SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Golpe nas Honduras - Uma entrevista esclarecedora




Se a situação existente nos chamados O.C.Social, hoje todos propriedade dos grandes grupos económicos capitalistas, não fosse a manifestação da mais despudorada manipulação das mentes e das mais desavergonhadas mistificações da realidade, esta poderia ser uma entrevista publicada em qualquer um dos grandes meios de informação ditos "ocidentais".


Mas para que tal se verificasse seria necessário que a Imprensa fosse de facto independente do poder económico, não aceitasse intromissões do poder político, fosse imparcial, amante do relato honesto da realidade, democrática, cumpridora do princípio do contraditório, numa palavra, fosse aquilo que há muito se encontra consagrado nos códigos deontológico e de honra dos jornalistas, esses profissionais da informação que hoje mais parecem uma "espécie" à beira da completa "extinção".


E não é assim. Sabemos que, violando grosseiramente o direito democrático dos povos a uma informação isenta, não é essa a situação existente e, muito pelo contrário, vivemos mergulhados num quadro informativo sujo, guiado por mercenários, profundamente anti-democrático, a exigir a luta de todos nós.


O entrevistado, Manuel Zelaya, presidente da República das Honduras, hoje exorcizado por essa grande imprensa internacional, é um homem que a si mesmo se considera um político de centro-esquerda, defensor da economia liberal e membro do mesmo partido do fascista títere dos EUA que ocupa ilegitimamente o seu lugar. Até há pouco tempo atrás, Zelaya foi um interlocutor aceite pela chamada "comunidade internacional". Aliás, a forma cautelosa, quase respeitosa, como fala de Hillary Clinton e da administração de Obama - hoje já sem margem para dúvidas os mandantes do golpe e dos golpistas - evidencia essa sua ex-condição de homem bem aceite pelo sistema dominante.


Para ele, em resultado do golpe, tudo mudou. Mas, contraditoriamente, o maior mérito da entrevista é precisamente deixar evidente que, para o governo imperialista estado-unidense, como afinal para o capitalismo internacional, quase nada mudou.


Em seguida, ficam os trechos desta entrevista publicados no sítio do "Brasil de Fato", que aqui se deixam à consideração de todos os revolucionários, de todos os progressistas, de todos os homens e mulheres honestamente de esquerda, à consideração de todos os amantes da liberdade.




"Cercado por guarda-costas, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, cumprimentava com euforia um grupo de hondurenhos que cruzaram a fronteira com a Nicarágua, local em que ele havia convocado seus simpatizantes para, juntos, reingressarem ao país depois de 26 dias de exílio. A entrada triunfal programada por Zelaya foi minguada pelo governo golpista de Roberto Micheletti, que decretou estado de sítio nos estados cuja rodovia leva à fronteira, em uma tentativa de impedir a mobilização convocada pela Frente de Resistência ao Golpe. Empenhados em receber o presidente deposto, porém, centenas de hondurenhos se aventuraram pelas montanhas do país para driblar a repressão do Exército. Entre abraços e gritos de “urge Mel!” (algo como “apareça, Mel!”, apelido pelo qual é conhecido), a segurança do mandatário advertia sobre a presença de franco atiradores em uma colina. Sem a multidão esperada, Zelaya não cruzou a fronteira. Se o fizesse, “seria preso”, advertiu um coronel do Exército hondurenho encarregado da vigilância da aduana. O presidente deposto aguardava a resposta de uma "negociação" para que o Exército permitisse sua entrada. Não houve acordo. Sentado em um jeep rodeado por simpatizantes, Manuel Zelaya conversou brevemente com o "Brasil de Fato". Visivelmente cansado e aparentemente sem estratégia real para garantir seu retorno à presidência, ele advertiu que “se as armas voltaram às mãos da direita para derrocar presidentes reformistas, então os povos também tem direito de voltar a buscar soluções nesse caminho”.


-Brasil de Fato – O governo dos EUA criticou sua decisão de tentar voltar ao país sem um prévio acordo com o governo golpista. Qual sua opinião?


-Manuel Zelaya – Dei todas as tréguas. Fui extremamente tolerante, esperei e apoiei todas as decisões tomadas pela comunidade internacional. Aceitei o que disse a Secretária de Estado [estadunidense, Hillary] Clinton. No entanto, os golpistas continuam reprimindo o povo, violando os direitos humanos da população, apropriando-se de recursos que não lhes pertencem, usurpando a soberania popular, traindo os poderes do Estado. Me tiraram de casa em uma madrugada a balaços, amarrado. Nunca me acusaram formalmente em uma demanda judicial, nunca fizeram acusação anterior. Agora inventaram acusações contra mim, minha família e meus ministros. Os militares falam de democracias, mas quando alguém emite uma posição contrária, é declarado comunista, perseguem e dão um golpe de Estado. A elite hondurenha é extremamente conservadora.


-O senhor não pôde entrar em Honduras como previsto. O que pretende fazer?


-Mantenho o chamado ao povo hondurenho para que venham à fronteira. [O Exército impede que os manifestantes cheguem à zona fronteiriça]. São só 12 quilómetros entre El Paraíso [último ponto de bloqueio do Exército] e Las Manos. As pessoas podem vir caminhando, a polícia não vai deter. E também há outras possibilidades. Tenho dois helicópteros e posso aterrizar em qualquer lado.


-Quais foram os factores determinantes que desencadearam o golpe de Estado?


-Honduras é a terceira economia mais pobre na América Latina. De cada dez hondurenhos, oito vivem na pobreza e três vivem em pobreza extrema. Acredito que uma sociedade que vive assim há pelo menos um século deve ser analisada para a promoção de mudanças. E essas mudanças estão relacionadas com a forma de estabelecer o sistema de governo. É evidente que as elites económicas, que são privilegiadas por essa situação, pelo status quo, não querem essas mudanças. Então, a única maneira de promover mudanças em Honduras é ampliar os espaços de participação cidadã, os processos de participação social. Apontei isso e os oligarcas me declararam inimigo da pátria; e começaram a conspirar contra mim. Aumentei o salário dos trabalhadores, tentei incorporar a reforma agrária, abri as portas ao socialismo do Sul e isso foi considerado um delito. Tudo isso contribuiu para que a oligarquia económica – apoiada pelos velhos falcões de Washington, como Otto Reich e Robert Carmona, e alguns congressistas estadunidenses – começassem a conspiração que resultou no golpe. Mas se equivocaram. Pensaram que seria fácil como no século 20, quando em 48 horas os golpistas conseguiam dominar o povo. O povo agora já leva 28 dias nas ruas, reclamando, dizendo que não aceitam esse golpe. A comunidade internacional também mudou. Já não aceitam golpes de Estado, porque realmente são ilegítimos, são um retrocesso, é a volta da força sobre a razão. É a volta da violência sobre as urnas. Isso provocou o golpe. O temor às mudanças, temor ao que o povo se organize.


-A imprensa hondurenha o compara com o presidente Hugo Chávez. Como o senhor define seu governo?


-De centro-esquerda. De centro porque apoiamos o liberalismo económico e de esquerda porque apoiamos processos sociais, socialistas. Busquei um meio termo. Mesmo assim me declararam inimigo das elites económicas, precisamente porque aumentei o salário mínimo dos trabalhadores. Me parece injusto que me dêem um golpe de Estado porque estava fazendo uma consulta pública para ver qual era a tendência do povo em relação aos processos de participação cidadã. É ridículo o que aconteceu, o mundo está rindo dos golpistas, ninguém reconhece suas acções.


-Muitos consideram que os EUA adoptaram uma postura dúbia nesta crise. Condenou o golpe, porém não aplicou sanções económicas ao governo de fato de Roberto Micheletti. Qual sua avaliação?


-O governo de Barack Obama tem sido congruente com uma diplomacia multi-lateral e deu demonstrações de querer resolver o problema. Mas não ocorre a mesma coisa em outros grupos de poder dos EUA. Eles sim estão apoiando o golpe, a velha guarda dos conservadores está apoiando o golpe. Obama não. A secretária de Estado Hillary Clinton foi clara. Mas nos EUA há muitos interesses políticos e económicos e há muita gente sectária, que querem impor sua ideologia.


-O senhor busca retomar o poder, porém, até agora, Micheletti tem reiterado que não acatará a determinação da Organização de Estados Americanos (OEA) de restituí-lo ao cargo. O que pode significar esse precedente para a América Central?


-Este golpe mata a força da soberania popular. Isso abre um precedente no sentido de que se as armas voltaram às mãos da direita para derrocar presidentes reformistas, então os povos também têm direito de voltar a buscar soluções nesse caminho, coisa que não desejamos. Primeiro, dizem à população que há que votar e que a democracia é seu direito, e agora as armas voltam a atacar a democracia. Isso não se pode permitir. Há que lutar contra isso.


-Com as Forças Armadas, Congresso e empresários sustentando o golpe, o que o senhor pretende fazer para recuperar o poder?


-Me manter firme."



(Por Claudia Jardim, Enviada a LasManos, Honduras)



A finalizar, mais duas notas, sentidas como evidentes e necessárias pela leitura desta entrevista.


No presente contexto internacional - marcado por dois traços principais, o primeiro a destruição da União Soviética e dos outros estados socialistas europeus no final do século XX e o segundo a profunda crise sistémica que assola o capitalismo internacional nestes primeiros anos do Século XXI - as evoluções dos diversos processos políticos nacionais na América Latina, de cariz anti-imperialista, constituem um autêntico "laboratório" a atrair a atenção, o estudo e a solidariedade de todos os revolucionários e de todos os homens e mulheres progressistas.
É justamente sublinhado, por aqueles que seguem atentamente o evoluir da situação na América Latina, o facto de o golpe nas Honduras seguir o mesmo "guião" da tentativa de golpe na Venezuela, em 2002 (1). Aplicando fielmente o modelo gizado pela CIA, nem faltou o mentiroso anúncio da sua auto-demissão. Como ocorreu agora com Zelaya, o destino traçado para Chavez era igualmente destituí-lo e decerto retirá-lo à força para fora do seu país. Naquela data, felizmente, graças à acção determinada de alguns militares patriotas, ele e o projecto bolivariano escaparam por pouco.

Tudo a confirmar que nestes processos progressistas - como a resistência e a luta do povo hondurenho eloquentemente estão a confirmar, resistindo nas ruas, nas greves e em múltiplas outras acções de protesto - o factor decisivo que garantirá aos povos latino-americanos a sua independência, a plena soberania sobre os seus caminhos e escolhas, o futuro socialista dos seus países, o factor sem dúvida determinante está na organização, na unidade e na luta vigorosa e determinada dos trabalhadores e das camadas populares, afinal os únicos verdadeiramente interessados no futuro livre e independente dos seus países. O que os torna, prioritariamente, dignos credores da nossa activa solidariedade e constante apoio.
(1) Nota: Para os interessados, recomendo vivamente a leitura, em http://www.desacato.info/, de uma “interessante” entrevista com um coronel golpista – e fascista, acrescente-se -, realizada em 10/7, que deixa a nu as verdadeiras razões do golpe e nos dá uma esclarecedora visão de quem são e o que pensam (?!) os gorilas hondurenhos, formados nas escolas militares norte-americanas.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Lénine, o leninismo e a actualidade




Considerando os propósitos deste texto, tornam-se necessárias algumas rápidas considerações prévias. Assim, a nossa base de partida assenta em dois traços essenciais do leninismo, a saber: 1) o leninismo é o marxismo da nossa época contemporânea; 2) as teorias e o pensamento revolucionário de Lénine constituem o instrumento teórico principal para interpretar e revolucionar as sociedades capitalistas actuais. Por outras palavras, afirmar estes dois traços equivale a afirmar que constituem uma burla teórica as tentativas que muitos fazem para, afirmando o primado do pensamento teórico de Marx, recusar a concretização do marxismo que o leninismo constitui. Sem a praxis do marxismo, concretizada pelas ideias do leninismo, a obra teórica de Marx e Engels teria permanecido incapaz de operar a transformação revolucionária da realidade e, muito provavelmente, tal teria constituído um penoso ónus no desenvolvimento das lutas revolucionárias ao longo de todo o século XX.

Do ponto de vista histórico, tal como do ponto de vista ideológico, podemos afirmar que a sequência evolutiva da teoria e da acção dos marxistas deve o seu suporte teórico fundamental às ideias e às teorias marxistas-leninistas que Lénine descobriu e desenvolveu, apoiado na marcha das transformações revolucionárias operadas pelas lutas da classe operária e dos povos que ele viveu e testemunhou. Isto equivale a dizermos que, sem o desenvolvimento criativo e inovador do leninismo, as bases teóricas de Marx e Engels revelar-se-iam incapazes de realizar a revolução. Emerge daqui a necessidade, do ponto de vista epistemológico, de uma constante e atenta evolução da teoria política marxista, em permanente adequação às transformações operadas nas forças produtivas e nas relações de produção capitalistas. Entretanto, mantendo-se actual a definição leninista da etapa presente do capitalismo - a sua fase imperialista -, igualmente actuais permanecem as teorias e métodos operativos (teóricos e políticos) do leninismo, para construir a superação revolucionária daquele.

A leitura - todas as leituras - da obra de Lénine, constitui um exercício e um aprendizado verdadeiramente estimulantes, tanto pelo conteúdo como pela linha metodológica que emerge dos escritos de Lénine. Leitura sempre desafiadora, que põe à prova as próprias capacidades auto-emancipadoras do leitor, leitura que nos aparece sempre inovadora, refrescante e inspiradora da reflexão revolucionária. Assim, toda a obra teórica de Lénine constitui um valiosíssimo instrumento de estudo para quantos se reclamem seus continuadores, isto é, para todos os que se afirmam comunistas. Com o cuidado atento de procurar ler a sua obra em correlação permanente com a marcha dos acontecimentos da sua época que ele visava interpretar/influir/dirigir, todos os seus escritos contêm ensinamentos e, simultâneamente, todos evidenciam o seu método rigoroso, polémico, dialéctico, frontal, que tanto nos estimula e atrai para o seu estudo e aplicação no presente.

Algumas das suas obras são frequentemente consideradas principais, fundamentais. Como exemplos, no plano filosófico o "Materialismo e Empiro-criticismo", no plano político "O Estado e a Revolução". Entretanto, pelas "pontes" que permite estabelecer com algumas discussões actuais, um escrito de 1902, modesto na dimensão mas riquíssimo de pistas e ensinamentos - inteiramente apropriados às lutas presentes -, é o seu escrito intitulado "Que Fazer?". No processo de construção da unidade ideológica e orgânica do novo partido revolucionário que estava a nascer, tratou-se - e ainda se trata! - de um importantíssimo marcador de campos, separador do trigo e do joio teóricos, com o objectivo de estabelecer a linha política verdadeiramente revolucionária, travando um combate determinado e sistemático contra as leituras reformistas do marxismo.

Não é objectivo deste post estudar exaustivamente o "Que Fazer", mas sim apoiarmo-nos nalguns dos seus parágrafos para discutirmos algumas "teorias" e/ou afirmações teóricas que se lêem nestes dias, em vários azimutes do campo dito marxista. Mas antes disso, entretanto, considero interessante partilhar com o leitor partes de um texto de apresentação do livro, aquando de uma sua edição brasileira, escrito no já longínquo ano de 1978, em pleno período da ditadura militar. Foi seu autor um académico, sociólogo, chamado Florestan Fernandes, que editou vários importantes estudos sobre a realidade sócio-política brasileira e que politicamente chegou a ser deputado, eleito pelo PT, partido que só viria a ser criado dois anos após a publicação do seu texto de apresentação de "Que Fazer?" que a seguir vamos transcrever.

Os primeiros parágrafos tratam o livro de Lénine em conexão com os acontecimentos no início do século XX, enquanto os últimos tratam os anos contemporâneos do autor, num registo marcadamente crítico e auto-crítico e que, à distância de três décadas, curiosamente contém traços quase premonitórios e bastante pertinentes para os nossos dias. Espero que a sua leitura possa estimular a leitura - ou releituras - do "Que Fazer?".






(...)"A publicação de "Que Fazer"? no Brasil constitui um acontecimento de grande significação política, mal-grado as presentes condições nas quais vivemos e a debilidade crónica do nosso movimento socialista. Está fora de dúvida que esta não é a maior obra de Lénine. Contudo, ela caracteriza o momento no qual o leninismo se revela em seus componentes essenciais: em nove anos de experiência, de lutas constantes, de perseguições e de enorme fermentação criadora, um jovem publicista da ala esquerda da social-democracia russa punha-se à frente da vanguarda teórica desse partido. Apenas nove anos? O que se pode realizar quando a história se move para a frente e o pensamento revolucionário é exposto a todas as tensões de forças contrárias, da mais odiosa opressão de um regime autocrático cruel e de sua terrível repressão policial às inquietações da intelligentsia, dos estudantes, dos radicais de uma burguesia impotente e, em particular, das pressões crescentes das massas populares, do campo e da cidade! Em suma, quando o pensamento revolucionário aceita suas tarefas, as enfrenta com tenacidade, esclarecimento e coragem, procurando avançar sempre para a frente, relacionando meios e fins que podem transformar a “oportunidade histórica" em história real."(...)

(...)" Que Fazer? introduz no marxismo uma nova dimensão política. Na verdade, ele é uma resultante de um acidentado, heróico e construtivo labor colectivo: o que várias tendências do populismo, do radicalismo e do socialismo criaram na Rússia dos meados do século XIX à sua última década. Uma experiência filtrada por Lénine e amadurecida pela sua penetrante acuidade à contribuição do movimento socialista europeu, especialmente na Alemanha, França e Inglaterra. Não se pode ignorar figuras como Plekhanov, Axerold e Zasulítich (além de outros companheiros do ISKRA e da ala esquerda do P.O.S.D.R.), cuja produção teórica e visão dos problemas práticos do marxismo na Rússia alimentaram a aprendizagem e os primeiros tirocínios de Lénine. Todavia, ele os suplanta com uma rapidez incrível. "Que Fazer?" marca uma nova etapa, que deixa tudo para trás. De sua edição em diante, a Rússia não seria o cenário da transmutação pura e simples do marxismo em movimento revolucionário triunfante. Nascia o marxismo-leninismo como teoria revolucionária e como prática revolucionária organizada. A própria Europa ficava para trás, apesar da importância da II Internacional e dos seus grandes teóricos, e da densidade do movimento operário europeu. De um golpe, ele supera as várias soluções do radicalismo burguês e do socialismo reformista e os imponderáveis do terrorismo. Para muitos, aí não haveria novidade. A novidade, estaria apenas na russificação do marxismo, na "bolchevização", que eliminaria do marxismo a sua vinculação espontânea com as massas e o seu teor democrático. Ora, chegar a essas conclusões por efeito da propaganda conservadora e contra-revolucionária é explicável. Mantê-las, depois de ler "Que Fazer?", significa uma obliteração da razão socialista (se esta existe, de facto). O que Lénine faz com o marxismo só pode ser definido de uma maneira: ele converte o marxismo em processo revolucionário real. Se o faz tendo em vista as condições políticas do tzarismo e da sociedade russa, disso ele não se poderia livrar..."(...)

(...)"Portanto, Lénine inaugura uma concepção do marxismo: a que rompe frontalmente com o elemento burguês em todos os sentidos, ainda dentro e contra a sociedade capitalista. Os grandes teóricos do socialismo revolucionário europeu esperavam a vitória da revolução para extirpar a condição burguesa que impregnasse a todos os revolucionários, dos militantes de base ao topo da vanguarda, o que significa que a massa de seguidores poderia oscilar livremente, das opções socialistas às opções democrático-burguesas. O combate aos "métodos artesanais” significa acabar com isso na medida do possível."(...)

(...)"Escrito e publicado no alvor do século XX, ele sintetiza os avanços do socialismo e do marxismo na Rússia no século anterior e assinala as promessas revolucionárias realmente fundadas. O livro todo constitui uma polémica com o passado, com os contemporâneos, com os que se voltavam para a construção de uma Rússia democrática ou socialista. Onde se escreve um livro como esse, no momento em que um livro como esse pode ser publicado, a partir do combate ou da aceitação das idéias contidas em um livro como esse, pode-se constatar a existência de um movimento revolucionário denso, inquieto, maduro e indomável. A vitalidade do movimento socialista não nasce de si mesmo, apenas. Nasce da sociedade em que se constitui e na qual se expande. O requisito histórico e o patamar de um movimento dessa envergadura é a existência de uma sociedade que caminha inexoravelmente, pelas pressões de baixo para cima, pela insatisfação das massas e pelo inconformismo das classes trabalhadoras, na direcção da desagregação da ordem existente e da revolução social. Nesses quadros históricos há um socialismo potencial (diria, mesmo, um socialismo revolucionário potencial). O marxismo como teoria e como praxis pode ser facilmente irradiado nas várias direcções da sociedade: as tarefas dos militantes, dos "teóricos" e "publicistas" nem por isso é mais fácil. Porque essa potencialidade traz consigo uma repressão feroz, uma autodefesa cega e impiedosa. Contudo, a violência institucional da contra-revolução não se consolida a si própria. Ela fortalece também as forças antagónicas, os inimigos da opressão e da contra- revolução, ou seja, em um primeiro momento, a revolução democrática de base popular, em outro momento seguinte, o controle do Estado pelas forças da revolução democrática, e a transição para o socialismo. Em resumo, se não existissem peixes nos rios e no mar seria impossível pescar. O movimento socialista exige um mínimo de condições “objectivas" e “subjectivas" (e o mesmo se pode dizer da revolução socialista). Dadas certas dessas condições, o que depende dos próprios socialistas para que o seu movimento se consolide, se irradie e, através das massas populares e das classes trabalhadoras, se converta em força política revolucionária? Excluindo-se Cuba, a experiência chilena e algumas manifestações verdadeiramente políticas da guerrilha, a América Latina foi o paraíso da contra-revolução (da contra-revolução mais elementar e odiosa, a que impede até a implantação de uma democracia-burguesa autêntica). Hoje, mais do que nunca, ela continua a ser o paraíso da contra-revolução, só que, agora, conjugando o "terrorismo burguês interno" com o "terrorismo burguês externo”. Os partidos que deveriam ser revolucionários (anarquistas, socialistas ou comunistas), devotaram-se à causa da consolidação da ordem, na esperança de que, dado o primeiro passo democrático, ter-se-ia uma situação histórica distinta. Em suma, bateram-se pela democracia burguesa, como se fossem os campeões da liberdade. Trata-se de uma avaliação dura? Quanto tempo as burguesias nacionais ter-se-iam aguentado no poder se fossem atacadas de modo directo, organizado e eficiente? Ou estamos sujeitos a uma "fatalidade histórica", que prolonga o período colonial e a tirania colonizadora depois da independência e da expansão do Estado nacional?
O diagnóstico correcto, embora terrível para todos nós, é que nunca fizemos o que deveríamos ter feito. Os “revolucionários" quiseram manter os seus privilégios, ou os seus meio-privilégios, sintonizando-se com as elites no poder e com as classes dominantes. Formaram a sua ala radical, sempre pronta a esclarecer os donos do poder sobre o que certas reformas implicariam, para evitar uma aceleração da desagregação da ordem e os seus efeitos imprevisíveis...
Não estou inventando. Voltamos as costas à organização da revolução e auxiliamos a contra-revolução, uns mais outros menos, uns conscientemente, outros sem ter consciência disso. E a "massa" da esquerda tem os olhos fitos no desfrute das vantagens do status de classe média. O que ameaça esse status entra em conflito com o socialismo democrático...Todas essas reflexões pungentes precisam ser feitas e refeitas. "Que Fazer?" desvenda essa realidade incómoda. Não fomos fascinados pelo “espontaneísmo" das massas: estas exerceram pouca atracção sobre o pensamento político propriamente revolucionário, sempre preso a fórmulas importadas de fora, com frequência fórmulas com alta infecção burguesa (para usar outra expressão de Lénine). Fomos paralisados pela ideia do gradualismo democrático-burguês e pelo poder de coação da ordem. O que quer dizer que, na era da polivalência no "campo socialista", ainda não sabemos quais são os caminhos que nos levarão à desagregação do nosso capitalismo selvagem e a soluções socialistas apropriadas à presente situação histórica. Um atraso monumental."(...)

(...)"O que Lénine fez, por exemplo, em "O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia" só tentamos no plano da erudição. Por conseguinte, fora de Cuba não se criou um pensamento socialista revolucionário original. A principal tarefa teórica foi negligenciada até hoje, porque líderes, vanguardas e partidos da esquerda ou vivem a sua integridade socialista com extremo purismo ascético - e bem longe da actividade prática concreta - ou se concentram no "economismo" e, pior que isso, em tácticas imediatistas, de composição dentro da ordem, como se o socialismo pudesse ser o último estágio, a Quinta essência da "democracia" burguesa. O reformismo pequeno-burguês como estilo de prática política."(...)

(...)"Ora, tudo isso está ocorrendo numa época em que a transição para o socialismo ficou mais difícil. Depois das grandes revoluções - da Rússia, da China, do Vietnã da Iugoslávia e de Cuba - o cerco capitalista ao socialismo se aperta a partir de dentro e a partir de fora. A contra-revolução deixa de ser o produto de uma autocracia secular: a autocracia é organizada deliberadamente, como a barreira, o bastião de defesa e a base política de contra-ataque militar e policial do chamado "capitalismo tardio". De outro lado, essa contra-revolução corrompe tudo, pelos meios de educação, comunicação de massa, consumo de massa, cooptação etc. Depois de setenta e seis anos, "Que Fazer?" continua válido. Todavia, a teoria revolucionária e a organização do movimento revolucionário precisam ser adaptadas a uma situação política muito diversa. Os que esperam que o "campo socialista" resolverá todos os problemas e dificuldades cometem um equívoco. A cooperação e o auxílio efetivo só poderão amparar os movimentos revolucionários viáveis, que comprovarem sua vitalidade e a sua eficácia."(...)
(...)"Em outras palavras, é urgente superar a nossa circularidade e a nossa fraqueza inventiva. Os que são socialistas precisam devotar-se à tarefa de construir a teoria revolucionária exigida pela situação actual da América Latina. Estas ponderações podem parecer exageradas. A partir do Brasil? O país que ficou no maior atraso dentro do movimento sindical, socialista e revolucionário na América Latina? Na época em que Lénine escreveu e publicou "Que Fazer?" quem pensaria que a Rússia, e não alguma nação avançada da Europa, se colocaria na vanguarda da história? Não penso que poderemos "queimar etapas". O avanço real só pode ser conquistado graças e através das massas populares e das classes trabalhadoras. A nossa tarefa urgente consiste em propagar o socialismo revolucionário nesses setores da sociedade e, com o amadurecimento da sua experiência política, tentar-se o equacionamento de "por onde começar,?" Nem uma coisa nem outra será possível se se mantiver a tática “economista", o falso obreirismo e o populismo das classes dominantes, a submissão a burguesias pró-imperialistas e entranhadamente antidemocráticas e contra-revolucionárias. Parece claro que voltamos, no momento que corre, a erros crónicos do passado, lançando as forças vivas de uma revolução democrática na maior confusão, abandono e impotência. Oitenta e nove anos de "regime republicano" já nos ensinaram o bastante. Não serão as classes possuidoras, especialmente os seus sectores privilegiados nacionais e estrangeiros, que irão favorecer e levar a cabo a revolução democrática. E esta não pode ser pensada, por um socialista, como um desdobramento de etapas. Onde as massas populares e as classes trabalhadoras se afirmam como as únicas alavancas da revolução democrática, esta só poderá conter uma transição burguesa extremamente curta. Cabe aos socialistas dinamizar a "revolução dentro da revolução". Hoje, mais que no passado, a civilização de consumo de massas constitui um ópio do Povo. As massas populares e as classes trabalhadoras só podem ser educadas para o socialismo através de um forte movimento socialista, dentro do qual elas forneçam as bases, os quadros e as vanguardas, e através do qual elas disputem o poder das classes dominantes, deslocando-as do controle do Estado e do sistema de opressão institucional "democrático”. O que assinala que, se os caminhos são diversos, várias lições de "Que Fazer?" preservam toda a actualidade, sob a condição de que a opção pelo socialismo seja tomada para valer."



Fiquemos por aqui, com estas transcrições. Deixo para próximo texto o intento inicial de analisarmos algumas partes do "Que Fazer?", com o objectivo de os utilizarmos como ferramenta interpretativa de situações e "teorias" da actualidade.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Acto de solidariedade com a luta do povo hondurenho

Solidariedade com os trabalhadores e o povo das Honduras

Dia 28 de Julho, pelas 19H00 frente ao Consulado das Honduras em Lisboa (Praça do Rossio, Nº 45)

A CGTP-IN, solidária com os trabalhadores, sindicatos e povo hondurenhos, considera que os trabalhadores e o povo português não podem ficar indiferentes face às inaceitáveis violações dos direitos humanos e da soberania do povo das Honduras.

Completa-se nesta data um mês após o golpe, trinta dias nos quais se sucederam, ininterruptamente, as greves, os cortes de estradas e de ruas, as concentrações e manifestações, as reuniões de organizações populares, as tomadas de posição, tudo evidenciando a determinação de um povo em luta pela liberdade. Que já custou espancamentos, torturas, mortes. Trinta dias de vergonhoso silêncio e manipulação pelos grandes meios de "informação", dando cobertura aos mandantes do golpe e aos plutocratas fascistas.
Todos os que possamos, devemos participar neste acto de solidariedade convocado pela CGTP. Contra os golpistas fascistas, contra as manobras do imperialismo estadunidense que os dirige. Solidários com o luta corajosa do povo das Honduras.

domingo, 19 de julho de 2009

A principal razão da nossa solidariedade com o povo hondurenho


Saudando a firmeza e a fidelidade revolucionária deste Sandinista fundador da FSLN, eis nas suas palavras a razão maior do nosso apoio e solidariedade à luta que o povo das Honduras trava, corajosamente, contra os fascistas golpistas. Façamos um voto: que o processo "negocial" não venha a revelar-se uma traição à determinação, à coragem e à luta que os trabalhadores e o povo hondurenhos estão prosseguindo dia-após-dia, não obstante os óbvios propósitos dos golpistas e do governo de Obama para os render pelo cansaço e pela desistência.



Tomás Borge: "Golpistas en Honduras sólo han logrado despertar la insurrección"

Managua, 19 Jul. ABN (Nazareth Balbás, enviada especial).- El comandante del Frente Sandinista de Liberación Nacional (FSLN), Tomás Borge, dijo que el golpe de Estado cometido por la derecha de Honduras contra el presidente legítimo, Manuel Zelaya, sólo sirvió para catalizar el inicio de la insurrección revolucionaria de la izquierda en la nación centroamericana. Sentado frente a la biblioteca de su casa ubicada en la capital nicaragüense de Managua, se mostró confiado en que lo sucedido en Honduras es apenas el inicio de un renacer de la conciencia revolucionaria: “Mire, no hay mal que por bien no venga. Los golpistas creyeron que sacando a Zelaya iban a eliminar un ejemplo progresista en Centroamérica y lo que han traído como consecuencia ha sido el despertar de una conciencia revolucionaria que hacía años no se veía en ese país”. Para él no hay vuelta atrás y el regreso de la derecha a la región es improbable: “Aquí no volverán y es una promesa sagrada que le hacemos a los pueblos de América Latina”, juramento que esgrime tras afirmar que la implantación de gobiernos dominados por las minorías es comparable con el retorno de una desagradable enfermedad. “Que vuelva la derecha es como que volviera la sarna, como que volviera una enfermedad terminal (...) Honduras empieza a rascarse de la sarna derechista pero sabemos que eso se curará dentro de muy poco tiempo porque la marcha de la izquierda es indetenible. ¡Vamos a tener revolución hoy, mañana y siempre!”.
Es tan firme su convicción que considera el regreso de Zelaya un asunto que está detrás en importancia con respecto al significado que tienen las movilizaciones que ha protagonizado el pueblo hondureño en las calles de toda la nación. “Después del golpe militar, ése pueblo se levanta por primera vez muchos años y eso es aún más importante que el regreso del presidente, porque en este escenario, Zelaya representa simplemente el regreso de la constitucionalidad (...) Lo maravilloso es que ellos (los golpistas) quisieron matar el rumbo progresista de Honduras y en vez de eso, lo que hicieron fue resucitar algo tan hermoso como un proceso revolucionario”.
Borge, único miembro fundador del FSLN en vida, es una de las figuras protagónicas de los actos que se realizarán en Managua por el 30 Aniversario de la Revolución Sandinista, celebración que congregará este domingo a miles de nicaragüenses alrededor de la Plaza La Fe Juan Pablo Segundo, zurcados por el emblema rojinegro del movimiento que en 1979 logró la caída de la tiranía encabezada por Anastasio Somoza Debayle.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

À atenção dos democratas e amantes da liberdade

Factos recentes, embora com protagonistas velhos conhecidos, vêm colocando a nu os verdadeiros contornos "democráticos" do actual regime político em Portugal.
De facto, transcorridos estes já longos trinta e cinco anos após a Revolução Democrática de Abril, na sua quase totalidade vividos em resistência e luta permanentes, contra o curso contra-revolucionário das políticas dos sucessivos poderes estabelecidos, os últimos meses e alguns acontecimentos recentes vêm confirmando que - exactamente como há muito foi afirmado - um regime de liberdades é incompatível com a sujeição do poder político ao poder dos monopólios e do grande capital, estes aliados/subordinados - como sempre - ao imperialismo.
A realidade torna evidente que tal sujeição, já estabilizada e consolidada, configura o quadro de regime actualmente existente, com a consequente violação, supressão e esmagamento de direitos políticos e sociais, a par da liquidação do exercício efectivo da liberdade. Não vivemos - ainda! - de novo sob um regime fascista, mas as liberdades estão mutiladas por um regime autoritário, autocrático, anti-democrático, ostentando já traços fascizantes.

Vêm-se acumulando as situações de repressão social e política, dia-a-dia de maior gravidade. Nas empresas, os trabalhadores perderam a liberdade de se organizarem como classe, crescendo a repressão sobre os que resistem e lutam pelo exercício das actividades sindicais (as efectivas, não as do patrão); trabalhadores da Administração pública, professores, médicos, enfermeiros, militares, polícias e outros, vêm perdendo direitos e liberdades, de actuação e de organização, pela acção repressiva e de estímulo directo à delação por parte do governo e de outros dirigentes da hierarquia do Estado, em violação grosseira das normas e disposições constitucionais; comportamentos autoritários e repressivos vão medrando neste caldo de cultura anti-democrático, alargando-se como mancha a todos os sectores da sociedade, nos locais de trabalho, nas escolas, nas instituições, na organização do Estado, nas igrejas, nas estruturas associativas, nos locais públicos, por todo o lado invertendo paulatina e crescentemente os princípios e as aspirações originalmente emancipadoras e participativas do regime democrático de Abril.

A provocatória iniciativa de criminalização da ideologia comunista, tarefa abjecta agora atribuída em versão doméstica ao fascistoide Jardim, soa como mais uma campainha de alerta. Se tal diatribe é avaliada pelos democratas pela sua faceta bufa e risível, estaremos a cometer um erro de avaliação perigoso. É sabido que, os verdadeiros mandantes, primeiro soltam os cães e os doidos, acobertando-se numa falsa distanciação dos mandados que executam os trabalhos sujos. Mas, como provocação que é - aos comunistas e simultâneamente a todos os verdadeiros democratas -, se tal "iniciativa" tiver alguma aceitação institucional e sequência legal, então estaremos perante uma manobra de maior envergadura, na linha das que vêm sendo desenvolvidas em vários dos parlamentos europeus e no da própria U.E..
É uma 'lei" da história universal da luta de classes que, num período de agudização das contradições e das lutas, emergem as soluções "musculadas" ou mesmo claramente fascistas, com o objectivo de conter e sufocar a ascensão das lutas dos trabalhadores e das suas organizações políticas de classe. A situação nas Honduras, no seu contexto latino-americano, aí está a confirmá-lo. Porque haveria de ser de forma diferente entre nós? A força dos ideais libertadores de Abril é ainda muito grande, mas tal não significa que os seus inimigos e adversários desistam de prosseguirem as actividades para continuarem a golpeá-la.

Um outro facto recente está intimamente co-relacionado com o vómito fétido de Jardim e, igualmente, não deve ser subestimado pelos amantes das liberdades: o gesto, igualmente sórdido, do ex-ministro PS, Manuel Pinho, ao macaquear uns cornos na própria cabeça, em pleno debate na A.República. Também neste caso, logo abafado pela sua acelerada demissão de membro do governo, estamos perante uma manifestação gritante do real e manifesto desprezo que os actuais governantes nutrem por princípios elementares da convivência democrática, tal como pelas regras de funcionamento do parlamento que noutras ocasiões tanto gostam de chamar a casa-sede da democracia - a democracia deles, entenda-se. Mas este episódio, muito esclarecedor sobre o estofo do ex-ministro, não deve ser analisado como um facto isolado e individual. Na verdade, não o é. Trata-se de um comportamento miserável e de um escandaloso gesto de desprezo pela democracia, por parte de um indivíduo que integrou durante quase quatro anos o governo PS e que decerto, nessa qualidade, partilhou da visão geral sobre a vida e a actividade política que enformam a ideologia e a prática deste governo.

Jardim e Pinho são assim as duas faces de uma mesma moeda. Um do PSD, outro do PS - aos quais facilmente se poderão somar alguns outros, do CDS ao BE -, ambos são, simultâneamente, as faces e os protagonistas momentâneamente destacados de um regime anti-democrático, corrupto, decrépito, esgotado. Um regime alimentado e sustentado pelos grandes grupos económicos que dele são os principais credores e beneficiários, grupos do grande capital que, por isso mesmo, mandam os seus orgãos de comunicação "social" ocultar e maquilhar diariamente os podres destas personagens de pacotilha.
Nem a doidice, nem a bebedeira, nem os intuitos provocatórios, embora evidentes, podem desculpar e sobretudo conduzir à subestimação na avaliação dos comportamentos e atitudes dos agentes políticos. Numerosas vezes, a realidade contém ao mesmo tempo traços de ópera bufa e de tragédia. Cabe aos verdadeiros democratas, aos sinceros amantes da liberdade, aos patriotas, a todos os que se assumem como defensores dos ideais de Abril, exercerem uma activa e consequente acção de combate a todas estas manifestações que carregam no bojo o inconfessado mas óbvio propósito de liquidação das liberdades e desarticulação das trincheiras que ainda resistem e se opõem à destruição total e completa do sonho e das já muito fragilizadas transformações progressistas que ainda restam dos anos de 1974/75. Sindicatos, autarquias, organizações populares, associações, comissões de trabalhadores, de moradores, de utentes, todos podem e devem intervir, tomando posições claras e enérgicas sempre que estejam em jogo as liberdades e os ideais democráticos. Até porque, quanto ao anti-comunismo, as lições de Brecht permanecem actuais e úteis.

Urgem as iniciativas de unidade e convergência dos democratas, lançando iniciativas e pontes, agregando vontades, estabelecendo acções e objectivos comuns, barrando no imediato o passo às manifestações protofascistas e construindo em seguida o caminho da urgente e inadiável ruptura democrática e progressista, o caminho há muito interrompido da inacabada Revolução de Abril.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

A crise do capitalismo arrasta a Humanidade para o abismo

Duas notícias recentes são bem reveladoras da actual situação mundial do sistema capitalista e da dimensão do cataclismo social que se abate sobre os povos sujeitos à desapiedada dominação imperialista:


- O sector financeiro internacional recebeu, apenas em 2008, quase dez vezes mais recursos públicos do que todos os países pobres do planeta nos últimos cinquenta anos. O dado foi divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU), na campanha Metas do Milénio, destinada a combater a fome e a pobreza no mundo. Enquanto os países pobres receberam, ao longo de meio século, cerca de US$ 2 trilhões em doações de países ricos, bancos e outras instituições financeiras ganharam, em apenas um ano, US$ 18 trilhões em ajuda pública.


- A ONU alertou que a crise económica mundial piorará ainda mais a situação dos países mais pobres, lembrando que, na semana passada, a Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO) afirmou que a crise deixará cerca de 1 bilião de pessoas passando fome no mundo.Do total de pessoas subnutridas hoje no mundo, 642 concentram-se na Ásia e na região do Pacífico e outras 265 milhões vivem na África Subsariana. Na América Latina e Caribe, esse número é de 53 milhões de pessoas.


A dimensão da drenagem das colossais verbas retiradas aos orçamentos dos Estados capitalistas, para entrega ao capital financeiro especulador que os dirige, atingiu dimensões inimagináveis apesar de nada resolver, como há muito se sabe. A crise estrutural do capitalismo segue o seu curso destrutivo, perante a incapacidade de auto-reforma do sistema. Sucedem-se no calendário as reuniões dos representantes das maiores potências capitalistas - G-20, G-8, BRIC's -, todos disputando o maior quinhão no processo de redistribuição de recursos e poderes que a crise precipitou, mas totalmente incapazes de solucionar os enormes estrangulamentos económico-financeiros operados pela profunda crise sistémica em desenvolvimento. A lógica interna do capitalismo - insaciável, depredador, concentracionário, anti-democrático - impossibilita a "reforma" com que ainda sonham muitos democratas "distraídos", persuadidos pela campanha mediática que tudo vai acabar em bem. E, de facto, nada acabará bem no âmbito estrito e restrito dos marcos do capitalismo. Aliás, o sistema nunca esteve tão fraco e indefeso como o está na actualidade: a reforma do FMI e das instituições de governação mundial anunciada no G20 de Londres permanece letra morta; o G8, de novo reunido nestes dias, parece cada vez mais um clube moribundo, com os seus membros digladiando-se e contestando a sua própria existência; a liderança americana, enfraquecida, tenta perigosa e desesperadamente, pela via militar e pelo contínuo recurso a manobras e acções desestabilizadoras, conservar o seu anterior domínio incontestado (vide o seu envolvimento no golpe nas Honduras); o sistema monetário mundial está em plena desintegração com a Rússia e a China, nomeadamente, a actuarem para derrubarem a hegemonia do dólar; as grandes empresas monopolistas, a par da estratégia de sugarem o máximo de fundos financeiros públicos, aumentam os despedimentos e degradam as condições de trabalho, enquanto em cada mês milhares de pequenas e médias encerram, com um efeito multiplicador no aumento do desemprego; os Estados vacilam sob o peso da dívida que acumularam para "salvar bancos" e numerosos deles correm o risco real da sua própria falência.
Para retomar o processo de extorsão do dinheiro dos poupadores crédulos, nestes últimos meses tem-se assistido a uma persistente campanha de "embelezamento" dos mercados financeiros, mas a dura perspectiva das insolvências em breve retornará, porque nenhuma operação financeira poderá substituir a real e generalizada degradação das capacidades produtivas na generalidade dos países integrantes do sistema.

A estimativa da queda do PIB global em 2009, realizada pelo Banco Mundial, acaba de ser corrigida: de -1,7%, em Março, para -2,9%, no final de Junho. Também os dados divulgados pela OCDE, quanto às estimativas de crescimento do PIB para este ano e para 2010, confirmam este cenário de queda. Assim, com saldo positivo, a China crescerá 7,7% este ano e 9,3% no próximo; a Índia, respectivamente, 5,9% e 7,2%; o Brasil pouco mais que 0% e 4%; a Rússia continuará e regredir e talvez atinja saldo positivo em 2010. Em contrapartida, os países do centro do capitalismo, neste ano de 2009, continuarão mergulhados na recessão: os EUA recuarão -2,8% , a Zona Euro deverá afundar -4,8% e o Japão -6,8%.
As consequências sociais serão devastadoras. No decurso deste ano mais 40 milhões de seres humanos passarão fome; quatrocentas mil crianças, até aos 5 anos de idade, deverão morrer vítimas de desnutrição; na América Latina, 40 milhões de pessoas são obrigadas a sobreviver com 1,25 dólares por dia.

No último Boletim do GEAB, afirmava-se: "Para centenas de milhões de habitantes da América, Europa, Ásia e África, o Verão de 2009 vai ser uma terrível transição rumo a um empobrecimento duradouro devido à perda do seu emprego sem perspectiva de reencontrar outro antes de dois, três ou quatro anos; ou devido à evaporação das suas economias aplicadas directamente na bolsa, em fundos de aposentadoria por capitalização ou em aplicações bancárias ligadas à bolsa ou denominadas em US dólar ou na libra britânica; ou ainda devido ao seu investimento em empresas forçadas a aguardar desesperadamente uma melhoria da situação que não se verificará antes de longo tempo."
Face à recusa da adopção de medidas efectivas de apoio à produção e à efectiva criação de riqueza, estas expectativas negativas são infelizmente bem verosímeis.


A grande lição - e conclusão - que devemos tirar deste panorama sobre a realidade do capitalismo contemporâneo parece óbvia, por muito desagradável que possa surgir aos olhos das mais "ingénuas" e "distraídas" pessoas de esquerda: na actualidade, na qual nos cabe viver e lutar, o capitalismo tornou-se irreformável e incapaz de inverter a sua própria marcha para o abismo, arrastando com ele a Humanidade, os trabalhadores e os povos que explora, subjuga e humilha. O socialismo vai perdendo as suas características utópicas e emerge, cada dia com mais força, como o sistema social e político portador do novo, do transformador, o único capaz de mobilizar os assalariados e os povos para um projecto revolucionário e inovador, libertando as imensas energias e capacidades criadoras dos homens por todo o planeta. Para o concretizar, o papel principal cabe aos revolucionários, aos homens e mulheres consequentes e coerentes, lançados nessa aventura exaltante de, contra todos os obstáculos e ardis que o inimigo n° 1 da Humanidade continuará a esgrimir, apontarem aos seus iguais - sem soberba nem ambições pessoais - o caminho da revolução.

Parafraseando o dito recente de um camarada, o "tratamento" do capitalismo é geriátrico, enquanto a construção do socialismo é um empolgante e enriquecedor trabalho pediátrico.





sexta-feira, 3 de julho de 2009

Honduras - EUA dirigem o golpe de Estado


Fala quem sabe
Dia a dia vão surgindo mais testemunhos do envolvimento norte-americano no golpe de Estado que os fascistas plutocratas hondurenhos levaram a cabo naquela república centro-americana. Pelo interesse informativo que reveste, abaixo se transcreve, no original, uma notícia divulgada pela ABN com o depoimento de dois oficiais generais hondurenhos na reserva, sobre o papel desempenhado - e ainda em curso, não obstante a hipocrisia das suas declarações - pelo governo de Barak Obama no golpe e nos seus desenvolvimentos em curso.
A resistência e as manifestações anti-fascistas que decorrem, dirigidas pelas organizações populares, reclamam de todos nós a continuação de uma firme posição de solidariedade e apoio à luta do povo hondurenho pela liberdade e pelo seu direito de dirigirem os seus destinos sem a criminosa ingerência do imperialismo.

"Estados Unidos está involucrado en golpe de Estado en
Honduras

Caracas, 03 Jul. ABN.-Los generales en situación en retiro Melvin López Hidalgo y Alberto Müller Rojas denunciaron los vínculos de Washington con el Ejército y la derecha de Honduras, brazos de Estados Unidos (EEUU) que jugaron un papel importante en el golpe de Estado ocurrido en el país centroamericano. López Hidaldo y Müller Rojas hicieron esta aseveración, junto al economista Jesús Farías, en el programa Dando y Dando que transmite Venezolana de Televisión (VTV), canal 8. En el programa explicaron que un ejemplo de ello es la base militar que desde 1970 mantiene Estados Unidos en Soto Cano, Honduras, misma que tuvo 'un papel fundamental' en el golpe que derrocó al presidente legítimo, Manuel Zelaya. De igual forma, dijeron que contrario a lo que han hecho todos los países latinoamericanos de no reconocer al presidente de facto, Roberto Micheletti, y retirar a sus embajadores, Estados Unidos sólo se limitó a suspender las maniobras militares conjuntas, cuando su presencia militar en ese país va mucho más allá de esas acciones. Asimismo, pusieron en tela de juicio al Gobierno estadounidense al señalar que ese país sólo repudió el golpe de Estado después de sentir la presión de los gobiernos latinoamericanos. Müller Rojas reafirmó esta teoría al explicar que los militares en Honduras 'no funcionan sin consultar a los asesores presentes en el país' que 'están en todos los niveles de la jerarquía militar hondureña'. Por su parte, el economista Jesús Farías señaló que el modelo de golpe aplicado por Estados Unidos es tan evidente y “calcográfico” que se ha repetido de igual forma en varios países de América. 'La historia se repite como en Chile, Argentina, Nicaragua o Venezuela. Detrás de la oligarquía nacional, la cual no se resigna a que el pueblo tome las riendas de su destino, han movido sus hilos la Agencia Central de Inteligencia (CIA) y los graduados de la Escuela de las Américas', dijo. Señaló que la vinculación de Estados Unidos es tan fuerte que Barack Obama se ha visto obligado a usar un 'lenguaje confuso' sobre el golpe militar en Honduras y calificó de 'imprecisas y oscuras' las primeras reacciones de Washington tras el secuestro y deportación de Zelaya."