SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Davos, os "Emergentes" e a luta dos povos


Davos

Encerrou hoje em Davos, na Suíça, mais uma edição da reunião anual dos executivos do capitalismo que dá pelo nome pomposo de "fórum económico mundial", com a presença de 2.500 participantes, oriundos de 90 países. É sabido que não é neste "fórum" - que se realiza desde 1971, nesta localidade suíça - que se decidem as grandes orientações para o capitalismo globalizado. Tais orientações são acertadas em reuniões bem mais restritas e que nunca vêm a ser do conhecimento das opiniões públicas nacionais. Mesmo no decurso do próprio "fórum", noticiaram as agências de informação que tiveram lugar reuniões restritas a alguns dos maiores banqueiros e principais dirigentes das instituições capitalistas mundiais, à porta fechada e sem divulgação pública das discussões havidas. Mas estas reuniões anuais em Davos constituem um instrumento de unificação do pensamento estratégico do capital, permitindo-lhe congregar a intervenção político-ideológica dos seus principais executantes.

Traço comum às suas últimas edições, também na edição deste ano resultou clara a preponderância política dominante do capital financeiro, capitaneado pelos grandes trustes bancários, sobre os segmentos outrora dominantes do capital industrial-produtivo. A confirmá-lo, ficam as recusas firmes em aceitarem alterações significativas quanto à regulação e controle pelos Estados das suas actividades especulativas, sejam as multi-laterais defendidas por franceses e alemães, sejam as bem mais modestas adaptações domésticas propostas por Obama. E, entretanto, vão encaminhando à comunicação social alguns recados e recomendações. "Estou reivindicando um fundo europeu de resgate para os bancos", disse o director do Deutsche Bank, Josef Ackermann, ao jornal britânico Financial Times. Isso permitiria que colapsos como o do banco Lehman Brothers fossem pagos "em larga escala" pelos próprios bancos. Ackermann disse ainda que a recuperação económica ainda está frágil e que os mercados financeiros "estão novamente nervosos". Sabemos bem, pela experiência feita, que tal "nervosismo" dos banqueiros visa a obtenção para si de novas drenagens de recursos financeiros dos Estados, a serem pagos, como sempre, pelos trabalhadores e pelos povos.

Uma conclusão se pode desde já retirar: o capital, globalizado pela sua actual etapa financeirizada, passado o profundo choque que a sua crise sistémica operou no final de 2008, procura retomar o caminho que aparentou suspender no último ano, reafirmando orientações e estruturas que conduziram durante mais de duas décadas a sua cartilha neoliberal. Quais fénix's renascidas das cinzas, aí estão de novo e em força o FMI e o Banco Mundial que ainda há menos de um ano pareciam votados ao desaparecimento, voltando a querer determinar os rumos económicos e financeiros - logo sociais e políticos - dos países que se sujeitem ao seu domínio.

Revelando simultâneamente a dominância desta "economia de casino", assente na especulação financeira-bolsista e o agudizar das contradições inter-capitalistas e inter-imperialistas inerentes ao sistema, assistimos ao reforço do papel desempenhado pelos chamados "bancos centrais", nalguns casos em conflito aberto com as estruturas políticas dos Estados mais fragilizados, como é o caso, p.ex., da situação que se vive na Argentina. Se observarmos o descarado retorno dos bancos às suas práticas especulativas - borrifando-se nas declarações dos "seus" políticos, tornadas proclamações "para inglês ver" -, a par da revalorização do dólar, ainda considerado o refúgio mais seguro e das crescentes oscilações dos valores bolsistas, torna-se óbvio quem continua a mandar no sistema, para desgosto de tantos "alegres" e "distraídos" que se revelam parvamente crentes na auto-reforma do capitalismo, com um retorno às "boas práticas" do capitalismo industrial do terceiro quartel do século passado. Ilustrativo do carácter ilusório destas concepções é o facto de, na actualidade, as operações de trocas de bens e serviços não chegam a 5% do movimento de câmbios mundiais, sendo a maior fatia dessas operações constituída pelos movimentos de capitais, 24 horas por dia e em tempo real.
O sistema capitalista global dos nossos dias, para manter as suas capacidades de manipulação ideológica e domínio político, necessita presentemente de alguns retoques a cheirar a social-democracia e a neokeynesianismo, mas não volta nunca para trás nem abdica dos seus ganhos colossais e dos seus juros escorchantes. Tudo isto, claro, sem prejuízo de algumas declarações finais, meramente cosméticas e que lhes permitam prosseguirem a operação contínua de mistificação da realidade, alimentando as ilusões reformistas.


Emergentes

A pretexto da atribuição de um nóvel prémio, criado especialmente para esta edição de Davos e a atribuir ao presidente brasileiro, o grande capital intensifica a propaganda aos Bric's, agora chamados de "emergentes", classificação esta que por vezes, quando lhes interessa, é estendida a mais alguns países integrantes do G-20, p.ex. os casos da África do Sul, da Indonésia, do México, da Arábia Saudita ou da Argentina. Segundo os arautos do sistema, estes países deveriam ser louvados pelos restantes e por toda a "comunidade internacional" como exemplos a seguir quanto às capacidades reveladas para defrontar a "crise" e encetarem a "recuperação" das suas economias. Trata-se de uma mistificação para uso ideológico, sem qualquer conteúdo benéfico para os respectivos povos e para os restantes países. As afirmações falsamente elogiosas, proferidas por alguns dos principais representantes do capitalismo predador presentes em Davos, não deixam margem para dúvidas: "Os mercados emergentes são os lugares mais atractivos para investir neste momento", afirmou David Rubenstein, co-fundador do Carlyle Group, acrescentando que "países como China, Brasil e Índia verão muitos recursos chegando", não reprodutivos mas sim especulativos, acrescentemos nós; o presidente do Abraaj Capital, dos Emirados Árabes, Arif Naqvi, na mesma onda, afirmou que "os emergentes são um bom lugar para estar, têm liquidez e força", concluindo que aí "as oportunidades são tremendas"; por sua vez, o ex-economista-chefe do FMI e professor da Universidade de Chicago - lembram-se dos "Chicago boys"? -, Raghuram Rajan, acredita que estes países "historicamente, nunca foram bem, mas agora estão se saindo melhor" e que aquelas antigas previsões de riscos hoje se aplicam, na verdade, aos países desenvolvidos.

Para tentarmos perceber melhor quais são os reais objectivos desses elogios e desta premiação ao Lula, vale a pena pensarmos um pouco nos traços ou características comuns a estes quatro países - Brasil, Rússia, Índia e China. Se o fizermos, imediatamente ressaltam duas principais características comuns: 1) Os baixíssimos salários praticados, a par de condições legislativas laborais que determinam uma enorme precariedade do trabalho e a ausência de garantias sociais elementares, num quadro de quase total desprotecção do trabalhador face aos interesses e enormes vantagens oferecidas pelos Estados ao capital; 2) uma "gestão" política estável, sem sobressaltos de maior, sem conflitualidade social, isto é, sem desenvolvimentos agudos das lutas de classe.


Através de alguns traços, vejamos um pouco mais detalhadamente e como exemplo o caso do Brasil, talvez nem sequer o mais desfavorável do grupo dos quatro países.
- o salário mínimo anunciado para vir a vigorar em 2010 (em 2008 foram 415 e em 2009 465 reais) são 510 reais, o equivalente a cerca de 196 euros;
- enquanto em países desenvolvidos a distribuição capital/trabalho da riqueza criada atribui ao trabalho percentagens superiores aos 50% e, nalguns casos, atinge mesmo mais de 60% ( em Portugal são 41% e conhecemos bem o que isto significa, traduzido em mais de 2 milhões de pobres!), no Brasil este valor pouco ultrapassa os 30%;
- com lucros monumentais nos seus exercícios, os bancos que actuam simultâneamente no país e na Europa (Santander, Bradesco, HSBC e outros), enquanto nos países europeus os juros que praticam andam em torno dos 10/12%, no Brasil os juros praticados chegam a atingir os 62% (!);
- com a manutenção de um viés claramente neoliberal na orientação macro-económica, seja no campo fiscal (com o famigerado superavit primário, que impede maiores investimentos públicos), seja no monetário (juros altos, com a "taxa selic" do banco central nos 8,75% e com ameaças de próximas subidas!) e cambial, o grande capital financeirizado invade o país, investindo quase exclusivamente nos títulos públicos, o que lhe permitirá, p. ex. para 2010, "exportar" em lucros e remessas para o exterior qualquer coisa como cerca de 40 bilhões de dólares, isto não obstante o facto de, só em cinco dias deste mês de Janeiro, os investidores estrangeiros terem retirado 2,5 bilhões de dólares da Bolsa de Valores de São Paulo, intensificando as suas práticas especulativas;
- a dívida interna brasileira está em R$ 1,7 trilião. No ano passado, o governo federal pagou aproximadamente R$ 115 bilhões em juros e encargos da dívida. Em termos percentuais, os juros e encargos da dívida representaram 3,81% do orçamento fiscal e da seguridade. No mesmo período, o governo federal gastou 0,76% com a educação de ensino superior e com a saúde 1,51%. Como se vê, qualquer um desses gastos públicos essenciais foi infinitamente inferior ao montante pago com a dívida;
- o projecto orçamentário apresentado pelo governo federal para 2010 prevê uma receita de R$ 1,738 trilião. Deste total, 90% serão gastos com despesas obrigatórias, como amortização da dívida, juros, transferências a estados e municípios, pessoal e encargos sociais. Os restantes 10%, serão destinados às despesas discricionárias, entre elas estão o Bolsa Família (a principal medida assistencialista criada pelo governo Lula), a Educação, a Saúde e o chamado Plano de Aceleração do Crescimento (PAC - investimentos públicos em infra-estruturas e, mais recentemente, também em Habitação Social).
- “O sistema tributário brasileiro tem uma preferência. Fez a opção pelos ricos e proprietários”, afirma o presidente do Ipea, Márcio Pochmann; quem recebe até dois salários mínimos de renda familiar mensal contribuiu, no ano passado, com 53.9% desses recursos para o pagamento de tributos, ao passo que o esforço dos que se encontram na outra ponta da tabela e recebem acima de 30 salários mínimos contribuiu com 29%. O total de dias trabalhados para o pagamento de impostos por esses trabalhadores de baixa renda foi de 91 dias a mais no ano do que os que se encontram no topo da tabela.
- no Brasil privilegia-se a taxação do consumo em detrimento do património e da renda. Actualmente, dois terços da arrecadação das três esferas (União, Estados e municípios) tributam o consumo. “Os ricos nunca pagaram muito tributo”, ressalta o presidente da delegacia de Campinas do Unafisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), Paulo Gil Introíni. “Quem tem isenção de lucros, não tem moral para dizer que a carga tributária é alta. Não são os banqueiros, não são os empresários das multinacionais, os grandes executivos, que pagam essa carga. São os trabalhadores. Pela ordem, os assalariados de baixa renda e a classe média. O nosso sistema tributário é Robin Hoodiano às avessas”, acrescenta.
Ainda no caso do exemplo brasileiro, e relativamente à ausência de "conflitualidade social", é manifesto que a eleição de Lula e a constituição de governos dirigidos pelo PT, apostando nos programas de assistencialismo social aos mais pobres (mais rigorosamente, aos "indigentes" e aos "miseráveis"), calou e paralisou os movimentos sociais, enquanto o sindicalismo predominante continuou, salvo algumas excepções, a ser um "sindicalismo" de concertação e conciliação de classes, com os Sindicatos transformados em partes constituintes do sistema geral de exploração dos trabalhadores.


Estes e outros traços da situação brasileira acabam por explicar a existência no Brasil de um fenómeno semelhante ao verificado noutros países (p. ex., Portugal), isto é, os partidos da chamada "oposição" aparecem sem políticas alternativas, paralisados politicamente, exactamente porque as políticas do governo actual são de continuidade no favorecimento dos bancos e das grandes empresas aliadas aos grandes grupos económicos transnacionais, são as políticas que nas questões essenciais e de um ponto de vista de classe a "oposição" aplicaria se estivesse no governo. Isto mesmo lhes foi garantido por Lula, na tristemente assinalada "Carta aos Brasileiros", publicada em 22/6/2002, durante a campanha eleitoral que lhe garantiu a eleição para a presidência.
Não terá sido decerto por acaso que, já antes deste prémio agora entregue em Davos, Barak Obama tenha afirmado que Lula "é o cara!"


Entretanto, as situações sociais na Rússia, como na Índia, como na China - neste último caso mesmo que afirmando-se um país socialista -, em numerosos dos seus aspectos não diferem substancialmente da situação brasileira exemplificada. As taxas de sobre-exploração do trabalho, permitindo a extracção de mais-valias brutais, tornam estes países, aos olhos do grande capital e dos seus instrumentos de mistificação "informativa", exemplos apontados e a seguir pelos restantes países e Estados dependentes.
Polarização da riqueza, grandes fossos sociais, sobre-exploração dos trabalhadores, desemprego e precariedade das relações de trabalho, grandes manchas de pobreza e miséria, liquidação das pequenas empresas, eis a "receita" preferida que o capital transmite aos seus governos de turno, exigindo-lhes para si isenções fiscais, recursos públicos, privatização de serviços e funções sociais dos Estados, numa palavra, tudo aquilo que promova a concentração e centralização capitalistas. E, claro, a imposição de "democracias" ao seu serviço exclusivo, com o cerceamento das liberdades e direitos cívicos e políticos para a maioria e toda a liberdade de explorar para as minorias exploradoras oligárquicas e parasitárias.


Já aqui se deixou assinalado, em postagem anterior, os riscos crescentes para os trabalhadores e os povos de outros países, nomeadamente na Europa. Falam insistentemente no risco de bancarrota para países como a Grécia, Espanha, Portugal, Itália, Irlanda, entre outros da U.E.. Após divulgarem e deixarem latente a ameaça, logo apontam a "solução": redução dos salários, "liberalização" total da legislação do trabalho, cortes nas pensões e outras prestações sociais, alargamento das privatizações a mais serviços públicos, fim aos investimentos públicos, aumento das cargas fiscais sobre trabalhadores e consumidores, isenções e benefícios de toda a ordem para o capital.


No plano político, antecipando a elevação das lutas sociais e da resistência dos povos a esta marcha para o abismo, preparam mecanismos de repressão e de cerceamento das liberdades e garantias constitucionais, enquanto no plano global atribuem aos imperialistas estadunidenses a tarefa de dominação militar, à custa da destruição de países inteiros e da morte de milhões de seres humanos.
Ao grande capital e aos seus executantes de serviço, na sua irracionalidade e práticas genocidas, em cada país e em cada continente, só os deterá a força organizada e a luta corajosa dos assalariados, guiados por um projecto mobilizador das sociedades nacionais que aponte à construção de novas democracias socialistas. Mais do que em qualquer outra época, é nos nossos dias que se aplica por inteiro a rejuvenescida consigna: "Socialismo ou Barbárie". Contra a barbárie actual, então, lutemos juntos pelo Socialismo.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Uma visita ao passado, a pensar no futuro

Para o fim-de-semana, vale a pena recordar o Zeca Afonso da luta, a luta daqueles tempos de intervenção e de unidade dos democratas consequentes e de todas as pessoas de bem, contra a tirania, contra o medo, contra a exploração, contra a hipocrisia, contra a corrupção. Éramos muitos e unidos na luta por um país novo, um país onde o povo fosse "quem mais ordena". E o 25 de Abril, no próprio acto de acontecer, honrou afinal tantas lutas corajosamente travadas.
Entretanto, tudo evoluiu e mudou, como sempre ocorre e sempre ocorrerá. Definiram-se os campos e as simpatias, escolheu-se partido e fez-se a festa da liberdade e das conquistas democráticas, durante um curto período de menos de dois anos mas prenhe de transformações e de avanços. Depois, vieram os golpes, as traições aos ideais de Abril, os longos anos - mais de três décadas - de uma permanente ofensiva contra-revolucionária, liderada pelos "socialistas" do "socialismo em liberdade", uma máscara laboriosamente fabricada para ocultar os seus verdadeiros propósitos de, traindo o povo, liquidarem a democracia conquistada pelos portugueses em 1974.
O resultado aí está, corroendo o presente e hipotecando o futuro, violentando grosseiramente o que resta da Constituição aprovada em 1976, só restando um regime apodrecido fingindo-se um arremedo tosco de "democracia" que, tal como nos anos do fascismo, existe para favorecer os banqueiros e os grandes grupos monopolistas - os velhos e outros novos - contra os direitos dos trabalhadores, contra as aspirações de um povo inteiro que exploram, corrompem, manipulam, humilham, conduzindo o país à exaustão e ao desastre.

Por tudo isso, aí fica a letra dos "Vampiros", do Zeca. Para recordar, mas não só; para reinventar e fazer de novo, mais forte e melhor, alargando de novo a unidade dos democratas sinceros, unindo e mobilizando para a luta as muitas centenas de milhares de trabalhadores revoltados com a actual barbárie de exploração e de liquidação dos seus direitos, unindo e mobilizando os milhões de portugueses que hoje já não se revêem nesta falsa "democracia" do capital.
Organizando e construindo a ruptura revolucionária, democrática e patriótica, o passo seguinte na nossa caminhada colectiva e imparável para o Socialismo.



Vampiros

No céu cinzento
Sob o astro mudo
Batendo as asas
Pela noite calada
Vem em bandos
Com pés veludo
Chupar o sangue
Fresco da manada

Se alguém se engana
Com seu ar sisudo
E lhes franqueia
As portas á chegada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada

A toda a parte
Chegam os vampiros
Poisam nos prédios
Poisam nas calçadas
Trazem no ventre
Despojos antigos
Mas nada os prende
Às vidas acabadas

São os mordomos
Do universo todo
Senhores á força
Mandadores sem lei
Enchem as tulhas

Bebem vinho novo
Dançam a ronda
No pinhal do rei

Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada

No chão do medo
Tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos
Na noite abafada
Jazem nos fossos
Vítimas dum credo
E não se esgota
O sangue da manada

Se alguém se engana
Com seu ar sisudo
E lhe franqueia
As portas á chegada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada

Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada



Votos de um bom fim-de-semana, se for possível descansando - e preparando novas lutas.






sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O Haiti real e as mentiras da "imprensa ocidental"


Com o "presidente" do país desempenhando o vergonhoso papel de uma marioneta totalmente comandada pelos norte-americanos, prossegue a acelerada ocupação militar do Haiti por tropas dos EUA. Há minutos atrás, foi o próprio Pentágono a anunciar o envio imediato de mais 7.000 soldados, elevando para um total de 20.000 homens o efectivo bélico estadunidense no martirizado Haiti.

Para se ter uma ideia comparativa, basta pensar que Portugal, tendo uma população e um território que são quase o dobro dos haitianos - e herdando das guerras coloniais umas forças armadas inflacionadas - conta com um total de efectivos nos três ramos inferior (18.500) ao contingente USA que ocupará o Haiti.

E, já agora, imaginemos também, mesmo que só por alguns momentos, o que significaria 20.000 soldados "amigos" invadindo o nosso país, ocupando a nossa capital e tomando reféns as nossas principais cidades a norte de Lisboa. Tal exercício mental, além de nos aproximar da realidade vivida pelos haitianos, também pode ser-nos útil como alerta para a necessidade do combate a travarmos contra as pretensões hegemónicas do imperialismo.

Pelo valor dos seus testemunhos em directo, aqui se divulga - sem correcções - um texto editado pelo "CMI/Brasil" que nos ajuda a conhecer melhor o que se passa no Haiti, contrariamente às campanhas terroristas da média dominante que visam incutir a ideia mentirosa, xenófoba e racista que afirma que os haitianos são desordeiros, criminosos, incapazes de manterem a tranquilidade no seu país, o necessário "fundamento" para "justificar", aos olhos de pessoas mais desprevenidas, a ocupação militar do país pelas tropas imperialistas dos EUA.

Desmascarar as mentiras e divulgar as verdades é, para os amigos sinceros do Haiti, uma tarefa urgente e irrecusável.

Mais de uma semana depois do terremoto, a ajuda finalmente começa a chegar nas cidades do interior do Haiti e os/as haitianos/as perguntam: por que a ajuda vem armada? Não há uma guerra no Haiti, por que as armas? A ONU declarou que quer primeiro cuidar da segurança no país para depois darem auxílio. Notícias divulgadas pela média corporativa fala de caos e assaltos nas ruas do Haiti, matérias sobre presos terem conseguido escapar da cadeia depois do terramoto e relatos de saques tomam boa parte do que vem sido divulgado pela "grande média".

Entretanto, relatos de meios de comunicação independentes e organizações sem fins lucrativos que estão no Haiti desmentem que exista um problema com "segurança" no país. A jornalista independente Amy Goodman, apresentadora do programa "DemocracyNow!", dos Estados Unidos, está no Haiti desde o começo desta semana. "Eles estão recebendo quase nenhuma ajuda. Passamos de uma família para outra, e eles disseram, continuamente, que suas vidas estão nas mãos de Deus. A própria ONU fez a declaração sobre a segurança. E nós queríamos saber a que eles estavam se referindo. Andamos livremente de um lugar para outro. As pessoas estão desesperadas, mas certamente pacíficas."

Ela também relata que a ajuda está centralizada no aeroporto em Porto Príncipe e que não está indo para o resto do país: "E o que fizemos ontem foi o que apenas alguns jornalistas fizeram: saímos de Porto Príncipe e fomos ao longo da costa para Carrefour e Léogâne. Este é o epicentro. Lá é onde a ONU emitiu sua declaração, dizendo que eles reconhecem que 90% dos edifícios caíram, que milhares de pessoas foram mortas. Mas, segundo eles, a menos que pudessem garantir a segurança, eles não iriam fornecer ajuda lá. Isso é tremendamente assustador."

O doutor Evan Lyon, que vem trabalhando no Hospital Geral (o maior hospital do Haiti) disse em entrevista para o "DemocracyNow!": "Eu estou vivendo num bairro com o meu amigo. Estou ficando com alguns colegas médicos haitianos. Nós estamos circulando pelas ruas entre uma e duas da manhã, movendo pacientes, movendo suprimentos, tentando fazer o nosso trabalho. Não há segurança. A ONU não está nas ruas. Os EUA também não estão nas ruas. A policia haitiana não estão conseguindo ficar nas ruas. Mas também não há insegurança. Eu não sei se vocês estavam do lado de fora ontem a noite, mas você consegue ouvir até um pingo d'água nessa cidade. Esta cidade é um lugar pacífico. Não há uma guerra. Não há uma crise, a não ser o sofrimento que está ocorrendo."

Além disso, Amy Goodman fala sobre a extrema organização da população nos acampamentos de refugiados montados por todo o país, cada um com cerca de mil pessoas: "... eu penso que nós estamos falando de anarquia do governo, a incrível força comunal da comunidade. Estes campos de refugiados, esses campos menores e maiores que o número chega na casa dos milhares, são comunidades organizadas. À noite, eles colocam pedras na rua. Se você não conhecesse essas comunidades, você diria: 'O que está acontecendo aqui? Certo? São estes, você sabe, os anarquistas? Eles são violentos? Eles estão ameaçando?' Eles estão protegendo suas comunidades e aqueles que estão dentro. E eles não querem que as pessoas de fora entrem, especialmente à noite. É extremamente organizado a nível local, entre bairros, as pessoas ajudando-se mutuamente."

O jornalista Kim Ives, que está viajando junto com o "DemocracyNow!" responde a pergunta de Amy Goodman sobre a organização das comunidades: "Oh, e as organizações comunitárias, nós vimos na outra noite em Mateus 25 (bairro onde há um alojamento com cerca de 600 pessoas desabrigadas), a comunidade onde nós estamos ficando. Um descarregamento... um caminhão cheio de comida veio no meio da noite sem avisar. Poderia ter ocorrido uma briga. A organização da população local foi contactada. Eles mobilizaram imediatamente os seus membros. Eles vieram. Organizaram um cordão. Enfileiraram cerca de 600 pessoas que estão ficando no campo de futebol atrás da casa, que também é um hospital, e eles distribuíram a comida de forma ordenada, em porções iguais. Eles eram totalmente auto-suficientes. Eles não precisam dos "Marines". Eles não precisam da ONU. Eles não precisavam de nenhuma dessas coisas que estão nos falando que eles precisam, ditas também pela Hillary Clinton e o ministro do exterior. Essas são coisas que as pessoas podem fazer por elas mesmas e estão fazendo por elas mesmas."

Na manhã da quarta-feira, 20 de Janeiro, houve outro tremor, e ainda não se sabe que prédios foram atingidos pelo tremor e quais foram as vítimas. Mas é lógico que isso traz pânico à população que teme por suas vidas. Ninguém sabe se haverão outros tremores. Por enquanto os grupos de ajuda continuam chegando e os que já estão no país estão trabalhando dia e noite construindo hospitais, atendendo as pessoas e distribuindo água e comida. Mesmo assim muita gente está morrendo por falta de cirurgia, o grupo de ajuda médica "Partners in Health" disse que cerca de 20.000 pessoas estão morrendo por dia que poderiam ser salvas com cirurgia.



O povo haitiano é merecedor de toda a nossa solidariedade possível, da nossa ajuda fraternal e desinteressada, descobrindo e organizando para isso as acções de recolha de ajudas e, sobretudo as organizações merecedoras da nossa confiança para o garantir.
Sindicatos, autarquias locais, associações cívicas, colectividades, todos podem ajudar, garantindo-se em seguida que entidade nos garante que os donativos cheguem mesmo às mãos dos haitianos necessitados. Uma tarefa nada fácil, sem dúvida, mas a exigir-nos as capacidades e os esforços necessários para a realizar.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A pobreza, o capitalismo, a hipocrisia - em Portugal, na E.U. e no mundo

O jornal semanário "Avante!", órgão central do P.C.P., editado às quintas-feiras e com sítio na net - http://www.avante.pt/ -, é uma leitura indispensável para todas as pessoas interessadas em obter uma informação verdadeira e independente, sobre o que ocorre no país e no mundo e sobre a visão própria dos comunistas portugueses acerca da actualidade.

Pelo interesse que reveste, transcreve-se em seguida um artigo, publicado na sua última edição, de 21/1.



A União Europeia designou 2010 como o Ano Europeu contra a Pobreza. E por isso aparecem já e cada vez com mais frequência as muito adequadas notícias nos órgãos de comunicação social. Dão a boa nova e deixam a ideia de um grande empenhamento das instituições europeias e nacionais, no combate a este flagelo social e do qual são vítimas milhões de seres humanos, não apenas na União Europeia mas em todo o mundo.

Eis alguns números e factos que ilustram esta realidade. Mais de 1100 milhões de pessoas vivem com menos de um dólar por dia; o número daqueles que vivem abaixo do limiar da pobreza aumenta diariamente. Mais de dois milhões, estão nessa situação no nosso País. Destes, cerca de 700 mil são assalariados e outros tantos são pensionistas e reformados.
Em todo o mundo milhões de trabalhadores são empurrados para o desemprego. Em Portugal já ultrapassam os 700 mil e as multinacionais, mas não só, continuam a encerrar empresas e a levantar a tenda deixando atrás de si um rasto de miséria e infelicidade para milhares de operários e outros assalariados. Na maior parte dos casos, sem qualquer perspectiva de voltarem a arranjar um posto de trabalho.

Segundo a ONU, morrem por ano mais de 36 milhões de seres humanos devido à fome. Ou seja, 70 seres humanos morrem em média por minuto por falta de alimentos. Em Portugal são já mais de 200 mil os que já não ganham o suficiente para se alimentarem e já passam fome. E tudo isto sucede quando, em consequência dos avanços da ciência e da técnica, a capacidade de produção de bens alimentares nunca foi tão grande e quando somos informados pela comunicação social de que centenas de milhares de toneladas desses mesmos bens são destruídos e colocados no lixo, para não prejudicar as margens de lucro dos senhores que dominam e mandam no circuito, desde a produção até à distribuição.
Ainda segundo a ONU, mais de 30 mil crianças morrem por dia devido a causas que podiam ser evitadas se tivessem acesso aos extraordinários avanços da ciência na área da Saúde. Mas, mais uma vez, a ganância dos parasitas (que são apresentados como grandes defensores dos direitos humanos!) pelos escandalosos lucros que o gigantesco negócio do medicamento lhes proporciona, condena à morte esses milhares de crianças todos os dias. Se outros exemplos não houvesse – e infelizmente há muitos mais – este bastaria para ilustrar o carácter profundamente desumano e cruel do capitalismo.

Trata-se de autênticos crimes contra a Humanidade pelos quais os seus autores deviam ser julgados e punidos. As causas da pobreza estão, pois, na essência do sistema capitalista. Na exploração de que são vítimas os operários e restantes trabalhadores que criam a riqueza do País e na sua injusta repartição – que concentra uma grande parte nas mãos daqueles que sendo uma minoria – os capitalistas – detêm os meios de produção e atiram para a pobreza e a miséria aqueles que são a imensa maioria – os assalariados – que têm como única riqueza a sua força de trabalho e, através dela, quando a conseguem vender, o salário, desvalorizado permanentemente.
Mas não é isto que vamos ver e ouvir sobre a pobreza durante o ano de 2010 da parte dos dirigentes europeus, do Governo/PS e de toda a direita. Porque não são as causas que os preocupam mas sim a crescente tomada de consciência por parte dos trabalhadores e dos povos do carácter explorador, injusto e desumano do sistema capitalista.
Vamos sim vê-los ao lado dos Belmiros, Amorins e outros que tais, em iniciativas de caridade doando cheques, refeições, roupas, etc. E, com grande hipocrisia, deitar lágrimas de crocodilo pelos coitados dos pobres que o destino condenou (e não eles!) a viver na pobreza.
Neste contexto, ganha ainda mais importância a grande acção nacional do Partido, a começar para a semana e a desenvolver-se até final de Março, que deve envolver todas organizações e militantes e através da qual daremos a conhecer as nossas propostas para uma nova política, ao serviço dos trabalhadores, do povo e do País, tendo como horizonte o socialismo – onde a exploração e a pobreza darão lugar à justiça social, à liberdade e à democracia em todas as suas vertentes: política, económica, social e cultural.

(Armindo Miranda, da CP do CC do PCP, in "Avante!", n° 1886)



Confirmando inteiramente esta justa denúncia, um estudo do economista Eugénio Rosa - cujos estudos são autênticas ferramentas de combate, a usar pelos explorados na sua luta contra o capital - indica exactamente como, com a conivência do governo do Partido "Socialista" e à custa dos recursos do Estado português, a banca enriquece com a crise. Assim, apesar da crise grave que enfrenta o País e das crescentes dificuldades para a maioria dos portugueses, só nos primeiros 9 meses de 2009 os cinco maiores bancos a funcionar em Portugal – CGD, BCPMillennium, Santander Totta, BES e BPI – obtiveram lucros líquidos que atingiram 1.448 milhões de euros!

Como se vê, para os banqueiros não há crise, ou melhor, em Portugal a banca enriquece com a crise e com as dificuldades dos portugueses. Para além das formas clássicas de extracção de mais valia (taxas de juro e spreads elevados, comissões exorbitantes, especulação que de novo surge em força, etc.) que utiliza para obter elevados lucros, a banca também lança mão de uma outra forma, menos conhecida mas não menos escandalosa; no período 2005-2009, arrecadou mais cerca de 1.468 milhões de euros de lucros apenas por não ter pago a taxa legal de IRC e de derrama, taxa que qualquer pequeno empresário é obrigado a pagar mas que à banca ninguém obriga - isto é, em vez dos 27,5% a que estaria obrigada, segundo dados divulgados pela sua própria Associação Portuguesa de Bancos, a banca pagou em 2008 somente 12,8% em impostos, e, para 2009, a estimativa é que pague só 9,8%!

Tudo isto ocorre a par da sobre-exploração do trabalho dos assalariados ao serviço dos banqueiros; enquanto os vencimentos dos trabalhadores bancários vêm perdendo peso na percentagem dos encargos dos bancos, atingindo em 2008 o valor mais baixo com apenas 27,5%, neste mesmo ano a remuneração média dos seus administradores variou entre 698.000 euros e 777.100 euros!

São estas e outras verdades que vão desmascarando as mentiras da propaganda do capitalismo e os venenosos apelos à concertação e conciliação de classes daqueles que lhe fazem o jogo. A luta pelo Socialismo está definitivamente na ordem do dia.


sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Haiti - Um povo lutador e martirizado

As imagens feitas por um amador pouco após o terramoto e ontem transmitidas pelas cadeias de TV, mostrando de um ponto elevado uma panorâmica da cidade de Port-au-Prince, à primeira vista sugeriam serem nuvens a cobertura nebulosa que se via pairando sobre toda a extensão da cidade, mas não era assim, não eram nuvens reais e sim uma pavorosa nuvem de poeira compacta, originada pela derrocada de grande parte das edificações da cidade, acabadas de cair pelo impacto do sismo.
Depois de sofrer a devastação de violentos tufões, a terrível catástrofe natural que agora atingiu o país vem chamar a nossa atenção para as duras realidades que já há muito atingem o seu martirizado povo haitiano, um povo alegre, animoso, lutador incansável pela sua independência e pela sua dignidade mas tão martirizado pelas agressões e ocupações estrangeiras, pela exploração desenfreada dos seus recursos, sucessivamente praticadas pelas potências neocoloniais e pelo imperialismo.


Originariamente chamada "La Hispaniola", a ilha foi colónia de Espanha desde a sua "descoberta" por Cristóvão Colombo (em 1492) até que, explorando a decadência da colonização espanhola, os franceses substituem os espanhóis na parte ocidental da ilha (1697) e, em resultado desta disputa franco-espanhola, pouco após a declaração da independência de França (1804) a ilha é dividida em dois territórios, com a parte até aí sob domínio francês a dar origem à actual República do Haiti e a parte oriental, entretanto reocupada e sob domínio espanhol, a obter mais tarde também a independência, sob a designação de República Dominicana. Com uma superfície total de 76.192 km² e cerca de 9 milhões de habitantes, a ilha conta 641 quilómetros de extensão entre os seus pontos extremos.
Para além da população indígena índia, objecto da escravização pelos espanhóis e depois de quase ter sido totalmente dizimada, o Haiti tem uma população maioritária descendente de africanos escravizados pelos colonialistas. Ao começar a Revolução Francesa (1789), já viviam na colónia francesa cerca de 500 mil negros, 24 mil mestiços e 32 mil brancos.
Possuindo terrenos muito férteis, a sua produção de açúcar chegou a disputar a hegemonia açucareira do Brasil, para além de produzir milho, café, cacau, todo o tipo de produtos hortícolas e frutícolas, etc, além de um litoral e de montanhas lindíssimos, com as belezas naturais típicas das ilhas do Caribe.

Detentor do honroso título de primeiro país independente da América do Sul colonial - uma independência conquistada após sucessivas revoltas e lutas da sua população escravizada, mobilizada pelo objectivo de conquistar a liberdade contra os colonizadores, primeiro contra os espanhóis e depois contra os franceses -, os duzentos anos da sua independência são uma inenarrável epopeia de lutas e combates, de traições e de vitórias, de resistência e de determinação de um povo corajoso, constantemente forçado a retomar as suas lutas, primeiro pela abolição da escravatura, depois pela soberania e pelo seu direito a viver em paz.
Abandonado e exorcizado pelas potências colonialistas logo que declarou a sua independência política - que assim queriam fazer do Haiti um mau exemplo que os outros povos colonizados não deviam seguir - o seu povo teve de batalhar sempre e até os dias de hoje para ser senhor do seu distino, das suas riquezas e das suas enormes potencialidades naturais, contra o poder e a exploração das elites possidentes, representadas inicialmente por governadores-gerais colonialistas, depois por líderes independentistas auto-proclamados imperadores e mais tarde por presidentes, uns designados outros eleitos, uns patriotas outros fantoches na mão das potências imperialistas.

De um passado recente de repressão, de prisões, torturas e milhares de assassinatos, quem não lembra o terrível período da ditadura do "Papa Doc" e dos seus sicários torturadores, os "tontons macoutes"? Instaurada em 1957, pelo médico François Duvalier, um ditador sanguinário, seguidor das práticas do culto "vudu" que, não satisfeito por se declarar presidente vitalício do Haiti, antes de morrer (1971) designou o filho seu sucessor ("Baby Doc"), e com esta manobra prolongou esse negro período até 1986, submetendo o povo haitiano, durante quase três décadas, a uma das mais cruéis ditaduras da História do século XX. Entidades humanitárias apontam para 30.000 mortos, vítimas das sucessivas chacinas de militantes e activistas de esquerda, tendo sempre por alvo principal os comunistas.

A sujeição do Haiti aos ditames do imperialismo estadunidense é um longo e criminoso processo. Manietado economicamente, o Haiti entra no século passado sob a tutela dos EUA e estes, a pretexto de garantirem a cobrança da dívida dos "empréstimos" concedidos, passam a intervir directamente na administração do país. Em 1905, passam a controlar as alfândegas (!) e, em 1915, invadiram militarmente a ilha e assumiram o governo. Os americanos impuseram uma nova constituição - "hábito" este, aliás, que não mais abandonaram até hoje, em todos os países por si ocupados. Esta ocupação militar vai durar até 1934 e só em 1941 abdicaram da administração alfandegária haitiana, tudo a bem da "democracy Made in USA", claro!
Seguiram-se sucessivos governos da elite, sucessivos golpes e defecções, o longo - e dramaticamente penoso - período da ditadura dos Duvalier's e, após quatro anos de governo dos militares, têm finalmente lugar eleições presidenciais (1990), sendo eleito um padre, Jean-Bertrand Aristide, que se afirma defensor da "teologia da libertação", com dois terços dos votos contados. Derrubado por um golpe (mais um!) oito meses depois, exila-se... nos EUA.
Em Setembro de 1994, uma "força multinacional", liderada pelos EUA, entrou no Haiti para reempossar Aristide. Até 2000, o mandato de Aristide é uma sucessão de crises e, neste ano, a oposição das elites acusa-o de fraude nas eleições realizadas, passando em 2003 a reclamar a sua renúncia. Em 2004 estalam confrontos armados na capital, provocados por milícias da direita, e os EUA intervêm de novo com as suas tropas, depondo Aristide e enviando-o para o exílio, mas desta vez para um país africano... São mandatados pela ONU (de novo, sempre eles!) para comandar mais uma "força multinacional" de intervenção, destinada a restabelecer as sacrossantas "ordem e autoridade". Cedendo esse papel aos militares brasileiros, desde então o Haiti vive, mais uma vez na sofrida história do seu povo, sob ocupação de forças militares estrangeiras ao serviço de uma inalterada estratégia imperialista. O presidente actual é René Préval, um dissidente do partido de Aristide, eleito em 2006 com o apoio da muito conveniente "comunidade internacional"/versus EUA.
O infernal ciclo de dependência e submissão haitiana face aos EUA vai prolongar-se até aos nossos dias. Com um cortejo dramático de todo o tipo de carências que continua, ininterruptamente, a flagelar as populações deste martirizado país. A corrupção do poder campeia; a miséria extrema e a fome fustigam mais de 90% do povo haitiano; a total inexistência de infra-estruturas essenciais - o Haiti possui somente 1.000 km de estradas asfaltadas -, deixa as populações sem meios de vivência minimamente civilizados; a completa carência de serviços sociais e de organismos de gestão económica dos recursos do país, remete os haitianos para um dos últimos lugares entre os países mais subdesenvolvidos.
Um facto chocante, recentemente relatado por militares brasileiros: o povo haitiano, procurando sobreviver contra a fome, come "biscoitos" de lama, feitos com barro, misturado com açúcar ou sal, gordura ou margarina, ou algum vegetal! E ao invés de fornos, a massa resultante é seca ao Sol, na rua. Estas práticas de sobrevivência, que nos envergonham a todos nós, humanos, e que remetem grande parte do povo do Haiti para um estádio social "pré-histórico" -, não nos enganemos, não são do pós-terramoto; são do seu dia-a-dia, anterior ao cataclismo que agora o vitimou.
Nestes dias de caos instalado no país, com um "governo" totalmente inepto e corrupto - a revelar a manifesta fraude da gestão da ONU, que em seis anos nada foi capaz de realizar para apoiar de facto aquele povo, desde sempre colocado sob suspeita - nestes dias dramáticos para o martirizado povo haitiano, os meios de comunicação mundiais divulgam doações financeiras, entregas de géneros alimentares, tendas, cobertores, água, noticiam sucessivos embarques e chegadas ao Haiti de equipas de resgate e apoio aos sobreviventes do violento sismo. Tudo o que for enviado e feito nunca será demasiado.
Mas, infelizmente, em tempos de alargada solidariedade internacional misturam-se e confundem-se atitudes muito distintas, desde a hipócrita oferta de ajuda pelos maiores responsáveis pela anterior e continuada miséria do povo haitiano - os EUA -, desde entidades empresariais que, qual corvos em torno de cadáveres, sempre surgem prontas a ganhar rios de dinheiro com as verbas para a "reconstrução", até às solidárias e desinteressadas ajudas de alguns poucos governos, instituições e pessoas como nós, verdadeiramente amigos dos haitianos, procurando formas de apoio e de solidariedade que façam sentir ao povo mártir do Haiti que tem amigos, que não está só perante a catástrofe destes dias, que os seus amigos (por vezes dele esquecidos, por vezes distantes) sempre estiveram ao seu lado e agora tudo irão fazer para dele ficarem mais próximos, mais unidos pelos fraternos e indestrutíveis laços da solidariedade internacionalista.
A nós, aos trabalhadores, aos revolucionários, aos democratas sinceros e anti-imperialistas, cabe-nos desenvolver as nossas campanhas de solidariedade sincera, tanto política como material quanto possível, ao mesmo tempo que temos o dever de desmascarar o imperialismo e as suas sujas manobras - fartamente veiculadas pela imprensa dominante que o serve -, manobras e propaganda que visam manifestamente manipular os genuínos sentimentos de compaixão e de apoio, hoje sentidos pela generalidade dos povos em todo o mundo.
Adenda:
O desembarque ontem (16/1) no Haiti, de um maciço efectivo militar dos EUA - 10.000 homens! -, ocupando o aeroporto e assumindo praticamente todos os poderes, vem confirmar de forma eloquente os verdadeiros propósitos do imperialismo estadunidense. Acabados de chegar, impõem a proibição de aterrar no aeroporto de Port-au-Prince a um avião francês, que transportava um hospital de campanha e equipas médicas , não obstante todas as diligências diplomáticas do governo francês que, após ser obrigado a alterar a rota do seu avião de transporte para a República Dominicana, acabou por decidir divulgar uma nota pública de crítica à arrogância e prepotência do governo dos EUA. E tudo isto se passa nestas horas dramáticas, onde um socorro pode decidir vidas humanas. E é isto que é propagandeado como o "apoio" do país-modelo, da "terra da liberdade e da democracia"...

sábado, 9 de janeiro de 2010

Imperialismo – o inimigo n° 1 dos povos e da Humanidade

Um ano decorrido após a posse de Obama como presidente dos EUA, depois de muitas promessas e declarações “politicamente correctas” feitas pelo mandatário de turno, está à vista de todos que a política imperialista estadunidense não só não teve qualquer mudança positiva como até, bem ao contrário das esperanças infundadas que originou, essa política prosseguiu todas as orientações dos presidentes anteriores, agravando-as quanto às actividades de desestabilização de governos e à organização de golpes de estado, a par da realização de mais operações militares de dominação nos países que invadiram e ocuparam, enquanto simultâneamente prosseguem as provocações e a planificação de novas agressões armadas em outros países.
Para desmascaramento dos promotores da laboriosa campanha da “obamamania”, já o discurso de Obama em Oslo, aquando do execrável acto de atribuição do Nobel da Paz e durante o qual usou 42 (!) vezes a palavra "guerra", teria sido mais que suficiente para os mais “distraídos” e “bem-intencionados” abandonarem os seus sonhos dourados de uma “nova era de liberdade e de paz no mundo”. Mas, se dúvidas ainda restassem, no final do ano que agora terminou o envio por Obama para o Afeganistão de dezenas de milhares de militares, para se juntarem ao contingente que já ocupava este martirizado país, foi um duche frio de realidade para que tais crédulos acordassem desses sonhos.



América Latina

Particularmente exemplificativa da política imperialista de agressão e de domínio dos povos por todo o mundo é a situação existente na América Latina, desde há décadas considerada uma colónia dos EUA, o seu “quintal das traseiras” onde tutelou – e ainda tutela -, sob a batuta de uma diplomacia neocolonialista, os povos deste subcontinente.
O recente golpe fascista nas Honduras e as notórias manobras de desestabilização pró-golpistas na Bolívia, na Venezuela e agora mais recentemente também no Paraguai e no Equador; as sete novas bases militares estado-unidenses impostas à Colômbia com o “acordo” assinado pelo seu homem-de-mão, o narcotraficante e fascista Uribe; as ostensivas ingerências nos governos e nas políticas externas da Costa Rica, Panamá, Peru, México; as pressões diplomáticas e militares – mesmo directas e sem disfarce, com a reactivação da IV Frota – sobre todos os restantes países, tudo confirma o carácter neo-imperial da política externa dos EUA e que nada de fundo mudou quanto aos seus desígnios estratégicos de domínio dos povos latino-americanos.


Uma rápida visita histórica à memória das sucessivas intervenções e ingerências imperialistas no subcontinente americano do sul, desde as décadas de cinquenta, sessenta e setenta do século passado, pode ser útil para nos mostrar e confirmar que não há nada de realmente novo na actualidade. Em todas elas, como denominador comum, estão as teorias iniciadas no demente período maccartista e as teses do "inimigo interno", contidas na Doutrina de Segurança Nacional leccionada nos War Colleges, nos quais militares latino-americanos (e de todo o mundo) eram (e ainda são) doutrinados para passarem a agir contra a "ameaça comunista" e onde, inclusive, aprendiam (e aprendem) técnicas de tortura, largamente "testadas" e "aperfeiçoadas" em "teatros de operações" por todo o mundo. Desta época, como exemplo desses teatros de guerra, lembremos a guerra de agressão dos EUA contra o povo vietnamita (depois, também contra os povos cambojano e laociano), iniciada em 1968 e terminada em 1973, com a heróica vitória dos povos daquela martirizada península e a fuga desonrosa dos norte-americanos, registada em imagens que ficaram para a posteridade.

Deste longo e sangrento histórico de golpes militares, de assassinatos de dirigentes políticos patriotas, de criação de milícias fascistas e esquadrões da morte, de infiltração de agentes da CIA, de subvenção financeira de políticos e partidos reaccionários, etc, etc, alinham-se em seguida somente alguns dos acontecimentos mais conhecidos:

-Em 1954, no Paraguai, o general Alfredo Stroessner, com a complacência imperialista, torna-se um percursor dos futuros golpes militares no continente americano, instaurando uma ditadura cuja repressão violenta vai prolongar-se por trinta e cinco longos anos.

-Em 1961, em Cuba, buscando reverter a vitória da revolução cubana que dois anos antes tinha derrubado a ditadura de bordel e casino do seu lacaio Fulgêncio Batista, John Kennedy ordena a invasão de Cuba, com um desembarque militar de mercenários na Baía dos Porcos, invasão que foi corajosamente travada e derrotada pela determinação dos patriotas cubanos, sob a direcção de Fidel.

-Em 1964, no Brasil, o general golpista Castelo Branco, industriado pelo seu amigo Vernon Walters, adido militar dos EUA, dá um golpe que derruba o regime constitucional de João Goulart e instaura uma ditadura fascista que, de general para general, se vai prolongar até 1985. O golpe ocorre a 1 de Abril e a 2 o governo norte-americano reconhece o novo poder golpista. Para garantir o sucesso militar do golpe, além de intensa preparação no interior, os EUA fazem deslocar para o litoral brasileiro 1 porta-aviões ("Forrestal"), 1 transporte de helicópteros, 6 destroiers, 4 petroleiros, 1 navio de carga com 110 toneladas de munições, numa operação cinicamente baptizada de "Brother Sam".
-Em 1965, os EUA invadem militarmente a República Dominicana e sufocam um movimento de jovens militares constitucionalistas que se tinham revoltado exigindo a reposição no poder do presidente eleito, Juan Bosch, que tinha sido derrubado pela oligarquia, com o apoio dos estadounidenses, depois de ter promovido a redistribuição de terras e nacionalizado explorações estrangeiras. Nessa invasão, os EUA envolveram subsidiariamente as ditaduras da região (brasileira, paraguaia, hondurenha), para se darem ares de força multinacional. Como sabemos, para diante não mais abandonaram este expediente.

Perante a intensificação das lutas operárias e democráticas, por mais democracia e por novos direitos sociais, e, face aos avanços populares e progressistas alcançados, na década de setenta os golpes militares "made in USA" multiplicam-se:

-Em 1971, na Bolívia, com o apoio directo dos EUA, o general Hugo Banzer encabeça um golpe que liquida abruptamente o regime democrático de Juan José Torres, um militar democrata que, após se exilar na Argentina, será assassinado em Buenos Aires, pela Operação Condor (1). Em 1978, Banzer foi entretanto derrubado por outro golpe de Estado, dirigido por Juan Pereda Asbún. A Bolívia só deixará de se submeter servilmente aos interesses dos EUA quase trinta anos depois, com a eleição de Evo Morales.

-Em 1972, no Uruguai, Juan Maria Bordaberry, depois de um ano antes se ter feito eleger de forma fraudulenta (um tipo de "eleição nos nossos dias bem exemplificada, na Colômbia, pelo narcotraficante Uribe), instaura uma ditadura, com o apoio dos norte-americanos e com todos os ingredientes das ditaduras: assassina guerrilheiros, fecha o Congresso, proíbe partidos e liquida as liberdades, impõe a censura, aprisiona os opositores e faz mesmo deles cobaias de experiências psiquiátricas. A ditadura irá durar até 1984.

-Em 1973, em 11 de Setembro, no Chile, liquidando violentamente o regime democrático, tem lugar o sanguinário golpe militar fascista encabeçado por Augusto Pinochet, um general inteiramente fiel e serviçal aos interesses e directrizes dos EUA, que derrubou e assassinou Salvador Allende, o presidente querido e eleito pelo seu povo menos de três anos antes. Escarnecendo de todos os direitos humanos, doentiamente anti-comunista, Pinochet mandou fuzilar, mutilar, torturar todos os que tinham acompanhado Salvador Allende na nova caminhada de devolução ao povo de todas as suas riquezas nacionais e dos seus plenos direitos.
Durante dezassete longos e tenebrosos anos, proibindo qualquer tipo de eleições, qualquer acção política que não fosse para louvaminhá-lo, decretando o toque de recolher sempre que algo lhe sugerisse a mais pequena iniciativa da oposição, Pinochet permanece como personagem odienta à frente de um regime fascista dos mais cruéis que a História contemporânea regista, um fascismo totalmente ao serviço do imperialismo estadunidense. Em 1990, pós um plebiscito que perde, afasta-se da presidência do país. Anos mais tarde, a justiça conseguiu fazê-lo responder pelo desaparecimento de 3.197 pessoas, um número manifestamente insuficiente para quantificar os seus hediondos crimes.

-Em 1975, no Perú, o general Francisco Bermudez assume o poder após um golpe, afastando um general democrata e patriota da presidência, Juan Velasco Alvarado (3), cuja principal bandeira era promover uma reforma agrária no país, objectivo contrário aos interesses dos EUA aí instalados. A ditadura de Bermudez vai até ao final da década, quando lhe sucede, através de eleições, Belaúnde Terry, um homem mais da simpatia dos norte-americanos.

-Em 1976, na Argentina, seguindo e aprofundando em ferocidade o "modelo" de golpe no Chile, os militares golpistas general Jorge Videla, do Exército, almirante Emílio Massera, da Marinha, e brigadeiro-general Orlando Agosti, da Força Aérea, ao serviço da oligarquia do agro-negócio e dos banqueiros, com o apoio vergonhoso da Igreja Católica e a activa colaboração da embaixada e serviços estadounidenses, lançam o país num horroroso banho de sangue até aí inimaginável para qualquer ser civilizado, numa metódica e fria aplicação de um plano de extermínio em massa de todos os que ousassem, mesmo que levemente, opor-se à ditadura fascista. Tal esquema contava com 488 centros ilegais de detenção em todo o país, nos quais foram selvaticamente torturados muitos milhares de argentinos. Durante as rusgas e as prisões de militantes de esquerda, os militares sob o comando do almirante Massera e cumprindo as suas ordens, roubavam tudo o que tivesse valor (dinheiro, móveis, quadros, jóias, electrodomésticos) e obrigavam os detidos a assinar declarações de venda das suas casas, bem como documentos idênticos para os seus automóveis que em seguida eram vendidos. Investigações judiciais posteriores calcularam o montante desse festim da ladroagem fascista em 70 milhões de dólares.
Dezenas de milhares de desaparecidos e de mortos, dão afinal sequência aos assassinatos cometidos nos dois últimos anos do peronismo de Estela Peron, a "Isabelita"; com o sarcástico título de Ministro do Bem-Estar Social, José Lopes Rega já antes havia criado o grupo paramilitar fascista conhecido por "Três A" (Aliança Anti-comunista Argentina) que, só entre 1974 e 76, foi responsável por 1.500 mortos.
A ditadura militar argentina, "como é de regra", apressou-se a abrir o país aos capitais estrangeiros predadores que o deixaram, em poucos anos, completamente endividado. Impôs a desindustrialização, fomentando a especulação financeira e reduzindo os salários em 40%, operando uma forçada concentração da riqueza nas mãos das elites, aumentando as importações e agravando enormemente a pobreza.
Na passagem dos anos setenta para os anos oitenta, a política de ingerência "made in USA" vai prosseguir ainda, intervindo activa e criminosamente nos países da América Central e sempre apoiando os contra-revolucionários que actuam a seu soldo. Três exemplos o confirmam:
-Em 1979, em El Salvador, um grupo de jovens oficiais progressistas instala uma Junta Revolucionária de Governo e põe fim à ditadura pró-EUA do general Romero. Em resposta, Ronald Reagan ordena a intensificação dos apoios, em dinheiro e em armas, dos "esquadrões da morte" criados pelo seu lacaio de serviço, major Roberto D'Aubuisson, promovendo uma sangrenta guerra civil no decurso da qual são assassinados milhares de democratas e patriotas. Em 1980, é assassinado o arcebispo Óscar Romero, defensor dos pobres e que vinha denunciando os crimes do major fascista. O período progressista da Junta termina em 1982, com eleições fraudulentas nas quais o partido fascista (Arena) de D'Aubuisson, coligado com outros sectores oligárquicos, inicia um novo período autoritário, sempre com o apoio directo dos EUA.
-Em 1989, no dia 20 de Dezembro, no Panamá, os EUA realizaram a sua maior manobra militar desde a guerra do Vietname para derrubar o governo militar do general Noriega, sob os habituais falsos pretextos de proteger os cidadãos norte-americanos residentes no país e combater o tráfico de drogas. Como tantos outros, Noriega frequentou as academias militares norte-americanas, foi o pivô de um cartel de venda de drogas junto ao governo colombiano e com destino aos EUA. Enquanto obedeceu às ordens de Washington, foi apoiado, inclusive colaborando activamente com a CIA nas acções terroristas contra a revolução nicaraguense; quando se rebelou, querendo recuperar a soberania sobre o Canal, os "marines" entraram em acção. Bombardeamentos maciços sobre os bairros pobres (e mais populosos) da cidade e uma autêntica caça ao homem aos militantes progressistas, originaram o morticínio de mais de 5.000 panamianos. Tendo falhado o plano para o matarem durante os bombardeamentos, os norte-americanos aprisionam Noriega para o julgarem... nos EUA!
-Em 1990, na Nicarágua, depois de anos de actividades de subversão conduzidas pelos grupos mercenários que ficaram conhecidos como os "contra"- grupos organizados e financiados directamente pelo governo de Ronald Reagan -, os EUA impõem a eleição da sua candidata Violeta Chamorro, aglutinadora das forças contra-revolucionárias.
Liquidando um processo revolucionário iniciado pela heróica revolução sandinista de 1979, conduzido pela Frente Sandinista de Libertação Nacional, que venceu o tenebroso período de Anastácio Somoza, durante o qual foram mortos 40.000 nicaraguenses, para a História ficava um tortuoso rol de infiltrações da CIA, de dissidências na FSLN "fabricadas" pelos agentes do imperialismo, de atentados terroristas, de sabotagens, a imposição de férreo boicote económico, etc.
Três traços são constantes nesta actividade subversiva e terrorista do imperialismo estadunidense: 1) a defesa de interesses económicos monopolistas dos EUA instalados nos países da região, saqueando as suas riquezas e recursos naturais e submetendo os povos respectivos à mais selvática exploração da sua mão-de-obra; 2) uma torrencial campanha anti-comunista, apoiada em poderosos aparelhos e redes de dominação ideológica, visando isolar as forças mais consequentes - comunistas, socialistas, democratas patriotas -, empenhadas na defesa da independência nacional dos seus países e da soberania dos seus povos, do seu direito a escolherem livremente os seus próprios sistemas e regimes políticos; 3) um irrestrito e continuado apoio a todas as ditaduras latino-americanas, em recursos, em armamento, em treino e formação "técnica" dos agentes torcionários, em sustentação diplomática, em propaganda difundida por todo o planeta, branqueando os regimes fascistas oligárquicos e justificando-os como sendo duras inevitabilidades face aos perigos da subversão e da "ameaça comunista".
O longo registo histórico deixado acima, moralmente pesado de se ler, deixa ocultos muitos outros actos e acções criminosas dos regimes fascistas, oligárquicos, autocráticos e anti-democráticos sul-americanos, durante toda a segunda metade do século XX e já nesta primeira década do actual. Mas é mais que suficiente para confirmar que na América Latina - tal como no mundo - por detrás de todos os poderes políticos e governos anti-operários e anti-populares, tal como por detrás de todos os ditadores e violadores sem escrúpulos das mais modestas regras democráticas encontramos sempre, mais à mostra ou mais escondida, a mão mandante do imperialismo. Desde o seu surgimento como sistema de domínio político, económico e militar transnacional do capitalismo, o imperialismo tornou-se o inimigo n° 1 dos povos.

Não alimentemos ilusões: por detrás de declarações mais macias, com as arestas da anterior brutalidade diplomática dos governos norte-americanos hoje buriladas, o que se esconde é um mesmo e inalterado objectivo imperialista de dominação económica e política, para cuja concretização os EUA - na actualidade com Obama, como antes o fizeram com Bush, Clinton, Reagan, e todos os anteriores - não hesitarão em reproduzir golpes gémeos do golpe nas Honduras, se para tal sentirem suficiente e adequadamente fragilizados os novos regimes mais democráticos e progressistas que na América Latina se lhes opõem.
Notas:
(1) Além de estreita colaboração entre os seus serviços secretos e de repressão, a Operação Condor foi a designação atribuída a uma organização criada em 1975 pelas ditaduras militares do Chile, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai (e depois estendida à Bolívia e ao Peru) que, sob a supervisão da CIA, tinha por objectivo a entreajuda nas acções de repressão aos seus povos, bem como a promoção de acções de terrorismo de Estado sem fronteiras e nos diversos países (inclusive, em Itália) - perseguir, prender, torturar, assassinar -, acções terroristas dirigidas contra democratas e patriotas no exílio. Diversos assassinatos políticos foram cometidos - frequentemente a tiro, mas também por cartas armadilhadas, por desastres de viação "misteriosos", por ataques cardíacos induzidos com substância letal, etc - vitimando figuras da oposição que se mantinham referências "incómodas" para as ditaduras.
Segundo números divulgados nos chamados "Arquivos do Terror" - um conjunto de documentos revelados em 1992 - o saldo monstruoso destas acções coordenadas chegaria a 50.000 mortos, 30.000 desaparecidos e 400.000 presos.
(2) Antecipando as manobras preparatórias do golpe, Eduard Korry, embaixador dos EUA, em carta ao ex-presidente chileno Eduardo Frey, logo após a eleição de Salvador Allende, escreveu: "Não permitiremos que chegue ao Chile um parafuso, nem uma porca. Enquanto Allende permanecer no poder, faremos tudo ao nosso alcance para condenar o Chile e os chilenos às maiores privações e misérias." Mais arrogantemente claro e directo, confirmando a permanente política de ingerência estadunidense, seria difícil conseguir.
(3) Curiosamente, em todo o período, este general será o único militar de esquerda a encabeçar, em 1968, um golpe militar contra os interesses económicos dos EUA. Propunha um melhor nível de vida para os trabalhadores, a modernização do país numa perspectiva nacionalista e independente. Nacionalizou diversas empresas norte-americanas e opunha-se à dependência do capital estrangeiro. Promoveu uma reforma agrária mas não conseguiu criar as estruturas que permitissem que os camponeses administrassem as suas terras. Sem apoio de forças políticas populares organizadas e actuantes, atacado pelos ex-proprietários expropriados, alvo das manobras do grande capital estrangeiro e da intriga política promovida pelas agências do imperialismo, sete anos após tomar o poder é derrubado pelo golpe de Bermudez.