SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

2013: Ano Novo "Horribilis" ou Ano da Mudança?

 
 

O "regime democrático" português na actualidade, sustentando o 14º. governo de turno dos 36 anos de contra-revolução e de recuperação monopolista e arrastando a sua existência sob a pata do imperialismo colonial europeu acobertado pela máscara de uma falsa "U. E., pode ser caracterizado em síntese como o regime que deixa morrer os velhos sem assistência e condena à fome as crianças filhos e netos de trabalhadores, às mãos de uma máfia política terrorista.
Vendendo a pataco as riquezas e recursos nacionais, os partidos da governação preparam-se neste ano que começa para infligir aos trabalhadores e ao povo a mais brutal experiência nos limites da sobrevivência desde os tempos do fascismo, hoje transmutado num regime neofascista disfarçado de "estado de direito democrático", condenando à pobreza, à fome e à miséria milhões de portugueses. Se os planos do actual poder político forem consumados, não restará pedra sobre pedra do edifício económico e social começado a construir nos anos longínquos de 1974/75, condenando Portugal à mais indigente e colonizada existência da sua História recente. Serão destruídos o Serviço Nacional de Saúde, o Ensino Público, a Segurança Social, os sobreviventes Direitos do Trabalho, a par da liquidação do que resta da Justiça, da Cultura, do Poder Local Autárquico, da Fiscalidade, da Ciência, da Indústria, da Agricultura, das Pescas, da Floresta, das Minas, do Comércio, da Energia.
Serão alvos centrais da acção destrutiva deste governo as Liberdades Políticas e Sindicais, a Informação, o Associativismo, a Emigração, o Cooperativismo, o Ambiente, e todas as componentes de um Estado democrático estarão sob a sua mira e previamente condenadas a um abate sumário e sem contemplações.
O saque financeiro contra os rendimentos do trabalho e as pensões e a concomitante elevação dos défices público e privado, a par do afundamento da economia na recessão profunda, conduzirá o país ao desastre. Antecipando-se ao previsível ascenso das lutas operárias e populares, o governo reforçará os aparelhos repressivos e intensificará as actividades provocatórias.
 
De facto, um Bom Ano Novo - o voto usualmente trocado por estes dias - só o será pela luta e se a luta determinar a ruptura há muito apontada pelos comunistas portugueses.  A ruptura do Povo com as duas troikas que o desgraçam, a externa - FMI, BCE, CE - e a interna - PS, PSD, CDS, é o único caminho que poderá assegurar uma viragem de rumo para Portugal, uma mudança de cunho popular, democrática, patriótica, finalmente ao serviço dos trabalhadores e de outras classes e camadas sociais produtivas.
O engodo de novas eleições antecipadas tem que ser desmascarado, como solução de continuidade de um regime corrupto e apodrecido que visará a perpetuação da alternância no poder dos partidos do "arco da governação", assegurando ao grande capital a sua sobrevivência como classe dominante. A solução para terminar com as brutais e desumanas políticas que agridem profundamente os direitos e os interesses do povo português não será de índole institucional - a via institucional há muito está bloqueada. Aos trabalhadores e ao povo já só se apresenta uma via de solução, a da resistência insurreccional, mais ou menos pacífica, mais ou menos violenta, tal dependerá da relação de forças a estabelecer através da luta determinada e sem hesitações das massas trabalhadoras e populares, repelindo os cantos de sereia de todos quantos integram, por interesses de classe ou por acomodação oportunista, o campo político e ideológico deste regime. Acreditando no rumo revolucionário das suas lutas e na sua força transformadora, os explorados, os humilhados, os ofendidos, os democratas e patriotas, se unidos e resolutos, acabarão por vencer. Dificilmente 2013 será um Ano Novo. Mas poderá ser um Ano de Mudança, de viragem, de um novo começo, tendo por guia os velhos/novos valores de Abril. 

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Os "Países de Programa"


Esta é a mais novel designação utilizada pelos mandantes da U.E. e do FMI e repetida pelos seus paus-mandados portugueses, para nomearem os países-protectorados/colónias que os primeiros subjugam e espoliam. Descontemos a imprecisão do termo "Países de Programa", pois no contexto em que o utilizam seria mais apropriado chamar-lhes "Estados de Programa".
Trata-se, afinal, dos mesmos países que há algum tempo atrás já foram designados pelo sintomático e ofensivo nome de PIIGS - Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha. (*)
 
No Brasil - país no qual vivem 200 milhões de seres que connosco partilham o Português, não o esqueçamos - usa-se uma expressão próxima e que aqui nos surge com uma surpreendente e acertada semelhança. Trata-se da designação "garota de programa" que no outro lado do nosso Atlântico significa prostituta. E a associação de ideias é imediata e óbvia. Num caso como no outro, trata-se da mesma questão, sejam pessoas ou sejam os países: prostituição.

Na realidade, falarmos destes países do sul da Europa, submetidos às ordens do governo alemão no quadro desta "União" Europeia, é o mesmo que falarmos de países prostituídos - ou melhor, e mais adequadamente, equivale a falarmos de Estados prostituídos.
E falando só daquilo que a nós directamente nos respeita, a vergonhosa sucessão de episódios protagonizados pelos membros do governo português no seu relacionamento com a dupla Merkel/Hollande - a dupla colonialista que, a meias com o braço político-financeiro dos EUA que dá pelo nome de FMI, os dirige como marionetas -, é uma sequência fílmica indecorosa muito elucidativa dessa condição de autênticos lacaios que caracteriza os governantes portugueses, do seu posicionamento aviltante que envergonha todos os portugueses que não os repudiarem.

Quem não se lembra da atitude subserviente de Victor Gaspar, surpreendido pelas câmaras de televisão escutando as ordens do ministro das finanças alemão, em caninas e rendidas genuflexões? Que dizermos das sucessivas idas de Passos Coelho às reuniões da Comissão Europeia, entrando mudo e saindo calado? Que outra leitura política (e moral!) deveremos fazer das vergonhosas cambalhotas de um e de outro esta semana, dando o dito por não dito para falarem a voz do dono e acatarem as insultuosas directrizes do presidente do chamado Eurogrupo e do ministro alemão da mesma pasta quando estes, perante a nova "renegociação" das formas de pagamento da dívida (dita pública) grega, os mandaram meter a viola no saco quanto a um hipotético pedido de condições iguais para Portugal, afinal as mesmas que agora aplicaram à Grécia?!
 
"Em Portugal, a economia voltou a contrair no terceiro trimestre deste ano, pelo oitavo trimestre consecutivo, com o PIB a cair 0,8% em relação aos três meses anteriores e a recuar 3,4% face ao período homólogo, tal como já havia divulgado o Instituto Nacional de Estatística" (dos jornais).
 
As consequências económicas, sociais e culturais, deste deboche contra a soberania nacional, são cada dia mais brutais. Portugal está completamente prostituído, pela mão da quadrilha política mafiosa que tomou conta do poder do Estado. E a Assembleia da República está transformada num verdadeiro prostíbulo, com a sua enorme maioria de deputados vendidos ao grande capital.
 
Sem base social de apoio, roído por crescentes contradições, sem ninguém que se erga para defender a sua sobrevivência - excepção feita ao PS de Seguro - este governo, já mergulhado nos estertores da sua agonia, sobrevive ainda porque os seus patrões querem explorar esta solução de governo até ao limite insuportável da pauperização do Povo. Mas ele cairá, acabará por cair quando a luta dos trabalhadores e de todos os espoliados o impuser.

Já se sabe que se o plano B do grande capital for posto em marcha, virá uma "solução institucional", o governo cairá pela dissolução da AR, talvez com recurso a uma qualquer rábula do TC, neste caso chamado a servir de capa aos prostitutos de turno no poder, declarando inconstitucional(ais) algum(uns) aspecto(s) do OE aprovado pelos deputados de arreata e encenando uma "crise política" que dê suporte a uma telecomandada reacção de um PR inanimado, ele mesmo peça do mesmo "complot" anti-democrático e anti-patriótico.
Assistiremos assim a mais uma "representação" da esfarrapada peça do "funcionamento das instituições democráticas", já encenada várias vezes nos últimos 36 anos, com a convocação de umas eleições antecipadas e montadas para que o resultado - mais que previsível - seja a criação de uma nova(?!) maioria de alterne, agora do PS, no nosso "Bataclã" parlamentar!

O BE, social-democrata e europeísta dos quatro costados (melhor, de dois costados) já está a salivar perante a perspectiva de poder vir a abocanhar alguns restos do festim do poder, se tal for necessário à "estabilidade" do sistema... Talvez se engane e a saída venha a ser um governo do "arco governativo", às claras ou no escuro de uma abstenção "patriótica" do PSD. Sem esquecer que o CDS sempre pode ser o calço "limiano" dessa solução "socialista"!...

Mas há um outro caminho.
Haverá sempre outro caminho, para assegurar a libertação do nosso país das garras da facção imperialista europeia e garantir a salvação para Portugal e para os portugueses. Um caminho que nos liberte desta situação de um país e um povo prostituídos. Um outro caminho capaz de trocar as voltas a estes traidores e aos seus arranjos políticos espúrios. Um caminho construído e partilhado por todos os trabalhadores, por todos os reformados, por todas as classes, camadas e segmentos sociais cujos interesses vitais os opõem aos banqueiros e aos monopolistas oligárquicos, o caminho mais justo para todos quantos se sentem espoliados das suas liberdades dos seus direitos democráticos constitucionais.

Um caminho novo para todos quantos se sentem humilhados e ofendidos na sua dignidade de portugueses sérios e honestos. O caminho de e para a imensa maioria do povo português. E este caminho é o caminho da luta pela construção de um movimento e levantamento nacionais que varra da terra portuguesa os "políticos de programa" que vêm desgraçando o país há décadas!

Todos os que nos meios de comunicação dominantes papagueiam a voz dos seus donos, vomitam diariamente que Portugal não é igual à Grécia, à Irlanda, à Itália ou à Espanha. Com isso, dizem uma obviedade do tamanho de um comboio, pois não há países iguais. Mas é exacta e rigorosamente igual o "programa" que o grande capital globalizado está a aplicar metodicamente a todos estes países, visando sangrá-los de todas as suas riquezas e tornar insignificante o valor dos seus factores trabalho, com o propósito de transladar para o Sul europeu os níveis inumanos de exploração e de saque que já aplicam noutros continentes!

Derrotar os seus criminosos objectivos e escorraçar os lacaios domésticos que os servem, é o caminho verdadeiramente democrático e patriótico que a todos nós nos está colocado. Um caminho que desafia a nossa determinação, a nossa coragem e a nossa capacidade para construirmos as pontes sociais e as alianças políticas necessárias. Lutando "nas empresas e nas ruas" e dizendo um claro e firme "Não!" a todos aqueles que, aquém e além-fronteiras, nos querem manhosamente perpetuar como um Estado e um "País de Programa"! 
Parafraseando o Nobel português de Literatura, "a puta que os pariu a todos!"

(*) Nota: Tema já aqui tratado anteriormente (http://oassaltoaoceu.blogspot.pt/2010/02/piigs-uma-designacao-ofensiva-e.html)   
 
 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

"Assim [aqui], se vê [e reside], a força do [nosso] PC!"

Trabalho colectivo, direcção colectiva, democracia interna - Algumas notas


Entre as concepções e actividades de um partido comunista, de um partido revolucionário como o PCP, que tem como objectivo levar a cabo transformações revolucionárias profundas na sociedade portuguesa, e as concepções e actividades reformistas de um partido social-democrata como o PS, por exemplo, há barreiras intransponíveis. Sempre, ao longo da história, os partidos sociais-democratas pretenderam fazer aceitar pelos trabalhadores a exploração e domínio capitalistas, convencê-los a integrar-se pacificamente no sistema, espalhando aos quatro ventos velhas e gastas teorias de um «capitalismo civilizado» capaz, até, de resolver os problemas maiores dos trabalhadores e apregoando as suas políticas de «conciliação de classes».
É, portanto, natural que entre estes dois partidos, com objectivos programáticos diferentes, práticas políticas diferentes, actividades diferentes, sejam igualmente diferentes os princípios que regem o seu funcionamento interno, o seu estilo de trabalho, os direitos e deveres dos seus membros.
A preparação dos Congressos do PCP, e o XIX não é excepção, é mais uma prova, a somar a tantas outras, que mostra à evidência que o PCP é um partido distinto de qualquer outro partido existente em Portugal. Um Partido que a par dos deveres que coloca aos seus membros lhes confere, simultaneamente, importantes e amplos direitos, iguais para todos.
E esta constatação é válida não só em relação aos Congressos que tem realizado depois do 25 de Abril de 1974, em condições de liberdade (e já são 13), mas também em relação aos Congressos que se realizaram nas duras condições da ditadura fascista (e foram 4). Realizados, estes, em condições extremamente difíceis de clandestinidade, colocaram, inevitavelmente, fortes limites à observância dos seus princípios de funcionamento e exercício de alguns direitos democráticos pelos seus membros.
Apesar dessa situação, as preocupações com o trabalho colectivo, direcção colectiva, o respeito pelas opiniões dos militantes, o procurar a maior participação possível dos membros do Partido na elaboração da sua linha política e nas grande decisões políticas estiveram sempre presentes, particularmente depois da reorganização de 1940-1941, nos anos de 1943-1949. E é oportuno evocar aqui as palavras de Militão Ribeiro na carta ao Partido, escrita com o seu próprio sangue, em vésperas do seu assassinato, em 1949, na Penitenciária de Lisboa:
«Tenho confiança que sabereis vencer todos os obstáculos e levar o povo à vitória, mantendo essa disciplina e controle severo de uns sobre os outros, em trabalho colectivo, como vínhamos fazendo e aperfeiçoando... Felizes dos que vêm novos ao Partido e o encontram a trabalhar desta forma» («Avante!», Janeiro de 1950).
E se, nalguns momentos complexos da sua história, princípios e normas da vida interna do Partido estiveram ausentes ou foram ignorados, foi a sua actividade geral que disso se ressentiu e a sua própria sobrevivência ameaçada.
Não tivesse sido até hoje o princípio revolucionário leninista do centralismo democrático a pedra de toque do funcionamento do PCP, e o PCP não seria o Partido que hoje é: um partido que, através de todas as vicissitudes históricas que enfrentou ao longo do seu desenvolvimento e amadurecimento, se constituiu como «o partido político do proletariado, o partido da classe operária e de todos os trabalhadores portugueses». Um partido que imprimiu traços profundos e valores inalienáveis aos seus militantes: o sentido de responsabilidade, o respeito pelos valores democráticos, o apego à democracia: à democracia no seio do Partido, à democracia no seio da sociedade. A participação directa na vida do Partido, na sua luta, acompanhar o pulsar de toda a sua actividade no dia a dia tem sido, será sempre, uma verdadeira escola de democracia.
Ao decidir a convocação do XIX Congresso do Partido, na sua reunião de 8 de Dezembro de 2011, o Comité Central, desde logo, fez recair sobre todos os militantes comunistas uma acrescida e pesada responsabilidade: a sua participação, a sua intervenção activa em todo o processo preparatório que se tem vindo a desenvolver e que culminará nos dias 30 de Novembro, 1 e 2 de Dezembro com a realização do Congresso. Um Congresso que vai ter lugar no quadro de uma situação nacional e internacional de grande complexidade e de grandes exigências, e, em simultâneo, de crescente desenvolvimento da luta popular de massas que se regista de dia para dia.
Quando este número de «O Militante» chegar às mãos dos membros do Partido, está ainda em curso, mas próxima da conclusão, a terceira fase preparatória do Congresso, fase indiscutivelmente decisiva, com o debate em todo o Partido do Projecto das Teses/Resolução Política e do Projecto de Alterações ao Programa e a eleição dos delegados em Assembleias Plenárias.
A participação nos debates realizados no organismo a que pertence, nos plenários da sua organização, nas assembleias, conferências e congressos para que for eleito, em todas as reuniões do Partido em que participe, contribuir para a elaboração da linha política do Partido é, de acordo com os Estatutos, simultaneamente um dever e um direito de todos os seus membros.
A questão dos deveres e direitos do membro do Partido é o cerne de toda a sua organização e que emana do centralismo democrático.
Nenhum outro partido em Portugal tem qualquer semelhança com o PCP. O PCP não reduz a democracia interna à eleição dos seus órgãos dirigentes como outros partidos fazem, transportando para o seu interior as normas e métodos do parlamentarismo burguês.
Na sua obra «O Partido com Paredes de Vidro», da maior actualidade para os dias de hoje, Álvaro Cunhal sublinha que o trabalho colectivo, tendo como primeira e fundamental expressão a direcção colectiva, constitui um princípio básico do PCP.
Ao referir, na sua obra, como a direcção colectiva e o trabalho colectivo se desenvolveram no Partido e resultaram de um processo longo e irregular em que intervieram e se somaram numerosos factores, Álvaro Cunhal põe em destaque:
«A direcção colectiva e as suas experiências positivas abriram caminho ao alargamento do conceito de trabalho colectivo, não apenas à direcção central mas a todos os outros organismos do Partido e, ulteriormente, acompanhando todo um profundo processo de democratização, a toda a actividade partidária.» (p. 84)
«O trabalho colectivo tornou-se uma característica fundamental do estilo de trabalho do Partido, um dos aspectos essenciais da democracia interna e um factor decisivo da unidade e da disciplina.» (p. 85)
«O trabalho colectivo conduz à responsabilidade e à responsabilização colectivas. Mas não apaga, e muito menos extingue, a responsabilidade e a responsabilização individuais
«Nem a responsabilidade do indivíduo se deve encobrir com a responsabilidade do colectivo, nem a responsabilidade do colectivo se deve encobrir com a responsabilidade individual
«Atirar a responsabilidade do indivíduo para o colectivo e do colectivo para o indivíduo são formas de alijar a responsabilidade, afectando a própria ideia da responsabilidade consciente e voluntária.» (p. 95)
A participação directa ou indirecta dos membros do Partido na sua actividade, nas suas decisões, o trabalho colectivo, a direcção colectiva são a essência da democracia interna no PCP.

(Artigo publicado em "O Militante", nº. 321, Nov/Dez-2012)


Complementando, aqui se deixa uma outra transcrição daquela obra maior de Álvaro Cunhal, sobre o mesmo tema e já anteriormente publicada neste blog (O Partido com Paredes de Vidro - Releituras (VI):

O trabalho colectivo no Partido tem como principais aspectos: a compreensão e a consciência de que a realização com êxito das tarefas do Partido se devem aos esforços conjugados e convergentes de todos os militantes que, directa ou indirectamente, intervêm nessa realização; e a mobilização dos esforços, do trabalho, do apoio de todos os militantes chamados a intervir na realização de qualquer tarefa.
O trabalho colectivo é uma dinâmica permanente no desenvolvimento da actividade do Partido e de todos os militantes.
A preparação, organização e realização das acções de massas, das grandes iniciativas, das assembleias das organizações, dos encontros e conferências, das conferências nacionais e dos congressos do Partido constituem exemplos esclarecedores e exaltantes do trabalho colectivo do Partido como um dos traços fundamentais dos métodos e do estilo de trabalho.
A expressão «o nosso grande colectivo partidário», que se tornou usual na boca dos militantes (e se oficializou a partir do X Congresso), traduz a participação, a intervenção e a contribuição constante dos colectivos, a busca constante da opinião, da iniciativa, da actividade e da criatividade de todos e de cada um, a convergência das ideias, dos esforços, do trabalho das organizações e militantes no resultado comum.

Parafraseando as palavras de Militão Ribeiro na sua carta ao Partido, felizes os novos e os velhos que militam e intervêm para garantir a continuidade destes métodos democráticos de funcionamento e do estilo próprio e inconfundível do seu Partido.

domingo, 18 de novembro de 2012

Após uma grande Greve Geral, porquê a provocação?


 
Eles e nós, sabemos que o seu projecto de "refundação" do Estado é de carácter global, integra as várias componentes das funções de um Estado ao serviço do capitalismo monopolista de Estado: financeiras, económicas, sociais, culturais/ideológicas, políticas, repressivas.
Exactamente por isso, eles e nós sabemos que um regime neoliberal, fustigado crescentemente pela luta do Movimento Operário e Sindical, contestado nas ruas pelas massas populares, só pode manter-se pelo recurso à repressão e à liquidação do que resta das liberdades ainda sobreviventes, após 36 anos de política contra-revolucionária e restauracionista. Isto é, necessitam de reconstituir um regime de características neofascistas, ainda que disfarçado com roupagens "democráticas".

De facto, está em marcha um golpe de Estado institucional, um real "regresso ao passado (em muitos aspectos ao passado anterior ao 25 de Abril) [que]está na reestruturação e restauração dos grupos monopolistas, alguns deles do tempo do fascismo, na liquidação dos direitos dos trabalhadores, na perversão da democracia política, na degradação cultural, na capitulação perante o estrangeiro e nas alianças internacionais com as forças mais retrógradas do mundo actual"(Álvaro Cunhal, 1994).

As duas fotos da provocação, publicadas entre muitas outras e cobrindo os minutos que antecederam a carga da polícia de choque sobre populares indefesos, são bastante esclarecedoras.  Mostram, indiscutivelmente, que o indivíduo em causa, fotografado quando actuava como um "ultra-esquerdista", é o mesmo que está na terceira foto, enquadrado entre os polícias do corpo de intervenção. Que mais confirmações documentadas são necessárias? E agora? O que vão fazer as várias "instituições democráticas"? Responda quem melhor souber. Mas todos nós, democratas e patriotas - integrantes ou não das ditas instituições - temos uma palavra a dizer.

Estes métodos, sobejamente conhecidos, são utilizados hoje por regimes autoritários e neofascistas, ao serviço do capitalismo monopolista de Estado - mais próximos de nós, são visíveis, p. ex., em Espanha, na Itália, na Grécia - contra as lutas dos trabalhadores e dos povos, à medida que estes vão alargando e intensificando a luta de classes.

Por agora, a manobra provocatória mereceu a destrinça do ministro - e do Seguro/PS...- mas tal "desculpabilização" da CGTP é meramente táctica, faz parte de uma estratégia em marcha. Agora, são a liberdade e o direito à manifestação o alvo imediato, alvo já descaradamente verbalizado por um deputado do CDS; a seguir, será a própria CGTP, os comunistas, depois os socialistas sinceros,  os outros democratas e patriotas que resistem e lutam, por fim será todo o Povo, com a supressão "legal" das liberdades políticas.

Estamos a entrar numa nova fase, na qual a denúncia firme e corajosa destas práticas provocatórias é parte integrante da luta geral contra as troikas e o seu governo de turno. As práticas e as ameaças neofascistas estão aí. Ou somos nós que as derrotamos, ou seremos nós, democratas, os derrotados. Denunciá-las, isolá-las, combatê-las, tornou-se um dever e uma prioridade para todos nós.


terça-feira, 13 de novembro de 2012

Em Portugal, Viva a Greve Geral!





Já esta esta noite, inicia-se mais uma Greve Geral em Portugal. Arma política nas mãos dos trabalhadores portugueses, será empunhada com coragem e com determinação contra os seus inimigos de classe -  os banqueiros e monopolistas, exploradores da sua força de trabalho -, contra o governo de turno destes e contra as "troikas" que os servem e apoiam: a interna - PS/PSD/CDS - e a externa - FMI/BCE/CE -, responsáveis políticos pela marcha do país para o abismo, liquidando o aparelho produtivo, destruindo liberdades, direitos, conquistas sociais de décadas, mergulhando os trabalhadores e o povo na maior crise nacional desde a época fascista.
 
São muitos e muito calorosos os sinais que nos chegam de uma vasta disposição do proletariado, apoiado por outras camadas sociais, para uma grande adesão a esta GG de 14 de Novembro. O divisionismo sindical amarelo, protagonizado pela UGT, vem sofrendo derrotas fragorosas na suas manobras anti-operárias, com várias dezenas de sindicatos e estruturas suas a anunciarem que aderem à GG. Numerosas administrações, percebendo este clima de apoio dos trabalhadores à GG, manobram para minorar as seus prejuízos de classe e o impacto da grande adesão que se vive.
Serviços mínimos em sectores estratégicos são deixados cair, perante a perspectiva da sua ineficácia. Os partidos do capital e o governo, permanecendo silenciosos ou com declarações pias de respeito pelo direito dos trabalhadores à greve (!), revelam percepcionar uma grande adesão e quererem esquivar-se a maiores estragos políticos.
 
Vivendo a realização de uma grande jornada de luta dos trabalhadores portugueses, a sua luta também contribui poderosamente para as greves e manifestações de luta em outros países da UE, igualmente fustigados pela brutalidade das políticas de espoliação que a todos nos atinge. Ponto alto da unidade na acção dos proletariados que estarão em luta na mesma data, esta unificação do combate não esconde o carácter central e decisivo da nossa luta no terreno nacional, face a face com o grande capital e com o governo "português" que o serve e trai os interesses nacionais do povo português.
 
Dia grande, na marcha dos trabalhadores portugueses pela sua emancipação, a sua luta contra este criminoso capitalismo monopolista de Estado - cada dia acentuando mais os seus traços neofascistas -, será também um poderoso estímulo e  um contributo para a unidade de todos os democratas e patriotas, conclamando-os à acção em defesa das liberdades e da dignidade violentada de um povo inteiro, um povo atingido por políticas de autêntico terrorismo social e ideológico por aqueles que entregam aos interesses capitalistas estrangeiros a nossa soberania e o nosso futuro. Pela luta, não passarão!  
 
 

sábado, 10 de novembro de 2012

"Valores de Abril no Futuro de Portugal"

 




Assinalando nesta data o aniversário do nascimento do camarada Álvaro Cunhal, transcreve-se abaixo um capítulo da sua obra "A Revolução de Abril 20 Anos Depois", cujo título dá o nome a este post.


Valores de Abril no futuro de Portugal

Após quase meio século de tirania, opressão, exploração, atraso, submissão nacional, a revolução de Abril representou uma transformação profunda e um progresso notável da sociedade portuguesa. Ao contrário do que a ideologia e a propaganda das forças do capital actualmente procuram gravar na memória e na consciência dos Portugueses, as grandes conquistas democráticas da revolução de Abril (regime democrático com órgãos de soberania interdependentes, um poder local fortemente descentralizado, múltiplas formas de democracia participativa, exercício sem discriminações de liberdades e direitos, direitos dos trabalhadores, liquidação do capitalismo monopolista com as nacionalizações, reforma agrária na grande região do latifúndio) correspondiam a exigências de natureza objectiva para o desenvolvimento do país e às necessidades e aspirações profundas do povo português. Dois factos o evidenciam.
O primeiro é que tão profundas e radicais transformações tiveram lugar, pela impetuosa e irresistível acção das massas populares, num espaço de tempo extraordinariamente curto, vencendo sem uso da violência todas as violentas resistências contra-revolucionárias.
O segundo é que a liquidação dessas conquistas democráticas, apesar de constituir a partir de 1976 o objectivo estratégico, se bem que não declarado durante vários anos, de sucessivos governos (do PS, do PS/CDS, de «iniciativa presidencial», do PSD/CDS, do PS/PSD, e finalmente do PSD) e das novas hierarquias militares que se sucederam à liquidação do MFA, tem levado até hoje cerca de 17 anos de contínuas ofensivas conduzidas pelos órgãos do poder e ainda não está completada ao perfazerem-se 20 anos do 25 de Abril.
A situação para a qual a política de direita está arrastando Portugal, é contrária a interesses vitais do povo e do país. O sistema socioeconómico (capitalismo monopolista de Estado), o regime político (formalmente democrático mas de cariz autoritário e ditatorial), direitos nacionais (independência e soberania submetidos a decisões supra nacionais), a concretizarem-se completamente os objectivos estratégicos das forças de direita no poder, significaria um verdadeiro desastre para o povo português e para Portugal, com duradouras e trágicas consequências. Não se trata de uma visão «catastrofista» da realidade como dizem alguns. A realidade da política contra-revolucionária de direita é que encerra elementos de catástrofe.
Só a cobardia oportunista pode justificar, da parte de forças que insistem em afirmar-se de esquerda, que se considere inevitável e irremediável tal evolução dos acontecimentos e, em consequência, se aceite a renúncia à luta por soluções democráticas e se opte pela acomodação, adaptação e integração no novo regime e no novo sistema.
Há que ter em conta com toda a objectividade a situação actual, tanto nacional como internacional. Há que definir objectivos, soluções e caminhos que permitam travar e impedir a total concretização do processo contra-revolucionário conduzido pelo governo de direita. Há que considerar que Portugal é hoje membro de uma Comunidade Europeia que com decisões supra nacionais afecta gravemente o nosso desenvolvimento e põe graves limitações à nossa independência nacional, pelo que exige um governo português que não capitule perante interesses estrangeiros e determinado a defender com firmeza os interesses nacionais. Há que avaliar e saber movimentar e fazer convergir as forças sociais e políticas cuja luta é indispensável para alcançar tal resultado. São necessários entendimentos e plataformas. Esses objectivos não podem porém significar que se deixem de definir objectivos a curto, a médio e a longo prazo e que se deixe de definir, apresentar e propôr a política que se considera necessária ao povo português e a Portugal.
Neste sentido a análise da evolução da sociedade portuguesa ao longo do século, do que foi o fascismo, do que foi a revolução democrática, do que tem sido e é a contra-revolução, conduz à conclusão de que, como noutro local se afirmou, «os grandes valores da revolução de Abril criaram profundas raízes na sociedade portuguesa e projectam-se como realidades, necessidades objectivas, experiências e aspirações no futuro democrático de Portugal».
Isto não significa que se aponte para o futuro democrático de Portugal como uma repetição da revolução inacabada. Nem que se repitam literalmente as soluções. Experiência significa aprendizagem e aprendizagem significa enriquecimento democrático do projecto e do programa.
Falando do passado e do futuro, cabe ainda dizer que um dos maiores logros da propaganda antidemocrática é a afirmação de que a política que o PCP propõe é o «regresso ao passado» e a política do PSD é uma política voltada para o futuro. A ideia verdadeira é precisamente a inversa.
O regresso ao passado (em muitos aspectos ao passado anterior ao 25 de Abril) está na reestruturação e restauração dos grupos monopolistas alguns deles do tempo do fascismo, na liquidação dos direitos dos trabalhadores, na .perversão da democracia política, na degradação cultural, na capitulação perante o estrangeiro e nas alianças internacionais com as forças mais retrógradas do mundo actual.
Uma política voltada para o futuro é aquela que propõe o PCP: estruturas socioeconómicas para promoverem o desenvolvimento económico nacional, o melhoramento das condições de trabalho e de vida do povo, a solução dos grandes problemas sociais como a saúde, a habitação e o ensino, uma democracia política com forte componente participativa, a generalização da criação e da fruição culturais, o aprofundamento da democracia no quadro da independência e soberania nacionais. Ou seja: o projecto e programa de uma democracia que, respondendo às mudanças no mundo e no país, tendo em conta as experiências positivas e negativas, dando respostas novas e criativas às novas situações, aos novos fenómenos e às novas realidades, se afirma na coerente continuidade histórica dos ideais, conquistas, realizações e valores da revolução de Abril.

(Cunhal, Álvaro (1994), "A Revolução de Abril 20 Anos Depois". Lisboa, Edições "Avante!", 2ª.ed.: 42-45)
(Os sublinhados são os do original)


Decorridos desde então mais tempo que os dezassete anos "de contínuas ofensivas conduzidas pelos órgãos do poder" de que falava o autor (passaram mais dezoito!) estávamos naquela época ainda a meio do caminho da grave evolução da situação política do país até aos dias de hoje.
Vale a pena reflectirmos naquilo que Álvaro Cunhal avaliava e na marcha posterior que o processo contra-revolucionário de destruição do património de Abril entretanto revelou. Confirmando, aliás, todas as suas ideias, seja quanto ao papel revolucionário originário desempenhado "pela impetuosa e irresistível acção das massas populares", seja quanto ao rumo negativo posterior e suas consequências - pela mão dos sucessivos governos do capital - que já se divisavam nítidas nesse ano distante de 1994.

Particular significado terá, até pela identificação óbvia do título do capítulo, pensarmos atentamente na contradição que se revela na comparação entre os valores de Abril e as realidades actuais que tão profunda e criminosamente os renegam, tanto quanto ao sistema sócio-económico, como quanto ao regime político. Estamos hoje vivendo aquilo que Álvaro Cunhal designava como "um verdadeiro desastre para o povo português e para Portugal".


Um quadro de emergência nacional, consubstanciado num autêntico golpe de Estado institucional, quadro que nos chama ao combate para resgatarmos tudo aquilo que foi destruído, concretizando plenamente os valores revolucionários e transformadores da nossa Revolução de Abril, através da audaciosa construção de uma nova arrancada democrática, com as lutas do Movimento Operário à cabeça de um novo levantamento nacional e patriótico das massas populares, um levantamento popular de novo impetuoso e irresistível.

Um movimento dotado de organicidade própria, que urge "organicizar" como a prioridade política que hoje é, destacando os meios humanos indispensáveis e multiplicando as iniciativas, os contactos, construindo persistentemente as ligações e pontes necessárias entre todos os democratas portugueses que rejeitam o actual caminho, um rumo que nos conduz ao desastre nacional há muito anunciado. Edificando uma aliança política dinâmica entre todas as classes e camadas sociais não-monopolistas. Porque é urgente vencer o bloqueio institucional-parlamentar que PSD, CDS e PS há muito protagonizam. Porque urge travarmos e derrotarmos o golpe de Estado em desenvolvimento e os golpistas.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A força de sempre do nosso Ary, tão actual!

 
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SONETO DO TRABALHO

Das prensas dos martelos das bigornas
das foices dos arados das charruas
das alfaias dos cascos das dornas
é que nasce a canção que anda nas ruas.

Um povo não é livre em águas mornas
não se abre a liberdade com gazuas
à força do teu braço é que transformas
as fábricas e as terras que são tuas
 
Abre os olhos e vê. Sê vigilante
a reacção não passará diante
do teu punho fechado contra o medo.

Levanta-te meu povo. Não é tarde.
Agora é que o mar canta é que o sol arde
pois quando o povo acorda é sempre cedo.
 
 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.



"Desconfiai do mais trivial ,
 na aparência singelo.
 E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
 Suplicamos expressamente:
 não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
 pois em tempo de desordem sangrenta,
 de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
 de humanidade desumanizada,
 nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.

 (Bertolt Brecht)




Este apelo que Brecht nos deixou tem, nos tempos actuais, plena actualidade e tem destinatários prioritários: somos nós próprios, todos quantos intervêm e se batem por uma ruptura revolucionária, perante o actual quadro político português. Sobretudo constitui uma chamada de atenção para a imperiosa necessidade de avaliarmos sempre - mas sempre! -  todos os acontecimentos sociais e políticos a partir de uma perspectiva de classe.
Tal como ocorre na actividade siderúrgica, quando a temperatura da fornalha aquece, quando no cadinho o metal fica em fusão pronto para ser moldado em formas novas, à sua superfície surgem sempre as escórias, com aparência de coisas fortes, duráveis, ocultando o verdadeiro material em acelerada transformação física. Afastar essa escória e observar a realidade da matéria em transformação é o procedimento certo para usar adequadamente o metal, para o moldar e construir os novos instrumentos e meios de produção transformadores da vida material.


Assim é também na luta política, na luta de classes, indispensável discernir os sinais e significados mais profundos dos acontecimentos, evitando cair no erro de palmatória de tomar as suas manifestações na superestrutura, as manobras e mistificações políticas dos protagonistas "institucionais" da democracia burguesa, como espelho da realidade objectiva.
A grandiosidade das manifestações populares que ocorreram no passado sábado (15/9), em quatro dezenas de localidades, tal como a dimensão da vigília nesta sexta-feira frente ao palácio de Belém (21/9),  mostram que a atitude política de centenas de milhares de portugueses está alterada, emergindo uma impressionante vontade das massas populares de uma mudança profunda, orientada contra o regime vigente - "contra os partidos, contra os políticos" - gritando nas ruas consignas que recordam os tempos de Abril de 74, numa poderosa condenação do actual rumo de desastre que o governo de turno das troikas (externa e interna) vem impondo aos trabalhadores e ao país, a continuidade lógica das malfeitorias e crimes de lesa-povo que já se prolongam por longos 38 anos, sempre pela mão dos mesmos partidos do grande capital - PS, PSD, CDS - que se vêm revezando no poder.

Sabemos que as  estruturas promotoras destas novas acções da luta de massas são organizações de recorte esquerdista e social-democrata. Os seus dirigentes, na sua grande maioria, não querem uma transformação revolucionária do "status quo". Originariamente, visavam o protesto contra a "troika" ocupante, contra o aumento da Taxa Social Única imposta aos salários e rendimentos do trabalho, apontando para um "Basta!" genérico e sem qualquer conteúdo programático. As suas componentes "apartidárias" e as suas manifestações anti-Movimento Operário - "Não queremos os partidos, não queremos os Sindicatos -, revelam a sua matriz pequeno-burguesa. Mas os acontecimentos acabaram por os ultrapassar a todos, deixando-os boquiabertos, quais aprendizes de feiticeiro surpreendidos pelas avassaladoras consequências das suas práticas de feitiçaria. 

Nestes dias em curso, marcados por uma aceleração magnífica na aprendizagem política de muitos portugueses, muitos são os enganos, as ilusões que já estão a ser profusamente espalhadas; muitas declarações, muita conversa, muitos debates e análises, reuniões institucionais, tudo está a ser feito para desarmar a disposição combativa das massas populares, para mascarar as soluções que neste momento o grande capital (interno e externo) já terá em andamento, evidentemente com o envolvimento directo do PS (com o BE à ilharga).
É fundamental, é decisiva a nossa intervenção actuante, afirmando e demonstrando que a luta, a verdadeira, a luta realmente transformadora, aquela que vale a pena, é a luta para todos juntos e organizados corrermos com as duas troikas, a externa e a interna. E para tal é necessário unir vontades, congregar em volta de objectivos comuns os segmentos mais conscientes e combativos - militantes comunistas, sindicalistas da  CGTP, Comissões de Trabalhadores, organizações profissionais e sectoriais, movimentos e comissões de utentes, etc - e estes novos milhares de manifestantes que vêm agora à luta, no imediato engrossando a grande manifestação operária e popular que a CGTP tem convocada para sábado, dia 29/9.

A divulgação há dois dias atrás de uma sondagem, realizada pela Universidade Católica, não é de todo uma acção inocente.  Os números divulgados destinam-se a "públicos-alvo" múltiplos e com intuitos evidentes: aos partidos do governo, mostrar-lhes o risco eminente de serem apeados do poder; ao PS, dizer-lhe que não crescerá numas eleições antecipadas imediatas e que o "perigo comunista" - que tanto teme -  o espreita, ameaçando-o com um crescimento para os dois dígitos; finalmente, aos partidos à esquerda do PS, enviar-lhes um engodo eleitoralista, acenando-lhes com uma irreal e ilusória "maioria de esquerda", que só esperaria que "finalmente (PCP, PS e BE) se entendam".
A muitos militantes e filiados nestes partidos, este autêntico "canto da sereia" vai entrar-lhes pelos ouvidos como música celestial, depois de tantos anos de renhida oposição (sobretudo  os comunistas), tornando-os vulneráveis à manobra e amolecendo-lhes as forças, "embalando-os" no sonho das "unidades" e "coligações" que cantam!...  

Neste novo - e exaltante! - quadro que se abre e desenvolve para o combate e a actividade política revolucionárias, a atitude certa, o posicionamento acertado passa pela unificação de energias e vontades em torno de um projecto transformador, com os eixos fundamentais de um programa de real re-democratização do país, expulsando do poder os partidos dos banqueiros e monopolistas, reimplantando as liberdades políticas destruídas, restituindo os salários e as pensões dos roubos cometidos contra os rendimentos do trabalho, repondo as prestações e apoios sociais espoliados, nacionalizando de novo a banca e as empresas estratégicas, restaurando a Saúde e o Ensino públicos e universais, reabrindo o crédito às actividades produtivas, recuperando a Justiça democrática, apoiando a Cultura e reapossando-se para o povo da soberania política, económica e monetária e da  independência nacional, esbulhadas pelos vendilhões do país à troika estrangeira.
Urge a tarefa de promover/congregar/organizar, como uma verdadeira urgência e emergência nacionais,  uma "frente democrática e patriótica", onde caibam todos os verdadeiros democratas interessados neste projecto de autêntica salvação nacional, apontando-lhe os objectivos e as formas orgânicas que lhe permitam vingar e constituir-se como solução de poder. Uma frente contra os propósitos e os crimes continuados dos componentes da troika liquidacionista e traidora - PS/PSD/CDS - acobertados por um PR violador dos seus deveres constitucionais, uma frente que trave e derrote todas as manobras que se desenham para salvar e impor pela força o actual regime de capitalismo monopolista (e terrorista) de Estado. 
Os caminhos da revolução portuguesa serão construídos caminhando, com as massas e com elas aprendendo, apoiados no Movimento Sindical de Classe e em amplas alianças sociais, unificando vontades, organizando a unidade na luta. Nos tempos presentes, a ruptura revolucionária, democrática e patriótica que almejamos, exige-nos muita determinação, muita criatividade, muita audácia!

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A crise agónica da União Europeia - Dados úteis.

 
O euro e a "U"E agonizam penosamente. Os seus líderes políticos de turno manobram todos os dias para ocultarem, aos olhos dos trabalhadores e dos povos europeus, esse processo/realidade há muito em marcha. Nos grandes meios de manipulação de massas, surgem os mais diversos e contraditórios cenários evolutivos para esta UE ferida de morte pela crise sistémica do capitalismo, chegando já alguns a vaticinarem a saída do euro da sua principal criadora e beneficiária: a Alemanha! 
Este tipo de vaticínios não é totalmente destituído de racionalidade. No momento em que o grande capital alemão concluir que o euro já esgotou as suas funções drenadoras das riquezas e das economias dos países submetidos, não hesitará em retomar a sua moeda nacional, o marco, até como estratagema para manipulação dos sentimentos nacionalistas e xenófobos presentes na sociedade alemã. Ironicamente, alguns países do sul, hoje transformados em colónias-protectorados, se não despertam da letargia onde foram mergulhados e não se decidem à reafirmação vigorosa da sua independência nacional, rompendo com esta "U"E e reapossando-se da sua perdida soberania monetária, correm o risco sério de se verem repentinamente na humilhante situação de peças "descartáveis" de um edifício a fazer implodir. 
Em Portugal, a recessão e o desemprego agravaram-se no 2º trimestre deste ano. Em declaração recente do PCP, afirma-se: "(...) Enquanto o PIB caíu 3,3% no 2º trimestre do ano, o desemprego atingiu neste mesmo período os 826 900 desempregados em sentido restrito (15% de taxa de desemprego), enquanto o desemprego real ultrapassa já 1 milhão e 250 mil desempregados (21,8% de taxa de desemprego real).
Entre o 2º trimestre do ano passado e o 2º trimestre deste ano foram destruídos 204 800 empregos e mais 151 900 trabalhadores estão no desemprego. Enquanto a taxa de desemprego total aumentou no último ano 2,9 pontos percentuais, essa mesma taxa aumentou para os jovens trabalhadores 8,5 pontos percentuais passando de 27% para 35,5%.
A profunda recessão em que as políticas de direita têm vindo a mergulhar o nosso país, com cortes nos salários, nas pensões, nas reformas, no Serviço Nacional de Saúde, na Educação, nos apoios sociais às famílias, no subsídio de desemprego e no investimento público e privado, fazem com que a Procura Interna e o PIB esteja em queda há seis trimestres seguidos e fazem com que o desemprego de trimestre em trimestre suba para níveis inimagináveis há alguns anos atrás.(...)"
Um estudo de Edmilson Costa - Doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) -, no capítulo onde trata da situação da crise do capitalismo na Europa, aponta alguns dados e avaliações que podem ser-nos úteis para o nosso combate. Eles aí ficam, à reflexão dos leitores.

A União Europeia é parte integrante do sistema imperialista mundial, especialmente a Alemanha, França, Inglaterra e Itália e o velho continente está também envolvido profundamente na crise sistémica global e sofrerá consequências semelhantes às que estão atingindo a economia líder, tendo em vista as interconexões entre o grande capital e as operações económicas cruzadas entre as várias fracções da burguesia dos países centrais. Acrescente-se a isso a identidade destas classes dominantes com o sistema político e económico neoliberal, implantado a partir do final da década de 70, com a eleição de Margareth Tatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos, além das próprias contradições do capitalismo europeu.
A formação da zona do euro, sob a orientação do Tratado de Maastricht, consolidou uma Europa do capital, no qual as fracções mais reacionárias da burguesia impuseram aos países participantes um conjunto de leis e regras que buscam garantir seus interesses económicos e políticos, às custas dos trabalhadores e dos povos europeus. Estruturou-se um conjunto de instituições regidas pelos interesses do grande capital, sob a óptica neoliberal, mesmo com este já moribundo, uma hierarquia draconiana entre as nações e um sistema esquizofrénico onde existe uma moeda única sem um Estado para respaldá-la, nem um emprestador de última instância; com um tecto de déficit público formal, irrealista, especialmente em função da crise e uma assimetria fiscal que torna a gestão macro-económica da política monetária uma lenda.
Apesar de ser parte do sistema imperialista mundial, a União Europeia possui um conjunto de singularidades que devem ser levadas em conta na análise desta crise. A primeira é a própria constituição do bloco económico, um processo que vem se consolidando há várias décadas e que criou certa identidade cultural entre os povos. A segunda é a criação de uma moeda única na zona do euro. Mesmo levando em conta a heterogeneidade das economias, o desenvolvimento desigual e as questões fiscais, o euro rapidamente se constituiu num importante instrumento de reserva dos bancos centrais, representando hoje 21% de todas as reservas em poder dos estados nacionais. Além disso, o próprio desenvolvimento desigual do capitalismo e os interesses dos diversos blocos das burguesias dos países centrais, criam necessariamente disputas entre as fracções do grande capital da União Europeia e as fracções dominantes do capital da economia líder e dos outros países imperialistas, o que se tem reflectido em decisões de política internacional e na própria gestão da crise europeia.
No entanto, o processo que atinge a Europa e que se expressa actualmente na crise das dívidas soberanas tem origem tanto nas contradições do capitalismo europeu e do seu modelo neoliberal atrelado à economia líder, quanto da opção dos seus governos em salvar os bancos com recursos públicos, cujo resultado levou ao acirramento da crise, com a ampliação extraordinária das dívidas soberanas.
Se observarmos a evolução das dívidas dos países europeus poderemos ver claramente o impacto fiscal das operações de salvamento dos bancos europeus:
A dívida total dos países da área do euro correspondia a 79,3% do PIB em 2008 e cresceu para 102,4% em 2011. Se observarmos isoladamente os diversos países da Europa, numa hierarquia inversa em função da crise veremos mais precisamente o impacto das operações de salvamento dos bancos. A dívida grega, que em 2008, era de 116,1% do PIB aumentou para 157,1% em Junho de 2011. A dívida portuguesa aumentou, no mesmo período, de 80,6% do PIB para 110,8%; a da Espanha de 47,4% para 74,8%; a da Itália, cresceu de de 115,2 para 129,0%; a da Irlanda de 49,6 para 120,4%; a da Inglaterra de 57% para 88,5%; a da França de 77,8 para 97,3%; e a da Alemanha de 69,3 para 87,3%.
[O Japão, o país membro da OCDE mais endividado, passou de uma dívida de 174,1 em 2008 para 212,7% em Junho de 2011. Em todos os países desta organização capitalista, o que se nota é um salto extraordinário no endividamento após a crise]
Apesar de a crise se expressar mais explicitamente na questão das dívidas soberanas, esta é uma crise do sistema como um todo. Sua expressão nas dívidas soberanas é apenas a face mais visível da crise sistémica global na Europa. Um dado importante a ser analisado é o fato de que as classes dominantes europeias, mesmo com a experiência da primeira onda da crise, continuam insistindo nos velhos métodos do passado como se essa crise não tivesse características inteiramente diferentes das crises anteriores. O mais grave desta cegueira política é o fato de que estão implementando um conjunto de medidas predatórias contra os trabalhadores que terão como consequência o aprofundamento da crise, que se espalhará para o conjunto das
economias capitalistas; a desagregação do sistema financeiro internacional tal como conhecemos hoje; a recessão prolongada, o aumento do desemprego e a crise social.
Vejamos mais detalhadamente os principais elementos dessa conjuntura explosiva. O ritual é mais ou menos o seguinte: parte expressiva dessa dívida foi incentivada pelos próprios bancos, no seu permanente desejo de lucro fácil e sem risco, uma vez que se imaginava que as dívidas dos Estados eram um porto seguro para as actividades bancárias. Com a crise de 2008, os Estados ampliaram de maneira extraordinária seu
endividamento para salvar o sistema bancário da falência. O sistema bancário ganhou sobrevida e impôs condições financeiras draconianas para os próprios países que lhes salvaram da bancarrota. Os Estados entraram em crise em função do aumento cada vez maior do serviço da dívida. Para garantir seus lucros, o sistema bancário vem pressionando as instituições e governos europeus para que imponham aos trabalhadores e ao povo em geral ajustes predatórios para que possam pagar a dívida.
Vale ressaltar que a troika (União Europeia, Banco Central Europeu e FMI) tem se comportado nesta crise como uma junta de representantes do grande capital. No entanto, as medidas tomadas até gora, tais como a criação do fundo de resgate, empréstimos bilionários ao sistema bancário, os torniquetes económicos impostos a países como a Grécia, Irlanda e Portugal, não foram suficientes para resolver a crise, pelo simples fato de que a crise sistémica que envolve o mundo capitalista não pode ser resolvida com medidas paliativas. Essas medidas apenas adiam o desfecho do processo. Se observarmos o tamanho das dívidas soberanas e os recursos que estão sendo organizados para resgatar as economias de um possível colapso, poderemos constatar que são absolutamente irrelevantes diante da dimensão do problema.
De fato, as dívidas soberanas dos países da zona do euro, conforme podemos observar na tabela, são inadministráveis, pois grande parte desses débitos ultrapassam 100% do PIB. Numa conjuntura de crescimento económico, as dívidas poderiam ir sendo roladas sem grandes problemas, desde que não ultrapassassem certos limites. No entanto numa conjuntura de crise, com recessão generalizada, desemprego, queda no consumo e na arrecadação tributária, a tendência é o aprofundamento da crise, fato que se concretizará à medida em que o primeiro País se declarar inadimplente, mesmo que este País não tenha grande expressão económica, tendo em vista a estreita relação entre o endividamento e os bancos da zona do euro. Os chamados mercados entrarão em pânico, contagiando todas as outras dívidas e se instalará o caos económico, um clima de salva-se quem puder, o que também atingirá em cheio a economia norte- americana.
Por falar na relação bancos europeus-dívidas soberanas , é necessário ressaltar que os bancos do velho continente estão profundamente envolvidos nesse processo e foram partícipes artífices do endividamento público. Em termos concretos, os bancos da Europa têm em carteira 3 trilhões de euros em títulos da dívida soberana, representando quase 8% de seus activos totais, o que por si só dá uma ideia da dimensão do problema. Se levarmos conta que a crise de 2008 levou à nacionalização de vários conglomerados financeiros europeus, imaginem o que poderá acontecer ao sistema bancário se ocorrer uma onde de calote soberano não apenas na Grécia, Portugal ou Irlanda, mas em países como Espanha ou Itália ou mesmo a França?
A cegueira do grande capital e seus representantes políticos diante da crise é tamanha que agora eles resolveram, num gesto desesperado, deixar de lado as aparência e intervir directamente nos países com crises mais explícitas e exercer diretamente o poder político nas instituições e governos da região. É o caso dos pró-consules da Goldman Sachs que assumiram o poder na Europa. Ferina ironia: os homens que fabricaram a crise estão agora comandando o poder económico e político na Europa. Sob a protecção da manipulação mediática, que os apresenta como um “governo técnico”, eles estão encarregados de implementar o trabalho sujo, que consiste em saquear as economias nacionais, privatizar o património público, aumentar os impostos, ampliar o desemprego, cortar os salários, as pensões, reduzir o padrão de vida dos povos para satisfazer o apetite voraz do capital financeiro.
Vejamos quem são esses personagens: Mário Draghi, antigo vice-presidente e membro do Comité de Administração da Goldman Sachs, que tinha como uma de suas funções vender swaps aos países europeus, agora é presidente do Banco Central Europeu (BCE); Mario Monti, ex-presidente da Comissão Trilateral, do grupo Bilderberg, também assessor internacional da Goldman, agora é o principal dirigente político da Itália; Lucas Papademos, ex-governador do Banco Central Grego, participou das operações de falsificação das contas do País a serviço da Goldman, agora é o líder político da Grécia; além de outros personagens influentes na Europa e que participam da rede da Goldman na região. Em relação a esses personagens, vale o que disse certa vez Alessio Rastani, ex-trader, numa entrevista à BBC que chocou os mais desavisados: “Os políticos não governam o mundo. A Goldman Sachs governa o mundo”.
Essa acção desesperada do grande capital na Europa pode ser o canto dos cisnes antes da tempestade, mas vale uma advertência: a acção ousada do capital representa um perigo para o padrão de vida não apenas dos trabalhadores e da população em geral, mas para a própria democracia, pois a burguesia, em sua busca desesperada para sair da crise não apenas vem colocando todo o custo da crise na conta dos trabalhadores, como também não hesitará em atropelar a democracia e criar um clima de terra arrasada, caos, instabilidade, para atingir seus objectivos, instalando governos de carácter fascista, como ocorreu na Alemanha e Itália na década de 30, com as consequências que todos conhecemos.

O alerta final deste autor deve ser levado muito a sério. O grande capital, a grande burguesia "globalizada", pelo seu criminoso cortejo de crimes todos os dias cometidos, já nos provou há muito que não hesita um segundo em mandar às urtigas a "sua" democracia burguesa, se o "sacrifício" dessa sua fachada democrática lhe for necessário para defender os seus interesses de classe. Entretanto, tal possibilidade neofascista não se combate e faz abortar com passividades e resignações, guiadas pelo oportunismo político; ao contrário, combate-se com a luta vigorosa dos povos contra esta "U"E e por novos poderes políticos nacionais anti-monopolistas, exercidos pelos trabalhadores e ao serviço dos trabalhadores e das restantes camadas sociais igualmente espoliadas pelos banqueiros e grandes grupos económicos que comandam os seus governos de serviço.
No confronto em curso, na renhida luta de classes em desenvolvimento, o tempo não é uma categoria abstracta. Quanto mais tarde, quanto mais adiado for esse renascer democrático e patriótico, maiores perigos para a liberdade e pior para os explorados e para os povos. A todos quantos trabalham e do trabalho dependem para sobreviver e a cada um - individual, directamente - devemos colocar a questão: estás descontente, ambicionas libertar-te da exploração e da humilhação presentes? Já não acreditas nem suportas estes "políticos" que te mentem descaradamente todos os dias, a toda a hora? Também não votaste "neles"? Então, diz-me: o que estás tu disposto a dar e a fazer pela transformação revolucionária desta situação pantanosa, perigosa e que nos conduz ao abismo, se nada fizermos para a estilhaçarmos? Da tua resposta, directa - pessoal e intransmissível - muito (tudo?) depende o nosso futuro colectivo, como classe e como povo. Não te atrases, não te distraias com pantominices, não acredites que tudo se resolverá a bem, não entregues a outros a defesa dos teus direitos e interesses de classe. Só com a tua força - com a nossa força organizada - os vergaremos e derrotaremos! O futuro, conquista-se - não se aceita passivamente.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Fala do Homem Nascido

Com licença! Com licença!
Venho da terra assombrada,
do ventre da minha mãe,
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.

Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo
não tenho tempo a perder.

Minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte,
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.
Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me molestem,
correntes que me detenham.

Quero eu e a Natureza,
que a Natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.
Com licença! Com licença!
Que a barca se faz ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.

Fala do Homem nascido - António Gedeão

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Um Internacionalismo Proletário para o século XXI (II)

 
Em luta contra o mesmo inimigo de classe - o grande capital e o imperialismo - o operariado europeu exige-nos uma activa e constante solidariedade entre todos os seus destacamentos nacionais, sem tibiezas, sem cálculos oportunistas sobre ilusórias "vantagens" que nos proporcionaria a atitude de afastamento, renegando a nossa comum condição de explorados, com o falso pretexto de não nos "isolarmos das amplas massas"...
É um erro típico das concepções reformistas, pensar que a vanguarda deve abjurar sobre os seus fundamentos de classe, esconder quem são os nossos irmãos de combate, pretextar as discordâncias de pormenor para tentar mascarar o afastamento quanto ao fundamental, argumentando oportunísticamente com a necessidade de, desse modo, nos mantermos ligados às restantes classes e camadas anti-monopolistas. A vida, a experiência própria e alheia mostram que não é assim, antes muito pelo contrário: quanto mais claras e sólidas são as nossas posições internacionalistas, maior é o estímulo que transmitimos ao nosso povo para que saia à luta pelos nossos mesmos e comuns objectivos populares e democráticos. Que solidez política, que confiança transmite aos aliados aquela vanguarda operária que escolhe trair as suas obrigações para com os seus próprios irmãos de classe?
Lutar em cada momento, em cada fase do combate, pelos objectivos comuns à classe operária e às classes suas aliadas, não significa ter de esconder os nossos objectivos finais, ocultar a nossa condição de marxistas-leninistas, esconder a nossa firme posição de solidariedade internacionalista com todos que connosco ombreiam na luta contra o capital, contra o imperialismo, diluir a afirmação das nossas fraternais relações de combate com todos quantos, como nós, lutam pela construção revolucionária da emancipação dos trabalhadores, pelo socialismo.
   

MINEIROS LUTAM E MARCHAM PARA  MADRID!

Depois de mais de um mês em greve e de cortes de estrada e duros confrontos com a polícia, mineiros de várias regiões de Espanha iniciaram, dia 22, uma marcha negra até Madrid, em defesa das minas e dos postos de trabalho.

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A «marcha negra» partiu simbolicamente da mina de Barredo, na localidade de Mieres, nas Astúrias, onde, em 1991, 36 sindicalistas se enclausuraram durante 11 dias, em protesto contra a reestruturação da empresa pública Hunosa.
Cerca de 80 trabalhadores, entre os quais estão quatro mulheres, meteram-se a caminho, determinados a vencer os cerca de 500 quilómetros que os separa da capital espanhola.
No mesmo dia, uma coluna de 35 mineiros partiu da Galiza para se juntar aos 45 camaradas de Leão. Na quarta jornada de marcha, as duas colunas juntaram-se no município de Robla (Leão), esperando alcançar Madrid no próximo dia 11 de Julho.
Esta é a terceira «marcha negra» contra o encerramento das minas de carvão. A primeira foi protagonizada por 500 mineiros da Minero Siderúrgica de Ponferrada (MSP) que, em 1992, deram o exemplo caminhando até Madrid.
No ano passado, confrontados com salários em atraso, duas centenas de mineiros leoneses decidiram reeditar a marcha histórica, percorrendo 110 quilómetros até à capital da província, para se integrarem nas manifestações de 29 de Setembro, dia de greve geral no país.
A grande instabilidade há muito sentida no sector agravou-se dramaticamente com o anúncio do corte de 63 por cento dos apoios estatais à extracção de carvão. A concretizar-se, esta medida ditará a sentença de morte da maioria das minas, arruinando comunidades inteiras que dependem desta actividade.
Entretanto, sete trabalhadores continuam barricados nas minas de Santa Cruz del Sil, nas Astúrias, num protesto que dura há 36 dias. Entre eles está Victor Manuel Almeida, a quem chamam «El Português», por ser filho de portugueses que emigraram de Chaves. Outros portugueses emigrantes se têm destacado nesta luta desesperada pela sobrevivência (Lusa, 22.06).
 
Uma luta justa
Solidarizando-se com a luta dos mineiros, a direcção da Federação das Indústrias Metalúrgicas (Fiequimetal), enviou uma mensagem às Comisiones Obreras, saudando «fraternal e calorosamente a luta determinada que têm vindo a desenvolver pela manutenção da laboração das vossas minas». «A vossa determinação constitui um exemplo para todo o sector mineiro. Pelo direito ao trabalho! Pelos recursos minerais ao serviço dos povos e das suas regiões!».
Também o Movimento Democrática das Mulheres (MDM) expressou a sua solidariedade com a «marcha negra», manifestando o seu «total apoio às trabalhadoras mineiras e companheiras dos mineiros que incansavelmente se mantêm organizadas e unidas, contribuindo para um verdadeiro reforço deste protesto, reivindicando o direito ao trabalho e a dignidade para as suas famílias.»

("Avante!", 28/6/2012)


quarta-feira, 27 de junho de 2012

Congresso Marx em Maio – Perspectivas para o século XXI - Intervenções (II)

Desta importante comunicação de António Avelãs Nunes, não obstante a informação que contém e o seu carácter pedagógico, transcrevem-se apenas alguns dos seus pontos, dado que a sua extensão torna impraticável a publicação integral neste espaço. Como todas as selecções, esta também corre o inevitável risco de errar, subalternizando pontos que igualmente mereceriam destaque, mas paciência. Aí ficam estes, na convicção que se adequam bem aos propósitos deste blog que, desde o seu lançamento, das ciências económicas sempre privilegiou - e sempre privilegiará - o seu principal ramo: a Economia Política.


CRÓNICA DE UMA CRISE ANUNCIADA

1. –Toda a construção liberal assenta na ideia de que o melhor dos mundos se atinge, graças à mão invisível inventada por Adam Smith, deixando funcionar o mercado para que a taxa de lucro possa crescer, e, com ela, o investimento, o crescimento económico e o bem-estar para todos.
Este otimismo dos clássicos ingleses acerca das possibilidades de crescimento sem limites e da melhoria generalizada das condições de vida vinha reforçado pela confiança na Lei de Say, segundo a qual não são possíveis crises de sobreprodução generalizadas, e pela convicção de que, em virtude de leis naturais, os salários nunca poderiam, duradouramente, ultrapassar o valor correspondente ao mínimo de subsistência.
Este o enquadramento que justificava o paraíso liberal (o mesmo dos neoliberais dos nossos dias).
A verdade, porém, é que Maltuhs e depois Marx, cada um à sua maneira, vieram mostrar o que a vida confirmaria: as crises cíclicas de sobreprodução são inerentes ao capitalismo. Perante a evidência da Grande Depressão, o próprio Keynes reconheceu que, nas sociedades capitalistas, as situações de pleno emprego são raras e efémeras. A crise que agora abala o mundo é, pois, mais uma crise do capitalismo, uma “crise estrutural do capitalismo”.

2. –Os factos dão razão ao velho Keynes, que, há mais de 50 anos, advertia para os perigos de paralisação da atividade produtiva em consequência do aumento da importância dos mercados financeiros e da finança especulativa.
Talvez por isso a ideologia dominante se tenha apressado a decretar a “morte de Keynes”, ‘sacrificado’ no altar dos deuses do neoliberalismo. Desmantelada a regulamentação da atividade bancária e financeira, o capital financeiro ficou inteiramente livre para estabelecer o seu império, com a cumplicidade ativa de uma regulação amiga do mercado.
A ação do capital financeiro especulador acabou por anular as políticas nacionais de regulação das taxas de câmbio, uma vez que as autoridades competentes de muitos países ficaram sem meios para se defender eficazmente da ação dos especuladores. Basta recordar que o montante das reservas detidas pelos bancos centrais de todo o mundo (principal meio de defesa das moedas nacionais) é sensivelmente igual ao montante das transações diárias no mercado cambial (em grande parte puramente especulativas).
Por outro lado, o poder político do capital financeiro desmantelou todas as estruturas e mecanismos de regulação e de controlo da atividade financeira, que vinham dos tempos do combate à grande depressão dos anos 1930, a primeira grande crise do capitalismo marcada pelo predomínio do capital financeiro e pela especulação financeira.

2.1. - A aceleração do processo de 'inovação' financeira traduziu-se, nomeadamente, no desenvolvimento dos mercados de produtos financeiros derivados. Chamam-lhe produtos para criar a ilusão de que resultam de uma qualquer ‘indústria’ (também se fala da indústria bancária…) ou de outra atividade produtiva, mas essa é, a todas as luzes, uma designação falsa, enganadora e não inocente.
Criados como instrumentos de gestão dos riscos inerentes à instabilidade das taxas de juro e das taxas de câmbio, estes ‘produtos’ transformaram-se de imediato em instrumentos destinados apenas a alimentar as ‘apostas’ na bolsa (o grande casino do capital financeiro), dada a pequena percentagem do capital investido em relação aos ganhos possíveis, e revelaram-se um novo e poderoso fator de instabilidade dos mercados financeiros.
Trata-se de produtos virtuais, cujo valor global se calcula em cerca de mil biliões de dólares (o equivalente a vinte anos da produção mundial!), mal conhecidos, que não têm qualquer relação com a economia real e com as atividades produtivas (criadoras de riqueza). É capital puramente fictício, cujo valor é fixado em função dos ganhos que os ‘apostadores’ prevêem que podem obter, chamando a si uma parte significativa da riqueza criada pela economia real. Estes ‘produtos’, cada vez mais sofisticados, servem apenas para ganhar dinheiro com a especulação, atraindo bancos, seguradoras, sociedades gestoras de fundos de investimento e de fundos de pensões.
O recurso abusivo à sua emissão e comercialização conduziu rapidamente à manipulação e à instabilidade dos ‘mercados financeiros’, porque os contornos e os riscos que esses ‘produtos’ incorporam nem sempre são facilmente identificáveis, mesmo pelos habituais frequentadores deste ‘casino’ (como os bancos), que compram muitas vezes ‘produtos financeiros’ tão esotéricos que não sabem exatamente o que estão a comprar.
Na última década do século XX, o volume das transações sobre os mais perigosos destes ‘produtos’, os chamados over-the-counter derivative markets, aumentou de 24,6 mil milhões de dólares em 1992 para 94,6 mil milhões de dólares em 1999 (um aumento de quase 285%!). O Relatório Podimata (aprovado pelo Parlamento Europeu em fevereiro/2011) salienta que, em termos globais, o volume das transações financeiras, muitas delas implicando a exposição em elevado grau de capitais alheios nos ‘jogos de casino’, aumentou sempre ao longo da década que terminou em 2007, em especial devido ao incremento das transações sobre produtos derivados, tendo atingido neste ano um valor igual a 73,5 vezes o PIB nominal mundial.

2.2. - Os especialistas avisaram que este fenómeno (completamente alheio às necessidades da economia real), para além de expor as instituições financeiras aos riscos máximos inerentes à natureza volátil destes ‘produtos’, tornava muito mais difíceis o controlo pelas autoridades de supervisão e a auditoria das contas daquelas instituições. Os seus defensores, porém, não se cansavam de proclamar as ‘virtudes globais’ de tais produtos: “Formas inteiramente novas de instrumentos financeiros tiveram de ser inventadas ou desenvolvidas – derivativos de crédito, títulos lastreados em ativos, futuros de petróleo e congéneres, que criam condições para o funcionamento muito mais eficiente do sistema de comércio mundial”. É este o ponto de vista de Alan Greenspan.
Para além dos riscos inerentes à proliferação dos 'produtos derivados', a liberalização dos movimentos de capitais, ao serviço do objetivo de criar um mercado único do capital à escala mundial, arrastou consigo um conjunto de alterações que vieram potenciar fortemente a ameaça de risco sistémico.
Com efeito, a internacionalização dos mercados de valores mobiliários veio colocar em rede mercados muito diferentes, cada um com as suas regras de funcionamento e os seus riscos específicos, abrindo caminho à propagação contagiosa dos fatores de risco.
Por outro lado, a ausência de controlo dos mercados financeiros e dos movimentos de capitais pelos estados nacionais provocou uma onda sem precedentes de concentrações, de fusões e de aquisições de empresas financeiras, com a redução acentuada do número de bancos (que controlam companhias de seguros e, direta ou indiretamente, outras instituições financeiras, nomeadamente sociedades gestoras de fundos de investimento e de fundos de pensões), a concentração nos maiores deles da parte de leão dos depósitos bancários e a preponderância dos grandes bancos nas operações de fusão e aquisição de empresas do setor financeiro.
Um estudo recente de três investigadores do Instituto Federal Suíço de Tecnologia dá-nos conta do grau de concentração do poder económico-financeiro ao nível dos centros de decisão a nível mundial. Partindo da definição de empresas transnacionais adotada pela OCDE, os autores selecionaram 43.060 empresas de entre as registadas no banco de dados Orbis 2007.
Neste conjunto de empresas, detetaram mais de 600 mil participações diretas e mais de um milhão de participações indiretas no capital de outras empresas. De entre elas, apuraram um núcleo constituído pelas 1318 mais poderosas empresas transnacionais, que representam diretamente 20% do rendimento global.
Uma análise mais fina permitiu-lhes concluir que cada uma destas empresas tem, em média, participações no capital de 20 outras grandes empresas, o que permite a este grupo de 1318 empresas transnacionais deter ou controlar, em conjunto, cerca de 60% da economia mundial.
Dentro deste grupo, o estudo identificou um núcleo mais restrito de 147 entidades (3/4 das quais são instituições financeiras: bancos, seguradoras, fundos de investimento, fundos de pensões) que dominam grande parte das restantes: menos de 1% das entidades estudadas controlam 40% de toda a rede. Acresce que estas 147 entidades nucleares estão ligadas entre si por uma densa teia de participações cruzadas, o que faz delas o verdadeiro ‘governo’ do mundo capitalista. Ficamos a saber o que são “os mercados” e compreendemos que estes “mercados” não sejam compatíveis com a democracia. (...) Em pouco tempo a crise instalou-se no mercado interbancário, o mercado em que os bancos emprestam dinheiro uns aos outros, em regra a prazos muito curtos. Perante a realidade, os bancos deixaram de confiar uns nos outros (porque conheciam bem o lixo que todos tinham acumulado) e deixaram de conceder crédito uns aos outros, o que provocou a diminuição da liquidez, a escassez do crédito e o aumento das taxas de juro.
Num artigo publicado em L’Express em finais de 2011, até o insuspeito Jacques Attali vem reconhecer que “esta crise foi consequência do enfraquecimento da parte dos salários no valor acrescentado”. Mas a importância do “enfraquecimento da parte dos salários no valor acrescentado” como elemento potenciador de crises de sobreprodução é de há muito conhecida. Marx esclareceu esta questão. E Keynes, à sua maneira, deixou claro que as enormes desigualdades de rendimento não favoreciam o crescimento económico, antes provocariam a insuficiência da procura efetiva, que ele considerava a causa das crises cíclicas próprias do capitalismo.


(...) 7. – Parece até que, desta vez, tudo foi planeado para que a crise acontecesse.
Num artigo publicado em L’Express em finais de 2011, até o insuspeito Jacques Attali vem reconhecer que "esta crise foi consequência do enfraquecimento da parte dos salários no valor acrescentado".30 Mas a importância do "enfraquecimento da parte dos salários no valor acrescentado" como elemento potenciador de crises de sobreprodução é de há muito conhecida. Marx esclareceu esta questão. E Keynes, à sua maneira, deixou claro que as enormes desigualdades de rendimento não favoreciam o crescimento económico, antes provocariam a insuficiência da procura efetiva, que ele considerava a causa das crises cíclicas próprias do capitalismo.
E, no entanto, a tentativa de travar a tendência para a baixa da taxa de lucro (que a crise de 1973-1975 evidenciara) conduziu, nas últimas décadas, à adoção de políticas sistemáticas de diminuição da parte dos salários no rendimento global e do poder de compra dos salários, apesar de se saber que estas políticas potenciam a ocorrência de crises.

7.1. – O pensamento liberal sempre assumiu que a baixa dos salários reais é o elemento indispensável para tornar atrativa a contratação de trabalhadores desempregados e assim inverter o ciclo, abrindo o caminho para que, com base no funcionamento do mercado livre, se atinjam situações de reequilíbrio com pleno emprego em todos os mercados e em todos os setores da economia.
Hayek enfatiza este ponto: "o problema do desemprego é um problema de salários". Isto é: a diminuição dos salários reais e salários reais baixos são a condição indispensável e decisiva para se prevenirem e se ultrapassarem as crises, que poderiam ser evitadas se se deixassem funcionar livremente os mercados, nomeadamente o
mercado de trabalho, liberto das ‘imperfeições’ que o descaraterizam (contratação coletiva, salário mínimo garantido, proteção legal contra os despedimentos sem justa causa, subsídio de desemprego, etc.).
Compreende-se, por isso, que, ao longo das últimas quatro décadas de império neoliberal, os interesses e os atores que estão por detrás da financeirização tenham pressionado (e continuem a pressionar) os governos a adotar as políticas de arrocho salarial (diminuição dos salários reais e diminuição da parte da riqueza criada que cabe aos trabalhadores), bem como as políticas que dão primazia ao combate à inflação (para não ficarem em risco as cotações dos valores mobiliários) e que desvalorizam a promoção do crescimento e do emprego.
Num contexto de acentuado desenvolvimento científico e tecnológico (rapidamente incorporado na atividade produtiva) e consequente aumento da produtividade, tratava-se de fazer reverter os ganhos da produtividade em benefício do capital, impedindo os trabalhadores de beneficiar condignamente da riqueza que criam.

7.2. - Em termos globais, a produtividade aumentou, à escala mundial, nos últimos dez anos, cerca de 30%, enquanto o aumento dos salários não foi além de 18%.
A ‘globalização’ aumentou enormemente o número de trabalhadores disponíveis à escala mundial, tendo o exército de reserva de mão-de-obra aumentado também, no quadro europeu, na sequência da implosão da URSS, do desaparecimento da comunidade socialista europeia e da integração de vários dos países da Europa central e de leste na própria União Europeia.
Os especialistas põem em relevo o facto de que "os trabalhadores de todos os países, independentemente do seu grau de desenvolvimento industrial e do sistema social, estão doravante em concorrência entre si, em todos os domínios da economia, com um leque salarial entre um e 50 ou mais". O aumento da concorrência entre os trabalhadores neste novo mercado mundial do trabalho já foi considerado "a principal consequência social da mundialização". Ele é, sem dúvida, um elemento novo na caraterização do capitalismo global, que não existia em 1916, quando Lenine publicou o estudo clássico sobre O Imperialismo, e que precisa de ser analisado à luz da revolução científica e tecnológica do último quarto de século.

Nestas condições particularmente favoráveis ao capital, o referido objetivo foi plenamente conseguido. O aumento da parte do capital na partilha do valor criado pelo trabalho produtivo atingiu mesmo proporções escandalosas. A distorção, em favor do capital, da chamada distribuição funcional do rendimento tem-se traduzido no agravamento da exploração e no empobrecimento relativo (e mesmo absoluto) da grande massa dos trabalhadores, tanto nos chamados ‘países ricos’ como nos ditos ‘países pobres’.Um estudo do FMI, publicado em 2007, mostra que a parte do rendimento do trabalho no rendimento nacional baixou, de forma sistemática, entre 1980 e 2005, no conjunto dos países mais desenvolvidos. No Relatório sobre o Trabalho no Mundo/2008, a OIT sublinha que "em 51 dos 73 países para os quais existem dados disponíveis, a parte dos salários no rendimento nacional tem diminuído ao longo dos últimos vinte anos", especificando que "o declínio mais forte da parte dos salários no PIB teve lugar na América Latina e nas Caraíbas (-13 pontos percentuais), seguindo-se a Ásia e o Pacífico (-10 pontos percentuais) e as economias desenvolvidas (- 9 pontos percentuais)".
Um documento de trabalho apresentado na reunião de julho de 2010 do Banco de Pagamentos Internacionais faz uma longa análise crítica deste mesmo fenómeno: "A parte dos lucros é hoje invulgarmente elevada, e a parte dos salários invulgarmente baixa. De facto, a dimensão desta evolução e o leque dos países a que diz respeito não têm precedentes nos últimos 45 anos".
Para o conjunto da UE, a Comissão Europeia regista uma diminuição da parte dos salários de 8,6% entre 1983 e 2006 (9,3% na França). E, para o conjunto dos países do G7, o FMI aponta, para o mesmo período, uma diminuição de 5,8%.
Os dados oficiais mostram que, na UE/15, a parte dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional passou de 65% em 1980 para 49,4% em 2005 e 48,9% em 2008. Tomando a UE/25, essa percentagem passou de 50,2% em 2002 para 48,5% em 2008, sabendo-se que, em vários países da UE, entre os quais Portugal, esta percentagem é ainda mais baixa.
Em finais de 2007, alguém tão insuspeito como Alan Greenspan reconhecia que "a parte dos salários no rendimento nacional nos EUA e em outros países desenvolvidos atingiu um nível excepcionalmente baixo segundo os padrões históricos, ao invés da produtividade, que vem crescendo sem cessar." E não escondeu a sua preocupação, invocando que "esta desproporção entre fracos níveis salariais e lucros historicamente muito elevados faz temer um aumento da animosidade contra o capitalismo e o mercado, tanto nos EUA como em outras zonas do mundo".
É capaz de ter razão. Mas é curioso que Greenspan não tenha sequer aludido ao risco de uma crise grave do capitalismo, como consequência do fenómeno que regista. Talvez porque ele é um fiel da Lei de Say e acredita que as crises de sobreprodução não são possíveis nas sociedades capitalistas… 

 (...) O Presidente do Banco Mundial (Robert Zoellick) escrevia, em outubro/2010: "Pela primeira vez na história, mais de mil milhões de pessoas deitam-se todas as noites com a barriga vazia".
Num Relatório da OCDE de finais de 2011 (6 de dezembro) põe-se em relevo o facto de as desigualdades sociais terem aumentado ininterruptamente ao longo dos últimos trinta anos, tendo atingido níveis de rotura: "o contrato social está a desfazer-se em muitos países", recordou o Secretário-Geral daquela Organização, durante a sessão de apresentação do relatório, em Paris.
Segundo dados do FMI (outono/2010), as políticas neoliberais destruíram, em 2009, à escala mundial, 30 milhões de postos de trabalho, dando uma boa contribuição para engrossar o número dos desempregados, que rondará, segundo a OIT (Tendências Mundiais do Emprego - 2011) os 205 milhões em todo o mundo, sendo que 1530 milhões dos que têm trabalho desenvolvem a sua atividade em condições de precariedade. Considerando pobres aqueles que auferem rendimento inferior a 60% do salário médio do país onde vivem, 80 milhões de cidadãos da rica UE vivem abaixo do limiar da pobreza (incluindo 19 milhões de crianças), e cerca de 17% dos europeus não têm recursos suficientes para satisfazer as suas necessidades básicas (dados da Comissão Europeia referentes a 2010). E o Grupo de Reflexão constituído no âmbito do Conselho Europeu e presidido por Felipe González concluiu que, "pela primeira vez na história recente da Europa, existe um temor generalizado de que as crianças de hoje terão uma situação menos confortável do que a geração dos seus pais".
(...) 9. –O recurso às políticas orientadas para provocar a baixa dos salários reais tem sido o principal expediente utilizado para tentar contrariar a tendência estrutural no sentido da baixa da taxa de lucro. Mas a verdade é que o salário pago aos trabalhadores não é apenas um elemento dos custos de produção. É também o rendimento que alimenta o poder de compra da grande maioria da população que há-de comprar as mercadorias que foram produzidas com o único objetivo de serem vendidas no mercado e que têm de ser vendidas para que os empresários capitalistas possam recuperar o capital adiantado e apoderar-se da mais-valia (em linguagem marxista).
Por isso, a diminuição do poder de compra dos trabalhadores não pode ser inteiramente compensada pelo aumento do consumo de luxo e de superluxo dos ricos. Esse aumento – que se tem, aliás, registado, de forma explosiva, ‘queimando’ para investimentos produtivos e investimentos sociais uma parte significativa da riqueza criada – não basta (como já Henry Ford e Keynes tinham percebido) para assegurar uma procura agregada que acompanhe o aumento da capacidade de produção. A sociedade de produção em massa exige um consumo de massa.
Pode aumentar a pressão consumista, usando e abusando dos instrumentos ao serviço da sociedade de consumo. Mas isso também não basta: a tentativa de compensar a redução do poder de compra dos salários através do estímulo ao consumo financiado pelo crédito (credit-financed-consumption) não chega para anular os efeitos daquela redução, e provoca a baixa generalizada e acentuada da taxa de poupança das famílias (e dos estados) e o sobreendividamento de muitas delas, que acabam por não poder pagar os encargos assumidos.
A crise económica e social aberta na sequência da crise financeira e da crise fiscal dela resultante veio confirmar o que já se sabia: ao reduzir os salários, o capital aumenta a sua taxa de mais-valia. Mas, ao fazê-lo, reduz o poder de compra dos trabalhadores, que constituem a grande massa dos consumidores, colocando em risco a realização da mais-valia, abrindo, deste modo, uma crise de sobreprodução. Porque as crises cíclicas inerentes ao capitalismo são, precisamente, crises de realização da mais-valia.
O predomínio do capital financeiro sobre o capital produtivo tem acentuado os riscos de crise nos setores das atividades produtivas (nomeadamente nos setores industriais), aumentado as dificuldades do capital produtivo em recuperar o capital adiantado e agravando a tendência para a baixa da taxa de lucro, uma vez que as rendas do capital financeiro (com realce para o capital especulativo) vêm absorvendo uma parte crescente da mais-valia global.
 
(...) 12. – Como é sabido, no rescaldo da primeira grande crise do capitalismo ocorrida após um período de euforia especulativa, Keynes (1936) veio defender junto dos que, como ele, queriam salvar o capitalismo, a ideia de que a socialização do investimento tornaria o capital abundante e baixaria as taxas de juro para valores próximos de zero dentro de um prazo de 25 anos, provocando deste modo, gradualmente, sem necessidade de qualquer revolução, o que ele chamou a eutanásia do rendista, a morte do capitalista sem profissão (“functionless investor” – cap. XXIV da General Theory).
Mas a contra-revolução monetarista veio matar Keynes, enterrado a preceito, para que não ressuscitasse. E a cartilha neoliberal impôs, ao longo das últimas décadas, políticas deliberadamente empenhadas em criar as condições favoráveis à especulação e em proteger os que vivem das ‘rendas’ da especulação bolsista, das ‘rendas’ da especulação imobiliária e de todas as ‘rendas’ de tipo feudal garantidas pelo estado capitalista, agora na veste de estado garantidor.
Neste ambiente, a crise chegou, esperada e talvez programada. Trata-se de uma crise do neoliberalismo, diagnosticaram alguns, com o objetivo de fazer passar a mensagem de que o capitalismo não tem que ver com as crises, que o capitalismo – com a sua famosa economia de mercado – é intocável e é eterno, como eternas e universais são as leis que o governam.
A verdade, porém, é que o neoliberalismo não existe fora do capitalismo, não é um fruto exótico que nasceu nos terrenos do capitalismo, nem é o produto inventado por uns quantos ‘filósofos’ que não têm mais nada em que pensar.
O neoliberalismo corresponde a “uma nova fase na evolução do capitalismo”.  O neoliberalismo é o reencontro do capitalismo consigo mesmo, depois de limpar os cremes das máscaras que foi construindo para se disfarçar. O neoliberalismo é o capitalismo na sua essência de sistema assente na exploração do trabalho assalariado, na maximização do lucro, no agravamento das desigualdades.
O neoliberalismo é o capitalismo puro e duro do século XVIII, mais uma vez convencido da sua eternidade, e convencido de que pode permitir ao capital todas as liberdades, incluindo as que matam as liberdades dos que vivem do rendimento do seu trabalho.
O neoliberalismo é a expressão ideológica da hegemonia do capital financeiro sobre o capital produtivo, hegemonia construída e consolidada com base na ação do estado capitalista, porque, ao contrário de uma certa leitura que dele se faz, o neoliberalismo exige um forte estado de classe ao serviço dos objetivos do setor dominante das classes dominantes, o capital financeiro.
O neoliberalismo é a ditadura da burguesia, sem concessões. Mais especificamente: a ditadura do grande capital financeiro.

(...) 13. – As ideias que acabámos de enunciar não são ideias novas. O facto de elas terem sido deliberadamente ‘esquecidas’ pode resultar da atitude obscurantista dos fanáticos do deus-mercado, mas pode resultar também da vontade destes mesmos e de todos os setores do capital de, num quadro que consideravam favorável, desencadear uma crise, para, a coberto dela e sob o pretexto de a combater, acentuarem as políticas tendentes a aniquilar de uma vez por todas os direitos sociais dos trabalhadores (e, portanto, também os seus direitos civis e políticos), com o objetivo de fazer regressar o mundo aos tempos do capitalismo selvagem (que é, afinal, o capitalismo na sua essência).
A presente crise, fruto das desigualdades, vem agravando as desigualdades e vem alargando a pobreza (com um número cada vez maior de pobres que trabalham), confirmando o capitalismo a sua caraterística genética de “civilização das desigualdades”.
Razões não faltam, como se vê, para deitar fora os catecismos neoliberais: no plano teórico, o neoliberalismo está completamente desacreditado, e os resultados das políticas neoliberais são consabidamente desastrosos. A verdade, porém, é que o neoliberalismo não saiu de cena: os pontos deste ‘teatro do mundo’ continuam a soprar aos atores em palco os mesmos textos… E os governantes de turno não conhecem outra cartilha. Infelizmente, até hoje a realidade confirma este diagnóstico.
Esta não será a última crise do capitalismo, mas ela ajudará a enfraquecer ainda mais este corpo condenado a morrer (como tudo o que é histórico) e a dar lugar a um mundo diferente, apesar de todos os meios – e são muitos – que podem ainda prolongar-lhe a vida.
O feudalismo deu o lugar ao capitalismo quando, após um longo período de desagregação, aquele modo de organização económico-social assente na servidão pessoal se revelou incapaz de continuar a garantir as rendas que sustentavam o estatuto privilegiado das classes dominantes, que já não tinham mais margem para aumentar a exploração dos trabalhadores servos. Talvez se aproxime o tempo em que as contradições do capitalismo comecem a revelar a sua incapacidade para manter as rendas do capital financeiro (verdadeiras rendas feudais). A menos que, esgotada a possibilidade de novas exigências aos trabalhadores assalariados, se recorra, uma vez mais, à barbárie extrema.

Há mais de cinquenta anos, o argentino Raúl Prebisch (o primeiro Presidente da agência da ONU Comissão Económica para a América Latina) avisou que as soluções liberais só podem concretizar-se manu militari. No início dos anos 1980, Paul Samuelson chamava a atenção para os perigos do “fascismo de mercado”. Mais recentemente, foi Paul Krugman quem recordou: “Somos uma sociedade em que a concentração do rendimento e da riqueza nas mãos de poucas pessoas ameaça fazer com que sejamos uma democracia somente de nome (…), uma vez que a concentração extrema do rendimento é incompatível com a democracia real”.
Se tivermos presente esta lição, compreendemos que a luta contra o neoliberalismo e contra as políticas nele inspiradas é uma luta pela democracia. E esta luta trava-se hoje também no terreno do trabalho teórico (que nos ajuda a compreender a realidade para melhor intervir sobre ela) e no terreno da luta ideológica, porque o peso dos aparelhos ideológicos ao serviço da ideologia dominante é hoje talvez o fator mais importante na determinação da correlação de forças que decide as lutas sociais e porque a luta ideológica é, hoje mais do que nunca, um fator essencial da luta política e da luta social (da luta de classes).

Parafraseando um poeta brasileiro (Álvaro Moreyra), uma coisa parece hoje incontestável: este mundo está todo errado. É preciso passá-lo a limpo. Aos universitários e aos intelectuais em geral cabe, como cidadãos, como universitários e como intelectuais, uma responsabilidade enorme nas lutas a travar nestes domínios, para que um dia, como nos diz a canção de Xico Buarque, possa nascer uma flor no “impossível chão”.

(António José Avelãs Nunes, Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Em Abril de 1988 foi aprovado por unanimidade no concurso para uma vaga de Professor Associado do 2º Grupo (Ciências Económicas) do quadro da FDUC. É Professor Catedrático de nomeação definitiva do quadro da FDUC desde Julho de 1995, após concurso público em que foi aprovado por unanimidade.)