SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

As contradições agudizam-se no seio do poder imperialista


Um acontecimento relevante, ontem ocorrido no seio da administração Obama, merece reflexão. Nas últimas horas, a imprensa vem divulgando profusamente esta notícia (BBC e AFP):



“O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou nesta quarta-feira a demissão do general Stanley McChrystal do posto de comandante das forças militares lideradas pela Nato no Afeganistão.McChrystal, até então o principal comandante militar americano no país asiático, estava envolvido em uma polémica após a divulgação de críticas feitas por ele a membros do governo e será substituído pelo general David Petraeus, o actual chefe do Comando Central dos Estados Unidos.
“Hoje eu aceitei a renúncia do general Stanley McChrystal como comandante da Força Internacional de Assistência para Segurança no Afeganistão (Isaf, na sigla em inglês, a força internacional liderada pela Otan). Eu o fiz com grande pesar, mas também com a certeza de que é o correcto para a nossa missão no Afeganistão, para os nossos militares e para o nosso país”, disse Obama, após reunir-se com McChrystal pela manhã na Casa Branca.A saída de McChrystal ocorre um dia depois de virem a público as críticas feitas pelo general a membros do governo americano, publicadas em um perfil na revista Rolling Stone que chega às bancas americanas nesta sexta-feira.
Após a divulgação dos comentários, McChrystal, que já havia se desculpado, foi convocado por Obama de volta a Washington para explicar suas declarações.No artigo, o general faz críticas ao vice-presidente, Joe Biden, ao embaixador americano no Afeganistão, Karl Eikenberry, ao assessor de Segurança Nacional, James Jones, e ao enviado especial americano ao Afeganistão e ao Paquistão, Richard Holbrooke.
“A conduta representada no artigo recentemente publicado não segue os padrões que devem ser estabelecidos por um comandante”, disse Obama.“Enfraquece o controle civil das Forças Armadas que está no centro do nosso sistema democrático. E corrói a confiança necessária para nossa equipe trabalhar unida para atingir nossos objectivos no Afeganistão”, afirmou o presidente.Obama disse que, como comandante-em-chefe das Forças Armadas, é sua tarefa assegurar que nenhuma distracção atrapalhe a missão americana no Afeganistão.“Isso inclui a adesão a um rígido código de conduta. A força e a grandeza das nossas Forças Armadas estão enraizadas no fato de que esse código se aplica igualmente a soldados recém alistados e aos generais que os comandam”, afirmou.“Também é verdade que a nossa democracia depende de instituições que sejam mais fortes que indivíduos. Isso inclui a rigorosa adesão à cadeia de comando militar e o respeito ao controle civil sobre essa cadeia de comando”, disse Obama.
O presidente disse que sua decisão não foi motivada por diferenças com McChrystal em relação à estratégia do país nem por qualquer tipo de sentimento de “insulto pessoal”, e elogiou o general.“Stan McChrystal sempre demonstrou grande cortesia e cumpriu as minhas ordens fielmente. Tenho grande admiração por ele e pelo seu longo registro de serviço”, disse Obama.“Nos últimos nove anos, com os Estados Unidos lutando guerras no Iraque e no Afeganistão, ele conquistou uma reputação como um dos melhores soldados da nossa nação. Sua reputação é baseada em sua extraordinária dedicação, sua profunda inteligência e seu amor ao país.”
McChrystal havia assumido o comando das forças no Afeganistão em Maio do ano passado e participou das discussões sobre a nova estratégia americana no país, inclusive o envio de 30 mil homens adicionais. Obama disse, porém, que tem a responsabilidade de fazer o que for necessário para que os Estados Unidos possam ser bem sucedidos no Afeganistão e derrotar a rede extremista Al-Qaeda.“ Acredito que essa missão exige união de esforços dentro da nossa aliança e da minha equipe de segurança nacional. E não acho que possamos sustentar essa união de esforços e atingir nossos objectivos no Afeganistão sem fazer essa mudança”, afirmou. O presidente disse ainda que é favorável ao debate dentro de sua equipe. “Mas não vou tolerar divisão”, afirmou.
(BBC)

As tensões entre McChrystal e o executivo dos Estados Unidos chegaram a público num momento crítico, no qual as forças internacionais estão comprometidas em duas ofensivas cruciais contra os talibãs no sul do Afeganistão e sofrem baixas significativas.Segundo relatório da Nato, a morte de seis soldados nesta quarta-feira faz de Junho de 2010 um dos meses mais mortíferos para as forças internacionais em oito anos e meio de guerra no Afeganistão, com até agora, 75 militares mortos.” (AFP)


Esta demissão do general McChrystal e as circunstâncias nas quais foi aceite, bem como as justificações e elogios ao demitido que Barak Obama necessitou divulgar, são expressão de uma crescente agudização dos conflitos de poder no seio do governo dos EUA, resultante directa da resistência e da luta dos povos agredidos.
Todo o sistema imperial assenta o seu poderio e domínio sobre os restantes povos e países na força militar. Todos os impérios que a História regista confirmam que os exércitos são sempre decisivos, constituindo o suporte fundamental das suas existências, com os chefes militares assumindo frequentemente o poder político imperialista ou, no mínimo, partilhando-o em fatia volumosa com os civis. Assim ocorre também, na actualidade, com o poder imperialista estadunidense. E os conflitos sucedem-se, na maior parte dos casos abafados para não “transpirarem” para a opinião pública. Mas neste episódio, já não foi assim; o protagonista principal, um general de quatro estrelas com 56 anos, tem um curriculum profissional ligado às operações militares de agressão e ocupação pelas forças armadas dos EUA, decidiu passar ao ataque sobre os sectores civis do governo Obama. Comandante de unidades especiais de combate, chefiou o Comando Conjunto de Operações Especiais, órgão militar que, em estreita colaboração operacional com a CIA, é responsável pelas maiores atrocidades na guerra no Iraque e também já no Afeganistão. É uma figura de contornos tenebrosos, envolvido nas torturas de prisioneiros e nas operações de extermínio das milícias mercenárias privadas (a Blackwater e outras) contratadas pelo Pentágono, segundo a própria biografia pública que se pode consultar (http://en.wikipedia.org/wiki/Stanley_A._McChrystal ).
Tudo indica que estes sectores militares de topo, cobrando o seu papel ao serviço do império, vêm reivindicando crescente espaço, influência e poder político dentro das mais recentes administrações estadounidenses. Sabemos que o Pentágono e o complexo militar-industrial da guerra vêm determinando de forma dominante as políticas agressivas e criminosas dos EUA. Constituem um autêntico poder dentro do poder institucional dos “states”. Os seus interesses económicos já provaram que não hesitam perante quaisquer regras, leis ou escrúpulos morais. As manobras mistificatórias sobre a soberania de outros países com o pretexto da “segurança nacional” norte-americana, a mentira das “armas de destruição massiva” no Iraque, a criação de figuras como o “Bin Laden”, o derrube das torres gémeas em Nova Iorque antecipado em relatórios secretos quanto à “necessidade urgente de produzir factos de grande impacto na opinião pública”, o apoio descarado aos golpes e regimes fascistas seus fantoches, etc, aí estão a denunciar a existência e a força deste autêntico poder negro, por detrás da fachada democrática da estátua da Liberdade.
Como se vem verificando, desde a sua tomada de posse que Obama vem frustrando todas as expectativas dos democratas, nos EUA e no mundo, sobre a sua anunciada vontade de mudança, cedendo em toda a linha às forças que estão por detrás das atitudes dos seus generais extremistas. Cada dia se torna mais transparente a violação de elementares liberdades políticas nos EUA, imposta pelo avanço das forças neofascistas neste país, perante a conivência de “democratas” como os Clinton’s, de “ecologistas”como Al Gore e de numerosos outros, afinal todos aqueles que, contra os direitos e legítimas aspirações dos povos de todo o mundo, fazem da guerra e da manutenção do poder imperialista a sua prioridade.

Não serão as adoçadas críticas de circunstância de Obama aos que não se subordinam ao poder dos civis – declarações verdadeiramente surpreendentes, dando-nos uma imagem nítida das agudas contradições em curso – que serão suficientes para dar do presidente estadunidense uma imagem favorável de democrata. Pessoas insuspeitas de simpatias por países democráticos, mesmo anti-comunistas, como é o caso do ex-agente e consultor da CIA, professor Chalmers Johnson (em entrevista, concedida há dias à TVGlobo), já apelam à intervenção do povo norte-americano para travar a marcha aos “neocons” que disputam o poder, afirmando que os cidadãos dos EUA correm o risco real de perderem a democracia - mesmo a deles, a burguesa - se o seu governo não abandonar as suas ambições imperialistas de domínio militar sobre os outros países.
Este general McChrystal, com a soberba que lhe advém da impunidade das suas ideias neofascistas, permitiu-se mesmo divulgar uma nota logo após a sua demissão, dizendo que a sua renúncia ocorre por “desejo de ver a missão ter sucesso”… Pode-se, assim, afirmar que são inteiramente “merecidos” os rasgados elogios que Obama agora lhe fez. Tal "missão" do poder imperial estadunidense, assente no genocídio de milhões de civis e na opressão neonazi sobre outros povos, lembra cada vez mais o "Mein Kampf" hitleriano.

sábado, 19 de junho de 2010

A correlação de forças e a luta actual pelo socialismo (III)

Após termos deixado registadas, nos dois post's anteriores (I e II) sobre este tema, algumas ideias e problemas gerais, vamos procurar agora fazer uma breve análise, prática e comparada, sobre a situação existente em Portugal em conexão com as situações nos restantes países do sul europeu, igualmente alvos das medidas de espoliação do trabalho, comandadas pela Comissão Europeia e pelo FMI e em favor do grande capital e, simultâneamente, discutir aspectos relacionados com o objectivo da criação das condições necessárias para a sua transformação no sentido da construção de novas sociedades socialistas.


Desde sempre, ao longo de toda a evolução da Humanidade, os homens necessitaram de ideias para viverem, para organizarem socialmente a sua subsistência. Sempre necessitámos de acreditar numa ideia-guia, num rumo, numa explicação de nós e do mundo, precisamos sempre de racionalizar a existência. Assim, criámos os mitos e as representações mitológicas, os deuses e as religiões, os ritos e os rituais, as ideias políticas que fundamentassem uma organização das comunidades humanas e legitimassem o poder de uns seres sobre os outros. Este papel orientador das ideias está consubstanciado nas sucessivas ideologias, ao longo dos milénios, assim se mantendo até à actualidade. Partilhando permanentemente o universo humano, sempre estiveram presentes, estabelecendo uma relação dialéctica, as condições objectivas, materiais e as condições subjectivas, espiritual-mentais (para simplificar uma designação), do nosso viver colectivo. Sendo assim, ambas estão constantemente presentes, ambas determinam os nossos rumos de vida. Daqui se conclui que tão errado resultará sobre-avaliar ou subavaliar umas como as outras.
Uma expressão que tem tanto de uso corrente como de errada utilização do ponto de vista operativo, ouvida com frequência entre militantes políticos de esquerda - inclusive comunistas - ao avaliarem a eficácia da sua acção para a transformação das sociedades actuais, é mais ou menos a seguinte: "Deixa lá, se não for para nós, será para os nossos filhos, ou para os nossos netos". Com ela querem afirmar que o Socialismo sempre virá algum dia e que lutar por ele é a atitude acertada. Sendo verdadeira, podemos dizer que não é uma frase mobilizadora e no contexto da luta de classes na actualidade devemos dizer que é errada, exactamente por tornar intemporal a luta a travar, tornando auto-censurada, voluntariamente adiada a perspectiva do dia no qual viveremos em socialismo.

Acaso tem alguma eficácia a acção mobilizadora que não coloca com clareza, de forma assertiva, a conquista do objectivo dessa luta? Particularmente para os jovens, evidencia inevitavelmente resignação, uma atitude de rendição perante as realidades presentes, sendo desmobilizadora para quem "tem pressa de viver", para as novas gerações que naturalmente ambicionam combater e transformar. Naquela mesma linha, de admissão de um auto-adiamento, há mesmo dirigentes políticos comunistas, com grandes responsabilidades de direcção, que chegam ao ponto de afirmar quantos anos - décadas! - faltam para o Socialismo!


É um facto que, lutando pelo Socialismo, numerosas gerações em numerosos países não o alcançaram. Mas também é sabido que outros casos houve, de gerações e de países que o conquistaram. É verdade que o Socialismo não tem uma data de nascimento previamente estabelecida; mas tal ocorre, tanto para o supormos próximo como para o imaginarmos longínquo. E, sobretudo, o passado da luta - seja ela remota ou recente - é garantia de que estamos hoje incomparavelmente - e de uma forma mais apelativa - bastante mais próximos do nosso objectivo. Em definitivo, a construção das sociedades socialistas na nossa época deixou de ser um objectivo utópico (como o foi há um século) para passar a ser uma meta real para a luta dos assalariados.
Se analisarmos agora as presentes condições objectivas, da base material, tanto em Portugal como, por exemplo, na Grécia - mas poderemos acrescentar Espanha, Itália, entre outros países -, isto é, sabermos qual é o actual estádio de desenvolvimento das forças produtivas e das correspondentes relações de produção nestes países, resulta claro que estão reunidas as bases materiais fundamentais para a passagem ao Socialismo. O capital, crescentemente internacionalizado, atingiu um grau de maturidade tal que, com ligeiras nuances e especificidades - aqui se incluindo a normal coexistência de relações de produção capitalistas em estádios diferenciados (campo-cidade, litoral-interior, rural-urbana) -, podemos considerar amadurecidas as condições materiais prévias para a construção de um processo/caminho apontado à construção nestes países do socialismo.


No caso de Portugal, a par de um agravamento brusco nas degradadas condições de vida, num quadro marcado por uma rápida deterioração económica, social e política, os défices estruturais da economia cresceram, a capacidade produtiva industrial é mínima, os despedimentos e encerramentos de empresas, com a taxa do desemprego - 10,8%, segundo os falsificados números oficiais (pelo critério do governo, quem nos últimos meses trabalhou 1 hora remunerada não conta!) - atingindo a quarta maior taxa no conjunto dos 34 países que integram a OCDE (só atrás da Espanha, da Eslováquia e da Irlanda), tornaram praticamente impossível aos jovens encontrar emprego, mesmo em postos de trabalho precários. Estes, entre contratos a prazo (são já 20% das contratações) e a recibos verdes, em trabalhos à peça e à tarefa, devem ultrapassar já os 40% do total dos postos de trabalho.


Os sucessivos governos, com políticas exclusivamente ao serviço do aumento dos lucros dos banqueiros e dos grandes grupos económicos, encerram hospitais, centros de saúde, maternidades, escolas, creches, estações de correio, esquadras, repartições de finanças e fazem-no de forma massiva, contando-se por milhares os encerramentos. Os jovens não possuem espaços e equipamentos de tempos livres (desporto, cultura, artes, etc) e os idosos não conseguem vaga nos centros de dia, lares e hospitais e, os que podem, pagam taxas exorbitantes aos privados. A pobreza atingiu índices assustadores, com o número de pobres a atingir a cifra dramática dos 2 milhões, dos quais 300 mil são crianças. Em resultado das políticas economicistas ditadas pela UE, os sistemas públicos de saúde e ensino, há muito em ruptura, estão próximos do colapso. As políticas para as artes e cultura tornaram-se virtuais, deixando ao abandono o património nacional e transformando a criação e a fruição culturais em miragens para os cidadãos comuns.


Para aqueles que trabalham, a redução dos salários reais é contínua, ano após ano, atingindo os trabalhadores portugueses o fim da escala europeia. Habituados durante várias décadas a ver a Grécia com índices sociais piores que nós, nestes últimos 34 anos de regime "democrático" a percentagem dos salários portugueses no PIB, depois de ter subido de 47,4%, em 1973 (durante o fascismo) para 59%, em 1975, caiu continuamente, atingindo o seu ponto mais baixo em 2009 (último ano com dados disponíveis), com 34,4%!, ficando o salário mínimo nacional o mais baixo da UE /15 (zona euro), com 475 euros - na Grécia, são 740 euros. Entretanto os preços há muito que são "europeus", pagando-se em Portugal, p.ex., os mais caros combustíveis, electricidade, comunicações, etc. Com salários claramente inferiores aos salários em Espanha, qualquer cidadão português que passa a fronteira para o país vizinho e entra num super-mercado imediatamente verifica nos preços inferiores praticados o grau de sobre-exploração a que vem sendo sujeito no seu país.


Em qualquer avaliação sobre uma situação política determinada, bem como para analisarmos a correspondente correlação de forças existente, duas "bengalas" instrumentais são usualmente utilizadas e que designamos por: a) Condições objectivas; b) Condições subjectivas.
Então, na sequência do que vimos analisando, se considerarmos que 1) as condições materiais estão suficientemente amadurecidas, com o capitalismo alcançando um estádio de evolução suficientemente maduro para ser superado e 2) estando as condições de existência dos povos em fase de degradação continuada, não sendo possível já vislumbrar qualquer possibilidade real de uma reconversão ou reconfiguração do sistema que pudesse inverter aquela sua tendência - permitindo-nos, inclusive, reafirmar hoje a alternativa "Socialismo ou Barbárie" com muito maior certeza - a questão central a resolvermos passa a ser: como adequar as condições subjectivas à realidade material, tornando viável a reconstrução revolucionária destas sociedades?


E aqui entramos na importância do factor subjectivo e da sua relevância decisiva na transformação das ideias pré-existentes ainda dominantes - e sua reconstrução, orientada pela ideologia socialista revolucionária, comunista.
Existe uma outra "lei" também usualmente aplicada nas nossas análises políticas e que se revela igualmente contraditória, complexa na sua aplicação, no que respeita aos seus efeitos práticos e na sua utilização mais comum: "A ideologia dominante é a ideologia das classes dominantes". Procuremos aferir em que medida é, de facto, assim.
Tanto no plano mundial como numa sociedade nacional complexa, esta dominação ideológica pelas classes dominantes não é uniforme, completa. Coexistem permanentemente áreas e segmentos sociais - e países, também - nos quais a ideologia dominante burguesa defronta grande resistência ou mesmo já entrou/está em crise. Se o domínio económico determina o domínio político, o aparelho de Estado, as estruturas empresariais capitalistas, os partidos políticos do capital, o ensino, a religião, os orgãos de informação, a indústria editorial, todos eles são difusores permanentes das ideias da burguesia dominante. Mas, em confronto com estas, coexistem as ideias não-dominantes, veiculadas pelos partidos operários, por outros partidos democráticos, pelos sindicatos, por associações profissionais, ordens, colectividades, clubes, ONG's, movimentos cívicos, artistas, individualidades prestigiadas aos olhos do povo, etc. As contradições de classe, de grupos, de camadas, entre e mesmo intra classes, constituem no capitalismo uma complexa e contraditória teia de ideias e posicionamentos ideológicos muito diversificados.
Em situações de agudização de crises - políticas, económicas, sociais, culturais - verifica-se uma fragilização da dominação ideológica das forças e aparelhos da burguesia. Aumentam as discrepâncias ou dissonâncias entre as ideologias dominantes proclamadas e as nem sempre interiorizadas práticas por parte das classes dominadas. Apesar das aparências de submissão/sujeição ideológica destas pelos aparelhos públicos e privados que difundem as ideias burguesas, nem sempre as classes dominadas interiorizam a ideologia dominante, surgindo no seu interior 'registos ocultos' dissidentes, ideários de oposição num nível 'infra político', isto sobretudo nos ambientes de socialização informais, nos círculos mais restritos - família, amigos, colegas de trabalho, espaços populares, etc. Todos eles tornados terrenos férteis para o debate daquele contraditório ideológico, para a discussão daquelas contradições políticas em desenvolvimento, através da acção dos agentes ideológicos de contra-poder acima mencionados.

Voltando a uma avaliação comparada dos percursos recentes da luta revolucionária na Grécia e em Portugal, avaliação comparada permitida pela grande similitude das situações existentes nos dois países, retornemos agora à questão das correspondentes correlações de forças. Em qual dos dois países essa correlação é mais favorável aos assalariados? Que factores diferenciados as caracterizam? Quais os elementos presentes em ambos que os aproximam e mais os identificam? Quais as intervenções ideológicas que cabem aos comunistas nos dois países? Teremos que deixar a conclusão desta discussão para um próximo post. Até lá.

sábado, 12 de junho de 2010

As iníquas resoluções do Conselho de Segurança da ONU, sobre o Irão e sobre Israel


No passado dia 9/6, o Conselho de Segurança da ONU, por doze votos a favor, com uma abstenção e dois votos contra, aprovou uma nova resolução - a quarta - que impõe sanções ao Irão pelo seu programa nuclear. O Líbano absteve-se, Brasil e Turquia, protagonistas recentes de um acordo com o Irão destinado a aliviar a tensão naquela região do mundo, dando força às acções pela Paz contra a política agressiva dos EUA e dos seus directos aliados, votaram ambos contra.

A favor desta resolução, além dos restantes sete países que actualmente integram o CS, votaram também - tornando-a legítima - todos os membros permanentes do Conselho, a saber, EUA, Reino Unido, França, Rússia e China. Tal votação surpreende, apesar dos procedimentos políticos e diplomáticos destes membros permanentes nos últimos anos já não deixarem muita margem para surpresas. De facto, nesta situação concreta - o direito de um país a usufruir da energia atómica - vemos o Brasil adoptando uma posição mais "à esquerda" que a posição colaboracionista da China.

Quem o diria, alguns anos atrás. A China, um país socialista durante várias décadas, hoje votando no Conselho de Segurança ao lado do que de pior existe na actualidade política mundial - EUA, Reino Unido, França -, para além da Rússia, selvaticamente capitalista, de Putin e Medvedev. Lamentavelmente, para o povo chinês e para os povos de todo o mundo, são cada vez mais numerosas as posições de evidente alinhamento e "cooperação estratégica" entre a China e as potências imperialistas mundiais, particularmente com os EUA, dos quais é hoje um muito próximo e indestrinçável aliado de "mercado". (1)



Kourosh Ziabari é um jovem jornalista iraniano que acaba de completar em Abril p.p. 19 anos. Nascido no litoral do Mar Cáspio, já publicou várias traduções do inglês para o persa e entrevistou personalidades como Noam Chomsky, o ex-presidente mexicano Vicente Fox, o prémio Nobel de Física Wolfgang Ketterle, o ex-assistente do Departamento do Tesouro dos EUA Paul Craig Roberts, dentre várias outras dezenas de personalidades do mundo político e jornalístico.
É dele o artigo que aqui se transcreve, publicado no "Global Research", segundo tradução publicada no "Vermelho". Trata-se de um oportuno inventário de algumas das mais significativas das 223 Resoluções aprovadas naquele órgão das Nações Unidas condenando a política genocida de Israel contra os povos árabes, todas arrogantemente ignoradas pelos sucessivos governos sionistas israelitas.
O autor trata genericamente um importante capítulo das agressões sionistas, a chamada "Guerra dos Seis Dias" - na verdade iniciada em Abril e só terminada em Novembro, quando o Conselho de Segurança da ONU adopta a resolução 242 que ordena a retirada de Israel dos territórios ocupados -, um conflito militar contra vários países árabes através do qual Israel, com a conivência e apoio activo dos EUA, impõe a anexação de Jerusalém Oriental, a ocupação dos Montes Golã, do Sinai, da Faixa de Gaza e da Cisjordânia.
Ao dar a sua visão sobre as ameaças da dupla EUA/Israel, Kourosh Ziabari avança também a sua opinião sobre o caminho a seguir pelo seu país, o Irão. Esta reprodução do seu artigo não significa acordo com todas as suas ideias, antes constitui uma singela saudação a este jovem patriota e anti-imperialista de dezanove anos e, através dele, uma sincera homenagem às capacidades e às energias inesgotáveis da juventude combativa dos povos em luta, em busca de uma radical viragem do mundo para o progresso social e político, para a Paz, para o Socialismo.


O Conselho de Segurança, que desde o seu estabelecimento tem tomado decisões discriminatórias contra vários países do mundo, especialmente em relação às nações não alinhadas que tentam escapar da hegemonia das super-potências, é notório pelo seu habitual padrão de um peso e duas medidas e está claro para todo mundo que suas resoluções são, na maioria das vezes, nada mais que fúteis, ineficazes, tendenciosas e não vinculativas.

Desde o ano de 1948, o Conselho de Segurança adoptou 223 resoluções condenando as violações de Israel à lei internacional, inclusive a ocupação de território palestino, incursões unilaterais em territórios libaneses e sírios, desenvolvimento de armas nucleares, deportação de cidadãos palestinos de seus lares e construção ilegal de assentamentos na Cisjordânia. Curiosamente, o regime israelense não deu atenção a qualquer uma dessas resoluções e o CS nunca colocou em prática as suas exigências para responsabilizar Telavive pela manutenção contínua de flagrante rebeldia em relação às leis internacionais.

Por exemplo, a resolução de número 487 exigiu que Israel colocasse suas instalações nucleares sob abrangente vigilância da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA). Israel nunca atendeu à demanda e o CS nunca processou Israel pela sua desobediência à resolução.

Em outro exemplo, o Conselho de Segurança adoptou seis resoluções seguidas, após a invasão do Líbano por Israel, em 1982, exigindo que o país cessasse as actividades militares e retirasse suas forças do território do país vizinho, mas Israel se recusou a aceitar as resoluções, até que a de número 517 foi aprovada, na qual Telavive foi fortemente censurada pela sua recusa em obedecer às resoluções do CS, emitidas a partir de Março de 1982.

O estado criminoso de Israel, desde seu estabelecimento, atacou todas as suas nações vizinhas em várias ocasiões, levando o CS a adoptar várias resoluções; entretanto, elas nunca foram além de declarações políticas, que eram no mínimo meras reacções espontâneas à brutalidade de Israel no Oriente Médio.

Em 21 de Março de 1968, Israel iniciou a chamada Batalha de Karameh, ao atacar a cidade de mesmo nome na Jordânia, do outro lado do rio Jordão. O ataque matou de 40 a 84 jordanos e de 100 a 200 palestinos. Em seguida ao ataque, o CS adoptou a resolução 248, na qual a "flagrante violação à Carta das Nações Unidas" foi energicamente condenada por todos os membros do Conselho de Segurança, até mesmo pelos Estados Unidos. Entretanto, a condenação verbal foi a única reacção do Conselho de Segurança à violência de Israel.

Em Dezembro de 1968, as Forças de Defesa de Israel (nome fantasia do exército agressor israelense), fizeram um raid no aeroporto Internacional de Beirute, destruindo 13 aeronaves civis que pertenciam à empresa nacional libanesa de aviação Middle East Airlines. O assalto também foi 'condenado' mais uma vez por mais uma resolução do CS, a de número 262. A resolução ameaçava punir Israel de forma categórica se o seu exército não se retirasse do local. Porém, a resolução não foi obedecida e outras acções consequentes jamais foram tomadas, mesmo quando Israel repetiu as mesmas acções criminosas.

Em 1985, Israel desferiu um ataque aéreo contra a Tunísia, tendo como alvo a liderança da Organização para a Libertação da Palestina. O CS adoptou mais uma resolução, condenando Israel e exigindo que Telavive contivesse novos ataques semelhantes. A resolução também destacou que a Tunísia tinha o direito a uma indemnização, considerando as perdas de vidas e os danos causados.

Tendo assassinado milhares de civis desde a sua criação, o recorde criminoso do regime israelense é claro para o mundo e todo o ser humano consciente admite que esse regime brutal merece sofrer as mais enérgicas medidas.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas nunca foi além de declarações propagandísticas em relação às acções ilegais e desumanas de Telavive, da morte de civis inocentes e da violação das leis humanitárias internacionais. Se não fosse a pressão da comunidade internacional, o CS jamais teria emitido essas resoluções, mesmo que frágeis e ineficazes, contra Israel.

O CS jamais aprovou qualquer resolução que impusesse sanções contra Israel, embora as transgressões e crimes do país sejam tão flagrantes e evidentes que ninguém pode negar a alegação de que Israel é o regime mais violento e vicioso do mundo, uma cópia idêntica e indistinguível do regime de "apartheid" que existiu na África do Sul.

A recente resolução do Conselho de Segurança contra o Irão foi um exercício claro de um peso e duas medidas pelo cada vez mais enfraquecido organismo internacional e deve ser respondida pela república islâmica de forma categórica. A postura da China e da Rússia sobre o programa nuclear iraniano e o surpreendente acompanhamento de nações como Gabão, Nigéria, Uganda, Bósnia e Herzegovina e o México da trajectória falaciosa dos cinco grandes não deixam espaço para a continuação da diplomacia e uma interacção pacífica com o Irão.

O país persa demonstrou uma cooperação construtiva e produtiva com a AIEA, com o Grupo dos 5 mais 1 (China, Rússia, EUA, Reino Unido e França mais a Alemanha) e com a União Europeia, mantendo as portas abertas para a negociação, porém o tempo da diplomacia chegou ao fim. Agora, depois que as cinco potências tomaram uma postura de confronto, decidindo por um caminho unilateral, o Irão deve mudar sua táctica e a solução que pode escolher é retirar-se do Tratado de Não Proliferação Nuclear e da AIEA.

Se o Paquistão, a Índia e Israel podem gozar de impunidade internacional para desenvolver armas atómicas, simplesmente porque não são signatários do TNP, o Irão tem todo o direito de dar prosseguimento ao seu programa retirando-se de um tratado que o país ratificou voluntariamente.



(1) Nota: A evolução política das orientações seguidas pelas lideranças chinesas nos últimos trinta anos exige-nos uma avaliação crítica séria e rigorosa. Tal exame, obviamente, não é o objecto deste post, nem o seu autor tem tal pretensão. Entretanto, tal avaliação histórico-política é hoje manifestamente do interesse de todos os revolucionários, nomeadamente do interesse dos partidos operários e comunistas, de todos aqueles que nos afirmamos identificados com os princípios e métodos teóricos do marxismo-leninismo. As preocupações com a situação actual na China, as perplexidades crescentes, assim como o grau das discordâncias já atingido, colocam-nos essa exigência e essa responsabilidade.
Nenhum tacticismo, nenhuma herança ideológica (fragilizada) de um passado chinês revolucionário, nenhuma sólida solidariedade internacionalista e de classe nos autorizam a "enfiar a cabeça na areia". Pelo contrário, são os nossos deveres de classe e as nossas responsabilidades realmente internacionalistas que o exigem.
É uma verdade, há muito que aprendida, que o Socialismo é uma realização criativa da classe operária e dos assalariados de cada país e de cada povo, absolutamente única e irrepetível - mas, em todas as circunstâncias e latitudes, sob a condição "sine qua non" de ser uma realização revolucionária verdadeiramente democrática e socialista do trabalho contra o capital, uma realização inovadora inteira e exclusivamente ao serviço dos trabalhadores e dos povos, sempre dirigida contra as classes oligárquicas exploradoras, visando extinguir historicamente a exploração do homem(produtor) pelo homem(explorador).

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Luta de classes e diversão

Este é o título de um artigo hoje publicado no jornal "Avante!", da autoria do camarada Filipe Diniz, que mais adiante se reproduz e no qual faz uma oportuna e acertada crítica às posições de puro oportunismo político de um conhecido "militante" das "causas sociais", uma das figuras de proa das sucessivas edições do Forum Social Mundial, sempre com as portas abertas para escrever e publicar nos orgãos de comunicação "social" dominantes.
Boaventura Sousa Santos é, de facto, um caso verdadeiramente paradigmático. Trata-se de alguém que, com origem no meio académico, tem praticado uma autêntica "cruzada" contra o "radicalismo" dos comunistas e a determinação destes no combate ao sistema capitalista. Nada que lhe "cheire" a contestação o deixa tranquilo. Os Sindicatos que representem os interesses de classe dos seus associados e não aceitem desempenhar o papel de "amarelos", conciliando com o capital, são alvo da sua professoral condenação.
Para ele, bons mesmo são os "movimentos", as "grandes causas" mais ou menos "fracturantes", as ONG's de variado tipo, as personalidades que, tal como ele, defendam reformas/remendos no capitalismo, que lhe dêem um rosto humano, que o façam bonzinho para as pessoas - afinal, ricos e pobres podem conviver bem, exploradores e explorados são igualmente cidadãos, tudo se pode resolver a contento nos marcos da democracia burguesa, a única que assegura a liberdade, o crescimento económico e a estabilidade social para todos, blá,blá,blá -, numa palavra, contestar sim, mas pelas bordas, pela rama, nada de pôr em causa o cerne da organização social e política dominante do capital. Verdadeiramente "ecléctico", tanto aborda com desenvoltura os temas da sua área como as mais variadas questões históricas, económicas, políticas, culturais, éticas, enfim, tudo "o que vier, morre!", conquanto lhe sirva de mote para as suas dissertações socializantes...
É, assim, natural e compreensível a sua preocupação, aliás mal dissimulada, com o actual curso dos acontecimentos nos países submetidos ao jugo da UE.

A luta dos trabalhadores e dos povos contra a implacável ofensiva capitalista actualmente em curso exige uma muito vigorosa resistência ideológica.
E há que ter em conta não apenas o ataque que vem abertamente do campo do inimigo de classe. Há que ter em conta igualmente as palavras de alguns que, proclamando estar ao lado dos trabalhadores e ser até «marxistas», têm a surpreendente habilidade tanto de desfocar as frentes de combate como de desvalorizar os nós essenciais - realmente existentes – de luta e de organização.
Veja-se uma recente crónica (Visão, 2.06.2010) de Boaventura Sousa Santos. Este «marxista» faz a extraordinária descoberta de que «a luta de classes está de volta à Europa». A luta de classes «enquanto prática política (sic)» está de volta, imagine-se, depois de anos em que esteve «institucionalizada» sob a forma de concertação social. Cujos resultados foram, entre outros, «o modelo social europeu», a «paz social», os «baixos níveis de desigualdade social». E regressa «em termos tão novos que os actores sociais estão perplexos e paralisados».
BSS publica este texto cinco dias depois daquela que provavelmente terá sido a maior manifestação realizada em Portugal desde 1974. Mais de 300 mil trabalhadores «perplexos e paralisados», convocados por sindicatos «em crise».
Felizmente têm em BSS uma luz que os alumia e lhes explica que a luta de classes regressou sob «uma nova forma: [….] desta vez é o capital financeiro quem declara guerra ao trabalho» (para BSS, o capital financeiro é uma classe…).
O movimento de luta que se levanta por toda a Europa, com a magnífica expressão de massas que tem vindo a alcançar, deveria deter-se e ouvir o sábio conselho de BSS: este movimento será «bem frágil se não for partilhado [….] em pé de igualdade por movimentos de mulheres, ambientalistas, de consumidores, de direitos humanos, de imigrantes, contra o racismo, a xenofobia e a homofobia». E, sobretudo, não ter ilusões: «a resistência ou é europeia ou não existe», decreta BSS.
Mal estariam os trabalhadores portugueses, gregos, romenos, espanhóis, se alimentassem expectativas em tais conselhos amigos.
Cresce um grande movimento de massas, patriótico e internacionalista. Não exclui ninguém. Mas, francamente, não precisa de conselhos destes.

("Avante!", n° 1906, de 09.Junho.2010)


A actual situação nos países periféricos, submetidos à ditadura da U.E. e do FMI, exige sem dúvida o prosseguimento, o alargamento e a intensificação da luta dos trabalhadores destes países. Mas uma luta conduzida com independência de classe e sem conciliações ou concertações com os governos que estão a tentar aplicar a cartilha do capital, lançados numa ofensiva contra o trabalho sem precedentes e visando instalar regimes laborais e sociais de excepção, assentes na mais brutal exploração dos trabalhadores europeus e na supressão das próprias liberdades políticas, atropelando todas as próprias regras das suas democracias parlamentares burguesas. Uma luta que, partindo da iniciativa e combatividade dos assalariados, se alargue a todas as outras classes laboriosas e segmentos sociais anti-monopolistas, a todas as camadas exploradas e populares, a todos os verdadeiros democratas. O futuro destes países e povos joga-se agora, em função da envergadura e determinação que assumam as suas lutas actuais e no futuro próximo-imediato.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A correlação de forças e a luta actual pelo socialismo (II)

O texto transcrito no final do post anterior sobre este tema (I) - a primeira parte de uma intervenção de Aleka Paparica, apresentando a posição do KKE sobre a situação actual na Grécia e as vias para o avanço da luta - coloca interessantes e importantes aspectos relacionados com uma visão própria dos revolucionários gregos sobre o conceito em análise: correlação de forças (c.def.). A transcrição de A. Paparica justifica-se, assim, como um bom exemplo de uma tentativa independente e de classe para discernir a realidade da imagem mistificada desta, e, também porque parece evitar três erros de avaliação muito comuns sobre c.def., a saber:

- A c.def. não é um momento estático, uma imagem parada, como uma foto, mas sim um processo em curso, dinâmico, como um filme;

- numa c.def. dada, a nossa atitude, a nossa actividade é sua parte integrante, não lhe somos alheios, não somos espectadores à margem do processo dialéctico que a enforma mas sim seus directos protagonistas, seus componentes determinantes;

- A verdadeira c.def. nunca é aquela que o inimigo de classe quer fazer crer, a sua versão simulada, manipulada e que é veiculada pelos instrumentos de dominação ideológica ao seu serviço, mascarando permanentemente a realidade e ocultando-a dos olhos das classes exploradas.

A definição de uma real c.de.f. é um processo difícil e complexo, nela intervindo um estudo/avaliação multi-facetado e rigoroso, incidindo sobre um largo conjunto de componentes variáveis, que estão presentes em numerosos domínios da vivência sócio-política do conjunto social dado. Todos conhecemos este fenómeno da c.de.f. no dia-a-dia, desde o micro-cosmos de uma família, de um prédio, de uma associação, de uma empresa, de um sindicato, até universos sociais mais vastos, como a freguesia, o concelho, a região, o país, os países num contesto regional ou continental, os países e seus respectivos povos no contexto mundial.

Frequentemente lemos, ouvimos, falamos de c.def. e é notória a forma muitas vezes simplista, aleatória e excessivamente empírica como vemos tratada esta importante questão. Por exemplo, é comum afirmar-se que a c.def. mundial é ainda favorável ao imperialismo, e, afirmando-o, estamos a afirmar uma verdade, embora relativa, como todas. Usualmente, na afirmação está implícita - e sub-repticiamente contida - a ideia que, por parte de todas as forças revolucionárias - e em todas as partes do mundo -, só lhes restará aceitar resignadamente o "status" actual; erradamente, a ideia de uma inevitável submissão/sujeição ("incontornável", usa-se hoje, demasiadas vezes e em falso) perante o poderio militar, económico e político do imperialismo. Entretanto, sabemos que é a própria lei do desenvolvimento desigual do capitalismo que nos mostra que tal avaliação "globalizante" da c.def., embora cómoda, torna-se de verificação impossível simultâneamente em todas as latitudes e em todos os processos políticos nacionais. A globalização - capitalista, não existe outra - avançou muito no último meio século, e aceleradamente nos últimos anos, mas esse processo não anulou a autonomia económica e a independência política de numerosos países e povos; em diversos casos, com experiências nacionais valorosas, de oposição e rejeição aos ditames imperialistas.

Se passarmos a um plano nacional, a proximidade do objecto de análise permite uma melhor aproximação ao real, logo às diversas componentes da c.def. respectiva, mas nem assim estão resolvidas e simplificadas as múltiplas questões que um exame objectivo exige conhecer e avaliar.

Desde logo, constitui um erro frequente - e muito funesto - identificar a c.def. com a correlação eleitoral/parlamentar, elegendo esta como a principal aferição das forças em presença. Em democracia burguesa, a manutenção da posição dominante das forças do capital depende do grau de convencimento das classes dominadas que as primeiras sejam capazes de garantir pela imposição dessa "leitura", ideologizada, dos resultados das suas eleições "democráticas". Mas nisto reside, simultâneamente, o seu principal suporte para exercer a sua ditadura de classe e também o seu "calcanhar de Aquiles", ao evidenciar crescentemente os estreitos limites da sua "democracia", incapaz hoje de corresponder aos anseios dos povos de maior participação e de um exercício efectivamente democrático da democracia política. Com efeito, uma c.def. é excessivamente marcada pelos estratagemas eleitoralistas da burguesia, mas em rigor define-se por muitos mais elementos identificáveis na sociedade considerada.


Sendo assim, às forças revolucionárias está cometida uma tarefa absolutamente decisiva, do estrito cumprimento da qual depende toda a sua actividade e o êxito da sua actuação: uma estreita e contínua ligação com o proletariado e o povo, com as suas várias classes produtivas, suas vivências, seus problemas e suas aspirações, suas organizações sociais e políticas, como está organizado e funciona o Estado nas suas diversas componentes - tipo de estrutura de poder, orgânica de funcionamento, articulação entre executivo/legislativo/judiciário, aparelho militar, aparelho ideológico, etc -, qual a situação económica existente, qual a situação social das várias classes, quais as principais questões que se colocam no seu dia-a-dia, suas aspirações predominantes, entre outras. Este domínio pelos comunistas sobre a c.def. existente - sempre dinâmica, sempre mutável -, exige-lhes um bom conhecimento do que pensam e fazem todos os que os rodeiam, desde os familiares, os amigos, os vizinhos e conhecidos, os camaradas de trabalho, os companheiros de sindicato, de associação, de escola, de clube, de unidade, etc, etc.. Utilizando a estrutura organizativa do seu partido, devem discutir com muita regularidade a evolução do estado de espírito existente em cada local, que avaliações são feitas, que opiniões são emitidas, que soluções são partilhadas quando se discutem os problemas sociais e políticos, etc. Será esse muito vasto acervo informativo, pesquisado e transmitido, debatido e interpretado de forma global que dará ao partido uma boa e sólida visão sobre a c.def. realmente existente. (1)

Isto coloca aos partidos comunistas uma exigência básica e prévia, no que respeita à sua estrutura político-organizativa: dispor de uma organização e de um método funcional que lhe assegurem essa permanente e eficaz ligação de massas, aos níveis nacionais, regionais, locais, de profissões, de grupos e de indivíduos. Sem tal organização e funcionamento, não existe conhecimento/informação adequados sobre a c.def. real e muito menos as formas e os meios a construir para sobre ela intervir eficazmente. Sem elas, é a própria possibilidade de realizar a revolução que fica comprometida.

Este aspecto do problema evidencia, então, a importante questão de saber como deve estar organizado e como deve funcionar um partido marxista-leninista. Deve ser um partido muito numeroso, com muitos e devotados militantes, organizados em células por todo o universo social existente - especialmente onde está a classe operária e os restantes assalariados - e articulados por uma estruturação orgânica que garanta a efectiva ligação política entre todos, desde os seus organismos de base, passando por organizações sectoriais e locais/regionais até chegar à direcção central, por forma a garantir que as decisões e orientações que esta determine correspondam, de forma efectiva e não formal, à consideração de todas e cada uma das informações, opiniões e análises que cada militante e cada célula lhe faz chegar, pela via orgânica.




Partidos políticos que se afirmem comunistas e não cumpram estas condições, podem até existir, podem desenvolver ideários de esquerda, podem ser críticos do sistema capitalista, mas não podem conhecer/apreender a realidade dada e a sua correspondente c.def., muito menos agir revolucionariamente sobre ela para a transformar. Partidos comunistas que não possuam muitos organismos de base - as chamadas células -, com funcionamento e iniciativa e vida próprias, que não disponham de uma rede organizativa vasta e inserida em todas as "malhas" e interstícios do tecido social, não podem conhecer suficientemente a realidade (real), não estão em condições de influir sobre ela, para a re-construir em moldes novos. Partidos "cabeçudos", com aparelhos centrais hipertrofiados, são "cérebros" sem "pés" e sem "mãos", reduzidos à condição de papagaios que se limitam a palrar sobre o socialismo, sobre a luta, sobre a revolução, sem quaisquer condições de serem escutados por quem é o destinatário e, simultâneamente, o sujeito da verdadeira acção revolucionária - o proletariado.

São a esquerda do sistema, sem dúvida, podem até produzir elaboradas análises teóricas sobre diversos aspectos da realidade, mas não são partidos marxistas-leninistas, capacitados para conhecer, interpretar e dirigir os movimentos espontaneístas das massas trabalhadoras, orientando-as sobre qual o rumo que devem tomar, em cada dia, em cada período, em cada etapa, dirigindo as suas lutas com o objectivo último da sua emancipação como classe, para a ulterior conquista do socialismo, para realizar a revolução. Em síntese, relacionado com o problema que aqui se vem tratando - a correlação de forças - , são partidos que vivem na dependência da "informação" das classes dominantes, olham a situação existente pelos olhos do inimigo de classe, analisam e concluem subordinados ao reflexo distorcido da realidade que lhes chega por escassos e corrompidos canais, tornam-se partidos manietados ideológica e politicamente e, assim, transformados em meros "grilos" críticos do capitalismo, remetendo sempre para as calendas a luta pela sua superação.

Deixemos para um próximo post algumas exemplificações do que temos tratado até aqui, para uma mais concreta análise da questão, olhando alguns factos segundo as diferentes ópticas de classe sobre eles.

(1) Nota/Adenda (16/6) Camaradas responsáveis pela ligação a organizações e organismos em cujas reuniões não sentem necessidade de tirar apontamentos, pouca ou nenhuma informação/opinião dos seus camaradas podem transmitir aos organismos de direcção do Partido. São maus dirigentes, julgam já conhecer tudo e, pior ainda, entendem não terem qq interesse as opiniões dos camaradas que (mal, muito mal) dirigem.