SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Caminharmos apoiados pelos imprescindíveis


Vivemos tempos marcados por uma latente confusão ideológica, induzida através de uma mentira/ ilusão propagandeada, de forma paradoxal, tanto pela direita como pela "esquerda", visando convencer os desatentos que temos em Portugal um "governo das esquerdas". Claro que a mais elementar coerência exigível no conjunto pensar-dizer-fazer logo nos revela o contraditório entre os que o pensam - desafortunadamente, tantos dos explorados - , os que o dizem - uma chusma de opinadores e comentaristas de serviço nos meios de manipulação de massas - e os que paulatinamente o fazem - um poder de Estado dominado pelos agentes políticos da política de direita, designadamente este governo "socialista" -, assegurando a continuidade da dominação do capital monopolista sobre o povo e o país.   

Intervindo no ciclo de debates realizados sobre a reorganização de 1940/1941 do PCP, o excerto abaixo transcrito é parte da intervenção de José Casanova sobre esse tema, com base na publicação do livro "O IV Congresso, 50 anos depois", de Álvaro Cunhal.
Tratando a questão central da identidade do PCP e em geral dos partidos comunistas - "o alvo primeiro de todas as ofensivas à escala mundial visando a liquidação desses partidos" -, percorrendo as várias fases de agudização do confronto entre comunistas e reformistas ao longo da vida do PCP, tratando as várias tentativas realizadas para a sua descaracterização, José Casanova a finalizar dá a palavra ao próprio autor, lendo um trecho pleno de actualidade, não obstante já terem decorrido duas tumultuosas décadas.
Aí ficam as palavras de ambos, decerto apoios importantes "no tempo que passa" para quantos querem resistir à nova vaga que visa submergir a firmeza político-ideológica dos comunistas. 



"Uma das linhas fundamentais das tentativas, ao longo da história do movimento comunista, para a liquidação dos partidos comunistas é de tentar afastar os partidos comunistas da sua identidade comunista. O IV Congresso, debateu essa questão, não apenas reportando-se ao próprio Partido, mas também a fenómenos semelhantes ocorridos na altura em vários outros partidos comunistas. Abordando a questão, Álvaro Cunhal, sublinha que essas situações, apesar de terem sido decorrência do fim da Segunda Guerra Mundial, não só não são conjunturais, como comportam natureza e significado bem mais profundo. E refere duas experiências e lições verificadas na história do movimento comunista: a primeira que, «entre as concepções e actividade comunista e as concepções e actividade reformistas, pode haver acordos, alianças e acção comum, não fusão ideológica», a segunda que, «quando, em tal ou tal partido, se manifestam tendências reformistas que contrariam aspectos fundamentais da identidade partidária, a situação não é de consagração de tal divergência como característica do Partido, mas de efectivo confronto podendo conduzir à ruptura». Quer isto dizer que não é característica da identidade de um partido comunista «a coexistência dessas duas correntes num processo em que os “consensos” se convertessem em regra».
Como tem sido sublinhado e a experiência mostra, a identidade comunista dos partidos comunistas  é o alvo primeiro de todas as ofensivas à escala mundial visando a liquidação desses partidos. Da mesma forma, as ofensivas internas e os seus objectivos de descaracterização do Partido, sempre vêem nessa identidade o obstáculo principal aos seus desígnios, a marca distintiva que é necessário generalizar para que deixe de o ser. Por vezes simulam, até, ter como alvo apenas um ou outro desses traços identitários, fingindo não saberem que abandonando este ou aquele todos os outros se desmoronariam inexoravelmente.
As ofensivas visando a descaracterização do PCP a partir de 1987 são exemplos claros do que acima é dito. E, como sempre acontece nestas situações ao longo da história, muitos dos que, então, escondiam o seu ataque à identidade do Partido por detrás de um fraseado de «queremos que o Partido seja mais comunista», «queremos que o Partido seja mais forte» - são hoje membros do PS ou do BE, membros do governo Sócrates, deputados ou autarcas do PS ou do BE, etc. etc.
Voltando ao IV Congresso, importa ainda referir que, por essa altura, o Partido vivia um momento alto da sua história, quer na capacidade de intervenção, quer na influência junto da classe operária, dos trabalhadores e dos antifascistas em geral. Informa Álvaro Cunhal que o número de militantes do Partido, na altura, era de mais de 5000, aos quais se juntavam 4000 simpatizantes. Uma força poderosa e em condições de levar por diante as orientações e decisões do Congresso. Como de facto aconteceu.
E apesar dos golpes da repressão e da prisão de numerosos quadros e militantes – que viriam a traduzir-se em grandes oscilações ao longo dos tempos no número de efectivos  – o Partido manteve a sua influência de forma a ser, como foi, «a força determinante na criação de condições políticas que conduziram ao 25 de Abril, ao levantamento popular que se seguiu ao levantamento militar – e que confirmou a justeza da consigna do IV Congresso - e às grandes conquistas democráticas da Revolução».
Termino com uma longa mas notável citação de Álvaro Cunhal, da qual ressalta a sua inabalável confiança - confiança no Partido, nas massas trabalhadoras, no futuro; confiança sólida, porque fundamentada na análise da realidade.
Ouçamo-lo:

«A história ensina e a previsível complexidade da evolução da situação internacional e nacional adverte. O capitalismo tem força económica e formas poderosas de pressão e influência ideológica. A URSS desapareceu. No movimento comunista manifestam-se dúvidas e hesitações. Alguns partidos comunistas abandonam a sua identidade comunista. Uns transformam-se em partidos social-democratas. Outros desapareceram.
O capitalismo sobrestima e absolutiza entretanto o alcance histórico destes acontecimentos ao concluir que a construção de uma sociedade sem exploradores nem explorados (um “ideal generoso”, condescendem alguns) era um projecto irrealizável, era uma utopia. E cantam a “vitória histórica” do capitalismo que têm por definitiva.
A realidade porém é outra. O capitalismo atravessa uma crise profunda e confirma, não só ser incapaz de resolver os problemas da humanidade, como a sua política conduz a agravá-los.
A ideologia do capitalismo revela um misto de ilusão acerca dos seus méritos e de consciência dos seus pecados. Nunca ideólogos e propagandistas definiram de maneira tão falsa e idealizada as características, as realidades e as perspectivas de desenvolvimento da sociedade, como fazem os novos teóricos e propagandistas do capitalismo.
O capitalismo ter-se-ia superado a si próprio. Teria deixado de ser capitalismo, para ser agora “economia de mercado”. Já não haveria capitalistas mas “empresários”. Seria um “capitalismo civilizado”, sem classes antagónicas, um capitalismo sem proletários, sem luta de classes, nem natureza de classe de governos e de políticas, seria uma sociedade nova definitiva e final constituída por cidadãos conscientes, cordatos e mutuamente solidários, aceitando, assinando e cumprindo “pactos de regime”, “pactos sociais”, “pactos” e mais “pactos” pelos quais os cidadãos trabalhadores (agora dizemos nós) aceitariam renunciar a direitos fundamentais e vitais. Ou seja, ser explorados pelos cidadãos capitalistas e os cidadãos capitalistas continuarem a explorar os trabalhadores e a justificar-se perante a opinião pública através dos seus fantasiosos teorizadores.
A fantasia é tanta, a sociedade assim falsamente descrita é tão idealizada e irrealista no seu presente e na perspectiva do seu futuro, que se pode dizer que o capitalismo, desacreditado e abalado por uma crise profunda, inventa a sua própria utopia. Não como projecto de mudança, naturalmente, mas como mudança de linguagem pretendendo ocultar a realidade.
E a realidade é que o capitalismo mantém a sua natureza exploradora, opressora e agressiva. Contra ele, a luta dos trabalhadores e dos povos, continua e recrudesce. Os trabalhadores não podem dispensar um partido completamente independente dos interesses e da influência ideológica da burguesia e corajoso, dedicado e convicto.
O ideal comunista, esse não é uma utopia. Continua a ser válido e com futuro. Onde desapareçam partidos comunistas, os trabalhadores e os povos criá-los-ão de novo, com esse ou outro nome, com inevitáveis diferenças, mas com essas características essenciais.
Trata-se de uma necessidade e inevitabilidade da evolução social. Não é ao capitalismo mas ao comunismo que o futuro pertence.»