SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

sábado, 19 de junho de 2010

A correlação de forças e a luta actual pelo socialismo (III)

Após termos deixado registadas, nos dois post's anteriores (I e II) sobre este tema, algumas ideias e problemas gerais, vamos procurar agora fazer uma breve análise, prática e comparada, sobre a situação existente em Portugal em conexão com as situações nos restantes países do sul europeu, igualmente alvos das medidas de espoliação do trabalho, comandadas pela Comissão Europeia e pelo FMI e em favor do grande capital e, simultâneamente, discutir aspectos relacionados com o objectivo da criação das condições necessárias para a sua transformação no sentido da construção de novas sociedades socialistas.


Desde sempre, ao longo de toda a evolução da Humanidade, os homens necessitaram de ideias para viverem, para organizarem socialmente a sua subsistência. Sempre necessitámos de acreditar numa ideia-guia, num rumo, numa explicação de nós e do mundo, precisamos sempre de racionalizar a existência. Assim, criámos os mitos e as representações mitológicas, os deuses e as religiões, os ritos e os rituais, as ideias políticas que fundamentassem uma organização das comunidades humanas e legitimassem o poder de uns seres sobre os outros. Este papel orientador das ideias está consubstanciado nas sucessivas ideologias, ao longo dos milénios, assim se mantendo até à actualidade. Partilhando permanentemente o universo humano, sempre estiveram presentes, estabelecendo uma relação dialéctica, as condições objectivas, materiais e as condições subjectivas, espiritual-mentais (para simplificar uma designação), do nosso viver colectivo. Sendo assim, ambas estão constantemente presentes, ambas determinam os nossos rumos de vida. Daqui se conclui que tão errado resultará sobre-avaliar ou subavaliar umas como as outras.
Uma expressão que tem tanto de uso corrente como de errada utilização do ponto de vista operativo, ouvida com frequência entre militantes políticos de esquerda - inclusive comunistas - ao avaliarem a eficácia da sua acção para a transformação das sociedades actuais, é mais ou menos a seguinte: "Deixa lá, se não for para nós, será para os nossos filhos, ou para os nossos netos". Com ela querem afirmar que o Socialismo sempre virá algum dia e que lutar por ele é a atitude acertada. Sendo verdadeira, podemos dizer que não é uma frase mobilizadora e no contexto da luta de classes na actualidade devemos dizer que é errada, exactamente por tornar intemporal a luta a travar, tornando auto-censurada, voluntariamente adiada a perspectiva do dia no qual viveremos em socialismo.

Acaso tem alguma eficácia a acção mobilizadora que não coloca com clareza, de forma assertiva, a conquista do objectivo dessa luta? Particularmente para os jovens, evidencia inevitavelmente resignação, uma atitude de rendição perante as realidades presentes, sendo desmobilizadora para quem "tem pressa de viver", para as novas gerações que naturalmente ambicionam combater e transformar. Naquela mesma linha, de admissão de um auto-adiamento, há mesmo dirigentes políticos comunistas, com grandes responsabilidades de direcção, que chegam ao ponto de afirmar quantos anos - décadas! - faltam para o Socialismo!


É um facto que, lutando pelo Socialismo, numerosas gerações em numerosos países não o alcançaram. Mas também é sabido que outros casos houve, de gerações e de países que o conquistaram. É verdade que o Socialismo não tem uma data de nascimento previamente estabelecida; mas tal ocorre, tanto para o supormos próximo como para o imaginarmos longínquo. E, sobretudo, o passado da luta - seja ela remota ou recente - é garantia de que estamos hoje incomparavelmente - e de uma forma mais apelativa - bastante mais próximos do nosso objectivo. Em definitivo, a construção das sociedades socialistas na nossa época deixou de ser um objectivo utópico (como o foi há um século) para passar a ser uma meta real para a luta dos assalariados.
Se analisarmos agora as presentes condições objectivas, da base material, tanto em Portugal como, por exemplo, na Grécia - mas poderemos acrescentar Espanha, Itália, entre outros países -, isto é, sabermos qual é o actual estádio de desenvolvimento das forças produtivas e das correspondentes relações de produção nestes países, resulta claro que estão reunidas as bases materiais fundamentais para a passagem ao Socialismo. O capital, crescentemente internacionalizado, atingiu um grau de maturidade tal que, com ligeiras nuances e especificidades - aqui se incluindo a normal coexistência de relações de produção capitalistas em estádios diferenciados (campo-cidade, litoral-interior, rural-urbana) -, podemos considerar amadurecidas as condições materiais prévias para a construção de um processo/caminho apontado à construção nestes países do socialismo.


No caso de Portugal, a par de um agravamento brusco nas degradadas condições de vida, num quadro marcado por uma rápida deterioração económica, social e política, os défices estruturais da economia cresceram, a capacidade produtiva industrial é mínima, os despedimentos e encerramentos de empresas, com a taxa do desemprego - 10,8%, segundo os falsificados números oficiais (pelo critério do governo, quem nos últimos meses trabalhou 1 hora remunerada não conta!) - atingindo a quarta maior taxa no conjunto dos 34 países que integram a OCDE (só atrás da Espanha, da Eslováquia e da Irlanda), tornaram praticamente impossível aos jovens encontrar emprego, mesmo em postos de trabalho precários. Estes, entre contratos a prazo (são já 20% das contratações) e a recibos verdes, em trabalhos à peça e à tarefa, devem ultrapassar já os 40% do total dos postos de trabalho.


Os sucessivos governos, com políticas exclusivamente ao serviço do aumento dos lucros dos banqueiros e dos grandes grupos económicos, encerram hospitais, centros de saúde, maternidades, escolas, creches, estações de correio, esquadras, repartições de finanças e fazem-no de forma massiva, contando-se por milhares os encerramentos. Os jovens não possuem espaços e equipamentos de tempos livres (desporto, cultura, artes, etc) e os idosos não conseguem vaga nos centros de dia, lares e hospitais e, os que podem, pagam taxas exorbitantes aos privados. A pobreza atingiu índices assustadores, com o número de pobres a atingir a cifra dramática dos 2 milhões, dos quais 300 mil são crianças. Em resultado das políticas economicistas ditadas pela UE, os sistemas públicos de saúde e ensino, há muito em ruptura, estão próximos do colapso. As políticas para as artes e cultura tornaram-se virtuais, deixando ao abandono o património nacional e transformando a criação e a fruição culturais em miragens para os cidadãos comuns.


Para aqueles que trabalham, a redução dos salários reais é contínua, ano após ano, atingindo os trabalhadores portugueses o fim da escala europeia. Habituados durante várias décadas a ver a Grécia com índices sociais piores que nós, nestes últimos 34 anos de regime "democrático" a percentagem dos salários portugueses no PIB, depois de ter subido de 47,4%, em 1973 (durante o fascismo) para 59%, em 1975, caiu continuamente, atingindo o seu ponto mais baixo em 2009 (último ano com dados disponíveis), com 34,4%!, ficando o salário mínimo nacional o mais baixo da UE /15 (zona euro), com 475 euros - na Grécia, são 740 euros. Entretanto os preços há muito que são "europeus", pagando-se em Portugal, p.ex., os mais caros combustíveis, electricidade, comunicações, etc. Com salários claramente inferiores aos salários em Espanha, qualquer cidadão português que passa a fronteira para o país vizinho e entra num super-mercado imediatamente verifica nos preços inferiores praticados o grau de sobre-exploração a que vem sendo sujeito no seu país.


Em qualquer avaliação sobre uma situação política determinada, bem como para analisarmos a correspondente correlação de forças existente, duas "bengalas" instrumentais são usualmente utilizadas e que designamos por: a) Condições objectivas; b) Condições subjectivas.
Então, na sequência do que vimos analisando, se considerarmos que 1) as condições materiais estão suficientemente amadurecidas, com o capitalismo alcançando um estádio de evolução suficientemente maduro para ser superado e 2) estando as condições de existência dos povos em fase de degradação continuada, não sendo possível já vislumbrar qualquer possibilidade real de uma reconversão ou reconfiguração do sistema que pudesse inverter aquela sua tendência - permitindo-nos, inclusive, reafirmar hoje a alternativa "Socialismo ou Barbárie" com muito maior certeza - a questão central a resolvermos passa a ser: como adequar as condições subjectivas à realidade material, tornando viável a reconstrução revolucionária destas sociedades?


E aqui entramos na importância do factor subjectivo e da sua relevância decisiva na transformação das ideias pré-existentes ainda dominantes - e sua reconstrução, orientada pela ideologia socialista revolucionária, comunista.
Existe uma outra "lei" também usualmente aplicada nas nossas análises políticas e que se revela igualmente contraditória, complexa na sua aplicação, no que respeita aos seus efeitos práticos e na sua utilização mais comum: "A ideologia dominante é a ideologia das classes dominantes". Procuremos aferir em que medida é, de facto, assim.
Tanto no plano mundial como numa sociedade nacional complexa, esta dominação ideológica pelas classes dominantes não é uniforme, completa. Coexistem permanentemente áreas e segmentos sociais - e países, também - nos quais a ideologia dominante burguesa defronta grande resistência ou mesmo já entrou/está em crise. Se o domínio económico determina o domínio político, o aparelho de Estado, as estruturas empresariais capitalistas, os partidos políticos do capital, o ensino, a religião, os orgãos de informação, a indústria editorial, todos eles são difusores permanentes das ideias da burguesia dominante. Mas, em confronto com estas, coexistem as ideias não-dominantes, veiculadas pelos partidos operários, por outros partidos democráticos, pelos sindicatos, por associações profissionais, ordens, colectividades, clubes, ONG's, movimentos cívicos, artistas, individualidades prestigiadas aos olhos do povo, etc. As contradições de classe, de grupos, de camadas, entre e mesmo intra classes, constituem no capitalismo uma complexa e contraditória teia de ideias e posicionamentos ideológicos muito diversificados.
Em situações de agudização de crises - políticas, económicas, sociais, culturais - verifica-se uma fragilização da dominação ideológica das forças e aparelhos da burguesia. Aumentam as discrepâncias ou dissonâncias entre as ideologias dominantes proclamadas e as nem sempre interiorizadas práticas por parte das classes dominadas. Apesar das aparências de submissão/sujeição ideológica destas pelos aparelhos públicos e privados que difundem as ideias burguesas, nem sempre as classes dominadas interiorizam a ideologia dominante, surgindo no seu interior 'registos ocultos' dissidentes, ideários de oposição num nível 'infra político', isto sobretudo nos ambientes de socialização informais, nos círculos mais restritos - família, amigos, colegas de trabalho, espaços populares, etc. Todos eles tornados terrenos férteis para o debate daquele contraditório ideológico, para a discussão daquelas contradições políticas em desenvolvimento, através da acção dos agentes ideológicos de contra-poder acima mencionados.

Voltando a uma avaliação comparada dos percursos recentes da luta revolucionária na Grécia e em Portugal, avaliação comparada permitida pela grande similitude das situações existentes nos dois países, retornemos agora à questão das correspondentes correlações de forças. Em qual dos dois países essa correlação é mais favorável aos assalariados? Que factores diferenciados as caracterizam? Quais os elementos presentes em ambos que os aproximam e mais os identificam? Quais as intervenções ideológicas que cabem aos comunistas nos dois países? Teremos que deixar a conclusão desta discussão para um próximo post. Até lá.

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