SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A História repete-se? Não, mas por vezes assemelha-se muito.



À beira da passagem para um novo ano, na caminhada interminável do calendário, o pensamento foge-nos para a realização de balanços e análises sobre a marcha das nossas vidas pessoais e, por extensão do campo de visão, também sobre a marcha do nosso país e do mundo.
Há duas ou três semanas, um conhecido comentador da Antena 1, diplomata de carreira,  “saiu-se” com uma que nos dá que pensar, não tanto pela sua “criatividade” mas pelo seu carácter sintomático. Perguntou o dito comentador ao pivot do programa: “Sabe qual é o país mais parecido com Portugal?” – e, perante a espera deste pela resposta, acrescentou: “É o Portugal de antes do 25 de Abril!”.
O episódio relatado exige uma explicação adicional: sobre o tema tratado no momento da pergunta - a situação nos países árabes do norte e leste de África -, o dito comentador pretendeu dar Portugal como um exemplo da continuidade política cíclica dos países, não obstante as convulsões que momentaneamente os podem atingir.  Neste caso (o de Portugal e dos portugueses), para além da evidente mistificação com a qual o comentador com assinatura quis ludibriar os ouvintes da Antena 1 - levando-os a admitir que tudo está já como antes, o que não é inteiramente verdade - , vale a pena avaliar que semelhanças já se produzem numa comparação política das duas épocas, intervaladas por longos quase 38 anos.
O que interessa avaliarmos é em que medida existe acerto na rábula utilizada pelo reaccionário "comentarista" encartado, não na sua perspectiva retrógrada mas sim procurando fazer uma análise comparada justa. A História não se repete, afirmamos muitas vezes, pelo óbvio e irrecusável facto de o já ocorrido não puder voltar a ocorrer. Mas é bem verdade que a marcha da História nos surpreende amiúde, ao avaliarmos acontecimentos, factos e sobretudo ambientes/contextos com semelhanças surpreendentes, a confirmar o carácter relativamente constante – mas não imutável – dos comportamentos colectivos dos homens e das suas organizações políticas.


Um país pasmado, à espera da revolução

Comparando os dois períodos em Portugal, o dos idos anos setenta e o actual, um dado central emerge: o Capitalismo Monopolista de Estado aí está, regressado em força após 35 anos de contra-revolução, de novo operando a fusão entre poder económico e poder político, com o Estado inteiramente subordinado aos interesses do grande capital e reconfigurado para garantir plenamente essa sua função de classe. As importantes transformações sociais conquistadas no Ano Um da Revolução estão praticamente exauridas, com os governos dos banqueiros e monopolistas lançados numa autêntica “cruzada” para as destruir completa e totalmente, no Trabalho, na Saúde, no Ensino, na Segurança Social, na Habitação, na Cultura, tornando a cada dia que passa as realidades sociais mais assemelhadas às situações existentes nos últimos anos do fascismo.Tal como ocorria à época, os políticos estão desacreditados, os governantes fingem-se surdos aos protestos populares, enquanto crescem a pobreza e a miséria nas classes e camadas sociais mais vulneráveis, avança a recessão profunda na economia, com o cortejo dos nossos défices estruturais a crescer; aumenta galopantemente o desemprego, prossegue a marcha destrutiva de liquidação das pequenas empresas, sufocadas pelo garrote financeiro do corte de crédito pelos banqueiros, cava-se mais fundo o já enorme fosso social entre ricos e pobres; retiram direitos laborais que foram resistindo pela luta dos trabalhadores, reduzindo os salários e os complementos salariais, diminuindo o valor das pensões de reforma e elevando a idade para a ela termos direito, aumentando incessantemente as cargas fiscais nos rendimentos do trabalho e nos serviços e produtos de consumo popular, planeiam aumentar as cargas horárias do trabalho (as formais e as “informais”!), .

Paralelamente, os aparelhos repressivos crescem e, com pretexto no aumento dos assaltos a ourivesarias, a bombas de gasolina e a caixas multibanco - evidentemente um aumento de criminalidade parido pela drástica degradação social e que vai continuar a crescer! -, o governo justifica a tese da “necessidade” de recorrer a eles e usa a repressão policial tanto contra a criminalidade como contra as lutas operárias e populares, hoje chamadas "actividades perturbadoras da coesão e paz social", ao mesmo tempo que manobra visando comprometer e assegurar a fidelidade das forças policiais e militares ao projecto ditatorial já em execução. Diametralmente, as liberdades políticas e sindicais falecem, delas já só restando em muitas vertentes do seu exercício concreto uma máscara formal, a ocultar a sua progressiva extinção.
Tal como no passado, também o vector da submissão do regime ao imperialismo está presente: antes, pela mão dos embaixadores imperialistas, hoje pela via institucional "democrática" da integração do país na nefasta "União" Europeia e a submissão canina dos governos de turno aos ditames coloniais e imperialistas desta, com a supervisão dos seus próprios tecnocratas já fisicamente instalados nos ministérios e serviços do Estado português, dizendo directamente aos políticos do grande capital e aos burocratas portugueses o que devem - e como devem - fazer, com direito a reverenciais coberturas mediáticas, quase diárias, do que faz e diz o sr. Poul Thomsen!
Os eurocratas mandam e os marionetas do governo português aplicam, com um zelo verdadeiramente canino, os cortes (roubos autênticos) nos salários e nas pensões, os aumentos nos impostos, as privatizações do que resta por privatizar dos sectores económicos estratégicos e a quem os entregar, preparam pressurosamente as chamadas “reformas estruturais” para nos ajoelharem,  na legislação do trabalho, na política de investimentos públicos, na organização da Justiça, na política fiscal, nas forças militares e policiais, etc. Pode afirmar-se com inteira verdade que aquilo que Merkel e Sarkozy vão tramando nestas últimas semanas, e a que chamam a “governação económica”e a “união orçamental”, já está por antecipação em plena fase de aplicação, sem qualquer consulta ou sequer arremedo de procedimento democrático, conduzindo um país esvaído ao matadouro dos banqueiros carniceiros! E, perante o desespero dos jovens portugueses, sem saídas profissionais, sem perspectivas de vida, sem futuro, a solução que os governantes nacionais apontam é a mesma que “orgulhosamente” apontava Oliveira Salazar(*) – a emigração, a alienação no exterior das suas competências adquiridas e da sua força de trabalho, forçando-os a irem criar riqueza e enriquecerem os países e as burguesias além-fronteiras - como há dias afirmava um secretário de Estado e agora reafirmou aos professores o "presidente do conselho" de ministros, logo secundado pelo seu ministro dos assuntos parlamentares.
Paralelamente, no plano ideológico, a política terrorista da intimidação de massas martela as consciências para que desistamos de lutar pelos nossos direitos, para que aceitemos a "inevitabilidade" de agora retrocedermos aos níveis sociais de há meio século, inoculando diariamente o medo, a insegurança, visando criar um sentimento de pavor face ao tempo imediato, acenando com maiores violações das liberdades políticas, com mais miséria, visando amedrontar e paralisar os ânimos, castrando a vontade de resistir com a ameaça de novas guerras que, de facto, surgirão como inevitáveis, face aos conflitos crescentes entre as potências imperialistas em disputa.

Um mundo em ebulição política

Em conexão com esta situação interna, a situação internacional espelha a agudização das contradições do capitalismo globalizado e revela também traços de semelhança com a situação existente há quatro décadas.  Nessa época, a agudização da luta de classes e dos conflitos sociais e geracionais que se revelam, por exemplo, nos acontecimentos de Maio de 68, em França, e no fenómeno contestatário dos hippies, nos EUA,  nos finais dessa década de sessenta, virá a ter grandes desenvolvimentos em várias partes do mundo na década seguinte, com o surgimento da crise do sistema capitalista nos seus primeiros anos (73/74), transformando-se em grandes convulsões sociais e políticas, com grandes lutas operárias em numerosos países em vários continentes e um vigoroso ascenso das lutas de emancipação e libertação nacionais nas antigas colónias e nos países do terceiro mundo.
Hoje, com grandes semelhanças com aquele passado, assistimos no mundo à maior vaga de contestações sociais e políticas de sempre, tanto pelo número de países onde decorrem como pelo seu carácter de longa duração, com reivindicações políticas crescentemente radicais, contestando os próprios fundamentos do capitalismo, confrontando os governos pró-imperialistas com lutas populares massivas, com uma frequência e radicalidade inusitadas. Tal como nas décadas 60/70, também massas juvenis saem nestes dias às ruas em grandes acções de contestação dos fundamentos das "democracias" burguesas, a par de uma generalizada  e muito activa condenação dos enormes fossos sociais entre os muito ricos e as enormes multidões de pobres, afrontando directamente o poder do capital monopolista financeirizado e os seus regimes políticos neoliberais.
Cresce incessantemente uma nova consciência popular, em revolta contra as agressões de recorte neofascista e em luta contra o carácter terrorista das práticas sociais dos poderes governamentais submetidos às ordens do imperialismo. Estalam revoltas e protestos todos os dias em países dos vários continentes, resistindo e afrontando os planos do capital global-imperialista de reduzirem os povos à servidão e os países e nações à condição de províncias coloniais. Sob os nossos olhos, o mundo acelera a sua marcha de transformação e de mudanças, estilhaçando os anteriores paradigmas do poder burguês e buscando caminhos e soluções novas.


Um ímpeto poderoso que é urgente sabermos direccionar para a via da superação revolucionária

Este quadro, de âmbito mundial, regional e nacional, de crise estrutural e generalizada do capitalismo - que agoniza - coloca um enorme e decisivo desafio às organizações políticas revolucionárias do proletariado. Ideológica e orgânicamente muito fragilizadas, ainda a braços com muitas hesitações e visíveis desenvolvimentos oportunistas, com dificuldade em sacudir o jugo da ideologia burguesa e avançarem decididamente na mobilização dos movimentos operários e populares para a actividade de transformação revolucionária do "status quo". Partidos comunistas que se reclamam como continuadores dos ideais e objectivos de Marx e de Lénine acabam de realizar mais um Encontro Internacional, em Atenas - o 13º., nesta fase de ressurgimento pós-derrocada do campo socialista no continente europeu - no qual participaram 78 partidos oriundos de 59 países e se deram alguns passos, ainda que tímidos, na direcção correcta. Mas outros e mais decididos têm que ser dados e com grande urgência, e não com esta periodicidade anual e já rotineira. 
Um período da Resolução Final aprovada neste Encontro justifica aqui uma transcrição, ao assinalar algumas componentes importantes da direcção ideológica necessária à correcção dos desvios reformistas e revisionistas em curso:

«A luta ideológica do movimento comunista é de importância vital para defender e desenvolver o socialismo científico, repudiar o anticomunismo contemporâneo, fazer frente à ideologia burguesa, às teorias anticientíficas e às correntes oportunistas que rejeitam a luta de classes, e para combater o papel das forças social-democratas que, apoiando a estratégia do capital e do imperialismo, defendem e concretizam políticas antipopulares e pró-imperialistas. A compreensão da natureza unificada das tarefas de luta pela emancipação social, nacional e de classe, pela promoção clara da alternativa socialista, exige uma contra-ofensiva ideológica do movimento comunista.
A superação do capitalismo e a construção do socialismo constituem uma necessidade imperiosa para os povos. Face à crise do capitalismo e às suas consequências, as experiências e práticas internacionais de construção socialista provam a superioridade do socialismo. Sublinhamos a nossa solidariedade para com os povos que lutam pelo socialismo e estão envolvidos na construção do socialismo.
Só o socialismo pode criar as condições para a erradicação das guerras, do desemprego, da fome, da miséria, do analfabetismo, da insegurança de centenas de milhões de pessoa e da destruição do meio ambiente. Só o socialismo cria as condições para um desenvolvimento consentâneo com as necessidades contemporâneas dos trabalhadores.
Operários, camponeses, trabalhadores da cidade e do campo, mulheres, jovens, apelamo-vos para que lutem junto de nós para pôr fim à barbárie capitalista. Existe uma esperança, existe uma perspectiva. O futuro pertence ao socialismo.
O socialismo é o futuro!».

"O socialismo é o futuro!" - mas o futuro conquista-se no presente, pela luta determinada e de classe. E, nas circunstâncias existentes em Portugal, tal como nas vésperas da Revolução Portuguesa de Abril, não resultará de reformas ou correcções do capitalismo por via institucional - esta, manifestamente bloqueada - mas sim da luta de massas pela sua superação que, passo a passo, jornada a jornada, criará as condições de crise do regime que abrirá o caminho à insurreição e levantamento populares.
Para tal, também ensinamentos da experiência revolucionária que antecedeu os acontecimentos de Abril de 1974 nos poderão ser úteis. Do trabalho de Álvaro Cunhal, "Rumo à Vitória" (Ed. "Avante!", 1979, pág. 257), transcreve-se a seguinte passagem, que termina com uma citação de Lénine:

"Que acontecimentos irão precipitar a criação da situação revolucionária, ou seja, a crise simultânea das classes dominantes e das classes dominadas? Bancarrota provocada pelas despesas de guerra? Súbito e vertical agravamento do custo de vida? Sérias derrotas militares na Guiné? Ou qualquer imprevisível acontecimento que eleve ao rubro a indignação popular? Ou outro que lance a desorientação e o pânico nos círculos governantes e abra uma brecha por onde possa irromper o caudal da acção popular? O dever dos revolucionários é estarem atentos ao evoluir da situação nacional, é, como ensinou Lénine, "saber encontrar, pressentir, determinar exactamente a via concreta ou a volta dos acontecimentos que conduzirá as massas para a grande luta revolucionária verdadeira, decisiva e final"
À distância temporal de mais de meio século, em circunstâncias históricas muito diversas, as semelhanças das situações vividas, no passado e no presente, aconselham-nos a ter atentamente em conta estas palavras.
Tanto mais que, no plano das condições objectivas criadas, essa viragem revolucionária já entrou na ordem do dia. Construamos, então, corajosa e persistentemente, as necessárias condições subjectivas para a levar a cabo. 


  
(*) Nota: Há dias, o palerma Alegre, engrossando a voz, afirmou que esta forma de empurrão dos portugueses para a Emigração, dado pelo governo dos seus parceiros de "troika", não era praticado pelo governo fascista. Coitado, fora do país, não estava bem informado, ignorando que a Emigração era toda uma importante linha ideológica de Salazar e Caetano, glorificando diariamente os portugueses que eles mesmos expatriavam, como se praticassem uma gesta nacional ao nível das nossas maiores glórias históricas, como os Descobrimentos...
Enfim, mais palermices - e falsificações da História! - deste triste Alegre.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

28 de Novembro de 1820 - Em Barmen (Alemanha) nasce Friedrich Engels


Um dos dois maiores pensadores políticos (e não só) do século XIX, ele e Karl Marx criadores do pensamento operário revolucionário, Engels é ainda hoje preterido quando se trata de analisar a capacidade transformadora do pensamento sócio-político e da ideologia daquela nova corrente do pensamento que viria a adoptar a designação de Marxismo e a transformar radicalmente a nossa visão do mundo e a tornar bem real e "fazível" o milenar sonho de emancipação dos explorados. Autor de uma vasta e decisiva obra de reflexão teórica e de análise política aos acontecimentos da sua época, bem se pode dizer que se o corpo de teorias que ele, com Marx e posteriormente com a contribuição igualmente essencial de Lénine criaram, tivesse ficado a chamar-se Marxismo-Engel-Leninismo estaria absolutamente certo. Assim não sucedeu, e, deixemos então de parte esta reavaliação especulativa da designação consagrada, sem deixar de sublinhar o valor extraordinário da sua elaboração teórica, seja a sós, seja conjuntamente com Marx. Assinalando o aniversário do seu nascimento, fica um convite à leitura e estudo dos seus escritos, indispensáveis para uma correcta e integral avaliação dos fundamentos teóricos do marxismo-leninismo.
Abaixo se transcreve o último parágrafo da sua Introdução à edição da obra de Marx A Guerra Civil em França, por ocasião da comemoração do 20º aniversário da Comuna de Paris, texto que ainda hoje e cento e vinte anos depois revela uma frescura e conteúdo revolucionário espantosos, a exigirem-nos que "acertemos o passo" com a História, com a máxima urgência.

"(...)Contra esta transformação, inevitável em todos os Estados até agora existentes, do Estado e dos órgãos do Estado, de servidores da sociedade em senhores da sociedade, aplicou a Comuna dois meios infalíveis. Em primeiro lugar, ocupou todos os cargos administrativos, judiciais, docentes, por meio de eleição por sufrágio universal dos interessados, e mais, com revogação a todo o momento por estes mesmos interessados. E, em segundo lugar, ela pagou por todos os serviços, grandes e pequenos, apenas o salário que outros operários recebiam. O ordenado mais elevado que ela pagava era de 6000 francos. Assim se fechou a porta, eficazmente, à caça aos cargos e à ganância da promoção, mesmo sem os mandatos imperativos que, além do mais, no caso dos delegados para corpos representativos ainda foram acrescentados.
Esta destruição do poder de Estado até aqui existente e a sua substituição por um novo, na verdade democrático, está descrita em pormenor no terceiro capítulo da Guerra Civil. Mas era necessário entrar resumidamente aqui, mais uma vez, nalguns traços daquele porque, precisamente na Alemanha, a superstição do Estado transpôs-se da filosofia para a consciência geral da burguesia e mesmo de muitos operários. Segundo a representação filosófica, o Estado é a «realização da Ideia», ou o reino de Deus na terra traduzido para o filosófico, domínio onde se realizam ou devem realizar-se a verdade e a justiça eternas. E daí resulta, pois, uma veneração supersticiosa do Estado e de tudo o que com o Estado se relaciona, a qual aparece tanto mais facilmente quanto se está habituado, desde criança, a imaginar que os assuntos e interesses comuns a toda a sociedade não poderiam ser tratados de outra maneira do que como têm sido até aqui, ou seja, pelo Estado e pelas suas autoridades bem providas. E crê-se ter já dado um passo imensamente audaz quando alguém se liberta da crença na monarquia hereditária e jura pela república democrática. Mas, na realidade, o Estado não é outra coisa senão uma máquina para a opressão de uma classe por uma outra e, de facto, na república democrática não menos do que na monarquia; no melhor dos casos, um mal que é legado ao proletariado vitorioso na luta pela dominação de classe e cujos piores aspectos ele não poderá deixar de cortar imediatamente o mais possível, tal como no caso da Comuna, até que uma geração crescida em novas, livres condições sociais, se torne capaz de se desfazer de todo o lixo do Estado.
O filisteu social-democrata caiu recentemente, outra vez, em salutar terror à palavra: ditadura do proletariado. Ora bem, senhores, quereis saber que rosto tem esta ditadura? Olhai para a Comuna de Paris. Era a ditadura do proletariado."

Londres, no vigésimo aniversário da Comuna de Paris, 18 de Março de 1891. F. Engels


terça-feira, 22 de novembro de 2011

Greve Geral: Um Direito e Um Dever de Todos

Para os trabalhadores, participar nesta Greve Geral constitui um acto político da maior importância. Fazer a greve e assim contribuir activamente para o seu êxito é, para um trabalhador e de um ponto de vista de classe, simultâneamente um direito e um dever.

Um direito, a afirmar o seu vigoroso "Não!", ao roubo dos salários e pensões de reforma, à violação dos seus direitos (ainda) constitucionais, ao rumo para o desastre a que os poderes políticos - presidente da república, governo, assembleia da república, tribunais - têm conduzido Portugal e os portugueses. Deste modo, aderir e fazer esta GG é afirmar uma posição de combate às políticas que vêm destruindo, há 35 penosos anos o projecto e as aspirações da Democracia de Abril. É lutar consequentemente pelo fim deste regime corrupto, anti-democrático e anti-nacional e exigir um caminho político novo para Portugal, lutar por um novo poder político, exercido e apoiado pelos trabalhadores e por todas as classes e camadas laboriosas e ao seu fundamental serviço. Perante a traição dos banqueiros, da grande burguesia e dos seus serventuários, é afirmar o inalienável e patriótico direito do Povo Português à sua soberania perante o capital transnacional e a sua "troika", o imprescritível direito à independência nacional do seu país.

Um dever, de classe, de unidade e solidariedade entre todos os explorados, perante a miséria crescente que flagela os trabalhadores e a destruição dos seus direitos, conquistados ao longo de gerações de luta, face ao roubo mafioso e à liquidação de empresas e serviços públicos que vão deixando sem protecção social, sem saúde, sem educação, sem habitação digna, sem transportes, sem desporto e sem cultura as gerações velhas e novas. Assim, a adesão à GG é um compromisso de classe irrecusável, irrestrito e indispensável entre todos aqueles que vendem ou já antes venderam a sua força de trabalho, um acto de unidade e solidariedade inter-gerações, passadas, presentes e até vindouras. 





Mas fazer a greve - sempre, mas especialmente nesta GG -, também é um gesto do trabalhador consciente que afirma ainda uma outra importante componente desse acto da sua luta de classe; nesta sociedade de dominação burguesa, é uma poderosa afirmação da dignidade do Trabalho, do seu papel e valor insubstituíveis, uma afirmação da sua imensa superioridade económica, social, moral, humana. Mais uma forte razão para todos e cada um dos trabalhadores portugueses tomarem a decisão certa, justa, valorosa. DIA 24, UNIDOS E ORGANIZADOS, NÃO TRABALHAMOS! 

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

"Saída da crise": Um monumental - e perigoso - embuste!

A realidade desmascara uma mentira planetária

Os mais recentes desenvolvimentos da crise estrutural do capitalismo são demasiado sintomáticos para serem ignorados, sobretudo quando são agora objecto de descaradas profissões de fé no sacrossanto poder dos mercados para se auto-regenerarem e saírem do pântano em que se atolaram, ou ainda - o que é bem pior - de  leituras ingénuas e bem intencionadas, provocadas pela crendice superficial nas "análises" das anteriores, perante a ausência de posições sérias e corajosas que permitam o seu vigoroso desmascaramento.
As últimas cimeiras dos G-20 e da "União" Europeia, com os seus fragorosos fracassos, deixam saudosos das suas edições de há dois ou três anos todos os propagandistas do sistema! O fiasco, desta vez, tornou-se inocultável. Isto significa a completa incapacidade dos poderes políticos burgueses de lidarem com a actual situação económico-financeira na generalidade do mundo capitalista. Os governos de turno ao serviço do grande capital transnacional vivem um arrastado período de total desorientação e completa falta de soluções para "gerirem" a crise aberta em 2007/8 e, consequentemente, conseguirem continuar a mascarar a sua profundidade e gravidade sistémica. As economias nacionais afundam na recessão, os índices de produção de riqueza recuam aos níveis de há três décadas atrás, os mercados internos definham fustigados pelas perdas brutais nos salários e rendimentos do trabalho, as bolsas prosseguem na sua marcha de quedas regulares "derretendo" verbas colossais, a concessão de crédito praticamente estancou, com os banqueiros a jugular a economia real e sugando às finanças públicas dos Estados verbas monstruosas que são "evaporadas" nos buracos negros criados pelo regabofe da especulação financeira das últimas duas décadas, os recursos dos países são pirateados pela força militar dos vários pólos imperialistas e os povos mergulham no período histórico mais negro desde a última Guerra Mundial, revelando crescentes semelhanças com a fase pós-Grande Depressão na década de trinta do século passado.
Este quadro "global" desmente impiedosamente todas as patranhas constantemente difundidas pelos aparelhos ideológicos do sistema, que pretendem manter os trabalhadores e os povos paralisados pela ilusão que a "crise" é temporária e que, após um período de "sacrifícios dolorosos" - que muitos já vão dizendo ser para vários anos... - , tudo há-de voltar á normalidade, com emprego, os salários actualizados, com o consumo confiante das famílias, o desenvolvimento económico e a prosperidade, garantidos os direitos e apoios sociais hoje retirados, etc, etc. Trata-se, pura e simplesmente, de um colossal embuste! Para esta crise estrutural do capitalismo, tudo o que podemos observar nos indica que não existe uma saída controlada, dirigida, pacífica e nos limites políticos dos regimes de democracia burguesa, assim como o capital nunca devolverá aquilo que agora rouba ao trabalho. O capitalismo, tal como o conhecemos durante a segunda metade do século XX e nos primeiros anos do actual, não mais retornará e já esgotou a margem de manobra que possuiu nesse período anterior. Tornou-se a si mesmo um sistema irreformável e incapaz de se regenerar numa perspectiva desenvolvimentista, mais ou menos social-democrata (como os reformistas almejam, cegamente), mais ou menos liberal (como querem fazer-nos acreditar os que escrevem os seus panegíricos). O carácter irracional e totalmente incontrolável da marcha criminosa do capitalismo, um e outra inerentes à sua lógica interna, com o aprofundamento da concentração e centralização de capitais e da sua galopante fusão com os Estados - com a elevação do Capitalismo Monopolista (e Terrorista) de Estado ao seu máximo cume histórico -, deixa os poderes políticos burgueses de mãos atadas e completamente incapazes de qualquer decisão vagamente "independente" e contrária aos objectivos dos centros de poder transnacionais do capital financeirizado - JP Morgan, Bank of America, HSBC, Royal Bank of Scotland, BPN Paribas, Santander, Citigroup, Barclays, UniCredit Group, Mitsubishi UFJ Financial, para só citar alguns dos maiores -  que, estes sim, são verdadeiramente quem comanda os seus governos de turno e os seus parlamentos/câmaras de eco às ordens.

Uma "solução final" está de novo em marcha

O recente fenómeno verificado nos países periféricos da "U." E., ao qual já chamaram descaradamente golpes de Estado, com a substituição imposta pela troika de governos eleitos e de base partidária, na Grécia e na Itália, por "novos" governos tecnocráticos dirigidos por banqueiros - no caso italiano, visivelmente homens de mão de um outro grande banco, o Goldman Sachs -, espelha bem a alteração política qualitativa em marcha. Sob a batuta da Alemanha e com a conivência subserviente (e suicida!) da França, a UE está transformada numa almofada e escudo germânicos - e, a prazo, em "carne para canhão" - usada por aquela para se opor à agressividade do eixo EUA/Inglaterra, no confronto inter-imperialista. Como consequência, fica evidente a perda acelerada da sustentação "democrática" dos poderes políticos da grande burguesia, configurando-se essas soluções nacionais como autênticas antecâmaras de regimes neofascistas, já a emergirem desta ingovernabilidade galopante que caracteriza hoje o sistema capitalista, com os seus partidos de classe completamente desacreditados.
De facto, perante a autêntica hecatombe social provocada em inúmeros países - que dentro de alguns meses nos parecerá uma brincadeira, face à dimensão da miséria e da devastação desumana dos povos e países inteiros trucidados - que outra solução terá o grande capital que não seja recorrer às suas soluções terroristas e genocidas já aplicadas no século passado? Flagelados pela repressão, pela fome, pela destruição de apoios sociais, pela miséria crescente, massas populares erguem-se hoje para a luta por todo o mundo, mobilizam-se e saem às ruas - na Grécia, em Portugal, Itália, Reino Unido, França, Alemanha, em vários dos EUA, na Argentina, Chile, Colômbia, México, Na Tunísia, no Egipto, Yémen, Barein, Israel, na Índia, na Coreia do Sul, Japão, Austrália, Nova Zelândia, etc -, arrostando com cargas policiais, prisões e assassinatos, enquanto as potências imperialistas invadem, destroiem e chacinam, com as suas embaixadas e serviços secretos ingerindo-se com sobranceria nas políticas internas dessas nações, ao mesmo tempo que intensificam e reforçam a ocupação imperialista em mais de seis dezenas de países submetidos,  com a instalação e alargamento aí de centenas de bases militares, preparando o terreno para conflitos estratégicos de dimensão planetária.
Sem margem para interrogações académicas, é o fascismo imperial que se planeia, prepara e já se organiza abertamente.
Analisando a crise actual em desenvolvimento, uma crise do próprio modo de produção capitalista, hoje pela conjugação explosiva de uma crise de sobre-produção com uma crise de procura, originada pela pauperização das massas e pela bancarrota dos Estados, assistimos assim a mudanças de carácter qualitativo do capitalismo que, com tonalidades diferenciadas, apontam o perigo real para os povos do surgimento de um novo período negro, com repressão das liberdades, a agudização dos conflitos inter-imperialistas e a instalação da barbárie social e civilizacional, com a emergência no horizonte e a curto/médio prazo de regimes políticos neofascistas "tout court", com a multiplicação das guerras de agressão e domínio sobre os povos.

Como sempre, "que fazer?"

A grande mentira da "saída da crise" é, simultâneamente, um monumental e perigoso embuste. Não existirá saída desta crise nos marcos do capitalismo e, em cada dia que passa, agrava-se a ofensiva de espoliação dos trabalhadores e dos países e vai crescendo a ameaça da instauração de novos regimes afirmadamente anti-democráticos, caminhando para a reconstituição de poderes claramente fascistas. E daqui decorrem as tarefas mais imediatas e mais urgentes para as forças revolucionárias no mundo inteiro, sem exclusão daquelas que intervêm em países ainda vivendo etapas de aparente "isolamento" da crise estrutural e que vão ansiando - erradamente - poderem passar incólumes pelo furacão que se está a formar, sem serem atingidos pelas suas forças destruidoras.
Os trabalhadores, os cidadãos, os povos, todos e cada um de nós, devemos desmentir e rejeitar frontalmente, com firmeza e veemência, essa mentira "global" da falsa saída da crise que diariamente nos pretendem impingir. Devemos expôr e revelar, nú e crú, o momento actual do sistema capitalista e as nefandas perspectivas que está engendrando, tal como os enormes perigos que encerra. Nenhuma hesitação, nenhuma contemporização, nenhumas posições e atitudes que possam contribuir para este processo mistificatório de "adormecimento" das consciências. Não podemos dar tréguas ao nosso inimigo, quando ele prepara o salto para nos liquidar.
O tempo, urge. Não podemos cair na armadilha de sermos os "grilos falantes" da nossa época, limitando-nos à análise e denúncia de cada etapa e cada passo no caminho do abismo, pois o plano inclinado em que resvalamos, a não ser invertido desde agora, a breve prazo já não nos permitirá espaço de manobra e então será demasiado tarde. Tal como também não é a atitude certa gritarmos "vem aí o lobo!", tantas vezes que deixaremos de ser escutados. Se não há solução para esta crise nos estritos limites do capitalismo que nos impõem, então temos que romper com essas amarras, estilhaçando as vendas mediáticas dessa mentira e afirmarmos as soluções novas e verdadeiras que só a construção de sociedades socialistas nos garantem. Ruptura é isso mesmo, precisamente! Um corte total, ideológico e político, com os viciados e esgotados modelos das "democracias" do capital e o apontar de um rumo novo, assente na democracia do povo e para o povo. Como dizia Lénine, quando no seu tempo fustigava os reformistas e os conciliadores de classes, devemos recusar realizar a "revolta de joelhos" e sim preparar e concretizar a revolução de pé, tendo por objectivo claro e mobilizador o socialismo.
As lutas dos trabalhadores, dos democratas e dos povos já não são somente o caminho para resistir à ofensiva ditatorial e terrorista do capital; tais lutas tornam-se hoje, por força do actual estádio do imperialismo, a via fundamental para travar esta marcha para o abismo e conquistar uma nova organização operária e popular dos Estados, ao serviço dos trabalhadores e de outras camadas sociais laboriosas suas aliadas. Nos nossos dias, concretamente em Portugal, as clivagens sociais e de classe do capitalismo extremaram-se a um ponto nunca anteriormente atingido. Objectivamente, de um lado estão os banqueiros e os monopólios, os grandes proprietários fundiários, com as suas cortes de lacaios e serventuários à ilharga; do outro lado - o nosso lado - estão a classe operária, todos os assalariados e explorados, a generalidade da intelectualidade, a maioria dos profissionais liberais, os magistrados, os estudantes, os reformados, os militares.
No próximo dia 24/11, o Movimento Operário e Sindical vai realizar uma nova Greve Geral que constitui nestes dias a tarefa central de todos os militantes revolucionários, chamados a organizar, mobilizar e garantir o seu pleno êxito. Trata-se de uma grande jornada política de massas, de contestação ao governo e à ingerência da troika imperialista, um passo muito importante na marcha do combate de classes que travamos. Mas a sua realização, sendo como esperamos  - e tudo nos indica que assim será - a maior G.G. realizada em muitos anos, tem de ter urgente sequência em iniciativas e acções unificadoras de todo o Movimento Popular, com a rápida criação de plataformas ou frentes de unidade revolucionárias, agregando todas as estruturas representativas das classes e camadas sociais objectivamente interessadas no derrube do governo dos banqueiros e na sua substituição por um novo poder dos trabalhadores, partilhado em aliança com as restantes estruturas populares organizadas.
É necessário e urgente multiplicar as iniciativas de aproximação e aliança entre todas as classes e camadas anti-monopolistas, em torno de um programa político transformador comum. A marcha do tempo e dos acontecimentos, um estado de verdadeira emergência nacional, instam-nos a responder à sua chamada, sem hesitações e sem delongas paralisantes. Não percamos nem um minuto, pois o que se decide é o nosso futuro comum durante as próximas décadas.
Agora, claramente, ou somos nós, a imensa maioria - os trabalhadores, os democratas, o povo - ou serão "eles", uma ínfima e criminal minoria - os banqueiros, a grande burguesia, os imperialistas e os seus cães de fila, os neofascistas. "Acordai!"

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Álvaro Cunhal: O testemunho revolucionário de um jovem comunista aos 26 anos

Um Problema de Consciência 

O exterior parece terrivelmente inimigo. como se nas ruas só passassem funerais. Como se nos roubassem a família, os amigos e quedássemos sós e desamparados.A tragédia intensa do presente emprenha a visão do futuro de sombrias expectativas. Afigura-se a muitos que no futuro haverá sempre rostos empalidecidos e cheiro a pólvora e a sangue quente. Ontem parecia que o dia de hoje havia de ser risonho e acolhedor. E agora, agora, que grande serenidade para poder crer no dia de amanhã!
Quando a vida é incerta e baila ante os homens a perspectiva da morte, inunda-os uma ansiedade traduzível assim: «irei tão cedo deixar de ser?»
(...)
A admissão da estabilidade de um mundo a que se não podem mostrar os corações, força a lançar rápido e iluminado olhar ao tempo em que se esperou, em que os ora desalentados ainda tinham fé no que hoje não é presente e então parecia vir a ser futuro. Uma derrota profunda e dorida leva muitos a pensar que haverá sempre e só derrotas. Ver morrer os outros vencidos; talvez também morrer vencido. No vasto mundo muitas vezes se apagam vidas, ao procurarem derrubar velhos e endurecidos troncos. E há sempre quem represente o papel de irmão desalentado: «Para quê viver? Coisas que sempre foram e hão-de ser... O homem vive encadeado a leis irresistíveis. Inúteis os sacrifícios dos que procuram modificar os seus ditames». Como se os homens não pudessem construir a sua própria história. Como se as leis da evolução das sociedades não reservassem lugar à vontade humana.
(...)
Por isso, aqueles que acreditaram e não crêem fogem, afastam-se, renunciam. Por isso também há homens que projectam a sua existência para além da morte. Uma alma que voe para rumo extra-terreno. Ou um ser que se desintegra para subsistir integrado em novos seres. Qualquer coisa que justifique o caminho percorrido entre o nascimento e a morte. Sonha-se para fora da terra com uma vida que nesta se não tem. Ou sonha-se com o que fica...
A morte é elemento essencial da vida. Mas isso não basta para que se aceite sem mágoa. É que a pergunta: «deixarei de ser hoje? amanhã?» — intensifica e aproxima o grande problema de consciência: «O que andei por cá fazendo? Que fica sobre a terra da minha passagem sobre a terra?»
Não satisfaz uma vida além-túmulo, mesmo que a imaginação empreste à alma asas imateriais. É esta terra donde brotou o pão que manteve o corpo e a água que matou a sede, esta terra donde tudo (mesmo pouco) nos veio e para onde iremos — e é esta humanidade a que pertencemos, este grande colectivo a que nos liga o sangue, o amor, o ódio e a interdependência — é esta terra e esta humanidade que nos exigem uma explicação.
(...)
Quando a perspectiva da morte ou dum futuro trágico baila ante todos, até os jovens, como os velhos, olham o passado. E, depois, quantas vezes o desinteresse e a renúncia não vêm juntar a uma derrota ou a um momentâneo recuo colectivo, uma irremissível derrota individual.
Porém, quando assim se não voga ao sabor da corrente, mas antes se escolhe caminho e se marcha, novamente o futuro sorri, à nossa vida ou à nossa morte. Sorri porque nele se adivinham marcadas as acções que vão ser praticadas. Porque a nossa vitalidade é afinal a direcção do que vem. Porque se ganha confiança na perpetuidade dos nossos actos. Subsiste a alma? O apodrecimento e desintegração é a última étape? Que interessa isso, se ganhámos uma nova eternidade!
Enquanto a humanidade for humanidade, as acções que hoje praticamos estarão sempre presentes, resistindo ao tempo e ao esquecimento a que nos votarão os nossos netos. Já os nossos corpos terão perdido a forma humana, já as suas partículas viverão separadas e dispersas e ainda nas sociedades futuras os efeitos dos efeitos das nossas acções evocarão a nossa passada existência. Com esta concepção, sentimo-nos (hoje) obreiros anónimos do futuro. Ao problema da morte, do não ser, responde satisfatoriamente a certeza consoladora deste prolongamento da nossa existência. Se se pudesse falar em eternidade, esta seria a única eternidade da nossa vida, como seres pensantes e voluntariosos.
Por isso, quanto mais sorridente é a visão do mundo que fica, quanto mais funda é a consciência de que tudo se fez para deixar aos filhos valiosa herança, menos dura e menos brutal aparece a visão da morte.
Não se trata de olhar para trás e perguntar com angústia: «que fiz? que fiz?» Trata-se de olhar em frente e perguntar com confiança e serenidade: «que poderei ainda fazer?» Não é só um exame de consciência que urge fazer: é também um apelo à consciência!
(...)
Num mundo em que não há risos sem lágrimas, a felicidade nunca pode ser uma situação com caracteres próprios e momentâneos. A felicidade não pode existir, não existe, como situação particular: nem quando dependente de factos estranhos à própria vontade; nem como ideia abstracta. A felicidade só pode existir como um atributo de toda uma vida. Só a satisfação pela vida que se vive poderá tornar feliz. Há então que não subordinar as acções ao alcance dum prazer. Mas antes amoldar a ideia de felicidade à vida que se vive.

(...)
Se a felicidade é dada pela satisfação da linha de conduta, pela satisfação de que se procede bem, nada, nada, nem os gritos da própria carne esfacelada, nem lágrimas de emoção, nem a revolta instante e desesperada, pode destruí-la. Porque, acima dos próprio gritos, das próprias lágrimas, do próprio desespero, fica sempre a certeza duma vida voluntariosa e independente ou – se se preferir a expressão – recta, leal, digna.
Então suporta-se a dor e ama-se a vida. Podem as leis da natureza esfrangalhar o corpo. Podem os órgãos começar cansando. E as pernas vergando de fadiga. Amortecendo-se a percepção. O corpo começar em vida o seu desagregamento. Poderá bailar ante os olhos a perspectiva da morte e o fim surgir num amanhã irremissível.
E haverá sempre vontade de continuar, procedendo sempre e sempre duma forma escolhida, marchando sempre para um destino humano e uma missão terrena voluntariosamente traçada. Haverá sempre anseio de continuidade e aperfeiçoamento.
Atravessar-se-ão tragédias com lágrimas nos olhos, um sorriso nos lábios e uma fé nos peitos.

Álvaro Cunhal, 1939, in "O Diabo"

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Comemoremos Outubro de 1917 - A Constituição Soviética de 1936

Comemoramos nestes dias, prenhes de actividade política e de lutas sociais, mais um aniversário da Revolução de Outubro, momento de viragem histórica na marcha da Humanidade e o marco transformador mais impressivo do último século. Decorridas quase duas décadas após essa arrojada e imorredoura gesta dos operários revolucionários russos dirigidos pelo Partido de Lénine, era discutida e promulgada uma nova Constituição Soviética.
Homenageando Outubro, transcreve-se abaixo o seu primeiro capítulo, cuja leitura nos faz parafrasear uma conhecida expressão muito nossa, ao afirmarmos termos "saudades do futuro", aqui com essas "saudades" também literalmente ligadas a este passado constitucional soviético, velho de 75 anos mas tão carregado de novo se comparado com a realidade dos nossos dias.
De entre estes doze enunciados torna-se irresistível e inevitável sublinhar o carácter "futurista" do 12º artigo, perante uma realidade contemporânea portuguesa abjectamente marcada pela existência impante de "trabalhadores" do tipo Américo Amorim, ou dos Melos, dos Belmiros de Azevedo, do Joe Berardo, dos Espírito Santo, etc, aos quais podemos sempre juntar umas boas pazadas dos políticos troikanos que os servem - todos uns moiros de trabalho, coitados!, a começar pelo actual 1º ministro que "começou" aos 40 anos a fingir (nas empresas de um seu grande amigo, outro "trabalhador", o Ângelo Correia...).
Mas relembremos então estas inovadoras e revolucionárias normas de organização social e política soviéticas, velhinhas de sete décadas e meia:

«CAPÍTULO I


A ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE SOVIÉTICA


ARTIGO 1. A União de Repúblicas Socialistas Soviéticas é um estado socialista de operários e camponeses.

ARTIGO 2. Os Sovietes de Deputados do Povo, que cresceram e atingiram força como resultado da destituição dos senhorios e capitalistas e da conquista da ditadura do proletariado, constitui a fundação política da U.R.S.S.

ARTIGO 3. Na U.R.S.S. todo o poder pertence ao povo trabalhador das cidades e do país representado pelo Soviete de Deputados do Povo.

ARTIGO 4. O sistema socialista de economia e de propriedade socialista dos meios e instrumentos de produção que firmemente se estabelece como resultado da abolição do sistema económico capitalista, da propriedade privada dos meios e instrumentos de produção e da exploração do homem pelo homem, constitui a fundação económica da U.R.S.S.

ARTIGO 5. A propriedade socialista na U.R.S.S. existe tanto como forma de propriedade estatal (a posse de todo o povo), ou como forma de propriedade cooperativa e colectiva (propriedade de uma fazenda colectiva ou propriedade de uma associação cooperativa).

ARTIGO 6. A terra, seus depósitos naturais, águas, florestas, moinhos, fábricas, minas, ferrovias, transporte por água e ar, bancos, correio, telégrafo e telefones, grandes empresas agrícolas organizadas pelo estado (sovkhozes, estações de máquinas e tractores e etc) assim como as empresas municipais e boa parte das habitações nas cidades e localidades industriais, são propriedade do estado, isto é, pertencem a todo o povo.

ARTIGO 7. Empreendimentos públicos nas fazendas colectivas (kolkhozes) e organizações cooperativas, com a sua criação e instrumentos, os produtos dos kolkhozes e organizações cooperativas, assim como os seus prédios comuns, constituem a propriedade socialista comum das fazendas colectivas e organizações cooperativas. Além da renda básica do empreendimento do kolkhoz, cada unidade familiar numa fazenda colectiva tem para seu uso pessoal uma pequena porção de terra anexada à residência e, como sua propriedade pessoal, um estabelecimento secundário na porção de terra, uma residência, criação, aves domésticas e instrumentos agrícolas secundários de acordo com os estatutos da unidade agrícola.

ARTIGO 8. A terra ocupada pelas fazendas colectivas está segura de ser utilizada livre de taxas e por tempo ilimitado, isto é, em perpetuidade.

ARTIGO 9. Junto do sistema económico socialista, que é a forma predominante de economia da U.R.S.S., a lei permite a pequena economia privada de indivíduos camponeses e artesãos, baseada em seu trabalho pessoal e impedindo a exploração do trabalho de outros.

ARTIGO 10. O direito dos cidadãos à sua propriedade pessoal, das rendas do trabalho e suas poupanças, das suas residências e subsidiária economia familiar, dos móveis e utensílios da sua residência e artigos de uso pessoal e conveniência, assim como o direito de herança da propriedade pessoal dos cidadãos, é protegido por lei.

ARTIGO 11. A vida económica da U.R.S.S. é determinada e direccionada pelo plano económico nacional estatal com o objetivo de aumentar a riqueza pública, de regularmente melhorar as condições materiais do povo trabalhador e aumentar seu nível cultural, de consolidar a independência da U.R.S.S. e fortalecer sua capacidade defensiva.

ARTIGO 12. Na U.R.S.S. o trabalho é um dever e uma questão de honra para qualquer cidadão corporalmente-capacitado, de acordo com o princípio: “Aquele que não trabalha, não deve comer.”
O princípio aplicado na U.R.S.S. é o do socialismo: “De cada um, de acordo com suas habilidades, a cada um, de acordo com seu trabalho.”»

Com uma frescura que até nos "enregela", a nós, "cidadãos europeus da UE", resta-nos acelerar o tempo da História e conquistar um novo tempo no qual aqueles "trabalhadores" passem mesmo a ter de trabalhar, se quiserem comer - ou, como alternativa, deixem de estar junto de nós, tornados fugitivos ou desaparecidos da nossa vista. Temos que os ajudar... a "desempatarem-nos a loja"!
No imediato, realizando uma Grande Greve Geral, no próximo dia 24 de Novembro, com a participação de muitos mais trabalhadores, mais sectores de actividade, mais empresas, com a activa participação popular nas concentrações e desfiles em preparação para esse dia. A luta, continua e vai alargar-se!

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Grécia: “Quando os de baixo já não aceitam e os de cima já não podem”

Estoirou uma crise política estrutural na Grécia. O primeiro-ministro em funções, do PASOK, anunciou hoje a intenção de convocar um referendo para que os eleitores gregos decidam se o seu país aceita as brutais condições de submissão negociadas pelo seu governo com a governação bicéfala franco-germana da "U".E. Como se deixou escrito no anterior post, na origem destas contraditórias posições e das grandes dificuldades que criam à gestão europeia capitalista está, indiscutivelmente, a corajosa luta travada pelos camaradas comunistas gregos e a luta dos trabalhadores e massas populares organizados sob a direcção da PAME.
As repercussões desta decisão extrema do governo "socialista" atingem já a dimensão de um tsunami que varre toda a Europa e atinge já o outro lado do Atlântico. Reinam a estupefacção, a desorientação e o temor de uma crise generalizada que faça implodir o euro e esta "construção" europeia do grande capital que dá pelo mascarado nome de "União" Europeia. Multiplicam-se as declarações de chantagem sobre o povo grego, exigindo-lhe que se ajoelhe e cumpra todas as imposições económico-financeiras da Troika, qualquer que seja o resultado desse próximo referendo, isto é, mais uma vez a proclamada "democracia" do "mundo ocidental" é mandada às malvas pelos seus principais propagandistas e beneficiários. O Prémio Ignóbil Obama apressou-se a exigir medidas de contenção dos estragos aos seus parceiros, ao mesmo tempo que vai ganhando conjunturalmente pontos na competição inter-imperialista.
As bolsas capitalistas europeias e a norte-americana assistem ao princípio de um grande "crash" que decerto amanhã se estenderá às asiáticas, tornando imprevisível que cenário económico-financeiro agravado resultará desta nova manifestação da crise sistémica do capitalismo, em curso nestes últimos três anos.
Devemos acompanhar atentamente o desenvolvimento desta crise, seja quanto aos seus impactos e consequências em todos os países submetidos à ditadura Merkel/Sarkozy, seja muito especialmente quanto aos acontecimentos que se seguirão na própria Grécia. Actualmente o alvo central da violenta ofensiva espoliadora dos banqueiros e monopolistas, são de esperar novas peripécias no funcionamento do regime rotativo do poder político grego de turno ao serviço do grande capital. Como sempre - e à semelhança do que recentemente (e mais uma vez!) ocorreu em Portugal -, a parte bi-partidária hoje na "oposição" apressou-se a clamar por novas eleições, visando dar continuidade à fantochada eleitoreira dos partidos da burguesia e deste modo tentar salvar os interesses ameaçados desta, alvo principal das lutas operárias e agora com a sua posição dominante fragilizada pelo vigoroso ascenso das lutas populares de massas gregas.
Parece notória a existência de uma situação revolucionária em rápido amadurecimento na Grécia.O CC do PCGrego acaba de divulgar um apelo aos trabalhadores e ao povo gregos para uma nova e decisiva acção de massas em Atenas, já na próxima sexta-feira, em resposta ao brusco agudizar da crise política. Dessa nota, pela sua importância, transcreve-se o seguinte trecho: 

ABAIXO O GOVERNO E OS PARTIDOS DA PLUTOCRACIA!
AS PESSOAS PODEM IMPEDIR E ACABAR COM OS SACRIFÍCIOS SELVAGENS QUE SÃO IMPOSTOS, POR MEIO DE NOVOS ACORDOS E NOVOS MEMORANDOS  PARA ASSEGURAR OS LUCROS E A PROTECÇÃO DA UE E DA ZONA EURO.
O povo deve reforçar a luta de classe e lutas populares e utilizar as eleições para enfraquecer o PASOK-ND e outras partes da plutocracia e da UE. O KKE deve ser reforçada. Ao mesmo tempo, a organização das pessoas nos locais de trabalho e bairros deve prosseguir mais decisivamente. Este é o caminho para bloquear o pior que eles estão trazendo, como o nítido aprofundamento da crise na UE na zona do euro e das contradições inter-imperialistas.
Agora, o povo deve confiar na sua justa causa e nas suas forças para repelir o pior. Deve acabar com as ilusões, as chamadas ao consenso e à coesão social, as construções ideológicas, os falsos dilemas que são promovidos pelos partidos burgueses.

Uma solução em favor do povo só pode ser alcançada com o KKE e com uma forte organização do povo.
Uma Aliança Popular e a contra-ofensiva para o poder popular, a socialização dos monopólios, a retirada do país da UE e o cancelamento unilateral da dívida. (tradução livre)

Tal como outras insurreições e lutas insurreccionais que vão deflagrando por vários continentes, o futuro dos europeus será conquista dos trabalhadores e dos povos, através da sua unidade e pela luta, elevadas a novos patamares organizacionais e da acção revolucionária. Rapidamente, amadurecem as condições objectivas para tal. Após esta aguda crise grega e europeia, nada ficará como dantes. Hoje no olho do furacão da luta de classes na velha Europa, o povo grego é mobilizado para a luta pelos comunistas, que lhe devem apontar o caminho para o avanço revolucionário e para conquistar uma nova relação de forças que aponte ao futuro socialista da Grécia. Com tal posição, cumprem com honra o seu papel de vanguarda revolucionária.
Grande responsabilidade assumimos nós, democratas, patriotas, revolucionários nos restantes países da "U".E., também agredidos violentamente pelas governações troikanas. Na activa e internacionalista solidariedade com as forças progressistas e a luta do povo grego. Na correcta avaliação dos acontecimentos em curso, aprendendo e colhendos os ensinamentos que eles nos vão proporcionar.Ombreando com os camaradas gregos e de outros países europeus para isolar as manobras, chantagens e ameaças do directório franco-alemão, exigindo juntos o fim dos pactos anti-operários e anti-nacionais e um novo poder dos trabalhadores e dos povos que derrote e finalmente enterre este Capitalismo Monopolista (Terrorista) de Estado.

Solidariedade-Unidade-Luta, eis o nosso caminho comum.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Somos Todos Gregos!

Segundo noticia o "Avante!" na edição de hoje, o Secretariado do CC do PCP acaba de enviar uma nota de saudação ao Comité Central do PCGrego onde se lê:  

«No momento em que os trabalhadores e o povo grego, com a decisiva contribuição do Partido Comunista da Grécia (PCG), se encontram empenhados numa luta de grande dimensão de massas e de grande significado e importância política, queremos manifestar-vos a fraternal solidariedade dos comunistas portugueses». Noutro parágrafo dessa mensagem, afirma-se também: «a vossa luta corajosa contra as impiedosas medidas das forças do grande capital constitui um estímulo à luta que em Portugal travamos»

As actuais circunstâncias da luta de classes nos países europeus, submetidos aos desmandos ditatoriais do directório franco-germânico da U.E. - encabeçado pela neofascista Merkel  -, são de um grande grau de exigência. Precisamente porque a ofensiva contra os trabalhadores e os povos atingiu já uma dimensão e grau de gravidade nunca antes verificados, fruto da violenta ofensiva do capitalismo agonizante nesta segunda década do século que será, no tempo histórico, o seu  coveiro. Sendo assim, mais importantes são as manifestações e as provas de solidariedade militante internacionalista entre os destacamentos revolucionários que combatem na mesma linha da frente.

Na nota divulgada pelo KKE após a grande jornada de luta da Greve Geral de 48 horas, há dias realizada pelos trabalhadores gregos, pode ler-se:


"Um mar sem precedentes de centenas de milhares de pessoas participou no majestoso comício de greve do PAME, o qual encheu Atenas de um modo jamais visto nas últimas décadas, no primeiro dia da greve geral de 48 horas à escala nacional. Todas as ruas centrais de Atenas foram cheias num nível sufocante pelas enormes multidões de trabalhadores e durante muitas horas. Comícios maciços e sem precedentes em dimensão e militância tiveram lugar em todas as cidades da Grécia. Estas forças uniram-se de modo a que a proposta de lei com novas medidas anti-povo não fosse votada. As palavras de ordem foram: Abaixo o governo e os partidos da plutocracia, organização e aliança de trabalhadores por toda a parte, solução quanto à questão do poder. O slogan que ressoou no comício foi "Trabalhador, sem ti nenhum dente da engrenagem pode girar, tu podes actuar sem os patrões", "Desobediência à plutocracia", "Povo, uma frente para o poder"(...) "Os grupos provocadores que saltaram fora dos contingentes das organizações sindicais comprometidas do GSEE e da ADEDY procuraram, mais uma vez, criar incidentes encenados. No entanto, eles não conseguiram esconder a enorme dimensão e as exigências do imenso comício da greve, a participação organizada e protegida do povo trabalhador nas manifestações do PAME nas quais não se verificou um único incidente." (publicado por "resistir.info")


Com uma frase frequentemente utilizada quando queremos exprimir a nossa solidariedade com a luta heróica do Povo Palestiniano, costumamos afirmar que "Somos todos Palestinianos!". Tal frase aplica-se hoje, inteiramente, à irrecusável e irrestrita solidariedade de classe de que somos devedores perante a luta igualmente exemplar que travam os camaradas gregos, à frente dos trabalhadores e do seu povo.
Na primeira linha do combate frontal contra o capitalismo no teatro europeu, a luta dos camaradas gregos é também a nossa luta. Os recuos e a decisão do grande capital europeu de "perdoar" (!) metade da dívida da Grécia é fundamentalmente um primeiro resultado da luta renhida e determinada dos camaradas gregos, mobilizando o povo grego na rejeição da ofensiva espoliadora e agressiva das principais potências imperialistas da U.E. e indicando um novo poder dos trabalhadores e do povo como a verdadeira e única solução para derrotarem  aquela ofensiva e todos ultrapassarmos a etapa actual do Capitalismo, orientando a nossa caminhada comum rumo ao Socialismo. Hoje, na Europa, também devemos afirmar: "Somos Todos Gregos!"

sábado, 15 de outubro de 2011

Capitalismo Monopolista (e Terrorista) de Estado. Que Ruptura ( Que Revolução ) ?

Sobre um pano de fundo marcado pela maior crise do sistema capitalista em quase cem anos, com a irrupção de inúmeras revoltas nacionais e populares por todo o mundo - dos países árabes aos europeus, dos EUA a Israel, dos países latino-americanos aos asiáticos - , importa avaliar em que ponto nos encontramos.  Definir e caracterizar o estádio actual de desenvolvimento do capitalismo é tarefa indispensável e insubstituível para todos aqueles que colocam o objectivo político da transformação profunda da pantanosa situação existente.  Trata-se portanto de uma análise prévia à afirmação do caminho e dos meios para atingir aquela transformação progressista.
Em Portugal, tal como na generalidade dos países capitalistas desenvolvidos, não obstante os vários graus desse desenvolvimento em cada país e as suas particularidades, o estádio actual do capitalismo deve ser designado pela definição clássica de Capitalismo Monopolista de Estado, à qual se deve acrescentar a sua condição Terrorista (C.M.(T.)E.). Com contornos nacionalmente diferenciados nos aspectos de pormenor, nos seus traços gerais fundamentais é o C.M.(T.)E. a nossa etapa comum, seja considerando o nosso país ou os EUA, seja a Grécia ou a Argentina, seja a Índia ou a Alemanha, o Brasil ou a Itália, a Austrália ou a Rússia, a África do Sul ou o México, o Canadá ou o Japão, a França ou o Chile. Isto é, sejam os países centrais do sistema capitalista global, sejam os países de desenvolvimento intermédio ou os periféricos, em todos eles vigora um mesmo momento global e globalizado: a completa fusão/subordinação do Estado com o poder económico dos monopólios, numa complexa teia de inter-relações e inter-penetrações entre o poder do grande capital e seus agentes e os ocupantes de turno do poder político, em numerosos casos com os mesmos protagonistas agindo simultânea e despudoradamente em ambos os campos. Um fenómeno global que se generalizou a partir da década de 90 do último século com a ofensiva neoliberal, respaldada na destruição dos países socialistas e que hoje caracteriza a organização política capitalista, com o poder económico/político dos banqueiros e monopólios a sobrepujar e subalternizar os poderes (aparentes) das democracias burguesas, transformando-as em ditaduras de fachada democrática, com os governos de turno transformados em conselhos de administração dos interesses exclusivos daqueles.
A novidade actual do C.M.(T.)E. é exactamente a sua transformação numa dominação de classe com contornos claramente neofascistas, lançado numa nova etapa da repressão dos movimentos operários e populares, no estrangulamento das liberdades políticas dos regimes burgueses anteriormente vigentes, com o crescente recurso a novas práticas terroristas no campo social, no campo económico, no campo militar. De facto, perante o crescente protesto e indignação populares, confrontado com um notável ascenso das lutas de massas operárias e de outras camadas sociais flageladas, o novel C.M.(T.)E. revela de forma exuberante os seus reais contornos de ditadura terrorista do grande capital, perdendo gradualmente as capas e as máscaras "democráticas" burguesas.
Confirmando a existência de um comando de classe unificado e de abrangência mundial, o capitalismo agonizante replica em todos os países dominados as mesmíssimas tácticas e actua concertadamente para impor uma estratégia "globalizada". As mesmas medidas legislativas contra as anteriores leis do trabalho, da organização sindical e da contratação colectiva; as mesmas políticas de liquidação dos direitos e serviços sociais; as mesmas soluções privatizadoras de esbulho "legal" das empresas e serviços públicos; as mesmas políticas fiscais de sangramento dos já reduzidos rendimentos do trabalho; as mesmas práticas policiescas de provocação e repressão sobre os movimentos populares; no plano internacional, a mesmíssima "diplomacia do canhão" agredindo, ocupando, destruindo infra-estruturas e chacinando as populações civis, aplicando as técnicas genocidas sobre milhões de seres humanos. Deste modo, no âmbito planetário que "globalizou", aplica com contornos novos a velha estratégia das crises do capitalismo, operando a destruição massiva de colossais recursos e meios de produção, a par da rapina "manu militari" dos recursos naturais e riquezas económicas dos países submetidos - designadamente as suas reservas petrolíferas nacionais, terras agricultáveis, minas, recursos pesqueiros, florestas, reservas aquíferas, etc - , tudo isto visando impor pela força um artificial "retorno" às condições de reprodução do capital e de exploração do trabalho típicas da época colonial e "neoliberal" do início do século passado. Um retrocesso civilizacional de quase um século.
Este quadro agressivo do actual C.M.(T.)E. confronta-se com uma crescente disposição anti-imperialista e mesmo anti-capitalista dos povos agredidos, numa vasta corrente multinacional de renhidas lutas operárias e populares em todos os continentes. Aumenta a indignação, cresce o protesto, radicaliza-se a luta, frequentemente de carácter espontaneísta e pouco consequente, encabeçadas por movimentos muito heterogéneos e contraditórios; alarga-se o número de países nos quais eclodem revoltas e movimentos de contestação, tanto nos que constituem o centro do sistema como nos da sua periferia. Isto é, amadureceram rapidamente - e estão amadurecendo todos os dias, continuamente - as condições objectivas que vão criando novas crises e situações revolucionárias. E é neste ponto que incide a urgência de uma clara avaliação por parte das forças revolucionárias do momento em que estamos.
Com a presente etapa do C.M.(T.)E., o capitalismo atingiu um grau de amadurecimento que inviabiliza qualquer solução política orientada para o progresso e ao serviço dos povos que persista na aplicação das fórmulas nacional-democráticas defendidas há escassas duas ou três décadas. Ou seja, não é o escopo central das soluções económicas e sociais progressistas das  diversas esquerdas nacionais consequentes que a realidade rejeita e tornou obsoletas; são as soluções políticas, traduzidas em alianças sociais, e, sobretudo, as vias de transformação e avanço - as formas e os meios - para as concretizar que exigem uma actualização dos programas e dos métodos da luta política de classes. Querer forçar o capitalismo globalizado a regressar aos tempos desenvolvimentistas das décadas de 60 e 70 do século XX, como defendem os neokeynesianos de "esquerda", querer voltar aos anos dourados dos Estados-Providência social-democratas quando hoje já não existe o campo socialista que há três décadas continha a expansão mundializada do capitalismo, querer "reformar" o capitalismo financeirizado "mau" e substituí-lo por um "capitalismo de rosto humano e ao serviço das pessoas", mais que uma populista utopia é uma completa mistificação das leis do desenvolvimento do capitalismo e uma via de traição dos explorados, com o objectivo ilusório de conceder tempo e margem de manobra ao grande capital, nestes dias agudamente acossado pela indignação e vontade de mudança das massas populares. Equivale, objectivamente, a defender a paralisia dos movimentos revolucionários, com a sujeição da classe operária à perpetuação da exploração e da opressão e os povos à continuação da humilhação, sacrificando as suas dignidades e soberanias nacionais.
Torna-se assim uma evidência e uma necessidade histórica imposta pela marcha dos povos o fim do capitalismo como sistema sócio-político, capitalismo que jamais aceitará o suicídio. Então, para o superar definitivamente, só nos resta recorrer aos processos insurrecionais populares de massas, paciente e determinadamente organizados e que coloquem com clareza o objectivo da constitucionalização de um novo poder de classe, assente em novos Estados dos trabalhadores. Só movimentos revolucionários amplos e unificados, simultâneamente sociais e políticos, terão a força capaz de derrotar a resistência que será oposta pelo grande capital e assegurar a transição para o Socialismo, só processos políticos revolucionários podem aspirar a construir as sociedades novas neste século prenhe de grandes e rápidas mudanças de carácter revolucionário.
Os partidos operários e comunistas que continuem propondo revoluções nacionais-democráticas, ignorando a nova configuração internacional do capital, estão caminhando por uma via errada e sem futuro. Continuar insistindo nessa via significa iludir a realidade e conduzir os seus militantes a combaterem por uma causa antecipadamente perdida e derrotada. Tal como é também um outro caminho para a derrota a afirmação teórica de terem por objectivo o socialismo mas para alcançar através de etapas que se iriam sucedendo - com a complacência/"colaboração" dos Estados capitalistas... - , sem apontar claramente a necessidade de uma ruptura radical e de classe. Em Portugal, os comunistas têm colocado a questão da necessidade de uma ruptura política democrática e patriótica para se obter a superação do C.M.(T.)E. vigente; chegou a hora da necessidade da clarificação dessa fórmula, afirmando que essa ruptura só poderá ser obtida pela via revolucionária e que só será democrática e patriótica se se colocar como objectivo a construção de um novo poder de Estado dos operários em aliança com as outras classes e camadas laboriosas das cidades e do campo - trabalhadores da administração pública, dos serviços, intelectuais, micro e pequenos empresários por conta própria no comércio, nos serviços, na indústria, na agricultura, trabalhadores-estudantes sem trabalho, militares, magistrados.
As condições objectivas amadurecem mês a mês, semana a semana, dia a dia; as condições subjectivas têm que acompanhar esse desenvolvimento rápido do real. No imediato, pela definição clara do quadro político existente, o Capitalismo Monopolista (Terrorista) de Estado, clarificação acompanhada com as propostas de alianças sociais e de organização da luta política para o derrotar, a par da proposição da conquista de um novo Estado dos trabalhadores, popular e socialista.
"Audácia, mais audácia, sempre mais audácia", gritaram os revolucionários franceses burgueses, nos finais do já longínquo século XVIII. Posteriormente, desde a gesta heróica dos "communards" de Paris de há 140 anos, as bandeiras da audácia passaram para as mãos do operariado. E não há vanguarda digna desse nome que o seja sem audácia, muita audácia. Os aliados esperam sempre dos revolucionários esse esforço indispensável e insubstituível de se colocarem à cabeça do movimento operário e popular. Na verdade, o discurso persuade - mas o exemplo, arrasta!

terça-feira, 27 de setembro de 2011

As insurreições árabes e o mundo - Uma útil reflexão.

Pelo interessante material informativo que contém, abaixo se publica uma reflexão de um autor(*) conhecedor da realidade árabe, organizada para uma conferência recentemente realizada na UniSanta, Santos, SP, Brasil, com o título "A Revolução no Mundo Árabe e a Nova Geopolítica Mundial". Espelhando no seu próprio conteúdo (e em algumas opiniões do autor) o carácter muito contraditório da situação actual no norte de África e no Médio Oriente, tem o mérito de procurar olhar a realidade com uma perspectiva confiante nas energias transformadoras dos povos árabes, não obstante as muitas debilidades políticas e orgânicas das forças revolucionárias respectivas e a violência da contra-ofensiva desencadeada pelo imperialismo. E, na verdade, tudo continua em aberto.  


O MUNDO ÁRABE

 São 21 países árabes, mais a Palestina (ocupada por Israel) e o Sarauí (ocupado por Marrocos);
 Desses países, oito são monarquias absolutistas (ou chamadas petromonarquias) e 13 são “repúblicas” (de fachada);
 As potências imperiais França, Inglaterra e Itália dominaram diversos desses países a partir do século XIX;
 As “independências” nacionais iniciam-se em 1922 e concluem-se em 1977.

Dados Económicos e Populacionais

 Os árabes são 347 milhões no mundo, ou 5,18% do total (de 6.710.926 habitantes do planeta);
Seu PIB somado é de 2,477 trilhões de dólares (um PIB brasileiro), ou 4% do PIB da terra (que é de 61,963 trilhões de dólares no total);
 Suas reservas de petróleo são da ordem de 685,11 bilhões de barris, ou 50,81% do total do planeta (que é de 1,348 trilhões de barris – reservas provadas);
 Sua produção diária visando a exportação é de 22,967 milhões de barris/dia ou 27,26% do total do planeta (que é da ordem de 84,24 milhões de b/d).

Árabes ou Muçulmanos?


• Nem todo árabe é muçulmano e vice-versa, ou seja, milhões de muçulmanos não são árabes;
• Países árabes são 21 e islâmicos são 47;
• Existem hoje no mundo 1,6 bilhões de muçulmanos, dos quais 1,4 bilhões são sunitas e 0,2 bilhões são xiitas;
• Apenas 8% dos árabes não são muçulmanos (27,76 milhões). Maioria desses são cristãos cooptas ou ortodoxos;
• Em relação ao mundo, apenas 19,95% dos muçulmanos do planeta são árabes (um em cada cinco).


A QUESTÃO CENTRAL É O PETRÓLEO

 Os EUA consomem todos os dias 19,497 milhões de barris de petróleo. Produzem, porém, apenas 7,27 milhões de barris (37,42%). Dessa forma, importam todos os dias 12,22 de milhões de barris! (Fonte: US Energy Information Administration 2010);
 Dados de 2009 indicavam que esse país possui uma frota de 250 milhões de veículos movidos a derivados de petróleo. Toda a sua economia é movida a petróleo. Não possuem nenhuma alternativa energética que vá superar o petróleo pelo menos num prazo de 30 a 50 anos.


Importadores Não Produtores de Petróleo

Japão – 5,57 milhões de barris por dia
Alemanha – 2,677 milhões de barris por dia
 Coreia – 2,061 milhões de barris por dia
 França – 2,060 milhões de barris por dia
 Itália – 1,874 milhões de barris por dia
 Espanha – 1,537 milhões de barris por dia
      (Fonte: CIA World FactBook de 2010)


Países Exportadores de Petróleo

 Arábia Saudita – 8,651 milhões de barris por dia
 Rússia – 6,65 milhões de barris por dia
 Noruega – 2,542 milhões de barris por dia
 Irão – 2,519 milhões de barris por dia
 Emirados Árabes – 2,515 milhões de barris por dia
 Venezuela – 2,203 milhões de barris por dia
 Kuwait – 2,146 milhões de barris por dia
 Argélia – 1,847 milhões de barris por dia
 Líbia – 1,525 milhões de barris por dia
 Iraque – 1,438 milhões de barris por dia
(Fonte: US Energy Information Administration de 2010).


Outros Dados do Petróleo
 Das 130 empresas petrolíferas existentes no mundo, 35 são estatais (25,92%), mas estas detêm o controle de 75% de toda a produção mundial;
 Todas as 10 maiores empresas petrolíferas do planeta são estatais;
 As “seis irmãs” privadas da indústria do petróleo (não são mais sete), são: ExxonMobil (EUA); ChevronTexaco (EUA); Shell (Holanda); British Petroleum – BP (Inglaterra); Total S/A (França) e ConnocoPhillips (EUA);
 Estas empresas privadas possuem apenas 10% das reservas de petróleo do mundo; empregam 514 mil trabalhadores e faturaram em 2010 1,697 trilhões de dólares.


REVOLTA OU REVOLUÇÃO ÁRABE?

 Não tenho dúvida sobre isso: estamos vivendo uma revolução em curso. Mas que não sabemos ainda onde vai desembocar. Disputa-se a liderança com os Estados Unidos, a maior potência do planeta.  Vladimir Ilich Ulianov, o Lénine da Revolução Bolchevique de Outubro de 1917, disse que as condições objectivas para uma revolução ocorrem quando “os de cima não conseguem mais governar como antes e os de baixo não aceitam mais ser governados como antes” (Fonte: “Bancarrota da II Internacional”, escrita entre Maio e Junho de 1915). Isso está verificando-se ;
 Entende-se por condições objetivas o desemprego, miséria, fome, baixa salarial, repressão policial. Todos esses elementos estão presentes em praticamente todos os países árabes;
 Resta-nos o debate sobre o caráter da revolução, seus compromissos, seus rumos, suas tarefas, os possíveis acordos internacionais que ela estabelecerá com outros países, se levará o mundo árabe a se afastar do Ocidente ou não.


Comentários sobre a Líbia
Nunca confiámos na chamada “oposição líbia”. Estes possuem escritório de “representação” em Washington. Restabeleceram a bandeira da monarquia do rei Idris, derrubado em 1969. Nunca tiveram expressão política nenhuma, internamente. Imploraram para o Ocidente bombardear o seu próprio país;
 Os EUA continuam a usar a política do canhão. Agora ela vem travestida de ajuda humanitária. Se os EUA estivessem mesmo preocupados com um povo que vem sendo massacrado por um governo, deveria estar neste momento bombardeando sem nenhuma dó o Estado de Israel. Isso é hipocrisia pura! Política de dois pesos e duas medidas.
 A guerra contra a Líbia é a 1ª do chamado AFRICOM – African Commander, que fica sediado na cidade alemã de Stutgard e é comandado pelo general norte-americano Carter Ham. Essa estrutura é parte do Comando Unificado das Forças Armadas dos EUA, composta por seis frotas navais operacionais em todo o mundo, com 11 porta-aviões nucleares, quatro mil aviões caças e quatro milhões de homens no activo;
 Infelizmente, como diz Fiori (UFRJ), temos muita gente que ainda acredita que a guerra contra a Líbia ocorre por “causas humanitárias e pelos direitos humanos” e para “levar democracia” para esse país;
 Não tenhamos dúvidas: a intervenção na Líbia extrapola todos os limites do direito internacional e a Carta das Nações. A NATO agora chega ao Mediterrâneo e dentro da África. Faz parte da estratégia do EUA para tentar “moldar” um novo Médio Oriente;
 Obama tem dito que essa é uma “operação militar por tempo limitado”. Puro jogo de palavra. Isto é uma guerra! É preciso dizer que esta é a 3ª guerra contra países muçulmanos na qual Obama se mete (Afeganistão, Iraque e, agora com ele, a Líbia);
 O que se previu há três anos, quando os estatutos da NATO foram modificados, autorizando que ela actuasse fora da Europa, quando se dizia que era para atacar países “rebeldes” em qualquer parte do mundo, vem se confirmando. Tenta-se agora fazer com que a guerra contra a Líbia seja uma “guerra da NATO”;
 O que temos percebido é já uma profunda divisão, tanto entre os países árabes como nos governos europeus. A resolução da ONU vem sendo desrespeitada completamente. O objectivo claro é instalar um governo dos tais “rebeldes” que já esta sendo rapidamente reconhecido por boa parte do mundo. Vão apoderar-se do petróleo líbio.


Comentários sobre a Síria
• As ruas sírias, como as ruas árabes em geral, clamam por mudanças. Mas, a situação desse país e do governo do presidente Dr. Bashar Al Assad tem particularidades que as distingue de outros países árabes do Oriente Médio;

• A Síria e seu governo tem inimigos antigos e poderosos no OM e no mundo. Entre eles estão os Estados Unidos, a Arábia Saudita e Israel;
• A Síria forma hoje com o Irão e a Turquia, uma poderosa aliança que apoia a luta pela libertação da Palestina (com o Hamas e o Fatah) e a Independência do Líbano (com o Hezbolláh);
• A queda do atual governo sírio e a entrada de Damasco no campo ocidental é uma imensa e significativa vitória estadunidense e imperialista. Praticamente enterra a revolução e a primavera árabe;
• Não tem grau de comparação entre a importância estratégica que tem a Líbia e a Síria no cenário do OM. Derrubar hoje Kadafi e colocar um aliado americano na Líbia quase nada muda. A Líbia já era aliada americana e da Europa desde 2002

A Síria forma com os governos do Irão e da Turquia um sólido eixo que evita um controle total dos EUA no MO; o objectivo do imperialismo é quebrar esse eixo;
 A derrubada do governo sírio actual seria para colocar no poder um subserviente a Washington e à sua política;
 Está em jogo a retirada de Damasco e o encerramento dos escritórios de todas as organizações guerrilheiras e revolucionárias que actuam nos países do Médio Oriente, em especial da Palestina e do Líbano. A Síria concede democraticamente abrigo a estas organizações (Hamas, Hezbolláh, Fatah, FDLP, FPLP, PCP, PCL, Jihad Islâmica entre outras);
Procuram isolar ainda mais o Irão, enfraquecendo o Hezbolláh, que agora formou um novo governo no Líbano, com Nagib Mikat como 1º Ministro;


Comentários sobre a Palestina
Obama tem feito discursos dirigidos ao mundo árabe. Não nos iludamos. Nada de novo no front. Vejamos algumas conclusões preliminares:
Tem dito que a ONU não deve proclamar o Estado Palestino na sua 66ª Assembleia Geral que se inicia em 21 de Setembro;
Continua apontando o dedo contra o Irão;
 Voltou as suas baterias contra o acordo entre a Fatah e o Hamas (e mais 11 outros grupos palestinos que lutam contra a ocupação israelense);
 Tem falado de forma clara sobre o carácter judaico do Estado de  Israel, coisa que nenhum outro presidente havia feito de forma tão enfática;
 Confessou em público que os Estados Unidos continuarão tentando controlar todas as rebeliões, revoltas, para manter o seu domínio naquela estratégica região. Os EUA tornam-se assim a maior força contra a democracia no Oriente Médio.
 Na próxima semana [no passado dia 21/9] instala-se em NY, às 15h (16h em Brasília), a 66ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Será a 1ª vez que uma mulher discursará na abertura e será a presidente Dilma. Ela abrirá os trabalhos apoiando que a ONU aceite e admita a Palestina como seu 194º Estado-Membro;
 Essa votação é crucial e estratégica. Não só para reparar uma injustiça que já totaliza quase 64 anos (desde que a ONU aprovou dois estados pela Resolução 181 de 29/11/1947), como para impor uma derrota ao imperialismo estadunidense e ao sionismo direitista de Israel;
 Mesmo que os EUA vetem a Resolução dos palestinos, a AG pode votar o tema e eles serão admitidos como estado não-membro (igual ao status do Vaticano). Ainda assim, isso é extremamente positivo, pois tem todos os direitos que um estado normal, assina convénios com todos os países, recebe recursos, vota em tudo na ONU (menos na AG) e passa a ser membro do TPI, podendo pleitear, inclusive, a prisão de Netanyahú por crimes contra a humanidade cometidos contra os palestinos. Esse é o grande medo e pavor dos sionistas.

Reivindicações Unificadas das Revoluções no Mundo Árabe

1 – Revogação do Estado de Emergência;
2 – Libertação dos presos políticos;
3 – Liberdade de organização partidária;
4 – Liberdade sindical e social;
5 – Liberdade da imprensa e de expressão;
6 – Eleições livres em todos os níveis;
7 – Convocação de Assembleias Constituintes Livres, Democráticas e Soberanas.


UMA CONTRA-REVOLUÇÃO EM MARCHA

 O dedo do imperialismo norte-americano está tentando de todas as formas barrar a Revolução Árabe. Alguns sinais disso podemos observar:
1. A invasão do Bahrein pela Arábia Saudita, com apoio americano para proteger a sede da 5ª Frota e o massacre do povo bareinita;
2. A intervenção imperial directa na Líbia, instaurando um governo aliado e subserviente aos EUA;
3. A tentativa de manipulação e o controle da revolução no Egipto e na Tunísia;
4. Apoio total e integral dos EUA a Israel opondo-se a que a ONU proclame o Estado Palestino seu membro agora em Setembro. Obama reconheceu o caráter judaico de Israel;
5. Manobras para derrubar o governo da Síria e colocar no poder um governo aliado de Washington.
Tudo isso, se consumado, colocará em risco os rumos da revolução árabe que poderá ser derrotada.



CONCLUSÕES
1. Obama perde neste processo.  O seu discurso do Cairo, de Julho de 2009, estendendo a mão para os muçulmanos, provou-se ser uma farsa. Não deu passo algum para respeitar os muçulmanos e os árabes em geral. Insiste em classificar partidos políticos como o Hamas e o Hezbolláh como “terroristas” e não o são. Vai-se antagonizando com mais de 1,6 bilhões de muçulmanos em todo o mundo. Vetar a Palestina na ONU ampliará o fosso entre os EUA e as nações árabes e muçulmanas.
Os novos governos árabes não serão tão subservientes com os norte-americanos. Aquilo de que os Estados Unidos sempre tiveram pavor poderá acontecer, que é a participação, com destaque, da Irmandade Muçulmana nos governos árabes. Estes países tendem a afastarem-se da órbita da NATO, da União Europeia e mesmo dos Estados Unidos.
Israel poderá sair derrotado. Perdeu com o seu discurso de que o maior inimigo é o Irão, que este precisaria ser derrotado e bombardeado e que seu programa nuclear visa a construção da bomba atómica. Seu veto e suas ameaças à criação do Estado da Palestina vai deixá-lo cada dia mais isolado do mundo árabe e islâmico.

Um novo Oriente Médio será construído. Deverá crescer a democracia, os partidos terão maiores liberdades, bem como a imprensa. Eleições gerais devem ocorrer em curto prazo no Egipto e na Tunísia. O Médio Oriente nunca mais será o mesmo depois deste imenso tremor político ocorrido.
O inimigo central continuará sendo os Estados Unidos. Por isso a batalha pelos novos rumos e o controle para onde vai a revolução árabe é dificílima.

O islão não é a solução. Dificilmente veremos um Egipto, uma Tunísia ou qualquer outro país árabe como repúblicas islâmicas. Os países continuarão sendo laicos em toda a região, tal qual o Iraque e a Síria sempre foram.
Novas alianças surgem no Oriente Médio. Está em curso uma nova e histórica aliança política e sindical, envolvendo a juventude, os estudantes e os movimentos sociais em geral. Será preciso que seculares, nacionalistas e patriotas (nasseristas), socialistas e comunistas, muçulmanos e cristãos progressistas, se unam numa plataforma comum, para fazer valer as suas reivindicações históricas. É crucial que as organizações de massa, os sindicatos, os partidos políticos organizados mantenham a pressão das ruas lutando pela verdadeira democratização dos países árabes.

O Irão e a Turquia fortalecem-se no Médio Oriente. Por razões diversas, mas em especial por sempre terem apoiado a causa palestina. O Irão em particular sempre apoiou todos os movimentos revolucionários antiamericanos na região. Programa nuclear para fins pacíficos do Irão segue firme. A Turquia, que rompeu com Israel e se aproxima dos árabes, sai como grande líder no processo de reconfiguração do MO.
Crescerá o nacionalismo árabe. Fundado por Gamal Abdel Nasser, poderá ganhar papel preponderante. Esse nacionalismo defende a soberania e a independência dos países árabes, respeito aos direitos dos seus povos e solidariedade ao povo palestino. A esquerda poderá crescer, em especial comunistas e socialistas.

Al Qaeda, uma das grandes derrotadas. O fundamentalismo não foi e não será alternativa. A organização Al Qaeda sempre pregou a violência e o estado islâmico. O que se tem visto, além da rejeição ao estado teocrático, é uma revolução de carácter mais insurrecional e urbana, com baixa violência por parte das massas árabes.
Modelo neoliberal em xeque. Difícil que os rumos da revolução árabe substituam o modelo capitalista pelo socialismo. No entanto, encontra-se em xeque o modelo de capitalismo financeiro denominado neoliberal.

Mentiras que caíram por terra. A primeira é que as redes sociais da Internet e os celulares foram os grandes responsáveis pela revolução árabe. Apenas 20% da população egípcia têm acesso à Internet (em outros países, ainda menos) e apenas um terço possui celulares. A segunda, que não houve líderes e o processo foi espontâneo. É diferente não aparecerem do que não terem lideranças.
Teorias que caíram por terra. Pelo menos duas. A de Francis Fukuyama (O Fim da história). E a de Samuel Huntington (Choque de civilizações). A de Fukuyama já estava desmoralizada há uma década. Agora, enterra-se de vez a de Huntington.

Uma revolução ainda não concluída. Chu En Lai, líder revolucionário chinês, ao ser indagado em 1970 sobre o que achava da revolução francesa de 1789 respondeu: “ainda é cedo para avaliarmos”. Isso vale para o MO.
Como disse Danton, líder dessa revolução, “precisamos de audácia, mais audácia e sempre audácia”. É verdade. Ele foi guilhotinado e quem o guilhotinou também morreu dessa forma. São as idas e vindas de uma revolução. Depois disso veio Napoleão (1800), a Restauração (1814), a Revolução de 1848 (incendiou parte da Europa), a Comuna de Paris (em 1871). Por isso, muita cautela ao avaliarmos a Revolução Árabe.

Crise e declínio dos Estados Unidos. Os EUA sofrem o maior aprofundamento e desestabilização no seu processo de declínio da sua posição hegemónica no sistema de relações internacionais com a presente Revolução Árabe, que tem um sentido democrático, popular e anti-imperialista. Como diz Lawrence Summers, ex-reitor de Harvard e chamado “declinista”: “como pode o maior devedor do planeta continuar sendo a maior potência económica”? De fato, não é possível.

Democracia se constrói pela soberania de um povo. Os EUA passaram anos afirmando que devem levar a “democracia” para o Médio Oriente. Fico com o Prof. Andrew Bacevich, da Universidade de Boston, que afirma: durante nove anos os EUA forçaram uma porta (democracia no MO), que só se abre para fora. E mais: essa porta só se abre por vontade própria. Os acontecimentos das últimas semanas demonstraram com clareza que não apenas partes importantes do Médio Oriente estão prontas para a mudança, mas também que esse impulso vem de dentro.

(*)Prof. Lejeune Mirhan – Sociólogo, Escritor e Arabista. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabes de Lisboa e Director do Instituto Jerusalém do Brasil. Colunista de Oriente Médio do Portal da Fundação Maurício Grabois – FMG. Colaborador da Revista Sociologia da Editora Escala. Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de SP (2007-2010), Presidente da Federação Nacional dos Sociólogos – Brasil – FNSB (1996-2002) e Vice-Presidente da Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL (2002-2005). Foi professor de Sociologia, Ciência Política e Métodos e Técnicas de Pesquisa da Unimep entre 1986 e 2006.