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sábado, 10 de novembro de 2012

"Valores de Abril no Futuro de Portugal"

 




Assinalando nesta data o aniversário do nascimento do camarada Álvaro Cunhal, transcreve-se abaixo um capítulo da sua obra "A Revolução de Abril 20 Anos Depois", cujo título dá o nome a este post.


Valores de Abril no futuro de Portugal

Após quase meio século de tirania, opressão, exploração, atraso, submissão nacional, a revolução de Abril representou uma transformação profunda e um progresso notável da sociedade portuguesa. Ao contrário do que a ideologia e a propaganda das forças do capital actualmente procuram gravar na memória e na consciência dos Portugueses, as grandes conquistas democráticas da revolução de Abril (regime democrático com órgãos de soberania interdependentes, um poder local fortemente descentralizado, múltiplas formas de democracia participativa, exercício sem discriminações de liberdades e direitos, direitos dos trabalhadores, liquidação do capitalismo monopolista com as nacionalizações, reforma agrária na grande região do latifúndio) correspondiam a exigências de natureza objectiva para o desenvolvimento do país e às necessidades e aspirações profundas do povo português. Dois factos o evidenciam.
O primeiro é que tão profundas e radicais transformações tiveram lugar, pela impetuosa e irresistível acção das massas populares, num espaço de tempo extraordinariamente curto, vencendo sem uso da violência todas as violentas resistências contra-revolucionárias.
O segundo é que a liquidação dessas conquistas democráticas, apesar de constituir a partir de 1976 o objectivo estratégico, se bem que não declarado durante vários anos, de sucessivos governos (do PS, do PS/CDS, de «iniciativa presidencial», do PSD/CDS, do PS/PSD, e finalmente do PSD) e das novas hierarquias militares que se sucederam à liquidação do MFA, tem levado até hoje cerca de 17 anos de contínuas ofensivas conduzidas pelos órgãos do poder e ainda não está completada ao perfazerem-se 20 anos do 25 de Abril.
A situação para a qual a política de direita está arrastando Portugal, é contrária a interesses vitais do povo e do país. O sistema socioeconómico (capitalismo monopolista de Estado), o regime político (formalmente democrático mas de cariz autoritário e ditatorial), direitos nacionais (independência e soberania submetidos a decisões supra nacionais), a concretizarem-se completamente os objectivos estratégicos das forças de direita no poder, significaria um verdadeiro desastre para o povo português e para Portugal, com duradouras e trágicas consequências. Não se trata de uma visão «catastrofista» da realidade como dizem alguns. A realidade da política contra-revolucionária de direita é que encerra elementos de catástrofe.
Só a cobardia oportunista pode justificar, da parte de forças que insistem em afirmar-se de esquerda, que se considere inevitável e irremediável tal evolução dos acontecimentos e, em consequência, se aceite a renúncia à luta por soluções democráticas e se opte pela acomodação, adaptação e integração no novo regime e no novo sistema.
Há que ter em conta com toda a objectividade a situação actual, tanto nacional como internacional. Há que definir objectivos, soluções e caminhos que permitam travar e impedir a total concretização do processo contra-revolucionário conduzido pelo governo de direita. Há que considerar que Portugal é hoje membro de uma Comunidade Europeia que com decisões supra nacionais afecta gravemente o nosso desenvolvimento e põe graves limitações à nossa independência nacional, pelo que exige um governo português que não capitule perante interesses estrangeiros e determinado a defender com firmeza os interesses nacionais. Há que avaliar e saber movimentar e fazer convergir as forças sociais e políticas cuja luta é indispensável para alcançar tal resultado. São necessários entendimentos e plataformas. Esses objectivos não podem porém significar que se deixem de definir objectivos a curto, a médio e a longo prazo e que se deixe de definir, apresentar e propôr a política que se considera necessária ao povo português e a Portugal.
Neste sentido a análise da evolução da sociedade portuguesa ao longo do século, do que foi o fascismo, do que foi a revolução democrática, do que tem sido e é a contra-revolução, conduz à conclusão de que, como noutro local se afirmou, «os grandes valores da revolução de Abril criaram profundas raízes na sociedade portuguesa e projectam-se como realidades, necessidades objectivas, experiências e aspirações no futuro democrático de Portugal».
Isto não significa que se aponte para o futuro democrático de Portugal como uma repetição da revolução inacabada. Nem que se repitam literalmente as soluções. Experiência significa aprendizagem e aprendizagem significa enriquecimento democrático do projecto e do programa.
Falando do passado e do futuro, cabe ainda dizer que um dos maiores logros da propaganda antidemocrática é a afirmação de que a política que o PCP propõe é o «regresso ao passado» e a política do PSD é uma política voltada para o futuro. A ideia verdadeira é precisamente a inversa.
O regresso ao passado (em muitos aspectos ao passado anterior ao 25 de Abril) está na reestruturação e restauração dos grupos monopolistas alguns deles do tempo do fascismo, na liquidação dos direitos dos trabalhadores, na .perversão da democracia política, na degradação cultural, na capitulação perante o estrangeiro e nas alianças internacionais com as forças mais retrógradas do mundo actual.
Uma política voltada para o futuro é aquela que propõe o PCP: estruturas socioeconómicas para promoverem o desenvolvimento económico nacional, o melhoramento das condições de trabalho e de vida do povo, a solução dos grandes problemas sociais como a saúde, a habitação e o ensino, uma democracia política com forte componente participativa, a generalização da criação e da fruição culturais, o aprofundamento da democracia no quadro da independência e soberania nacionais. Ou seja: o projecto e programa de uma democracia que, respondendo às mudanças no mundo e no país, tendo em conta as experiências positivas e negativas, dando respostas novas e criativas às novas situações, aos novos fenómenos e às novas realidades, se afirma na coerente continuidade histórica dos ideais, conquistas, realizações e valores da revolução de Abril.

(Cunhal, Álvaro (1994), "A Revolução de Abril 20 Anos Depois". Lisboa, Edições "Avante!", 2ª.ed.: 42-45)
(Os sublinhados são os do original)


Decorridos desde então mais tempo que os dezassete anos "de contínuas ofensivas conduzidas pelos órgãos do poder" de que falava o autor (passaram mais dezoito!) estávamos naquela época ainda a meio do caminho da grave evolução da situação política do país até aos dias de hoje.
Vale a pena reflectirmos naquilo que Álvaro Cunhal avaliava e na marcha posterior que o processo contra-revolucionário de destruição do património de Abril entretanto revelou. Confirmando, aliás, todas as suas ideias, seja quanto ao papel revolucionário originário desempenhado "pela impetuosa e irresistível acção das massas populares", seja quanto ao rumo negativo posterior e suas consequências - pela mão dos sucessivos governos do capital - que já se divisavam nítidas nesse ano distante de 1994.

Particular significado terá, até pela identificação óbvia do título do capítulo, pensarmos atentamente na contradição que se revela na comparação entre os valores de Abril e as realidades actuais que tão profunda e criminosamente os renegam, tanto quanto ao sistema sócio-económico, como quanto ao regime político. Estamos hoje vivendo aquilo que Álvaro Cunhal designava como "um verdadeiro desastre para o povo português e para Portugal".


Um quadro de emergência nacional, consubstanciado num autêntico golpe de Estado institucional, quadro que nos chama ao combate para resgatarmos tudo aquilo que foi destruído, concretizando plenamente os valores revolucionários e transformadores da nossa Revolução de Abril, através da audaciosa construção de uma nova arrancada democrática, com as lutas do Movimento Operário à cabeça de um novo levantamento nacional e patriótico das massas populares, um levantamento popular de novo impetuoso e irresistível.

Um movimento dotado de organicidade própria, que urge "organicizar" como a prioridade política que hoje é, destacando os meios humanos indispensáveis e multiplicando as iniciativas, os contactos, construindo persistentemente as ligações e pontes necessárias entre todos os democratas portugueses que rejeitam o actual caminho, um rumo que nos conduz ao desastre nacional há muito anunciado. Edificando uma aliança política dinâmica entre todas as classes e camadas sociais não-monopolistas. Porque é urgente vencer o bloqueio institucional-parlamentar que PSD, CDS e PS há muito protagonizam. Porque urge travarmos e derrotarmos o golpe de Estado em desenvolvimento e os golpistas.

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