas de grande crescimento do movimento operário e sindical, a luta organizada de largas massas de trabalhadores pelos seus direitos e condições de vida tornara-se um facto incontornável. Divididas entre a necessidade de reconhecer esse facto e o temor das suas consequências, as grandes burguesias europeias oscilam entre aceitar um alargamento de direitos, e a repressão muitas vezes brutal. Em 1913 é introduzido em Itália o sufrágio universal para os homens. O Partido Socialista Italiano – então ainda expressão política do movimento operário – torna-se uma grande força política, chegando a alcançar 156 deputados no Parlamento. Ao contrário dos seus congéneres de outras potências europeias, o PSI opõe-se à participação da Itália na I Grande Guerra. É precisamente por discordar desta posição que Mussolini – um oportunista e aventureiro político que chegou a ser director do jornal do PSI – entra em rota de colisão com o Partido, do qual viria a ser expulso no final de 1914. Apenas duas semanas após deixar o jornal do PSI, Mussolini lança o seu próprio jornal «financiado parcialmente por industriais italianos ricos que beneficiariam com uma entrada da Itália na guerra: a FIAT e outros produtores de armamentos, e também os interesses agrários» (Mack Smith). Se o movimento comunista surgiu da oposição intransigente à guerra desencadeada pelas classes dirigentes das potências imperialistas, já o fascismo esteve, desde a primeira hora, ligado à defesa da guerra imperialista, na qual a Itália viria a entrar em 1915.
Os apoios do grande capital intensificaram-se nos anos seguintes, à medida que se tornava clara a utilidade do movimento fascista, que entretanto formalizara a sua criação em Março de 1919 numa sala cedida por homens de negócios milaneses. O fascismo permitia às classes dominantes recorrer à violência sem assumir directamente o ónus da repressão, e elevar essa mesma violência a novos patamares. De igual forma, o passado de Mussolini no PSI e uma permanente demagogia onde os ataques mais ferozes ao movimento operário se misturavam com ataques verbais às velhas burguesias ajudavam a semear a confusão sobre a real natureza deste novo movimento, permitindo um apoio crescente entre camadas da pequena e média burguesia arruinadas pelas guerra e pela crise económica e entre as centenas de milhar de soldados desmobilizados que encontravam dificuldades de reinserção e de trabalho.

Da guerra surgira também a grande Revolução de Outubro, que transformou para sempre a história da Humanidade. Se a revolução bolchevique instalou o medo nas classes dirigentes, foi enorme o alento que trouxe aos trabalhadores e povos massacrados por uma feroz exploração secular e por quatro anos duma brutal guerra em defesa dos interesses das classes dominantes. No XV Congresso do PSI, realizado no final da guerra, as posições «intransigentes revolucionárias» saem vencedoras (3). O PSI adere à Internacional Comunista, aquando da sua fundação em 1919 (4). Embora as condições reais e a maturidade política nem sempre correspondam às palavras, é real a radicalização dos trabalhadores em Itália, como em boa parte da Europa. A ocupação generalizada das grandes fábricas do norte em Setembro de 1920 mostrou o grau de disponibilidade para a luta da classe operária italiana, mas também as limitações dos «maximalistas» do PSI (5). A derrota dessa luta marca um ponto de viragem: «quando a luta se apaga, a balança começa a pender decisivamente a favor da frente patronal» (6). A contra-ofensiva passa pela violência anti-grevista e de rua dos bandos fascistas a quem, um ano mais tarde, a grande burguesia e os agrários italianos entregam o poder.

O apoio das classes dominantes europeias à ascensão do fascismo

O fascismo italiano serviu de inspiração e modelo para as classes dirigentes de numerosos outros países europeus, entre os quais Portugal. A vaga fascizante tornou-se avassaladora após a eclosão em 1929 da grande crise mundial do capitalismo que, em importantes países, lançou grandes massas para a ruína e minou os alicerces da dominação de classe. O fascismo era visto como «salvador» duma ordem burguesa em profunda crise e como travão ao fortalecimento de muitos partidos comunistas que acompanhava o prestígio crescente de uma União Soviética em pleno desenvolvimento económico. Em 1933 Hitler chega ao poder na Alemanha, e em 1936 o General Franco lança o seu golpe de Estado fascista contra a República democrática espanhola. Apesar de evidentes choques de interesses entre potências imperialistas rivais, a verdade histórica é que boa parte das classe dominantes, incluindo as «liberal-democráticas», foram coniventes com o ascenso do fascismo (7). A Espanha democrática é abandonada à sua sorte pela «não intervenção» das «democracias» francesa e inglesa, uma «farsa diplomática escandalosa» (8) cujo efeito é deixar a República sozinha e desarmada perante a intervenção militar nazi-fascista em apoio às forças golpistas de Franco que, já de si, eram compostas por grande parte das forças armadas espanholas. Em 1938 Hitler anexa a Áustria e meses mais tarde a França e Inglaterra conluiam-se com Hitler e Mussolini para desmembrar a Checoslováquia, nos vergonhosos acordos de Munique. O então Primeiro Ministro inglês, Chamberlain, sugere a Hitler que a paz é possível através dum acordo que inclua «uma cooperação ulterior para pôr fim à Guerra Civil de Espanha» e «até uma solução do problema russo» (9). Como explica nas suas memórias o Embaixador da URSS em Inglaterra entre 1932 e 1939: «Em Janeiro de 1933 os fascistas tomaram o poder na Alemanha. Verificou-se uma clivagem no mundo capitalista. Formaram-se dois agrupamentos de potências: o primeiro grupo, composto pela Alemanha, Itália e Japão, colocou abertamente o problema da divisão do mundo (incluindo o capitalista); o segundo grupo, composto pela Inglaterra, França e Estados Unidos, que detinha a maior parte das riquezas mundiais, tomou partido pela defesa do status quo. No esforço para ultrapassar a clivagem e assegurar a unidade da frente capitalista contra o mundo socialista, os dirigentes do capitalismo (sobretudo da Inglaterra, França e Estados Unidos) [...] pensaram conciliar as suas rivalidades à custa da URSS. Os homens de Estado de Londres, Paris e Washington deram a entender a Hitler, por todas as formas, que poderia procurar o seu “espaço vital” no Leste» (10).

O mito duma oposição das democracias liberais ao ascenso do fascismo não tem qualquer correspondência com a realidade histórica. Pelo contrário, o filo-fascismo era moeda corrente entre as classes dominantes e o grande capital, mesmo nas principais democracias burguesas. E viria a assumir autênticos contornos de traição nacional num país como a França, onde o ódio às classes trabalhadoras levou boa parte das classes dominantes à «opção pela derrota» (para usar o título dum livro da historiadora francesa Annie Lacroix-Riz), ou seja, à opção pela aceitação da ocupação nazi e pelo colaboracionismo aberto. A colaboração de colossos do grande capital dos EUA com o nazismo (nomes como Rockefeller, Ford e outros), mesmo após a entrada dos EUA na II Guerra Mundial encontra-se bem documentada (11). E a simpatia de boa parte da classe dominante inglesa pelo fascismo, incluindo na família real (12), não terminou com a derrota da política de «appeasement», que era na realidade de conivência com a ascensão do nazismo. Quando em Março de 1939, as tropas de Hitler ocupam o resto da Checoslováquia, as reservas de ouro desse país – que os incautos responsáveis pelo Banco nacional checo tinham colocado sob protecção inglesa – foram entregues à Alemanha nazi pelo Governador do Banco de Inglaterra, Montagu Norman, «um feroz apoiante de Hitler» (13). O dono do Daily Mail, um dos jornais de maior circulação em Inglaterra, congratulou-se com Hitler pela anexação da Checoslováquia, encorajando-o a seguir para a Roménia (14).
Mesmo Winston Churchill, que se viria a tornar símbolo da democracia burguesa inglesa durante a II Guerra Mundial, estava longe de ser um anti-fascista. O seu biógrafo inglês Clive Ponting escreve: «Churchill era um grande admirador de Mussolini, que chegara ao poder em Itália em 1922. Saudava quer o anti-comunismo de Mussolini, quer a sua forma autoritária de organizar e disciplinar os italianos. Visitou a Itália em 1927 […] e em Roma encontrou-se com Mussolini, de quem proferiu rasgados elogios numa conferência de imprensa […]. “Se eu fosse italiano, estou seguro que teria estado de todo o coração ao vosso lado, desde o início até ao fim, na vossa luta triunfante contra os apetites e paixões animalescas do Leninismo”. Durante os dez anos seguintes, Churchill continuou a elogiar Mussolini» (15). Churchill nutria iguais simpatias por Franco e o seu golpe fascista contra a democracia espanhola e a Frente Popular que ganhara as eleições de 1936. Diz de novo Ponting: «todas as suas simpatias estavam com Franco e o lado nacionalista. […] Todos os seus artigos deste período tornam claro qual o lado que apoiava. […] Descreveu o governo legítimo e a parte republicana como “um proletariado pobre e atrasado que exige o derrube da Igreja, do Estado e da propriedade e a instalação dum regime Comunista”. Contra eles erguiam-se “forças patrióticas, religiosas e burguesas, sob o comando do exército [...] em marcha para re-estabelecer a ordem através da instauração duma ditadura militar”» (sic!). «No Outono de 1936 Churchill recusou-se a apertar a mão ao Embaixador da República em Londres, embora se encontrasse regularmente com o representante de Franco […]. Em Julho de 1937, discursando perante a Câmara dos Comuns, apelou ao reconhecimento de Franco enquanto governo legítimo». Se Churchill veio a chefiar a resistência inglesa à Alemanha nazi, não foi por reservas ao papel que Hitler desempenhava no seu país (16), mas pelo receio de que uma Alemanha triunfante fosse uma ameaça para o domínio do Império Britânico.

O perigo do fascismo nos nossos dias

O mundo mudou muito nos 90 anos desde que Mussolini recebeu o poder das mãos da classe dominante italiana. Mas o perigo do fascismo espreita de novo, sob velhas e novas formas. Nalguns países da União Europeia (repúblicas bálticas) glorificam-se abertamente veteranos das SS. Noutros, proíbem-se organizações e símbolos comunistas. No passado dia 12 de Julho, o Parlamento da Moldávia proibiu a foice e martelo, símbolo do maior partido político do país: o Partido dos Comunistas da República da Moldávia obteve 40% dos votos nas últimas eleições.
Muitos dos ingredientes que conduziram no passado as classes dirigentes à opção pelo fascismo estão de novo presentes: um capitalismo em profunda crise, para a qual não encontram soluções no quadro do sistema vigente; um descontentamento popular explosivo face a políticas de brutal ataque às condições de vida e aos direitos laborais; o apodrecimento da vida económica e política, com o alastramento da corrupção e das fraudes em grande escala; uma profunda alteração da correlação de forças económica entre potências emergentes e potências em declínio. Há perigos crescentes de que, tal como no século XX, sectores mais agressivos e aventureiros das classes dominantes lancem mão de formas extremamente ferozes e brutais de exercício do poder, na tentativa de salvar os seus privilégios. Para as potências imperialistas, a guerra transformou-se na forma privilegiada de relações internacionais e à militarização no plano externo corresponde um crescente autoritarismo no plano interno.
Em aspectos importantes, as condições de hoje são mais graves do que as de há oito ou nove décadas: o desaparecimento da União Soviética, o subsequente enfraquecimento generalizado do movimento operário e popular e a passagem de campo duma social-democracia que é hoje pilar assumido do capitalismo mais selvagem, são factores de peso que condicionam a resposta dos trabalhadores e dos povos. A União Europeia, com a sua política ferozmente anti-popular e a sua profunda crise, está a transformar-se num factor de profundo agravamento de contradições e mesmo de rivalidades entre potências. Mas ao mesmo tempo, a realidade da natureza exploradora e agressiva do capitalismo dos nossos dias, que pretende recuperar todas as concessões a que foi obrigado pelo curso da luta de classes no século XX, está a empurrar para a luta sectores cada vez mais amplos da Humanidade.

A ferocidade do nazi-fascismo, a tragédia para a qual o conduziu o planeta, e a sua derrota às mãos da União Soviética e das resistências populares armadas, fazem parte do património histórico da experiência de luta dos povos. A defesa desta memória histórica é hoje um elemento de grande importância, até para a consciencialização dos novos contingentes que se juntam à luta dos trabalhadores e dos povos. O combate à falsificação aberta ou insidiosa da História, como as vergonhosas campanhas anti-comunistas das instituições europeias, onde pontificam herdeiros directos do fascismo, ou as campanhas rastejantes de reabilitação do salazarismo no nosso país, é uma tarefa da maior importância para todos quantos estão determinados a evitar que a Humanidade seja de novo confrontada com os horrores da primeira metade do século XX."

Notas:

(1) Quaderni di Storia del PCI: «Dalla crisi del primo dopoguerra alla fondazione del Partito Comunista. L'avvento del fascismo», p. 66, Sezione Centrale Scuole di Partito del PCI, 1971.
(2) O mais importante opositor católico do fascismo, o padre Don Sturzo, foi obrigado pelo Papa a exilar-se em 1924 (Mack Smith, op. cit., p. 76).
(3) Quaderni di Storia del PCI, op. cit., p. 16.
(4) Filiação que não confirmou nos meses seguintes.
(5) É da crítica dessas limitações que nasce o Partido Comunista em 1921.
(6) Quaderni di Storia del PCI, op. cit., p. 50.
(7) Para mais pormenores, veja-se o artigo Sobre o fascismo e a verdade histórica, em O Militante n.º 301, Julho-Agosto 2009, pp. 47-53.
(8) A frase é do conhecido jornalista e historiador norte-americano William L. Shirer em «The collapse of the Third Republic», Pan Books 1970, p. 329.
(9) The rise and fall of the Third Reich, William L. Shirer, Arrow Books, ed. 1998, p. 419.
(10) Perché scoppió la seconda guerra mondiale, Ivan Majski, Editori Riuniti, 1965, p. 325.
(11) Veja-se o livro Trading with the enemy: an exposé of the Nazi-american money plot 1933-1949, de Charles Higham, Robert Hale Ed., 1983.
(12) Veja-se o documentário Edward VIII, The Traitor King (1995), da cadeia de televisão inglesa Channel Four, disponível na Internet e onde também se fala de Ricardo Espírito Santo.
(13) Trading with the enemy, op. cit,pp. 5-7.
(14) When Rothermere urged Hitler to invade Romania, de Neil Tweedie e Peter Day, em The Telegraph, 1.3.05.
(15) Churchill, Clive Ponting, Sinclair-Stevenson, 1994, p. 350.
(16) Ver o já referido livro de Clive Ponting (p. 393) para afirmações elogiosas de Hitler por parte de Churchill.

(Jorge Cadima, in "O Militante", Nº 320 - Set/Out 2012 • Internacional)


Como já aqui se deixou afirmado em post's anteriores, as agressões e os criminosos planos das bestas nazi-fascistas não se derrotam fingindo não os vermos e muito menos enfileirando com as atitudes oportunistas daqueles que, falando dos perigos, nada fazem para os combater, assim convergindo objectivamente com a acção terrorista e intimidatória que o capitalismo senil tem em marcha.

Os últimos acontecimentos e confrontos nos países mais fustigados pelo imperialismo, as "receitas" verdadeiramente neofascistas do FMI para Portugal, com o propósito cada vez mais descarado da reconstituição de um "status" de capitalismo monopolista (terrorista) de Estado muito semelhante ao que vigorou no nosso país no século passado, ao longo de quase meio século, a par das actividades provocatórias e repressivas dos seus lacaios que fazem o turno no poder, alertam todos os democratas e patriotas, todos os militantes da liberdade, para a fragilidade e carácter precário dos traços ainda democráticos deste regime.
 
Nos combates que se travam e nos que se anunciam, é-nos exigida muita força e uma férrea determinação na denúncia vigorosa e sem tibiezas do estado actual deste confronto em desenvolvimento e a límpida exigência que ele nos coloca de organizarmos um levantamento nacional de salvação do país que trave a marcha para o abismo.
As meias-palavras não chegam, e os meios-actos também não. A hora é de unidade e mobilização geral. As bestas vestem bem e têm vozes mais aflautadas mas, tal como os seus pais e avós, são os neófitos directos dos fascistas do nosso passado recente. Travá-los, derrotá-los e julgá-los, eis o imperativo nacional e patriótico que a todos nos convoca.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Mundo, ano de 2013: Os neofascistas desmascaram-se!


Segundo uma notícia publicada na rubrica "Breves" da secção internacional do jornal"Avante!", em sessão realizada nestes últimos dias de viragem para o ano de 2013, a Assembleia-geral da ONU condenou por larga maioria o nazi-fascismo, a sua glorificação e prática, o racismo, a discriminação racial e a xenofobia. A resolução, proposta pela comissão das Nações Unidas para os assuntos sociais, humanitários e culturais, foi aprovada  por mais de 120 países.
 
Na votação desta importante resolução, 57 países abstiveram-se, de entre eles 25 países do total de 27 que constituem a U.E. (os 15 assinalados a vermelho integram também a UEM, entre eles Portugal):
 
Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Finlândia, França, Hungria, Itália, Irlanda, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polónia, Portugal, Grã-Bretanha, República Checa, Roménia, Suécia.
 
Aí ficam também os restantes "abstencionistas": 
 
Afeganistão, Albânia,  Andorra, Austrália,  Bósnia e Herzegovina,  Burquina Faso,  Croácia,  Macedónia, Fiji, Gâmbia, Geórgia,   Islândia,  Japão, Lesoto,  Libéria, Liechtenstein,   Malawi, Mali,  Mónaco, Montenegro, Moçambique, Noruega, Nova Zelândia,  Panamá, Coreia do Sul, Moldávia, Samoa, San Marino, Suíça e Ucrânia. 
 
Revelando a sua odiosa arrogância e subserviência, votaram contra a resolução 4 países:
 
EUA, Canadá, Palau e Ilhas Marshall.
 
Como espelho da actual situação no mundo, esta votação e os posicionamentos diferenciados adoptados pelos países presentes, são bem merecedores de reflexão neste início de um novo ano.

Sob a criminosa batuta dos EUA e  à entrada do terceiro ano da segunda década do século XXI, os promotores e apoiantes das práticas neofascistas e nazis decidiram afirmar a sua vergonhosa e condenável posição, desmascarando-se perante os povos do mundo inteiro. Enquanto uma maioria de dois terços dos representantes dos países integrantes da Organização das Nações Unidas se afirmava contrária às práticas nazis e fascistas, o restante terço rendia-se às chantagens e pressões do imperialismo estadunidense e europeu e escolhiam o ignominioso campo do colaboracionismo com tais práticas.

Especial significado político tem o facto de nesta vergonhosa minoria "abstencionista" estarem, na sua quase totalidade, os países da U.E., mostrando com essa atitude o quanto desprezam os inenarráveis sofrimentos infligidos aos povos europeus pelo nazi-fascismo em meados do século passado, colocando assim a nu o verdadeiro significado das políticas internas  terroristas desta "União" Europeia e o seu comprometimento com todas as guerras de agressão praticadas pela dupla EUA/NATO, com as suas políticas xenófobas e neofascistas.



No caso particular dos representantes de Portugal, o seu voto colaboracionista de lacaios envergonha e desonra o povo português, constituindo uma clara violação dos princípios democráticos, pacifistas e humanistas da Constituição da República Portuguesa.

Neofascistas e mafiosos, para os actuais detentores de turno do poder político este sentido de voto na ONU é afinal somente mais um exemplo do seu assumido e arrogante desprezo pelas regras democráticas que um dia, já longínquo, foram inscritas no texto constitucional português.
Uma situação intolerável que exige a todos os democratas e patriotas uma urgente acção insurreccional de salvação nacional, tornada legítima e indispensável como o único caminho para os escorraçarmos de vez e recuperarmos a nossa dignidade de povo amante da paz e da concórdia entre todos os povos do mundo.