SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Um testemunho histórico e corajoso - Lições para o presente e para o futuro (2).



Carta ao Comité Central do PCUS

Publica-se em seguida uma nova carta de Tatiana Khabarova, dirigida ao Comité Central,  datada de pouco mais de um ano após aquela que antes endereçou ao Sec.-Geral do PCUS e que aqui já se reproduziu (http://oassaltoaoceu.blogspot.pt/2015/05/um-testemunho-historico-e-corajoso.html), prosseguindo o seu corajoso combate ao criminoso oportunismo que tinha tomado de assalto o Partido de Lenine, pela mão da sua própria Direcção.
Os desvios políticos oportunistas nos Partidos Comunistas começam sempre pelas suas direcções, arrastando os colectivos partidários para "o pântano".  Até que novas e sãs energias revolucionárias os levem a retomarem o caminho interrompido - ou, em alternativa, que os partidos em causa acabem por soçobrar, afundando-se na amalgama histórica da luta de classes, desbaratando os esforços e os sacrifícios das vidas e gerações que as antecederam, desaparecendo sem honra e sem dignidade...

"Mikhail Gorbatchov assegura incessantemente por toda a parte que, alegadamente, não existem alternativas à «perestroika» (tal como ele a entende), e que ninguém conseguiu propor algo diferente. Para não usar uma expressão mais forte, direi apenas que tal não corresponde à realidade. Existe tanto uma análise alternativa da situação geral no país, como um «pacote» alternativo de propostas concretas. (E isto no mínimo, uma vez que falo apenas por mim própria, outros poderiam falar por si).
Essas propostas são:
– O restabelecimento das formas de manifestação e acção das relações monetário-mercantis, normais para o regime socialista, que respondem às suas leis objectivas profundas (a modificação socialista do valor, antes designada «sistema de preços de duas escalas»);
– O restabelecimento do princípio, adequado às leis objectivas do socialismo, da formação do rendimento da actividade produtiva proporcionalmente não aos fundos e recursos, mas ao trabalho vivo (isto é, a transferência do peso principal da formação do lucro destinado ao rendimento líquido centralizado do Estado para o preço, predominantemente, dos bens de consumo geral);
– O restabelecimento da política, igualmente adequada às leis económicas objectivas do socialismo, de redução consequente dos preços, tanto dos preços na produção (grossistas), como no consumo (a retalho), à medida do aumento planificado da produtividade do trabalho e da redução do custo da produção;
– A utilização da redução planificada dos preços grossistas como alavanca económica de pressão sobre o produtor para a racionalização da gestão económica, da economia de recursos, busca de soluções científicas-técnicas progressivas;
– A deslocação do centro de gravidade dos estímulos aos trabalhadores das formas grupais-egoístas para as formas de incentivos sociais pelo seu carácter, entre as quais, a mais importante constitui o sistemático e sensível «esmagamento» dos principais preços a retalho, acompanhado do aumento da quantidade e elevação da qualidade das mercadorias colocadas à venda;
– O estabelecimento do princípio rigoroso e inviolável de que só pode ser considerada como rendimento líquido centralizado do Estado uma receita entrada no erário público e passível de ser redistribuída ulteriormente, após a venda real da mercadoria ao consumidor;
– O estabelecimento de um indicador igualmente rigoroso de redução dos custos de produção dos bens intermédios [destinados ao processo produtivo], a montante das sucessivas fases da cadeia produtiva; indicador que reflicta uma verdade económica simples: a de que, mediante uma gestão racional, a nova produção deve necessariamente reduzir e não aumentar o peso dos custos do destinatário;
– O reforço, e não afrouxamento, das formas sociais de propriedade dos meios de produção e da organização do processo de produção, tanto na indústria como na agricultura.
O estudo isento da experiência histórica do nosso país mostra que, nas condições da propriedade socializada, a política de redução regular dos preços garante uma intensificação da produção no seu conjunto e constitui o análogo, pela profundidade e eficiência da sua acção, plenamente equivalente às forças de coerção económica, características dos sistemas de «mercado» contemporâneos. Deste modo, abrindo campo à tendência, natural ao socialismo, de abaixamento dos principais níveis de preços, poderíamos alcançar excelentes resultados no objectivo de repor a nossa produção social nos trilhos do desenvolvimento intensivo, sem recorrer à desnecessária e errónea na sua raiz «reanimação» na nossa economia das relações de propriedade privada, bem como às calamidades sociais a ela associadas, em primeiro lugar o desemprego.
Tudo isto se aplica plenamente à agricultura. Aqui o erro crucial não foi a colectivização, como hoje nos procuram convencer; o erro foi a deformação e a mutilação dos princípios cooperativos do regime kolkhoziano, entre a segunda metade dos anos 50 e meados dos anos 60. Trata-se, em primeiro lugar, da imposição irreflectida e generalizada da maquinaria aos kolkhozes, transformando-os economicamente num poço sem fundo, onde «se sumiram» centenas de milhares de milhões de rublos do erário público, sem qualquer retorno económico palpável, além de que se criou aqui uma indestrutível «ténia» de subvenções. Em segundo lugar, esse erro foi a violação, em 1965, do princípio da remuneração do trabalho na agricultura em função do resultado final real, tal como do correspondente princípio de formação dos preços dos produtos agrícolas. Foi precisamente depois dessas «inovações» desastradas (e não depois da colectivização, camarada Gorbatchov!) que se criou uma situação em que quanto mais dificuldades tivesse a exploração, mais recebia pela sua produção. E as pessoas começaram a exigir remunerações não segundo o resultado real do trabalho, mas pelo simples facto de se terem apresentado para trabalhar. Assim, quando se falar da «desruralização do campo», deve-se dizer que não foi a colectivização que «desruralizou» o campo, mas a «reforma económica» de 1965.
Mikhail Gorbatchov afirma hoje que a resolução do problema agrícola, alegadamente, «foi adiada, adiada» ao longo de quase 50 anos. Mas será que se pode declarar tal coisa quando ainda está em vigor o Programa de Alimentos (o qual até hoje ninguém revogou), a par de outras iniciativas de grande envergadura sobre questões agrícolas, aprovadas pelo Plenário do CC do PCUS de Março de 1965; quando foram feitos investimentos gigantescos na produção agrícola sob a direcção de Leonid Bréjnev; quando se lançou a exploração das terras virgens e inúmeras outras acções de Nikita Khruchov, visando um «crescimento acentuado» da agricultura?
Com toda a evidência, não se trata aqui do «adiamento» de resoluções, mas exclusivamente do facto de que, durante três décadas, se tentou resolver o problema a partir de pressupostos claramente errados e ineficazes. Quanto ao potencial económico da organização kolkhoziana, em geral, ele é bastante grande e não está de longe esgotado.
A eliminação das referidas deformações, a principal das quais é a «industrialização» artificial da remuneração do trabalho dos kolkhozianos, bem como a política de preços irracional (não tem outro nome), que permite viver melhor quem pior trabalha; a eliminação de todas estas deformações permitir-nos-ia, provavelmente, corrigir com relativa rapidez a situação na frente alimentar, sem recorrer à ajuda do recém-aparecido «agricultor socialista», ou seja, o kulaque criado à pressa (o qual dentro em breve, naturalmente, precisará de jornaleiros).
A este propósito gostaria ainda de colocar uma questão ao camarada Gorbatchov.
Muitas decisões, aparentemente boas e promissoras, em matéria agrícola foram tomadas quando já era um alto funcionário do partido, precisamente encarregado destes assuntos. O facto de todas essas decisões terem fracassado não se deverá à circunstância de a direcção superior do partido estar ocupada por pessoas que interiormente não acreditavam (e não acreditam) na vitalidade da exploração colectiva socialista da terra, esperando apenas «a hora» em que fosse possível atacar, com grande alarido, a «colectivização stalinista» e dedicarem-se a fundo à restauração da «kulaquização» do campo? Poderia uma pessoa que no seu íntimo considerava a exploração kulaque como a melhor estrutura organizativa do campo, aplicar de boa-fé a política de especialização e concentração da produção agrícola? E será que dirigentes deste tipo não são culpados de nada perante o povo e o partido? Apenas Stáline (que há mais de 35 anos não está no mundo dos vivos) é culpado de tudo? Que não havia nada de bom em nenhuma das resoluções, então adoptadas com os vossos sonoros aplausos (embora, seguramente, houvesse nelas algo de sensato; não eram uma estupidez completa). E se achavam que eram uma estupidez, porque as aprovaram?
Agora sucintamente sobre a «alternativa» na esfera política:
– Realização de uma reforma eleitoral não segundo o «princípio» chocante da substituição do direito ao sufrágio universal, igual e directo pelo direito ao sufrágio não universal, desigual e indirecto, mas, pelo contrário, através da remoção do nosso sistema eleitoral dos elementos ainda existentes de múltiplas etapas, de privilégios «corporativos» e outros tipos de desigualdade eleitoral;
– Desenvolvimento e aperfeiçoamento por todos os meios da democracia, e para isso, antes de mais, deve-se ter uma compreensão clara dos princípios do Estado soviético que constituem a sua «especificidade» objectiva e a sua vantagem histórica universal perante tipos anteriores de democracia, sobretudo perante a democracia parlamentar burguesa (o papel dirigente do partido proletário, nomeadamente na administração operacional da economia, a junção – e não «divisão»! – dos poderes legislativo e executivo);
– Aprofundamento nos seus diferentes aspectos e aplicação (isto é, a sua institucionalização) do programa apresentado pelo partido ainda no final dos anos 20 de desenvolvimento da crítica de massas a partir de baixo (iniciativa individual crítica criativa), como modo objectivamente inerente ao socialismo de resolução das contradições do desenvolvimento social, estabelecimento do controlo da sociedade civil, em todos os níveis e campos, sobre o funcionamento das estruturas do Estado, a superação da alienação do cidadão comum e do produtor «de base» em relação aos meios de produção socializados.

Precisamente um ano se passou desde que dirigi a Mikhail Gorbatchov o estudo teórico «O culpado será o «stalinismo»?», em que lhe fiz a seguinte sugestão: caso peçam a Gorbatchov que refira «pelo menos alguns nomes» daqueles que divergem categoricamente das suas ideias, então que refira o meu nome. Repito a minha sugestão; e ao mesmo tempo exprimo a minha profunda tristeza pelo facto de que toda a algazarra sobre a «transparência» e a «democracia» sirva para cobrir uma atitude tão rude e incivilizada para com o povo, para com o potencial intelectual das massas, para com a cidadania, para com o zelo dos cidadãos comuns soviéticos pelo Estado.
 
Gostaria de recordar aqui que as propostas atrás referidas estão contidas, numa forma bastante desenvolvida, por exemplo, na minha «Carta ao Secretário-Geral do CC doPCUS, L.I. Bréjnev e aos delegados do XXV Congresso do PCUS» (Fevereiro de 1976) e, em particular, no documento «Direcções Essenciais do Desenvolvimento Constitucional da URSS no período de transição para a segunda fase do Comunismo» (Setembro de 1977), enviado a propósito do debate em curso nesse momento sobre o projecto de Constituição da URSS. Neste último documento (escrito há 20 anos, recordo) afirmava-se em particular:
«Na base da inevitável reforma eleitoral que incumbe ao Estado soviético realizar jaz um princípio evidente, contra o qual não pode haver quaisquer objecções sensatas, uma vez que decorre naturalmente da lógica interna do poder popular socialista:
Todas as acções políticas decisivas na formação dos órgãos de poder
do Estado por via eleitoral devem constituir direitos individuais constitucio- nais dos cidadãos da URSS». (Manuscrito citado, p. 37)
Mais adiante enumerava-se: o direito de qualquer cidadão da URSS politicamente apto de apresentar a sua candidatura a deputado; o direito de rejeição de um candidato a deputado; o direito de requerer a revocação de um deputado; o direito de iniciativa legislativa.
O documento, «Direcções Essenciais do Desenvolvimento Constitucional da URSS no período de transição para a segunda fase do comunismo», terminava com as seguintes palavras: «Parece-me inútil explicar em concreto e demonstrar extensamente a natureza não conjuntural das considerações feitas neste trabalho; elas dizem respeito a questões que permanecem por resolver; e questões não resolvidas exigem que nos ocupemos delas. Publicar a quinta Constituição, “evitando” estas questões não resolvidas, em última a análise, significará que terá de ser escrita uma sexta Constituição que as resolverá». (p. 42)

Pois bem, já tivemos durante bastante tempo uma «cópia»: a «Constituição do Socialismo Desenvolvido», que vigora solenemente há 11 anos, e um código jurídico de muitos tomos, elaborado na sua base, o qual é hoje cinicamente declarado pelos seus próprios redactores como um «palavreado jurídico», onde quanto muito se poderão encontrar duas dezenas de leis «genuínas». (Cf. «Como deve ser o Estado de Direito?», Literaturnaia Gazeta, de 8 de Junho de 1988, p. 11).

Será que se confirma inteiramente o meu «prognóstico» sombrio, feito há 11 anos, de que, uma resolução efectiva dos nossos problemas jurídico-constitucionais, que corresponda às exigências actuais, só se alcançará depois uma sexta tentativa?
Apenas rejeito resolutamente o rótulo de «antiperestroika», sob o qual, por alguma razão, por vontade própria «se colocou» o bondoso Ivan Timofeievitch Chekhovtsov. Sou uma cidadã soviética honesta, profundamente patriótica, partidária do socialismo e uma marxista-leninista convicta; para tudo o que começa com a palavra «anti» devem, no presente caso, procurar outros destinatários; e eles são mais do que suficientes!
Veja-se o que escreveu a Literaturnaia Gazeta recentemente: «Agitação anti-soviética? Mas isso não é nenhum horror! Quem o desejar que o faça, nos locais previstos pela lei.» Ou seja, o Estado soviético deverá destinar locais «legais» para… a agitação e propaganda anti-soviética. Basta de «perestroika», camarada Gorbatchov, já não há mais nada a dizer.

Aliás, a julgar pelos acontecimentos das últimas dias e semanas, aqueles que sentem uma paixão irresistível pela propaganda anti-soviética e anti-socialista não estarão lá muito de acordo convosco quando lhes designardes um local «legal» para as suas iniciativas. Eles próprios definirão não só o lugar e a hora, mas também a dimensão de tudo isso.

Solicito que dê conhecimento dos presentes documentos aos membros do Comité Central do PCUS (e não só aos funcionários do aparelho). É preciso que o Comité Central compreenda a necessidade de pôr termo ao fomento de mais um culto da personalidade, na realidade o mais vergonhoso de todos os que existiram no nosso país. É preciso, finalmente, ouvir a voz das pessoas (e serão seguramente muitas) que consideram que em vez de «renunciar» ao socialismo na URSS, às suas conquistas e à sua história (sem a qual o país não tem futuro), é mais sensato dispensar Gorbatchov do cargo de secretário-geral. E quanto mais depressa melhor. Não será demasiado elevado o preço que nos é exigido para que o senhor Reagan ou a senhora Thatcher, em sinal de aprovação, passem a mão pela melena de alguém que escuta as suas opiniões como se fossem a mais importante orientação política?"
1 de Dezembro de 1988
 

(Tatiana Khabarova - Doutorada em Ciências Filosóficas)



 



 

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