SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Um Internacionalismo Proletário para o século XXI (II)

 
Em luta contra o mesmo inimigo de classe - o grande capital e o imperialismo - o operariado europeu exige-nos uma activa e constante solidariedade entre todos os seus destacamentos nacionais, sem tibiezas, sem cálculos oportunistas sobre ilusórias "vantagens" que nos proporcionaria a atitude de afastamento, renegando a nossa comum condição de explorados, com o falso pretexto de não nos "isolarmos das amplas massas"...
É um erro típico das concepções reformistas, pensar que a vanguarda deve abjurar sobre os seus fundamentos de classe, esconder quem são os nossos irmãos de combate, pretextar as discordâncias de pormenor para tentar mascarar o afastamento quanto ao fundamental, argumentando oportunísticamente com a necessidade de, desse modo, nos mantermos ligados às restantes classes e camadas anti-monopolistas. A vida, a experiência própria e alheia mostram que não é assim, antes muito pelo contrário: quanto mais claras e sólidas são as nossas posições internacionalistas, maior é o estímulo que transmitimos ao nosso povo para que saia à luta pelos nossos mesmos e comuns objectivos populares e democráticos. Que solidez política, que confiança transmite aos aliados aquela vanguarda operária que escolhe trair as suas obrigações para com os seus próprios irmãos de classe?
Lutar em cada momento, em cada fase do combate, pelos objectivos comuns à classe operária e às classes suas aliadas, não significa ter de esconder os nossos objectivos finais, ocultar a nossa condição de marxistas-leninistas, esconder a nossa firme posição de solidariedade internacionalista com todos que connosco ombreiam na luta contra o capital, contra o imperialismo, diluir a afirmação das nossas fraternais relações de combate com todos quantos, como nós, lutam pela construção revolucionária da emancipação dos trabalhadores, pelo socialismo.
   

MINEIROS LUTAM E MARCHAM PARA  MADRID!

Depois de mais de um mês em greve e de cortes de estrada e duros confrontos com a polícia, mineiros de várias regiões de Espanha iniciaram, dia 22, uma marcha negra até Madrid, em defesa das minas e dos postos de trabalho.

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A «marcha negra» partiu simbolicamente da mina de Barredo, na localidade de Mieres, nas Astúrias, onde, em 1991, 36 sindicalistas se enclausuraram durante 11 dias, em protesto contra a reestruturação da empresa pública Hunosa.
Cerca de 80 trabalhadores, entre os quais estão quatro mulheres, meteram-se a caminho, determinados a vencer os cerca de 500 quilómetros que os separa da capital espanhola.
No mesmo dia, uma coluna de 35 mineiros partiu da Galiza para se juntar aos 45 camaradas de Leão. Na quarta jornada de marcha, as duas colunas juntaram-se no município de Robla (Leão), esperando alcançar Madrid no próximo dia 11 de Julho.
Esta é a terceira «marcha negra» contra o encerramento das minas de carvão. A primeira foi protagonizada por 500 mineiros da Minero Siderúrgica de Ponferrada (MSP) que, em 1992, deram o exemplo caminhando até Madrid.
No ano passado, confrontados com salários em atraso, duas centenas de mineiros leoneses decidiram reeditar a marcha histórica, percorrendo 110 quilómetros até à capital da província, para se integrarem nas manifestações de 29 de Setembro, dia de greve geral no país.
A grande instabilidade há muito sentida no sector agravou-se dramaticamente com o anúncio do corte de 63 por cento dos apoios estatais à extracção de carvão. A concretizar-se, esta medida ditará a sentença de morte da maioria das minas, arruinando comunidades inteiras que dependem desta actividade.
Entretanto, sete trabalhadores continuam barricados nas minas de Santa Cruz del Sil, nas Astúrias, num protesto que dura há 36 dias. Entre eles está Victor Manuel Almeida, a quem chamam «El Português», por ser filho de portugueses que emigraram de Chaves. Outros portugueses emigrantes se têm destacado nesta luta desesperada pela sobrevivência (Lusa, 22.06).
 
Uma luta justa
Solidarizando-se com a luta dos mineiros, a direcção da Federação das Indústrias Metalúrgicas (Fiequimetal), enviou uma mensagem às Comisiones Obreras, saudando «fraternal e calorosamente a luta determinada que têm vindo a desenvolver pela manutenção da laboração das vossas minas». «A vossa determinação constitui um exemplo para todo o sector mineiro. Pelo direito ao trabalho! Pelos recursos minerais ao serviço dos povos e das suas regiões!».
Também o Movimento Democrática das Mulheres (MDM) expressou a sua solidariedade com a «marcha negra», manifestando o seu «total apoio às trabalhadoras mineiras e companheiras dos mineiros que incansavelmente se mantêm organizadas e unidas, contribuindo para um verdadeiro reforço deste protesto, reivindicando o direito ao trabalho e a dignidade para as suas famílias.»

("Avante!", 28/6/2012)


quarta-feira, 27 de junho de 2012

Congresso Marx em Maio – Perspectivas para o século XXI - Intervenções (II)

Desta importante comunicação de António Avelãs Nunes, não obstante a informação que contém e o seu carácter pedagógico, transcrevem-se apenas alguns dos seus pontos, dado que a sua extensão torna impraticável a publicação integral neste espaço. Como todas as selecções, esta também corre o inevitável risco de errar, subalternizando pontos que igualmente mereceriam destaque, mas paciência. Aí ficam estes, na convicção que se adequam bem aos propósitos deste blog que, desde o seu lançamento, das ciências económicas sempre privilegiou - e sempre privilegiará - o seu principal ramo: a Economia Política.


CRÓNICA DE UMA CRISE ANUNCIADA

1. –Toda a construção liberal assenta na ideia de que o melhor dos mundos se atinge, graças à mão invisível inventada por Adam Smith, deixando funcionar o mercado para que a taxa de lucro possa crescer, e, com ela, o investimento, o crescimento económico e o bem-estar para todos.
Este otimismo dos clássicos ingleses acerca das possibilidades de crescimento sem limites e da melhoria generalizada das condições de vida vinha reforçado pela confiança na Lei de Say, segundo a qual não são possíveis crises de sobreprodução generalizadas, e pela convicção de que, em virtude de leis naturais, os salários nunca poderiam, duradouramente, ultrapassar o valor correspondente ao mínimo de subsistência.
Este o enquadramento que justificava o paraíso liberal (o mesmo dos neoliberais dos nossos dias).
A verdade, porém, é que Maltuhs e depois Marx, cada um à sua maneira, vieram mostrar o que a vida confirmaria: as crises cíclicas de sobreprodução são inerentes ao capitalismo. Perante a evidência da Grande Depressão, o próprio Keynes reconheceu que, nas sociedades capitalistas, as situações de pleno emprego são raras e efémeras. A crise que agora abala o mundo é, pois, mais uma crise do capitalismo, uma “crise estrutural do capitalismo”.

2. –Os factos dão razão ao velho Keynes, que, há mais de 50 anos, advertia para os perigos de paralisação da atividade produtiva em consequência do aumento da importância dos mercados financeiros e da finança especulativa.
Talvez por isso a ideologia dominante se tenha apressado a decretar a “morte de Keynes”, ‘sacrificado’ no altar dos deuses do neoliberalismo. Desmantelada a regulamentação da atividade bancária e financeira, o capital financeiro ficou inteiramente livre para estabelecer o seu império, com a cumplicidade ativa de uma regulação amiga do mercado.
A ação do capital financeiro especulador acabou por anular as políticas nacionais de regulação das taxas de câmbio, uma vez que as autoridades competentes de muitos países ficaram sem meios para se defender eficazmente da ação dos especuladores. Basta recordar que o montante das reservas detidas pelos bancos centrais de todo o mundo (principal meio de defesa das moedas nacionais) é sensivelmente igual ao montante das transações diárias no mercado cambial (em grande parte puramente especulativas).
Por outro lado, o poder político do capital financeiro desmantelou todas as estruturas e mecanismos de regulação e de controlo da atividade financeira, que vinham dos tempos do combate à grande depressão dos anos 1930, a primeira grande crise do capitalismo marcada pelo predomínio do capital financeiro e pela especulação financeira.

2.1. - A aceleração do processo de 'inovação' financeira traduziu-se, nomeadamente, no desenvolvimento dos mercados de produtos financeiros derivados. Chamam-lhe produtos para criar a ilusão de que resultam de uma qualquer ‘indústria’ (também se fala da indústria bancária…) ou de outra atividade produtiva, mas essa é, a todas as luzes, uma designação falsa, enganadora e não inocente.
Criados como instrumentos de gestão dos riscos inerentes à instabilidade das taxas de juro e das taxas de câmbio, estes ‘produtos’ transformaram-se de imediato em instrumentos destinados apenas a alimentar as ‘apostas’ na bolsa (o grande casino do capital financeiro), dada a pequena percentagem do capital investido em relação aos ganhos possíveis, e revelaram-se um novo e poderoso fator de instabilidade dos mercados financeiros.
Trata-se de produtos virtuais, cujo valor global se calcula em cerca de mil biliões de dólares (o equivalente a vinte anos da produção mundial!), mal conhecidos, que não têm qualquer relação com a economia real e com as atividades produtivas (criadoras de riqueza). É capital puramente fictício, cujo valor é fixado em função dos ganhos que os ‘apostadores’ prevêem que podem obter, chamando a si uma parte significativa da riqueza criada pela economia real. Estes ‘produtos’, cada vez mais sofisticados, servem apenas para ganhar dinheiro com a especulação, atraindo bancos, seguradoras, sociedades gestoras de fundos de investimento e de fundos de pensões.
O recurso abusivo à sua emissão e comercialização conduziu rapidamente à manipulação e à instabilidade dos ‘mercados financeiros’, porque os contornos e os riscos que esses ‘produtos’ incorporam nem sempre são facilmente identificáveis, mesmo pelos habituais frequentadores deste ‘casino’ (como os bancos), que compram muitas vezes ‘produtos financeiros’ tão esotéricos que não sabem exatamente o que estão a comprar.
Na última década do século XX, o volume das transações sobre os mais perigosos destes ‘produtos’, os chamados over-the-counter derivative markets, aumentou de 24,6 mil milhões de dólares em 1992 para 94,6 mil milhões de dólares em 1999 (um aumento de quase 285%!). O Relatório Podimata (aprovado pelo Parlamento Europeu em fevereiro/2011) salienta que, em termos globais, o volume das transações financeiras, muitas delas implicando a exposição em elevado grau de capitais alheios nos ‘jogos de casino’, aumentou sempre ao longo da década que terminou em 2007, em especial devido ao incremento das transações sobre produtos derivados, tendo atingido neste ano um valor igual a 73,5 vezes o PIB nominal mundial.

2.2. - Os especialistas avisaram que este fenómeno (completamente alheio às necessidades da economia real), para além de expor as instituições financeiras aos riscos máximos inerentes à natureza volátil destes ‘produtos’, tornava muito mais difíceis o controlo pelas autoridades de supervisão e a auditoria das contas daquelas instituições. Os seus defensores, porém, não se cansavam de proclamar as ‘virtudes globais’ de tais produtos: “Formas inteiramente novas de instrumentos financeiros tiveram de ser inventadas ou desenvolvidas – derivativos de crédito, títulos lastreados em ativos, futuros de petróleo e congéneres, que criam condições para o funcionamento muito mais eficiente do sistema de comércio mundial”. É este o ponto de vista de Alan Greenspan.
Para além dos riscos inerentes à proliferação dos 'produtos derivados', a liberalização dos movimentos de capitais, ao serviço do objetivo de criar um mercado único do capital à escala mundial, arrastou consigo um conjunto de alterações que vieram potenciar fortemente a ameaça de risco sistémico.
Com efeito, a internacionalização dos mercados de valores mobiliários veio colocar em rede mercados muito diferentes, cada um com as suas regras de funcionamento e os seus riscos específicos, abrindo caminho à propagação contagiosa dos fatores de risco.
Por outro lado, a ausência de controlo dos mercados financeiros e dos movimentos de capitais pelos estados nacionais provocou uma onda sem precedentes de concentrações, de fusões e de aquisições de empresas financeiras, com a redução acentuada do número de bancos (que controlam companhias de seguros e, direta ou indiretamente, outras instituições financeiras, nomeadamente sociedades gestoras de fundos de investimento e de fundos de pensões), a concentração nos maiores deles da parte de leão dos depósitos bancários e a preponderância dos grandes bancos nas operações de fusão e aquisição de empresas do setor financeiro.
Um estudo recente de três investigadores do Instituto Federal Suíço de Tecnologia dá-nos conta do grau de concentração do poder económico-financeiro ao nível dos centros de decisão a nível mundial. Partindo da definição de empresas transnacionais adotada pela OCDE, os autores selecionaram 43.060 empresas de entre as registadas no banco de dados Orbis 2007.
Neste conjunto de empresas, detetaram mais de 600 mil participações diretas e mais de um milhão de participações indiretas no capital de outras empresas. De entre elas, apuraram um núcleo constituído pelas 1318 mais poderosas empresas transnacionais, que representam diretamente 20% do rendimento global.
Uma análise mais fina permitiu-lhes concluir que cada uma destas empresas tem, em média, participações no capital de 20 outras grandes empresas, o que permite a este grupo de 1318 empresas transnacionais deter ou controlar, em conjunto, cerca de 60% da economia mundial.
Dentro deste grupo, o estudo identificou um núcleo mais restrito de 147 entidades (3/4 das quais são instituições financeiras: bancos, seguradoras, fundos de investimento, fundos de pensões) que dominam grande parte das restantes: menos de 1% das entidades estudadas controlam 40% de toda a rede. Acresce que estas 147 entidades nucleares estão ligadas entre si por uma densa teia de participações cruzadas, o que faz delas o verdadeiro ‘governo’ do mundo capitalista. Ficamos a saber o que são “os mercados” e compreendemos que estes “mercados” não sejam compatíveis com a democracia. (...) Em pouco tempo a crise instalou-se no mercado interbancário, o mercado em que os bancos emprestam dinheiro uns aos outros, em regra a prazos muito curtos. Perante a realidade, os bancos deixaram de confiar uns nos outros (porque conheciam bem o lixo que todos tinham acumulado) e deixaram de conceder crédito uns aos outros, o que provocou a diminuição da liquidez, a escassez do crédito e o aumento das taxas de juro.
Num artigo publicado em L’Express em finais de 2011, até o insuspeito Jacques Attali vem reconhecer que “esta crise foi consequência do enfraquecimento da parte dos salários no valor acrescentado”. Mas a importância do “enfraquecimento da parte dos salários no valor acrescentado” como elemento potenciador de crises de sobreprodução é de há muito conhecida. Marx esclareceu esta questão. E Keynes, à sua maneira, deixou claro que as enormes desigualdades de rendimento não favoreciam o crescimento económico, antes provocariam a insuficiência da procura efetiva, que ele considerava a causa das crises cíclicas próprias do capitalismo.


(...) 7. – Parece até que, desta vez, tudo foi planeado para que a crise acontecesse.
Num artigo publicado em L’Express em finais de 2011, até o insuspeito Jacques Attali vem reconhecer que "esta crise foi consequência do enfraquecimento da parte dos salários no valor acrescentado".30 Mas a importância do "enfraquecimento da parte dos salários no valor acrescentado" como elemento potenciador de crises de sobreprodução é de há muito conhecida. Marx esclareceu esta questão. E Keynes, à sua maneira, deixou claro que as enormes desigualdades de rendimento não favoreciam o crescimento económico, antes provocariam a insuficiência da procura efetiva, que ele considerava a causa das crises cíclicas próprias do capitalismo.
E, no entanto, a tentativa de travar a tendência para a baixa da taxa de lucro (que a crise de 1973-1975 evidenciara) conduziu, nas últimas décadas, à adoção de políticas sistemáticas de diminuição da parte dos salários no rendimento global e do poder de compra dos salários, apesar de se saber que estas políticas potenciam a ocorrência de crises.

7.1. – O pensamento liberal sempre assumiu que a baixa dos salários reais é o elemento indispensável para tornar atrativa a contratação de trabalhadores desempregados e assim inverter o ciclo, abrindo o caminho para que, com base no funcionamento do mercado livre, se atinjam situações de reequilíbrio com pleno emprego em todos os mercados e em todos os setores da economia.
Hayek enfatiza este ponto: "o problema do desemprego é um problema de salários". Isto é: a diminuição dos salários reais e salários reais baixos são a condição indispensável e decisiva para se prevenirem e se ultrapassarem as crises, que poderiam ser evitadas se se deixassem funcionar livremente os mercados, nomeadamente o
mercado de trabalho, liberto das ‘imperfeições’ que o descaraterizam (contratação coletiva, salário mínimo garantido, proteção legal contra os despedimentos sem justa causa, subsídio de desemprego, etc.).
Compreende-se, por isso, que, ao longo das últimas quatro décadas de império neoliberal, os interesses e os atores que estão por detrás da financeirização tenham pressionado (e continuem a pressionar) os governos a adotar as políticas de arrocho salarial (diminuição dos salários reais e diminuição da parte da riqueza criada que cabe aos trabalhadores), bem como as políticas que dão primazia ao combate à inflação (para não ficarem em risco as cotações dos valores mobiliários) e que desvalorizam a promoção do crescimento e do emprego.
Num contexto de acentuado desenvolvimento científico e tecnológico (rapidamente incorporado na atividade produtiva) e consequente aumento da produtividade, tratava-se de fazer reverter os ganhos da produtividade em benefício do capital, impedindo os trabalhadores de beneficiar condignamente da riqueza que criam.

7.2. - Em termos globais, a produtividade aumentou, à escala mundial, nos últimos dez anos, cerca de 30%, enquanto o aumento dos salários não foi além de 18%.
A ‘globalização’ aumentou enormemente o número de trabalhadores disponíveis à escala mundial, tendo o exército de reserva de mão-de-obra aumentado também, no quadro europeu, na sequência da implosão da URSS, do desaparecimento da comunidade socialista europeia e da integração de vários dos países da Europa central e de leste na própria União Europeia.
Os especialistas põem em relevo o facto de que "os trabalhadores de todos os países, independentemente do seu grau de desenvolvimento industrial e do sistema social, estão doravante em concorrência entre si, em todos os domínios da economia, com um leque salarial entre um e 50 ou mais". O aumento da concorrência entre os trabalhadores neste novo mercado mundial do trabalho já foi considerado "a principal consequência social da mundialização". Ele é, sem dúvida, um elemento novo na caraterização do capitalismo global, que não existia em 1916, quando Lenine publicou o estudo clássico sobre O Imperialismo, e que precisa de ser analisado à luz da revolução científica e tecnológica do último quarto de século.

Nestas condições particularmente favoráveis ao capital, o referido objetivo foi plenamente conseguido. O aumento da parte do capital na partilha do valor criado pelo trabalho produtivo atingiu mesmo proporções escandalosas. A distorção, em favor do capital, da chamada distribuição funcional do rendimento tem-se traduzido no agravamento da exploração e no empobrecimento relativo (e mesmo absoluto) da grande massa dos trabalhadores, tanto nos chamados ‘países ricos’ como nos ditos ‘países pobres’.Um estudo do FMI, publicado em 2007, mostra que a parte do rendimento do trabalho no rendimento nacional baixou, de forma sistemática, entre 1980 e 2005, no conjunto dos países mais desenvolvidos. No Relatório sobre o Trabalho no Mundo/2008, a OIT sublinha que "em 51 dos 73 países para os quais existem dados disponíveis, a parte dos salários no rendimento nacional tem diminuído ao longo dos últimos vinte anos", especificando que "o declínio mais forte da parte dos salários no PIB teve lugar na América Latina e nas Caraíbas (-13 pontos percentuais), seguindo-se a Ásia e o Pacífico (-10 pontos percentuais) e as economias desenvolvidas (- 9 pontos percentuais)".
Um documento de trabalho apresentado na reunião de julho de 2010 do Banco de Pagamentos Internacionais faz uma longa análise crítica deste mesmo fenómeno: "A parte dos lucros é hoje invulgarmente elevada, e a parte dos salários invulgarmente baixa. De facto, a dimensão desta evolução e o leque dos países a que diz respeito não têm precedentes nos últimos 45 anos".
Para o conjunto da UE, a Comissão Europeia regista uma diminuição da parte dos salários de 8,6% entre 1983 e 2006 (9,3% na França). E, para o conjunto dos países do G7, o FMI aponta, para o mesmo período, uma diminuição de 5,8%.
Os dados oficiais mostram que, na UE/15, a parte dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional passou de 65% em 1980 para 49,4% em 2005 e 48,9% em 2008. Tomando a UE/25, essa percentagem passou de 50,2% em 2002 para 48,5% em 2008, sabendo-se que, em vários países da UE, entre os quais Portugal, esta percentagem é ainda mais baixa.
Em finais de 2007, alguém tão insuspeito como Alan Greenspan reconhecia que "a parte dos salários no rendimento nacional nos EUA e em outros países desenvolvidos atingiu um nível excepcionalmente baixo segundo os padrões históricos, ao invés da produtividade, que vem crescendo sem cessar." E não escondeu a sua preocupação, invocando que "esta desproporção entre fracos níveis salariais e lucros historicamente muito elevados faz temer um aumento da animosidade contra o capitalismo e o mercado, tanto nos EUA como em outras zonas do mundo".
É capaz de ter razão. Mas é curioso que Greenspan não tenha sequer aludido ao risco de uma crise grave do capitalismo, como consequência do fenómeno que regista. Talvez porque ele é um fiel da Lei de Say e acredita que as crises de sobreprodução não são possíveis nas sociedades capitalistas… 

 (...) O Presidente do Banco Mundial (Robert Zoellick) escrevia, em outubro/2010: "Pela primeira vez na história, mais de mil milhões de pessoas deitam-se todas as noites com a barriga vazia".
Num Relatório da OCDE de finais de 2011 (6 de dezembro) põe-se em relevo o facto de as desigualdades sociais terem aumentado ininterruptamente ao longo dos últimos trinta anos, tendo atingido níveis de rotura: "o contrato social está a desfazer-se em muitos países", recordou o Secretário-Geral daquela Organização, durante a sessão de apresentação do relatório, em Paris.
Segundo dados do FMI (outono/2010), as políticas neoliberais destruíram, em 2009, à escala mundial, 30 milhões de postos de trabalho, dando uma boa contribuição para engrossar o número dos desempregados, que rondará, segundo a OIT (Tendências Mundiais do Emprego - 2011) os 205 milhões em todo o mundo, sendo que 1530 milhões dos que têm trabalho desenvolvem a sua atividade em condições de precariedade. Considerando pobres aqueles que auferem rendimento inferior a 60% do salário médio do país onde vivem, 80 milhões de cidadãos da rica UE vivem abaixo do limiar da pobreza (incluindo 19 milhões de crianças), e cerca de 17% dos europeus não têm recursos suficientes para satisfazer as suas necessidades básicas (dados da Comissão Europeia referentes a 2010). E o Grupo de Reflexão constituído no âmbito do Conselho Europeu e presidido por Felipe González concluiu que, "pela primeira vez na história recente da Europa, existe um temor generalizado de que as crianças de hoje terão uma situação menos confortável do que a geração dos seus pais".
(...) 9. –O recurso às políticas orientadas para provocar a baixa dos salários reais tem sido o principal expediente utilizado para tentar contrariar a tendência estrutural no sentido da baixa da taxa de lucro. Mas a verdade é que o salário pago aos trabalhadores não é apenas um elemento dos custos de produção. É também o rendimento que alimenta o poder de compra da grande maioria da população que há-de comprar as mercadorias que foram produzidas com o único objetivo de serem vendidas no mercado e que têm de ser vendidas para que os empresários capitalistas possam recuperar o capital adiantado e apoderar-se da mais-valia (em linguagem marxista).
Por isso, a diminuição do poder de compra dos trabalhadores não pode ser inteiramente compensada pelo aumento do consumo de luxo e de superluxo dos ricos. Esse aumento – que se tem, aliás, registado, de forma explosiva, ‘queimando’ para investimentos produtivos e investimentos sociais uma parte significativa da riqueza criada – não basta (como já Henry Ford e Keynes tinham percebido) para assegurar uma procura agregada que acompanhe o aumento da capacidade de produção. A sociedade de produção em massa exige um consumo de massa.
Pode aumentar a pressão consumista, usando e abusando dos instrumentos ao serviço da sociedade de consumo. Mas isso também não basta: a tentativa de compensar a redução do poder de compra dos salários através do estímulo ao consumo financiado pelo crédito (credit-financed-consumption) não chega para anular os efeitos daquela redução, e provoca a baixa generalizada e acentuada da taxa de poupança das famílias (e dos estados) e o sobreendividamento de muitas delas, que acabam por não poder pagar os encargos assumidos.
A crise económica e social aberta na sequência da crise financeira e da crise fiscal dela resultante veio confirmar o que já se sabia: ao reduzir os salários, o capital aumenta a sua taxa de mais-valia. Mas, ao fazê-lo, reduz o poder de compra dos trabalhadores, que constituem a grande massa dos consumidores, colocando em risco a realização da mais-valia, abrindo, deste modo, uma crise de sobreprodução. Porque as crises cíclicas inerentes ao capitalismo são, precisamente, crises de realização da mais-valia.
O predomínio do capital financeiro sobre o capital produtivo tem acentuado os riscos de crise nos setores das atividades produtivas (nomeadamente nos setores industriais), aumentado as dificuldades do capital produtivo em recuperar o capital adiantado e agravando a tendência para a baixa da taxa de lucro, uma vez que as rendas do capital financeiro (com realce para o capital especulativo) vêm absorvendo uma parte crescente da mais-valia global.
 
(...) 12. – Como é sabido, no rescaldo da primeira grande crise do capitalismo ocorrida após um período de euforia especulativa, Keynes (1936) veio defender junto dos que, como ele, queriam salvar o capitalismo, a ideia de que a socialização do investimento tornaria o capital abundante e baixaria as taxas de juro para valores próximos de zero dentro de um prazo de 25 anos, provocando deste modo, gradualmente, sem necessidade de qualquer revolução, o que ele chamou a eutanásia do rendista, a morte do capitalista sem profissão (“functionless investor” – cap. XXIV da General Theory).
Mas a contra-revolução monetarista veio matar Keynes, enterrado a preceito, para que não ressuscitasse. E a cartilha neoliberal impôs, ao longo das últimas décadas, políticas deliberadamente empenhadas em criar as condições favoráveis à especulação e em proteger os que vivem das ‘rendas’ da especulação bolsista, das ‘rendas’ da especulação imobiliária e de todas as ‘rendas’ de tipo feudal garantidas pelo estado capitalista, agora na veste de estado garantidor.
Neste ambiente, a crise chegou, esperada e talvez programada. Trata-se de uma crise do neoliberalismo, diagnosticaram alguns, com o objetivo de fazer passar a mensagem de que o capitalismo não tem que ver com as crises, que o capitalismo – com a sua famosa economia de mercado – é intocável e é eterno, como eternas e universais são as leis que o governam.
A verdade, porém, é que o neoliberalismo não existe fora do capitalismo, não é um fruto exótico que nasceu nos terrenos do capitalismo, nem é o produto inventado por uns quantos ‘filósofos’ que não têm mais nada em que pensar.
O neoliberalismo corresponde a “uma nova fase na evolução do capitalismo”.  O neoliberalismo é o reencontro do capitalismo consigo mesmo, depois de limpar os cremes das máscaras que foi construindo para se disfarçar. O neoliberalismo é o capitalismo na sua essência de sistema assente na exploração do trabalho assalariado, na maximização do lucro, no agravamento das desigualdades.
O neoliberalismo é o capitalismo puro e duro do século XVIII, mais uma vez convencido da sua eternidade, e convencido de que pode permitir ao capital todas as liberdades, incluindo as que matam as liberdades dos que vivem do rendimento do seu trabalho.
O neoliberalismo é a expressão ideológica da hegemonia do capital financeiro sobre o capital produtivo, hegemonia construída e consolidada com base na ação do estado capitalista, porque, ao contrário de uma certa leitura que dele se faz, o neoliberalismo exige um forte estado de classe ao serviço dos objetivos do setor dominante das classes dominantes, o capital financeiro.
O neoliberalismo é a ditadura da burguesia, sem concessões. Mais especificamente: a ditadura do grande capital financeiro.

(...) 13. – As ideias que acabámos de enunciar não são ideias novas. O facto de elas terem sido deliberadamente ‘esquecidas’ pode resultar da atitude obscurantista dos fanáticos do deus-mercado, mas pode resultar também da vontade destes mesmos e de todos os setores do capital de, num quadro que consideravam favorável, desencadear uma crise, para, a coberto dela e sob o pretexto de a combater, acentuarem as políticas tendentes a aniquilar de uma vez por todas os direitos sociais dos trabalhadores (e, portanto, também os seus direitos civis e políticos), com o objetivo de fazer regressar o mundo aos tempos do capitalismo selvagem (que é, afinal, o capitalismo na sua essência).
A presente crise, fruto das desigualdades, vem agravando as desigualdades e vem alargando a pobreza (com um número cada vez maior de pobres que trabalham), confirmando o capitalismo a sua caraterística genética de “civilização das desigualdades”.
Razões não faltam, como se vê, para deitar fora os catecismos neoliberais: no plano teórico, o neoliberalismo está completamente desacreditado, e os resultados das políticas neoliberais são consabidamente desastrosos. A verdade, porém, é que o neoliberalismo não saiu de cena: os pontos deste ‘teatro do mundo’ continuam a soprar aos atores em palco os mesmos textos… E os governantes de turno não conhecem outra cartilha. Infelizmente, até hoje a realidade confirma este diagnóstico.
Esta não será a última crise do capitalismo, mas ela ajudará a enfraquecer ainda mais este corpo condenado a morrer (como tudo o que é histórico) e a dar lugar a um mundo diferente, apesar de todos os meios – e são muitos – que podem ainda prolongar-lhe a vida.
O feudalismo deu o lugar ao capitalismo quando, após um longo período de desagregação, aquele modo de organização económico-social assente na servidão pessoal se revelou incapaz de continuar a garantir as rendas que sustentavam o estatuto privilegiado das classes dominantes, que já não tinham mais margem para aumentar a exploração dos trabalhadores servos. Talvez se aproxime o tempo em que as contradições do capitalismo comecem a revelar a sua incapacidade para manter as rendas do capital financeiro (verdadeiras rendas feudais). A menos que, esgotada a possibilidade de novas exigências aos trabalhadores assalariados, se recorra, uma vez mais, à barbárie extrema.

Há mais de cinquenta anos, o argentino Raúl Prebisch (o primeiro Presidente da agência da ONU Comissão Económica para a América Latina) avisou que as soluções liberais só podem concretizar-se manu militari. No início dos anos 1980, Paul Samuelson chamava a atenção para os perigos do “fascismo de mercado”. Mais recentemente, foi Paul Krugman quem recordou: “Somos uma sociedade em que a concentração do rendimento e da riqueza nas mãos de poucas pessoas ameaça fazer com que sejamos uma democracia somente de nome (…), uma vez que a concentração extrema do rendimento é incompatível com a democracia real”.
Se tivermos presente esta lição, compreendemos que a luta contra o neoliberalismo e contra as políticas nele inspiradas é uma luta pela democracia. E esta luta trava-se hoje também no terreno do trabalho teórico (que nos ajuda a compreender a realidade para melhor intervir sobre ela) e no terreno da luta ideológica, porque o peso dos aparelhos ideológicos ao serviço da ideologia dominante é hoje talvez o fator mais importante na determinação da correlação de forças que decide as lutas sociais e porque a luta ideológica é, hoje mais do que nunca, um fator essencial da luta política e da luta social (da luta de classes).

Parafraseando um poeta brasileiro (Álvaro Moreyra), uma coisa parece hoje incontestável: este mundo está todo errado. É preciso passá-lo a limpo. Aos universitários e aos intelectuais em geral cabe, como cidadãos, como universitários e como intelectuais, uma responsabilidade enorme nas lutas a travar nestes domínios, para que um dia, como nos diz a canção de Xico Buarque, possa nascer uma flor no “impossível chão”.

(António José Avelãs Nunes, Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Em Abril de 1988 foi aprovado por unanimidade no concurso para uma vaga de Professor Associado do 2º Grupo (Ciências Económicas) do quadro da FDUC. É Professor Catedrático de nomeação definitiva do quadro da FDUC desde Julho de 1995, após concurso público em que foi aprovado por unanimidade.)

 

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Um Internacionalismo Proletário para o século XXI


" 'A defesa da colaboração de classes - escreveu Lénine - o abandono da revolução socialista e dos métodos revolucionários de luta, a adaptação ao nacionalismo burguês, o esquecimento do carácter historicamente transitório das fronteiras da nacionalidade e da pátria, o fetichismo da legalidade burguesa, a renúncia ao ponto de vista de classe e à luta de classes por receio de que se afastem 'as amplas massas' (leia-se: a pequena burguesia): tais são, indubitavelmente, os fundamentos ideológicos do oportunismo. Precisamente neste terreno cresceu o actual chauvinismo e patrioteirismo da maior parte dos dirigentes da II Internacional.'

Estas palavras merecem na actualidade profunda reflexão. O 'fetichismo da legalidade burguesa' e a renúncia a um ponto de vista de classe por receio de que se afastem as 'amplas massas' conduzem à substituição dos critérios revolucionários de classe por critérios jurídicos e à permeabilidade aos conceitos propagados pelos ideólogos da pequena burguesia e do imperialismo.(...)"

(Cunhal, Álvaro [1970], O Internacionalismo Proletário Uma Política e Uma Concepção do Mundo, Lisboa, Ed. "Avante!") 


Comunicado conjunto de Solidariedade com o KKE
Partidos Comunistas e Operários


2012-06-14 - Os partidos signatários desta declaração consideram que a luta que tem sido travada pelo Partido Comunista da Grécia (KKE) é de extrema importância para todos os povos da Europa e do mundo e para todos os Partidos Comunistas. Esta luta firme dos comunistas gregos contra a UE e a NATO, e a sua acção militante para que sejam os capitalistas, e não os trabalhadores, a pagar a crise desempenha um papel decisivo no processo de crescimento da consciencialização dos povos da Europa e também do mundo.
A burguesia está incomodada por o KKE não participar nos governos burgueses, porque não se compromete com os governos que, nas condições da crise capitalista, só servem para dar uma folga ao sistema capitalista para que possa ganhar tempo e manter a sua barbaridade contra o povo. O KKE não se submeteu, nem se submeterá, aos interesses da burguesia e é esta a razão pela qual estão a tentar criar dificuldades ao KKE nas eleições de 17 de junho. Estamos confiantes em que os trabalhadores gregos vão impedir este plano.
Os nossos partidos, cada um no seu país, promovem um movimento de solidariedade com a luta dos trabalhadores gregos e o KKE. A luta do KKE é também a nossa luta. A luta dos assalariados, dos trabalhadores por conta própria, dos pequenos e médios agricultores e da juventude na Grécia é também a luta dos nossos povos, uma luta que, através da aliança social e popular, não visa a salvação e perpetuação da barbárie capitalista, como o fazem as posições reformistas, mas derrubar o poder do capital e a construção de uma sociedade sem exploração, a construção do socialismo.

Os Partidos 1. PADS – Argélia 2. Partido Comunista da Austrália 3. Iniciativa Comunista (Áustria) 4. Partido Comunista do Azerbeijão 5. Partido Comunista dos Trabalhadores da Bielorrússia 6. Partido dos Trabalhadores da Bélgica 7. Partido Comunista Brasileiro 8. Partido Comunista da Grã-Bretanha 9. Novo Partido Comunista da Grã-Bretanha 10. Partido Comunista da Boémia e Morávia 11. Partido Comunista na Dinamarca 12. Partido Comunista da Dinamarca 13. Partido Comunista (KP), Dinamarca 14. Partido Comunista do Egito 15. Partido Comunista da Estónia 16. Partido Comunista Operário da Finlândia 17. Pólo do Renascimento Comunista em França (PRCF) 18. União dos Comunistas Revolucionários da França (URCF) 19. Partido Comunista das Honduras 20. Partido Comunista Operário Húngaro 21. Comunistas – Esquerda Popular (CSP-PC, Itália) 22. Partido dos Comunistas Italianos 23. Partido Comunista do Quirguizistão 24. Partido Socialista da Letónia 25. Frente Socialista Popular da Lituânia 26. Partido Comunista de Malta 27. Partido Comunista do México 28. Partido Socialista Popular do México 29. Partido Comunista da Moldávia 30. Partido Comunista do Nepal (Marxista-Leninista) 31. Partido Comunista do Paquistão 32. Partido Comunista Palestiniano 33. Partido Comunista Filipino [PKP-1930] 34. Partido Comunista da Polónia 35. Partido Comunista da União Soviética 36. Partido Comunista da Federação Russa 37. Partido Comunista Operário da Rússia – Partido Revolucionário de Comunistas (RCWP-RPC) 38. Partido Comunista de El Salvador 39. Novo Partido Comunista da Jugoslávia 40. Partido Comunista da Eslováquia 41. Partido Comunista dos Povos de Espanha 42. Partido Comunista da Suécia 43. Partido Comunista Sírio 44. Partido Comunista Sírio [Unificado] 45. Partido Comunista do Tajiquistão 46. Partido Comunista da Turquia 47. Partido Comunista da Ucrânia 48. Partido Comunista da Venezuela.

Esta declaração está aberta a futuros apoios. A declaração conjunta de solidariedade com o KKE foi promovida pelos Partidos Comunistas dos países do Benelux: Partido dos Trabalhadores da Bélgica, Partido Comunista do Luxemburgo, Novo Partido Comunista da Holanda.

Foram também recebidas mensagens de solidariedade dos seguintes partidos: Partido Comunista do Chile, Partido Comunista da Irlanda, Partido Comunista Libanês, Partido Comunista da Noruega, Partido Comunista Português.
 
 
Esta Declaração Conjunta tem a data de 14/6, anterior às eleições gregas realizadas no último domingo, 17/6. A sua difusão, aqui e agora, pretende somar solidariedade à solidariedade dos Partidos subscritores, após serem conhecidos os resultados dessas eleições, nem livres, nem democráticas.
Os trabalhadores, os eleitores e os comunistas gregos foram submetidos a uma das maiores campanhas de chantagem, de calúnias e de intimidação e aterrorização de massas que algum dia teve lugar nalgum país dito democrático. Tudo, todo o arsenal de mistificação ideológica e manipulação política do grande capital foi lançado na "corrida" eleitoralista grega, com a conhecida arquitectura burguesa da bi-polarização eleitoral a assumir contornos inimagináveis e a manipulação do eleitorado grego a atingir um nível colossal, deixando a perder de vista anteriores campanhas e manobras, p.ex., as operações de condicionamento político organizadas aquando da convocação dos "referendos-duplicados" sobre os tratados de cariz colonial-imperialista desta "União" Europeia. O grau de descarada ingerência do grande capital na vida dos gregos chegou ao desplante de mandar publicar editoriais em grego (!) nos seus jornais "de referência", dizendo ao povo grego como tinha de votar!...

Sobre a data do artigo de Álvaro Cunhal na citação acima, no qual ele cita oportunamente Lénine, já decorreram quarenta e dois longos e bem preenchidos anos. Muitos acontecimentos de dimensão histórica ocorreram entretanto, em Portugal e no mundo, transformando o panorama político internacional de forma drástica, radical. Nos dias presentes, prosseguem na Europa e nos outros continentes transformações económicas, sociais, políticas, retrocessos civilizacionais, alterações nas relações de forças de classe em confronto, todos de dimensões inimagináveis há muito menos tempo que estas quatro décadas. Entretanto, os valores políticos e ideológicos do internacionalismo proletário - e o indispensável, consequente e firme combate às concepções reformistas e revisionistas de todos aqueles que, afirmando-se comunistas, os pretendem negar -, eis que se revelam hoje  inteiramente actuais e plenos de vitalidade, afirmando o seu carácter intemporal enquanto as sociedades humanas forem marcadas pela divisão e luta de classes.
E assim continuarão, por uma simples e elementar razão: os marxistas-leninistas, ao contrário dos oportunistas de todos os matizes, não aspiram a ser "a esquerda do sistema" - vivem, ambicionam, sonham, intervêm, organizam, lutam e  tudo fazem  pela conquista, pelos trabalhadores e pelos povos, do seu objectivo mais querido: a destruição revolucionária do sistema, senil e inumano, da exploração capitalista. 

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Congresso Marx em Maio – Perspectivas para o século XXI - Intervenções

Nos passados dias 3 a 5 de Maio de 2012, na Faculdade de Letras, em Lisboa, decorreu uma importante iniciativa de reflexão e debate para o campo dos marxistas. Tratou-se de um Congresso Internacional, realizado pelo "Grupo de Estudos Marxistas" e cujo traço mais marcado talvez tenha sido a sua heterogeneidade - académica, temática, mesmo ideológica, não obstante ter em Marx a sua génese-guia.
Abaixo se transcreve uma das comunicações ali realizadas, de Manuel Raposo, muito interessante pelos tópicos de análise que elenca e nos coloca à reflexão.



Para que não se percam os frutos da civilização  
I
Escolhi como título desta intervenção a frase "Para que não se percam os frutos da civilização" que é parte de um parágrafo de uma conhecida carta de Karl Marx a Pavel Annenkov (de 1846) em que Marx dá a sua opinião acerca de Proudhon, antes ainda de ter escrito a

Miséria da Filosofia.

O parágrafo inteiro diz o seguinte:
"Os homens nunca renunciam ao que ganharam, mas isso não quer dizer que não renunciem à forma social em que adquiriram certas forças produtivas. Muito pelo contrário. Para não serem privados do resultado obtido, para não perderem os frutos da civilização, os homens são forçados a mudar todas as suas formas sociais tradicionais, a partir do momento em que o modo do seu comércio já não corresponde às forças produtivas adquiridas." (1)
("Comércio" no sentido lato de relação, transacção)
Esta afirmação da necessidade histórica das revoluções sociais é acompanhada de uma crítica impiedosa ao desejo de Proudhon de conciliar as contradições do sistema capitalista em vez de pensar "no derrube da própria base dessas contradições". E Marx comparava essa tentativa de conciliação ao que sucedera nas vésperas da revolução francesa de 1789, afirmando os seguinte:
"No século XVIII uma multidão de cabeças medíocres estava ocupada em encontrar a verdadeira fórmula para equilibrar as ordens sociais, a nobreza, o rei, os parlamentos, etc., e no dia seguinte já não havia rei, nem parlamento, nem nobreza. O justo equilíbrio entre esse antagonismo (conclui Marx) era o derrube de todas as relações sociais, que serviam de base a essas existência feudais e ao antagonismo dessas existências feudais." (2)
Marx mostra aqui como são inúteis as tentativas de conciliar os termos irredutíveis das contradições sociais quando elas chegam ao seu ponto culminante – isto é, quando as sociedades se abeiram do seu termo histórico.
A ideia que trago a este debate é a de que a actual crise capitalista é uma radiografia do estado terminal a que chegou a civilização burguesa. De que não estamos a passar apenas por mais um ponto baixo de mais um ciclo do processo produtivo, mas estamos a viver a falência do sistema produtivo capitalista que chegou a um limite, que entrou na sua fase senil.
Com isso está em causa todo o edifício social que assenta nesse sistema produtivo. As contradições em que o capitalismo está enredado não podem ser resolvidas dentro dele próprio; só uma revolução social o pode fazer da única maneira viável: pondo fim às relações sociais capitalistas.
Consequentemente, a acção do comunismo marxista, tem de ser guiada por este propósito se quiser ter um papel na transformação social que está em gestação.
Passo aos argumentos.
II
O discurso dominante sobre a crise procura encerrar o problema numa espécie de círculo de giz "económico". É a tentativa de absolver o sistema social capitalista. Na verdade, o que está em causa não é a "economia" (que é uma coisa que em si não existe), mas a economia capitalista; e a crise não é dos negócios, mas de uma civilização inteira.
Mas esta restrição da crise ao "económico" domina. E domina de tal modo que penetrou, ainda que sob formas modificadas, o senso comum e mesmo a esquerda.
O círculo de giz funciona.
Funciona, por exemplo, quando se trata o neoliberalismo como uma deriva mental duma fracção da burguesia responsável pela deriva material do sistema, aceitando a ingenuidade de pensar que uma qualquer ideologia possa alterar as leis de funcionamento do capitalismo;
Ou quando se atribui à globalização e à financeirização do capital a origem da presente crise mundial, em vez de ver nelas recursos a que o sistema deitou mão para atenuar e adiar a crise;
Ou ainda quando se cai na ilusão de que existem medidas políticas (nomeadamente medidas de política económica) que podem solucionar os problemas sem tocar no quadro do próprio sistema capitalista, esquecendo que os problemas existem e avolumam-se precisamente porque esse quadro se vai mantendo.
Creio estar aqui boa parte da razão pela qual o movimento revolucionário pelo socialismo não dá sinais de crescer, apesar da decadência do capitalismo. É este a meu ver o nó da situação: um movimento revolucionário bloqueado no meio de uma crise geral do sistema capitalista.
III
Se não é uma crise de negócios, nem uma simples deriva ideológica – então o que é a presente crise?
As correntes marxistas que me parece terem uma posição mais clara sobre o assunto chamam a atenção para o facto de as raízes do colapso financeiro de 2007-2008 remontarem aos anos de 1970. De facto, depois do crescimento impetuoso subsequente à segunda grande guerra, o ritmo de acumulação do capitalismo dos grandes centros mundiais foi sofrendo uma desaceleração. Com altos e baixos, mantém-se há perto de 40 anos com reduzidas taxas de acumulação. O estoiro de 2007-2008 (iniciado no coração do capitalismo mundial, é de notar) terá sido o desembocar deste longo processo. E este último trambolhão arrasta agora mesmo os novos centros de acumulação que entretanto se afirmavam – a China, a Índia, o Brasil – cujas taxas de crescimento sofreram quebras importantes.
Todo o sistema capitalista mundial está portanto em quebra, contrariamente à ideia de que se assiste apenas a uma transferência de poderes.
40 anos de crise é coisa que parece contrariar a própria ideia de crise que, na acepção de Marx, é um momento, mais ou menos curto, de acerto de contas entre o excesso de produção e a escassez do mercado. Engels todavia fornece uma pista importante em dois momentos. Numa nota de 1885 à

Miséria da Filosofia aponta a possibilidade de "a estagnação crónica [passar a ser] o estado normal da indústria moderna, apenas

com ligeiras oscilações" (3). Também numa nota (talvez de 1886, segundo Maximilien Rubel) ao Livro III de

O Capital, Engels insiste na possibilidade de os ciclos regulares (até então mais ou menos decenais) terem dado lugar a uma situação caracterizada por "uma alternância mais crónica, mais alongada, a uma melhoria relativamente breve e fraca dos negócios e a uma depressão relativamente longa e indecisa atingindo vários países industriais em momentos diferentes." (4)

Parece ser este o caso de hoje, com a agravante de o marasmo atingir o grosso dos países capitalistas ao mesmo tempo. Onde está a origem deste declínio arrastado?
Ao que tudo indica, num factor que acompanha e condiciona o processo de crescimento capitalista: a queda da taxa de lucro.
Socorro-me de três estudos, que me parecem dignos de nota, que chamam a atenção para a queda efectiva da taxa de lucro do capital, fruto precisamente, como Marx bem vincou, do progresso capitalista.
O francês Claude Bitot, em 1995, mostra que a taxa de lucro nos 25 países da OCDE foi decaindo à medida do desenvolvimento posterior à segunda grande guerra (5).
Outro francês, Tom Thomas, vinca o carácter crónico da actual crise, pegando na hipótese colocada por Marx de uma sobreprodução absoluta de capital (6).
Recentemente, em 2011, o norte-americano Andrew Kliman constata também a queda da taxa de lucro nos EUA ("um longo declínio iniciado na segunda metade dos anos 50"). Segundo ele, terá sido essa a causa que foi puxando para baixo os ritmos de crescimento e que tornou débeis as recuperações subsequentes à grande crise dos anos de 1970 e às várias crises dos anos 80 e 90 – acabando por fazer a cama ao colapso de 2007-2008 (7).
A importância que vejo neste ponto de vista é que ele coloca a tónica não em supostas derivas ideológicas (neoliberal ou outra), nem na hipertrofia financeira do capital – mas no bloqueio da própria produção capitalista.
Numa situação em que o capitalismo vê declinar a sua força motriz, que é o lucro, todo o sistema social esgota o seu papel histórico, tornando-se então "um obstáculo ao desenvolvimento da produtividade". "Com isso", diz Engels, [o capitalismo] "prova, simplesmente, uma vez mais, que entra no seu período senil e que, cada vez mais, se limita a sobreviver". (8)
IV
Portanto – bloqueio da acumulação, fase senil.
Sabemos que o capital ao reproduzir-se reproduz também as relações sociais que lhe são próprias. Ora, a crescente dificuldade de reprodução do capital traduz-se numa dificuldade crescente de reprodução das relações sociais – daí a decomposição das instituições (nomeadamente do Estado), o esvaziamento da democracia, o abandono do estandarte do progresso, o apagamento das grandes crenças burguesas (nação, pátria, família, deus).
A civilização burguesa terá então entrado numa etapa final. É isso que transparece na própria maneira como a burguesia fala do seu regime. A ideologia do progresso contínuo, da prosperidade, que foi desde sempre a marca do positivismo burguês, da superioridade sobre as formações sociais atrasadas, transfigurou-se num discurso de
justificação do retrocesso: não mais emprego garantido, não mais melhoria de vida de pais para filhos, não mais consumo livre, não mais lazer, não mais saúde e instrução para todos, não mais nada disso.
Visto no seu sentido de fundo este é um discurso que denuncia a incapacidade das classes dominantes para convencerem as classes dominadas da superioridade do seu sistema; denuncia a incapacidade de uma civilização para mobilizar o todo social em torno dos seus objectivos de classe.
Uma sociedade que já só assegura (não apenas nos factos mas também pela voz dos seus mentores) um amanhã pior que o dia de hoje – e que afirma só poder subsistir nessa condição! – é uma sociedade que caminha para o fim.
Podia dizer-se – uma sociedade já sem apresentação...
Em termos históricos não há portanto remendos possíveis – e isso está de resto patente na ineficácia das tentativas, tanto do capitalismo puro e duro como do reformismo, de colmatar as brechas do edifício.
V
Dito isto, então a verdadeira causa da nossa época é pôr termo ao capitalismo.
Certo. Mas a revolução social não está de modo nenhum ao virar da esquina. Como disse antes, o movimento comunista está bloqueado no meio da crise do sistema capitalista.
É difícil encontrar uma explicação completa para este facto, mas não erro se disser que concorrem para isso
- as enormes mutações sociais no proletariado mundial pelo menos desde 1970-80;
- a dissolução ideológica que o marxismo revolucionário sofreu no século XX, acompanhando o longo estertor da revolução soviética;
- e, no presente, a ausência de um claro ataque político às bases do sistema capitalista (porque, como disse Marx, é a própria base das contradições que deve ser derrubada).
Este estado de coisas, no entanto, não está congelado. Há sinais de mudança, embora a prazo que não se pode medir.
Centro-me nas mudanças de natureza social dos últimos 30-40.
Até 1970 a classe operária produtora de mais valia cresceu nos principais países capitalistas (9).
Nas décadas seguintes foi decaindo nesses países. Mas à escala global o seu número aumentou em termos absolutos devido aos crescimentos enormes verificados no Terceiro Mundo. Deu-se portanto uma proletarização maciça nos países periféricos e um aumento em valor absoluto do proletariado mundial. Isto quanto ao número.
Também a partir de meados dos anos de 1970, o desemprego cresceu muito nos países mais desenvolvidos, colocando fora da produção milhões de trabalhadores (10).
Ao mesmo tempo, sobretudo nos anos mais recentes, uma grande parte, e uma parte crescente, dos desempregados passaram a ser desempregados permanentes – ou como precários ou mesmo como excluídos do sistema do salariato.
Em qualquer caso, é de notar que esta desagregação do proletariado se faz por rebaixamento de uma parte dos trabalhadores à condição de um sub-proletariado ou mesmo de um lumpen-proletariado – não por aburguesamento ou ascensão social.
Esta evolução traduz, de forma gritante, o processo de substituição do trabalho vivo por trabalho morto que acompanha a acumulação capitalista (11).
E o que fica demonstrado não é a impossibilidade da revolução social, mas a inutilidade histórica do capitalismo da nossa época que se tornou incapaz de transformar o progresso material em benefício social.
Apesar, portanto, da complexidade desta evolução social e dos solavancos por que passa, uma coisa é certa: o processo vai na direcção de ampliar enormemente as classes proletárias, na acepção de classes despojadas de qualquer meio de produção. Mais ainda, como grande parte dessa massa não tem ocupação no quadro da produção capitalista – e é mesmo, em boa parte, impedida pelo sistema de ter uma ocupação útil – os factores de explosão social crescem também em proporção. Os motins de Londres ou Paris, ou as revoltas árabes são disso exemplos.
Em resumo: não será por falta de actores que a revolução social deixará de se fazer.
VI
Mas há ainda um outro argumento, que tem a ver com uma camada social particular: as chamadas classes médias.
As sociedades capitalistas mais desenvolvidas caracterizam-se, pelo menos desde os começos do século XX, por gerarem uma vasta camada social, na maioria assalariada, situada, pela sua condição de vida, entre o operariado e a burguesia.
A sua função, em termos gerais, é enquadrar a produção, intervir na circulação do capital e proporcionar a realização da mais valia.
Essa camada social é um sinal distintivo das sociedades imperialistas, como Lenine, por exemplo, bem vincou.
Olhando para os últimos 50 ou mesmo 100 anos, um dos seus principais papéis tem sido o de assegurar a estabilidade social e política dos regimes capitalistas desenvolvidos. Aliadas naturais da burguesia, essas camadas garantiram o balancé que tem sido a sucessão de republicanos e democratas nos EUA, de trabalhistas e conservadores no Reino Unido, de social-democratas e democratas-cristãos na Alemanha, dos equivalentes no Japão, em França e na Itália – e até de PS e PSD em Portugal nos últimos 38 anos.
Todo o mundo mais desenvolvido tem tido nessas camadas o fiel de balança no que respeita a manter o poder do capital sem agitações, servindo de barreira a qualquer movimento com cariz de classe da parte do proletariado.
Mas como os tempos mudam, interessa notar o seguinte:
Mais ou menos até final do século XX o crescimento do sector terciário absorveu em parte os despedimentos da indústria. Esse facto, além de diminuir o impacto do desemprego, manteve entre os trabalhadores a crença de que o capitalismo sempre assegurava as hipóteses de ascensão social (12).
As classes médias, porém, entraram em retrocesso. Por um lado, porque também nos serviços a rentabilidade do trabalho aumentou e permite dispensar mão de obra; por outro lado, porque o pântano da produção capitalista obriga agora a burguesia a penalizar mesmo os seus parentes próximos.
Depois de ter levado a massa proletária produtiva à pobreza ou à beira disso e de a castigar por todas as formas – a maré da crise não parou de subir e molha já os pés das classes intermédias. O significado deste facto parece-me importante:
- o ascensor social empanou;
- a burguesia capitalista aliena o apoio social e político do seu principal aliado;
- o confronto de classes clarifica-se, aproximando as sociedades capitalistas do modelo (digamos assim) canónico de duas classes antagónicas: burguesia, proletariado.
A choradeira oficial sobre o empobrecimento da classe média é apenas uma forma de comiseração do poder, um gesto para tentar ainda segurar esse parceiro histórico. Mas a tendência de proletarização dessas classes parece irreversível, dando mais um sinal do fim de uma época.
Do ponto de vista do comunismo só há que saudar essa clarificação.
(Faço um parêntese para dizer que esta evolução não se traduz, nem de imediato nem necessariamente, num posicionamento anticapitalista dessas camadas – pelo contrário, o primeiro reflexo de boa parte delas será o de defenderem os privilégios anteriores, de aderirem a ideologias nacionalistas e mesmo fascistas, de se demarcarem da massa proletária, reagindo como uma espécie de aristocracia falida. Mas isso não anula o facto de, a prazo, a burguesia capitalista ir ficando mais só no terreiro – dependendo o comportamento político das classes médias do papel que a massa proletária propriamente dita desempenhar no confronto de classes.)
VII
Último argumento.
Arrisco afirmar que a ideia axial que percorre a obra de Karl Marx é a de que o capitalismo é perecível, não é eterno – que é uma formação social com um papel histórico limitado e portanto também com um tempo de vida determinado. O papel histórico é socializar o trabalho, libertar os produtores da propriedade – enfim, "fazer crescer sem freio e em progressão geométrica a produtividade do trabalho humano".
É fácil ver na evolução do último século a larguíssima socialização do trabalho, a extensíssima abolição da propriedade individual em todo o globo e o aumento colossal da produtividade do trabalho. Isso, sem dúvida, aproximou a humanidade do socialismo, colocando-nos hoje muito adiante daquilo que era o mundo, por exemplo, em 1917.
O que já não é tão fácil é prever o tempo de vida do capitalismo, porque isso não depende apenas do descalabro do sistema; depende decisivamente, das forças sociais que se decidam a pôr-lhe termo.
Mas o desenrolar da crise tem o condão de ajudar a rasgar os véus com que a sociedade burguesa se recobre e de pôr à vista a natureza da sua dominação classista.
O que é que a crise põe à vista?
Põe à vista o Estado, não como árbitro dos conflitos sociais, ou como expressão de um suposto interesse colectivo, nacional – mas como instrumento de uma classe;
Mostra a democracia, na realidade, como uma plutocracia de que as massas populares estão inteiramente arredadas; como uma ditadura da burguesia que assume feições cada vez mais totalitárias;
Mostra a classe capitalista, toda ela, com um único plano para aliviar a crise – que consiste em explorar mais eficazmente as classes trabalhadoras;
Mostra que a condição de uma eventual recuperação económica é a destruição de meios de produção, seja pela gradual desvalorização do capital, seja pela violência da guerra;
Mostra em plena acção a lei geral da acumulação capitalista, visível na criação de uma massa crescente de desempregados e de marginalizados e no aumento da pobreza;
Mostra que o tempo ganho pela sociedade graças ao aumento da produtividade não se traduz em menos tempo de trabalho obrigatório, mas sim na irracionalidade de mais desemprego e maior grau de extorsão dos trabalhadores em actividade;
Mostra ainda a acção concertada das burguesias por cima dos limites nacionais, mostra a semelhança dos problemas sofridos pelas massas trabalhadoras dos diferentes países – e mostra portanto a falta que faz, da banda dos proletários, um internacionalismo que vá para lá da mera solidariedade moral e se traduza numa efectiva coordenação prática das acções de resistência.
O esclarecimento e a mobilização das massas proletárias não pode passar ao lado destes factos. Eles são os elementos educativos por excelência que a realidade prática nos fornece para mostrar o limite a que chegou este sistema social e o absurdo que é prolongar o seu tempo de vida.
De resto, se bem percebo o sentimento que os trabalhadores têm a respeito do mundo em que vivem, não é a confiança no capitalismo que os leva a aceitá-lo – é antes a noção resignada de que não há alternativa viável que o substitua, e sobretudo de que não há força que o possa deitar abaixo.
Ora, na linha do marxismo revolucionário, a tarefa não é reabilitar ou remendar o capitalismo, mas desacreditá-lo aos olhos do proletariado.
Atacar as bases do mundo capitalista não é, sobretudo nas circunstâncias actuais, uma ideia desgarrada da realidade quotidiana. Ao contrário, é a condição de estimular e reunir as forças de classe dos trabalhadores e de os levar a encarar a necessidade de construir um mundo conduzido por regras opostas às do mundo capitalista.
Que o burguês não veja a crise para além do défice, da dívida, da quebra do lucro, da falta de crédito e dos remédios correspondentes para esse tipo de males – está certo. Mas que os proletários vejam as coisas pelo mesmo prisma – está errado.
O proletariado já teve de fazer muitos sacrifícios por causas alheias. Chegou a altura de afirmar a sua própria causa.
Propor ao proletariado a saída do círculo de giz do capitalismo – é esse, a meu ver, o papel do comunismo marxista.


Notas
(1) Carta de Karl Marx a Pavel V. Annenkov, Marx-Engels Obras Escolhidas, Tomo I, p. 546. Edições "Avante!", Lisboa – Edições Progresso, Moscovo, 1982.
(2) Idem, p. 553.
(3) Karl Marx,

Miséria da Filosofia. Prefácio de F. Engels à 1.ª edição alemã, p. 20. Edições "Avante!". Lisboa, 1991.

(4) Karl Marx,

O Capital, Livro III, p. 1772. Éditions Gallimard, 1963 e 1968.

(5) Claude Bitot,

Inquérito ao capitalismo dito triunfante. Edições Dinossauro, Lisboa, 1996.

(6) Tom Thomas,

A crise crónica ou o estádio senil do capitalismo. Edições Dinossauro, Lisboa, 2007.

Marx admite uma situação de sobreprodução absoluta de capital nestes termos: "uma sobreprodução que afectaria não este ou aquele domínio ou alguns domínios importantes da produção, mas seria absoluta pela sua própria amplitude e englobaria portanto todos os domínios da produção". Karl Marx,

O Capital, Livro III, p. 1595. Éditions Gallimard, 1963 e 1968.

(7) Andrew Kliman,

The failure of capitalist production. Pluto Press, London, 2012.

(8) Karl Marx,

O Capital, Livro III, tomo I, p. 274. Éditions Sociales, Paris, 1969. (Passagem redigida por Engels sobre notas de Marx).

(9) Em 1970, na média dos seis maiores da OCDE (França, Itália, Grã-Bretanha, RFA, EUA e Japão), representava quase 40% da população activa total. C. Bitot, o. c.
(10) No conjunto dos 25 países da OCDE o desemprego foi de uns 11 milhões entre 1950 e 1974, e de 1974 até final do século saltou para 35 milhões, acompanhando o enorme incremento do capital fixo. C. Bitot, o. c.
(11) O valor do capital fixo investido por posto de trabalho, em França, era em 1950 inferior a 100 mil francos; em 1990, era superior a 1 milhão de francos, isto é, 10,4 vezes mais. Em comparação, de 1890 a 1950 a diferença não passou de 3,7 vezes mais. C. Bitot, o.c.
(12) O emprego no terciário em França, Itália, Grã-Bretanha, RFA, EUA e Japão representava, na média dos seis países, as seguintes percentagens da população activa: em 1960, 43,9%; em 1970, 49,2%; em 1990, 65,5%. C. Bitot, o.c.
Em Portugal, o terciário representava 27,5% em 1960 e 51,3% em 1991. Elísio Estanque,

A classe média: ascensão e declínio. FFMS, Lisboa, 2012.