SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Viva o 1°. de Maio! - Apelo da FSM


Viva o 1° de maio de 2010! Os trabalhadores não pagarão a crise!

Trabalhadoras e trabalhadores:

O período em que vivemos é um período de imperialismo agressivo, novas políticas neoliberais anti-laborais e de crise económica internacional do sistema capitalista. Esta crise manifesta-se em todos os sectores: na economia, no meio ambiente, na qualidade de vida, na cultura e nas mudanças climáticas. As crises estão no DNA do capitalismo e por isso aparecem uma e outra vez. É impossível para o capitalismo resolva os problemas dos povos do mundo.
Basta ver o que acontece em África: um continente rico em recursos naturais, mas com os habitantes mais pobres. A esperança de vida ao nascer na Zâmbia é de 38,6 anos. Na Nigéria, o país mais rico em petróleo em toda a África, três quartos da população são pessoas sem-abrigo. Segundo o relatório da UNICEF de 2010, 42% da população na Nigéria não tem acesso à água potável e a diarreia é a segunda principal causa de morte infantil, originando 17% das mortes em crianças menores de cinco anos. Na Somália, os imperialistas exacerbam conflitos. No Sudão, os E.U. e seus aliados estão tentando desmembrar o país e, no Sara Ocidental, o problema continua. O salário mínimo mensal na África do Sul é de 104 € para os trabalhadores agrícolas, enquanto que no Botswana é de 43 € para os trabalhadores urbanos. O salário mínimo varia de acordo com a ocupação na Costa do Marfim, com o mais baixo de 56 € por mês para o sector industrial.
Na Ásia, o retrato em geral não é melhor: no Iraque, Afeganistão e Paquistão, os E.U. e os imperialistas europeus continuam a sua ocupação e as operações militares. Ameaçam o Irão e as repúblicas da Ásia da antiga União Soviética. Em Bangladesh, o salário base é de US $ 26 por mês, no Sri Lanka US $ 59 e no Paquistão é de US $ 71.
No Médio Oriente, o tormento dos palestinos heróicos, libaneses e sírios, continua. Israel, com o apoio essencial dos E.U., a União Europeia e os seus aliados, continua a ocupar ilegalmente o Golan sírio, mantém Gaza isolada, está assassinando no Líbano, tudo isto ameaçando a estabilidade e a paz no Mediterrâneo Oriental.
Nos E.U.A., a situação também é complicada. O desemprego e a pobreza estão em aumentar, atingindo a taxa de desemprego os 9,7%.
Na América Latina sente-se a agressividade da América do Norte. Calúnias e ataques ocorrem contra a heróica Revolução Cubana, os ataques à Venezuela, à Bolívia e ao Equador, a ocupação do Haiti e o apoio à ditadura nas Honduras. Na Colômbia, nos últimos cinco anos, mais de 210 sindicalistas foram assassinados e o país está se transformando numa base militar dos E.U.A..
Também na Europa, o capitalismo cria e multiplica os problemas. Os trabalhadores desempregados nos países da União Europeia são hoje em dia milhões. As privatizações, os ataques à segurança social, a redução dos salários e das pensões são uma estratégia comum para todos os governos europeus, tanto os neoliberais como os social-democratas. O Tratado de Lisboa mostra a atitude reaccionária e o verdadeiro papel da União Europeia. Em Fevereiro deste ano, 23 milhões de trabalhadores da UE estavam desempregados, como resultado da política de encerramentos e maior sobre-exploração. As maiores taxas de desemprego oficial entre os Estados-Membros são as da Letónia, com 21,7%, e da Espanha, com 19%.


Importantes Lutas
A esta política do capital e dos imperialistas, a classe trabalhadora mundial respondeu com iniciativas e lutas em todo o mundo. Assim, tem traçado novos caminhos na luta de classes, através de iniciativas como as manifestações das crianças no Paquistão contra a exploração infantil, a luta dos professores e electricistas no México, dos pescadores e mineiros do carvão no Chile, dos trabalhadores metalúrgicos no Peru, dos trabalhadores da construção civil, dos trabalhadores imigrantes em França e nos E.U.A., dos trabalhadores dos transportes aéreos e terrestres e da indústria automóvel em muitos países, dos trabalhadores da indústria petrolífera na Nigéria, acções coordenadados trabalhadores no Brasil e no Bangladesh, ou as greves dinâmicas na Grécia, em Portugal e na Turquia.
Com milhões de grevistas, a participação de jovens, mulheres e de trabalhadores imigrantes trouxeram uma nova esperança e uma nova dinâmica. A FSM tem estado sempre na vanguarda! Na frente da batalha. E assim continuará, com unidade da classe e perspectiva de luta. Contra a política dos monopólios e das multinacionais que criam pobreza para a maioria e grandes benefícios para uns poucos.
Camaradas

A FSM escolheu a data simbólica de Maio de 2010 para anunciar a convocação do 16 º Congresso dos Sindicatos, que se realizará nos dias 6 a 9 de Abril de 2011, em Atenas, Grécia. O 16 ° Congresso constituirá um evento sindical e social de grande importância para todos os trabalhadores do mundo.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

VIVA ABRIL, VIVA A REVOLUÇÃO!



No passado dia 20, na cidade de São Paulo, no Brasil, teve lugar um evento político sobre a Revolução Portuguesa de Abril que se revelou uma iniciativa a vários títulos notável. Organizado por iniciativa dos camaradas militantes do PCP aqui emigrados, foi uma realização do Centro Cultural 25 de Abril, com sede naquela cidade brasileira.
Considerando as experiências anteriores recentes, de comemoração desta data, usualmente participadas pelos camaradas e amigos do PCP e reunindo duas ou três dezenas de participantes, desta vez decidiu-se inovar e virar as comemorações deste ano para a juventude brasileira. Organizou-se então uma iniciativa/debate, para a qual foram convidados os estudantes universitários da faculdade onde lecciona uma das nossas camaradas e para o dia mais apropriado à sua mobilização, que se viu ser o mencionado dia 20, terça-feira.
Para grande alegria nossa, na hora aprazada (19h), o salão da biblioteca da Casa de Portugal em São Paulo estava completamente cheio, com mais de 200 pessoas presentes, ocupando a totalidade dos lugares sentados e com algumas dezenas de pé, na esmagadora maioria jovens universitários.
Um dos professores de história convidados, como orador na sessão, reunia a feliz condição de doutor em História com trabalhos sobre a revolução e de ex-estudante em Portugal, no período do final de 1974 e anos seguintes, sendo uma pessoa de esquerda profundamente conhecedora e apaixonada pela Revolução dos Cravos.
Interveio durante cerca de uma hora, historiando os antecedentes imediatos do 25 de Abril, o papel dos capitães do MFA (Movimento das Forças Armadas) - nome por que ficou conhecido o movimento insurreccional dos oficiais democratas - , os acontecimentos desse dia e nos dias imediatos ao golpe militar, as várias etapas dos sucessivos governos provisórios, os avanços da revolução alcançados pelas sucessivas derrotas das tentativas de golpe spinolistas, até à génese da provocação montada pela direita militar encabeçada por Ramalho Eanes que, atraindo para a acção directa o regimento dos para-quedistas, iria conduzir ao golpe contra-revolucionário do 25 de Novembro de 1975, golpe militar que inicia o processo de destruição dos avanços e conquistas revolucionárias, todos obtidos desde Abril de 1974 até meados daquele ano.
Com um carinho e um entusiasmo contagiantes, este professor foi relatando a acção das organizações operárias e populares durante todo o período revolucionário, bem como identificando os partidos e classes sociais que se confrontavam no terreno, os vários 1°.'s ministros - Palma Carlos, Vasco Gonçalves, Pinheiro de Azevedo (o tal que declarou o seu governo em greve e mandou o povo "bardamerda"), Mário Soares - abordando com destaque o papel dirigente do PCP, antes e depois do 25 de Abril, na condução dos avanços políticos, sociais, económicos e culturais operados pela revolução, assim como a acção contra-revolucionária desempenhada por Mário Soares e pelo PS, mancomunados com o imperialismo norte-americano e com o grande capital, quer os grupos monopolistas nacionais derrotados com a revolução, quer as transnacionais que se beneficiavam igualmente do regime fascista vigente em Portugal até Abril de 74.
Falando sobre o papel transformador e decisivo das massas trabalhadoras e populares, com a mobilização da vontade de milhões de portugueses, antes sem grande consciência social e política e que foram acordados para a acção revolucionária pelo gesto libertador dos capitães de Abril, o professor orador deteve-se um pouco sobre esse esfusiante fenómeno, dando como exemplo o (para ele) espantoso facto da maciça mobilização para o 1°. de Maio em Lisboa, poucos dias após o golpe militar, de uma massa de meio milhão de participantes num universo de pouco mais de dois milhões de habitantes em toda a área metropolitana de Lisboa, como a mais clara demonstração da capacidade mobilizadora da Revolução e o enorme grau de adesão popular que revelou.
Sempre atentamente escutado, o orador ia descrevendo os plenários de trabalhadores nas empresas, as greves, as ocupações de fábricas para evitar o roubo de máquinas e equipamentos, as experiências de auto-gestão operária, as barricadas populares nas entradas de Lisboa para barrar e anular a marcha da "Maioria Silenciosa" no 28 de Setembro, os enfrentamentos e escaramuças de rua, as manifestações e os comícios, a acção dos populares demovendo os militares golpistas que cercavam o RALIS no 11 de Março, as assembleias de moradores, as jornadas de generoso trabalho voluntário, a solidariedade dos operários metalúrgicos com a Reforma Agrária, a mobilização das organizações operárias e populares que, dia-a-dia, iam organizando as acções defensivas da revolução.
As caras jovens dos presentes iam revelando os sentimentos que os tomavam, ouvindo aqueles relatos. Perplexidade e espanto, admiração, entusiasmo, adesão empolgada à capacidade transformadora que a Revolução foi capaz de operar nos sentimentos, na vontade e na determinação de progresso do povo português, à medida que iam sendo descritos pelo palestrante. E iam ouvindo falar, decerto pela primeira vez, na fuga dos capitalistas, na ocupação e gestão operária das empresas abandonadas pelos patrões e mantidas a produzir pelos seus próprios trabalhadores, nas acções populares pelo fim das guerras coloniais e regresso dos soldados, na ocupação das terras dos latifundiários pelos operários agrícolas e na constituição de centenas de cooperativas rurais, na eleição de combativas comissões de trabalhadores em milhares de empresas e na explosão das suas reivindicações, na constituição de comissões de moradores que geriam os bairros populares e dirigiam, muitas vezes, a ocupação por famílias pobres de casas deixadas devolutas, nas nacionalizações da banca e das empresas nos principais sectores económicos estratégicos, realizadas pela iniciativa revolucionária dos seus trabalhadores e dos sindicatos, na gestão democrática e participada das escolas, nas estruturas do Estado tomadas pelos democratas, depois da expulsão dos fascistas e dos colaboracionistas oportunistas e reaccionários, enfim, um rol de transformações políticas e conquistas sociais que iam desfilando pela mente dos ouvintes deixando-os extasiados, até por efeito do chocante contraste que este relato ia estabelecendo com o que conhecem e vivenciam no seu dia-a-dia brasileiro do presente, um presente distante, geográfica e temporalmente, desse tempo português lá atrás, há trinta e seis longos anos, um tempo no qual a fraternidade, a confiança no futuro e a alegria de viver andavam no ar que respirávamos.
Alguns de nós próprios, participantes directos de muitos daqueles e de outros acontecimentos do período revolucionário em Portugal, era também com emoção que íamos escutando e aferindo o relato do orador, recordando com admiração e justo orgulho aquelas páginas da História portuguesa recente, ali tratadas por quem de fora nos estudou e observa, valorizando repetidamente, talvez até mais que nós próprios, o alcance e o significado daqueles avanços revolucionários alcançados pelos portugueses e depois tão duramente fustigados e destruídos pelos sucessivos governos contra-revolucionários, num processo liquidacionista que dura até aos dias de hoje.
No final da sessão, depois de se ouvir uma prolongada salva de palmas, por certo dirigidas a Abril e ao orador - amplamente merecidas, até pela sua notável capacidade comunicativa -, uma camarada professora, dizia-me: "Que bom seria fazermos também lá [em Portugal] sessões deste tipo para os nossos jovens, tão mal informados sobre a nossa Revolução!..." Ouvindo-a com atenção, respondi-lhe que por estes dias estão a ter lugar por todo o país centenas de iniciativas comemorativas do 25 de Abril, dos mais variados tipos, decerto algumas também direccionadas para a juventude, nomeadamente organizadas pela JCP, a nossa "juventude do PC!".
Ela concordou, mas eu fiquei pensando como seria bom, de facto, termos muitas iniciativas semelhantes àquela e realizadas para divulgar e explicar aos portugueses jovens os acontecimentos transformadores e progressistas do período revolucionário em Portugal que não viveram e, sobretudo, para difundir entre a juventude a ideia estimulante e mobilizadora da Revolução.
De facto, demasiadas vezes rememoramos os acontecimentos de 1974/75 com uma perspectiva errada, que não é a nossa, elencando os ganhos e conquistas sociais, (sobre)valorizando a obtenção da democracia política formal burguesa, uma relação de avanços que é correcto fazermos mas subestimando o dado mais importante: tudo o que o nosso povo alcançou, de extraordinários avanços progressistas, de avanços históricos ímpares no século XX político europeu - e mesmo mundial -, foi obtido pela Revolução, uma revolução democrática e nacional de características profundamente populares, iniciada no dia 25 de Abril de 1974 com o golpe militar e prosseguida pela acção diária organizada, determinada, combativa, abnegada de amplas massas populares, tornadas o sujeito principal da marcha da História, com o papel destacado desempenhado pela classe operária e pela generalidade do proletariado, logo secundados por outras camadas sociais igualmente exploradas e oprimidas pelo fascismo e que, unidas à componente revolucionária do MFA, estiveram na base das principais transformações revolucionárias deste tão rico e exaltante período da história contemporânea portuguesa.
Sobretudo para os jovens, faltam-nos com frequência estes relatos vivos dos acontecimentos que podem ser contados por tantos milhares de militantes e revolucionários, tal como nos falta dar prioridade à valorização da própria actividade revolucionária de um povo que, aprendendo em semanas ou meses aquilo que não tinha conseguido aprender durante décadas de repressão e opressão fascistas, foi capaz de construir um regime democrático de características únicas, incomparavelmente mais democrático e progressista que a mais experiente democracia das velhas democracias burguesas.
Os historiadores burgueses e os comentaristas neoliberais de todos os quadrantes vão nestes dias redobrar os seus esforços permanentes para iludir o carácter revolucionário do 25 de Abril português, visando "reescrever" o nosso passado próximo, chamando docemente "Estado Novo" ao regime fascista e falando na "evolução" para a "democracia", falando de Abril como uma "transição" marcada por muitos "exageros" mas que o redentor (para eles) golpe do 25 de Novembro permitiu anular, assegurando a passagem para o tão amado (por eles!) "Estado Democrático de Direito".
Nós rejeitamos energicamente tal mistificação e tais "releituras" burguesas da Revolução Portuguesa de Abril. Agredida, fustigada, mistificada, interrompida, praticamente destruídas todas as suas conquistas, nós continuamos a afirmar Abril como um revolução democrática inacabada, tal como afirmamos que o regime caduco e esgotado que lhe sucedeu nos reclama lutarmos corajosamente por uma urgente e renovada ruptura revolucionária, democrática e patriótica, que retome os caminhos luminosos de Abril, rumo ao futuro de um regime verdadeiramente democrático e de plenas liberdades para todos os portugueses - políticas, económicas, sociais, culturais, de soberania nacional -, futuro que já divisámos no nosso horizonte colectivo há 36 anos e que ainda aí está adiante de nós, conclamando-nos a agir, a unir vontades e energias, a lutar sem desfalecimentos, até à derrota de todos aqueles que hoje protagonizam a mais despudorada traição aos interesses nacionais e às mais profundas e legítimas aspirações de progresso social do povo português.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Cuba - Uma entrevista muito esclarecedora


Na ofensiva geral que, nestes últimos tempos, o imperialismo estadunidense vem intensificando contra os governos democráticos e progressistas da América Latina, Cuba socialista mantém a honrosa condição de alvo principal das agressivas manobras políticas, militares, diplomáticas e propagandísticas dos EUA neste subcontinente. Desde há já cinquenta e um anos que assim é, agora com actividades de ingerência descaradas e provocatórias, financiando e organizando ostensivamente as acções dos chamados "dissidentes" em Cuba e ordenando aos governos e parlamentares subservientes que reeditem velhas declarações de condenação do regime cubano.


Uma badalada "estrela", nessa campanha ideológica e mediática em curso contra Cuba, é Yoani Sánchez e o seu blog, através do qual alimenta essa pressão sobre toda a opinião pública internética (e não só, claro, pois não lhe tem faltado promoção nos grandes meios de comunicação globais), sobre todos quantos procuram acompanhar as realidades cubanas. Recentemente esta "blogueira" concedeu uma entrevista - a seu pedido -, num hotel no centro de Havana, a um jornalista e professor francês, alegadamente para procurar esclarecer pontos dos textos críticos que sobre si o jornalista tinha publicado. É caso para dizer: em boa hora o fez. Talvez nem tanto pelas respostas, confrangedoramente pobres e de grande vacuidade, dadas pela anfitriã/entrevistada, mas sobretudo pelos conhecimentos e informações do entrevistador sobre a actualidade cubana, esta entrevista é bastante esclarecedora.


Mas também muito esclarecedora sobre a personalidade de Yoani Sánchez. De facto, por detrás de uma máscara de opositora moderada, da pessoa "boazinha" que é injustamente perseguida pelo governo cubano, só por querer o bem e o melhor para os seus compatriotas, emerge a hipocrisia das suas atitudes e a falsidade das suas posições, a par de uma surpreendente pobreza política e intelectual, deixando espaço para nos interrogarmos sobre as verdadeiras razões de tantos prémios que a dita Yoani vem recebendo das mais diversas entidades mediáticas mundiais, todas dando dela uma elogiosa imagem cívica e intelectual.

Imagem falsa, como se constata de forma palmar lendo esta entrevista, uma entrevista extensa mas cuja leitura nos permite avaliar, embora com algum esforço e paciência, as ideias (?) de confrangedora pobreza da entrevistada. Fica claro que esta senhora, contra a vontade reiteradamente afirmada pelo povo cubano, defende a contra-revolução e o retorno ao capitalismo, ainda que dizendo-o "sui generis"...
Aliás, a forma elogiosa como fala das numerosas "liberdades" que - tem a enorme desfaçatez de o afirmar! - diz que existiam em Cuba no tempo da ditadura de Fulgêncio Bautista, e o enlevo com que fala do seu encontro com Obama, dizem quase tudo sobre o seu propósito "renovador" de "democratização" da sociedade cubana.
Talvez o fim-de-semana vos permita uma maior folga de tempo para a leitura desta interessante entrevista. Confio que sim, pois vale bem a pena.



"Conversação com a blogueira cubana Yoani Sánchez

Yoani Sánchez é a nova figura da oposição cubana. Desde a criação de seu blog «Generación Y», em 2007, tem obtido inumeráveis prémios internacionais: O prémio de Jornalismo Ortega y Gasset (2008), o premio bitacora.com (2008), o prémio The Bobs (2008), o prémio Maria Moors Cabot (2008) da prestigiosa universidade estadunidense de Columbia. Do mesmo modo, a blogueira foi seleccionada entre as 100 personalidades mais influentes do mundo pela revista Time (2008), em companhia de George W. Bush, Hu Jintao e o Dalai Lama. Seu blog foi incluído na lista dos 25 melhores blogs do mundo do canal CNN e da revista Time (2008). Em 30 de Novembro de 2008 o diário espanhol El País incluiu-a na lista das 100 personalidades hispano-americanas mais influentes do ano (lista na qual não aparecia nem Fidel Castro nem Raúl Castro). A revista Foreign Policy por sua vez a incluiu entre os 10 intelectuais mais importantes do ano e a revista mexicana Gato Pardo fez o mesmo para o ano 2008.


Esta impressionante avalanche de distinções assim como sua simultaneidade tem suscitado numerosas perguntas, tanto mais quanto que Yoani Sánchez, segundo suas próprias confissões, é uma total desconhecida em seu próprio país. Como uma pessoa desconhecida por seus vizinhos - segundo a própria blogueira – pode formar parte da lista das 100 personalidades mais influentes do ano?


Um diplomata ocidental, próximo a esta atípica opositora do governo de Havana, havia lido uma série de artículos que escrevi sobre Yoani Sánchez e que eram relativamente críticos. Ele os mostrou à blogueira cubana e esta quis reunir-se comigo para esclarecer alguns pontos que havia abordado.


O encontro com a jovem dissidente de fama controvertida não teve lugar em algum escuro apartamento com janelas fechadas ou em um lugar isolado e escondido para escapar aos ouvidos indiscretos da «polícia política». Ao contrário, se desenrolou no vestíbulo do Hotel Plaza, no centro de Havana Velha, em uma tarde inundada de sol. O lugar estava muito concorrido, com numerosos turistas estrangeiros que deambulavam pelo imenso salão do majestoso edifício que abriu suas portas a princípios do século XX.


Yoani Sánchez está próxima às embaixadas ocidentais. Com efeito, uma simples chamada de meu contacto ao meio-dia permitiu marcar o encontro para três horas depois. Às 15 horas, a blogueira apareceu sorridente, vestida com uma saia longa e uma blusa azul. Levava também uma jaqueta desportiva para fazer frente ao relativo frio do inverno habanero.


A conversação durou cerca de duas horas entorno a uma mesa do bar do hotel com a presença de seu marido, Reinaldo Escobar, o qual a acompanhou durante uns vinte minutos antes de abandonar o lugar para ir a outro encontro. Yoani Sánchez se mostrou sumamente cordial e afável e deu prova de uma grande tranquilidade. O tom de voz era seguro e em nenhum momento se mostrou incomodada. Acostumada aos meios ocidentais, domina relativamente bem a arte da comunicação.


Esta blogueira, personagem de aparência frágil, inteligente e sagaz, está consciente de que, ainda que lhe custe reconhecê-lo, a sua mediatização no Ocidente não é uma casualidade, mas que se deve ao fato de que preconiza a instauração de um «capitalismo sui generis» em Cuba.


O incidente de 6 de Novembro de 2009


Salim Lamrani: comecemos pelo incidente que ocorreu em 6 de Novembro de 2009 em Havana. Em seu blog, você explicou que foi presa com três de seus amigos por «três robustos desconhecidos» durante uma «tarde agredida com golpes, gritos e insultos». Você denunciou as violências que as forças da ordem cubanas cometeram contra você. Confirma sua versão dos fatos?


Yoani Sánchez: Efectivamente, confirmo que sofri violência. Sequestraram-me 25 minutos. Recebi golpes. Consegui tirar um papel que um deles tinha no bolso e o coloquei na minha boca. Um pôs o seu joelho sobre o meu peito e o outro, do assento dianteiro me batia na região dos rins e me golpeava a cabeça para que abrisse a boca e soltasse o papel. Em um momento, senti que não sairia nunca daquele auto.

SL: O relato, em seu blog, é verdadeiramente terrífico. Cito textualmente: você falou de «golpes e empurrões», de «golpes nas juntas dos dedos», de «saraivada de golpes», do «joelho sobre (seu) peito», dos golpes «nos rins e (…) na cabeça», «o cabelo puxado», de seu «rosto avermelhado pela pressão e o corpo dolorido», de «os golpes (que) seguiam caindo» e «todos estes arroxeados». No entanto, quando recebeu a imprensa internacional em 9 de Novembro todas as marcas haviam desaparecido. Como explica isso?


YS: São profissionais da agressão.


SL: De acordo, mas por que não tirou fotos das marcas?


YS: Tenho as fotos. Tenho provas fotográficas


SL: Tem provas fotográficas?


YS: Tenho as provas fotográficas.


SL: Mas, por que não as têm publicado para desmentir todos os rumores segundo os quais você havia inventado uma agressão para que a imprensa falasse de seu caso?


YS: Prefiro guardá-las por enquanto e não publicá-las. Quero apresentá-las ante um tribunal um dia para que esses três homens sejam julgados. Recordo-me perfeitamente de seus rostos e tenho fotos de dois deles pelo menos. Enquanto o terceiro, está por identificar, mas dado que se tratava do chefe, será fácil de encontrar. Tenho também o papel que tirei de um deles e que tem minha saliva pois o pus em mina boca. Nesse papel estava escrito o nome de uma mulher.


SL: De acordo. Você publica muitas fotos em seu blog. Fica-nos difícil entender por que prefere não mostrar as marcas esta vez.


YS: Como já lhe disse, prefiro reservá-las para a justiça.


SL: Você entende que com esta atitude está dando crédito aos que pensam que inventou essa agressão?


YS: É minha escolha.


SL: No entanto, inclusive os meios ocidentais que lhe são mais favoráveis tomaram precauções oratórias pouco habituais para contar seu relato. O correspondente da BBC em Havana Fernando Ravsberg escreve, por exemplo, que você «não tem hematomas, marcas ou cicatrizes». A agência France Presse relata a história esclarecendo com muito cuidado que se trata de sua versão com o título «Cuba: a blogueira Yoani Sánchez disse haver sido golpeada e detida brevemente». O jornalista afirma por outra parte que você «não ficou ferida».


YS: Eu não gostaria de avaliar o trabalho deles. Não sou quem deve julgá-lo. São profissionais que passam por situações muito complicadas que não posso avaliar. O certo é que a existência ou não de marcas físicas não é a evidência do fato.


SL: Mas a presença de marcas demonstraria que ocorreram violências. Daí a importância de publicar as fotos.


YS: Você deve entender que são profissionais da intimidação. O fato de que três desconhecidos me conduziram a um automóvel sem apresentar-me nenhum documento me dá o direito de queixar-me como se me houvessem fracturado todos os ossos do corpo. As fotos não são importantes porque a ilegalidade está cometida. A precisão de «se me doeu aqui ou se me doeu ali» é minha dor interior.


SL: Sim, mas o problema é que você apresentou isso como uma agressão muito violenta. Você falou de «sequestro ao pior estilo da camorra siciliana».


YS: Sim, é verdade, mas sei que é minha palavra contra a deles. O fato de entrar nesse tipo de detalhes, de saber se tenho marcas ou não, nos distancia do tema real que é que me sequestraram durante 25 minutos de maneira ilegal.


SL: Perdoe a insistência, mas penso que é importante. Há uma diferença entre um controle de identidade que dura 25 minutos e violências policiais. Minha pergunta é simples. Você disse, cito: «Durante todo o fim de semana tive inflamados a maçã do rosto e a sobrancelha». Dado que tem as fotos, pode agora mostrar as marcas.


YS: Já lhe disse que prefiro reservá-las para o tribunal.


SL: Você entende que alguns terão dificuldade para acreditar em sua versão se não publica as fotos?


YS: Penso que ao entrar nesse tipo de detalhes se perde a essência. A essência é que três bloggers acompanhados por uma amiga iam a um ponto da cidade que era Calle 23 esquina G. Havíamos ouvido falar que um grupo de jovens tinha convocado uma marcha contra a violência. Gente alternativa, cantores de hip hop, de rap, artistas. Ia ali como blogueira para fazer fotos e publicá-las em meu blog e fazer entrevistas. No caminho fomos interceptados por um automóvel Geely.


SL: Para que não participassem no evento?


YS: As razões eram evidentemente essas. Eles nunca me disseram formalmente, mas era o objetivo. Disseram-me que entrasse no veículo. Perguntei-lhes quem eram. Um deles me pegou pelo pulso e comecei a ir para trás. Isso ocorreu em uma zona de Havana bastante central, em uma parada de ónibus.


SL: Então havia gente. Havia testemunhas.


YS: Há testemunhas mas não querem falar. Têm medo.


SL: Nem sequer de maneira anónima? Por que a imprensa ocidental não os entrevistou de maneira anónima como faz frequentemente quando publica reportagem críticas sobre Cuba?


YS: Não posso explicar-lhe a reacção da imprensa. Eu lhe posso contar o que se passou. Um deles, um homem de uns cinquenta anos, musculoso como se houvesse praticado alguma vez em sua vida luta livre – lhe digo isso porque o meu pai praticou esse desporto e tem as mesmas características -. Eu tenho os pulsos muito finos e consegui safar-me e lhe perguntei quem era. Havia três homens além do motorista.


SL: Então havia quatro homens no total e não três.


YS: Sim, mas não vi o rosto do motorista. Disseram-me: «Yoani, entra no carro, tu sabes quem nós somos ». Respondi-lhes: «Eu não sei quem são vocês». O mais baixo me disse: «Escuta-me, tu sabes quem sou eu, tu me conheces». Respondi: «Não, não sei quem tu és. Não te conheço. Quem és tu? Mostra-me teus papeis ou algum documento». O outro me disse: «Embarca, não faças as coisas mais difíceis». Então comecei a gritar: «Socorro, sequestradores!»


SL: Sabia você que se tratava de policiais sem uniforme?


YS: Imaginava, mas nunca me mostraram seus documentos.


SL: Qual era o seu objectivo então?


YS: Queria que as coisas se fizessem em toda legalidade, isto é, que me mostrassem seus documentos e que me levassem depois ainda que suspeitasse que representassem a autoridade. Ninguém pode obrigar a um cidadão a embarcar em um carro privado sem apresentar sua identificação, se não é uma ilegalidade e um sequestro.


SL: Como reagiram as pessoas na parada?


YS: As pessoas na parada ficaram atónitas porque «sequestro» não é uma palavra que se usa em Cuba porque não existe este fenómeno. Então se perguntaram o que passava. Não tínhamos jeito de delinquentes. Alguns se aproximaram, mas um dos policiais lhes gritou: «Não se metam que são uns contra-revolucionários!». Essa foi a confirmação que de se tratava de pessoas da polícia política ainda que eu o imaginasse pelo automóvel Geely que usavam, que são chineses, novos, e que não se vendem em nenhuma loja em Cuba. Pertencem exclusivamente a pessoas do Ministério das Forças Armadas e do Ministério do Interior.


SL: Então você sabia desde o inicio que se tratava de policiais vestidos de civis pelo carro no qual andavam.


YS: Intuía isso. Por outro lado tive a confirmação quando um deles chamou um policial de uniforme. Uma patrulha composta de um homem e de uma mulher chegou e levou a dois de nós. Deixou-nos nas mãos desses dois desconhecidos.


SL: Mas já não tinha a menor duvida a respeito de quem eram.


YS: Não, mas não nos mostraram nenhum papel. Os policiais não nos disseram que representavam a autoridade. Não nos disseram nada.


SL: Fica difícil entender o interesse das autoridades cubanas em agredi-la fisicamente com o risco de desencadear um escândalo internacional. Você é famosa. Por que haveriam feito isso?


YS: Seu objetivo era radicalizar-me para que escrevesse textos violentos contra eles, mas não conseguiram.


SL: Não se pode dizer que você é branda com o governo cubano.


YS: Eu nunca uso a violência verbal nem ataques pessoais. Nunca uso adjectivos incendiários como «sangrenta repressão», por exemplo. Seu objetivo era então radicalizar-me.




SL: No entanto você é muito dura em relação ao governo de Havana. Em seu blog, disse: «o barco que faz água a pontos de naufrágio». Você fala de «os gritos do déspota», de «seres das sombras, que como vampiros se alimentam de nossa alegria humana, nos inoculam o temor através do golpe, da ameaça, da chantagem», «naufragou o processo, o sistema, as expectativas, as ilusões. (É um) naufrágio (total)», São palavras muito fortes.


YS: Talvez, mas seu objetivo era queimar o fenómeno Yoani Sánchez, demonizar-me. Por isso meu blog esteve bloqueado durante bastante tempo.


SL: No entanto parece surpreendente que as autoridades cubanas hajam decidido atacá-la fisicamente.


YS: Foi uma torpeza. Não entendo por que me impediram que assistisse à marcha, pois não penso como os que reprimem. Não tenho explicação. Talvez quisessem que não me reunisse com os jovens. Os policiais pensavam que eu ia fazer um escândalo ou fazer um discurso incendiário.
Para voltar à prisão, os policiais levaram a meus amigos, de maneira enérgica e firme, mas sem violência. No momento que me dei conta que iam deixar-nos – Eu e Orlando - com estes três indivíduos, me agarrei a uma planta que havia na rua e Cláudia se agarrou a mim pela cintura para impedir a separação antes de que a livrassem os policiais.


SL: Para que resistir às forças da ordem e correr o risco de ser acusada disso e cometer um delito? Na França se você resiste à polícia, se arrisca a sanções.


YS: Se os levaram de qualquer forma. A mulher policial levou a Cláudia. As três pessoas nos levaram ao carro e comecei a gritar novamente: «Socorro! Um sequestro!».


SL: Por quê? Você sabia que se tratava de policiais sem uniforme.


YS: Não me mostraram nenhum papel. Começaram então a golpear-me e me empurram até ao carro. Cláudia foi testemunha e contou.


SL: Você não me acaba de dizer que a patrulha a havia levado?


YS: Viu a cena de longe enquanto se afastava o carro da polícia. Defendi-me e golpeei como um animal que sente que chegou sua última hora. Deram uma volta logo pela área e tentavam tirar-me o papel que tinha na boca. Agarrei um pelos testículos e redobrou a violência. Levaram-nos a um bairro bastante afastado, La Timbra , que se encontra próximo da Praça da Revolução. O homem desceu, abriu a porta e nos pediu que saíssemos. Não quis sair. Tiraram-nos à força com Orlando e se foram.
Chegou uma senhora e lhe dissemos que fomos sequestrados. Tomou-nos por uns loucos e se foi. O carro regressou, mas não se deteve. Só nos lançaram minha bolsa na qual se encontravam meu celular e minha câmara.


SL: Regressaram para devolver seu celular e sua câmara?


YS: Sim


SL: Não lhe parece estranho que se deram ao trabalho de regressar? Poderiam confiscar seu celular e sua câmara, que são suas ferramentas de trabalho.


YS: Bom, não sei. Tudo durou 25 minutos.


SL: Você entende, no entanto, que enquanto não publique as fotos se duvidará de sua versão, e isso lançará uma sombra sobre a credibilidade de tudo o que disse.


YS: Não importa.


Suíça e o regresso a Cuba


SL: Em 2002, você decidiu emigrar para a Suíça. Dois anos depois regressou a Cuba. É difícil entender por que deixou o «paraíso europeu» para regressar ao país que você descreve como um inferno. A pergunta é simples: por quê?


YS: É uma pergunta muito boa. Primeiro, gosto de nadar contra a corrente. Gosto de organizar minha vida à minha maneira. O que é absurdo não é ir e regressar a Cuba, mas as leis migratórias cubanas que estimulam que toda a pessoa que passa onze meses no exterior perde seu status de residente permanente. Em outras condições eu poderia estar dois anos no exterior e com o dinheiro ganho, poderia regressar a Cuba para reparar a casa e fazer outras coisas. Então não é o facto de decidir regressar a Cuba o que é surpreendente, mas as leis migratórias cubanas.


SL: O que é surpreendente é sobretudo que tendo a possibilidade de viver em um dos países mais ricos do mundo, você tenha decidido regressar a seu país que você descreve do modo mais apocalíptico, apenas dois anos depois de sua saída.


YS: As razões são várias. Primeiro, não pude ir com a minha família. Somos uma pequena família, mas estamos muito unidos com minha irmã e meus pais. Meu pai esteve enfermo durante minha ausência e tinha medo de que morresse sem poder vê-lo. Também me sentia culpada de viver melhor do que eles. Cada vez que comprava um par de sapatos, que me conectava à Internet, pensava neles. Sentia-me culpada.


SL: De acordo, mas da Suíça podia ajudá-los mandando dinheiro.


YS: É verdade, mas há outra razão. Pensei que com o que havia aprendido na Suíça, poderia mudar as coisas regressando a Cuba. Também há a saudade das pessoas, dos amigos. Não foi uma decisão pensada, mas não me arrependo. Tinha desejo de regressar e regressei. É verdade que é algo que pode parecer pouco comum, mas me agrada fazer coisas inabituais. Abri um blog e as pessoas me perguntam por que fazia isso, enquanto que o blog me satisfaz profissionalmente.


SL: De acordo, mas apesar de todas estas razões, nos custa entender o porquê de seu regresso a Cuba quando no Ocidente se pensa que todos os cubanos querem abandonar o país. É ainda mais surpreendente em seu caso, pois apresenta seu país, repito, de modo apocalíptico.


YS: Discutiria a palavra, como filóloga, pois «apocalíptico» é um término grandiloquente. Há uma coisa que caracteriza meu blog, é a moderação verbal.


SL: Não é sempre o caso. Você descreve, por exemplo, Cuba como “uma imensa prisão, com muros ideológicos”. Os termos são bastante fortes.


YS: Nunca escrevi isso.


SL: São as palavras de uma entrevista que deu ao canal francês France 24 em 22 de Outubro de 2009.


YS: Você leu isso em francês ou em espanhol?


SL: Em francês.


YS: Desconfie das traduções, pois nunca disse isso. Atribuem-me seguidamente coisas que não disse. Por exemplo, o periódico espanhol ABC me atribuiu palavras que nunca havia pronunciado e protestei. O artículo foi finalmente retirado do site da Internet


SL: Quais eram essas palavras?


YS: «Nos hospitais cubanos morre mais gente de fome do que de enfermidade». Era uma mentira total. Nunca havia dito isso.


SL: Então a imprensa ocidental manipulou o que disse?


YS: Não diria isso.


SL: Se lhe atribuem palavras que não pronunciou, se trata de manipulação.


YS: Granma manipula mais a realidade do que a imprensa ocidental quando dizem que sou a criação do grupo mediático Prisa.


SL: Justamente, não tem a impressão de que a imprensa ocidental a usa porque você preconiza um «capitalismo sui generis» em Cuba?


YS: Não sou responsável pelo que faz a imprensa. Meu blog é uma terapia pessoal, um exorcismo. Tenho a impressão de que sou mais manipulada em meu próprio país do que em outra parte. Você sabe que existe uma lei em Cuba, a lei 88 que é chamada lei «mordaça» que encarcera pessoas que fazem o que estamos fazendo.


SL: Verdade?


YS: Que nossa conversa pode ser considerada como um delito e que pode levar a uma pena de até 15 anos de prisão.


SL: Perdão, o fato de que eu a entreviste pode levá-la à prisão?


YS: Claro!


SL: Não tenho a impressão de que isso a preocupe muito já que me está concedendo uma entrevista em plena tarde, no vestíbulo de um hotel do centro da Havana Velha.


YS: Não estou preocupada. Esta lei estipula que toda pessoa que denuncia as violações dos direitos humanos em Cuba colabora com as sanções económicas, pois Washington justifica a imposição das sanções contra Cuba à violação dos direitos humanos.


SL: Se não me equivoco, a lei 88 foi aprovada em 1996 para responder à lei Helms-Burton e pune sobretudo às pessoas que colaborem com a aplicação desta legislação em Cuba, por exemplo, proporcionando informação a Washington sobre os investidores estrangeiros em Cuba para que estes sejam perseguidos ante os tribunais estadunidenses. Que eu saiba ninguém foi condenado por isso, até agora. Falemos de liberdade de expressão. Você tem certa liberdade de falar em seu blog. Está sendo entrevistada em plena tarde em um hotel. Não vê uma contradição entre o facto de afirmar que não há nenhuma liberdade de expressão em Cuba e a realidade de seus escritos e suas actividades que demonstram o contrário?


YS: Sim, mas não se pode acessar de Cuba porque está bloqueado.


SL: Posso assegurar-lhe que o consultei esta manhã antes da entrevista, desde o hotel.


YS: É possível, mas a maior parte do tempo está bloqueado. De todas as formas, hoje em dia, não posso ter o menor espaço na imprensa cubana, embora seja una pessoa moderada, nem no radio, nem na televisão


SL: Mas pode publicar o que lhe dê vontade em seu blog.


YS: Mas não posso publicar uma só palavra na imprensa cubana.


SL: Na França, que é uma democracia, amplos sectores da população não têm nenhum espaço na média já que a maioria pertence a grupos económicos e financeiros privados.


YS: Sim, mas é diferente.


SL: Você recebeu ameaças por suas actividades? A têm ameaçado alguma vez com uma pena de prisão pelo que escreve?


YS: Ameaças directas de pena de prisão não, mas não me deixam viajar para fora. Estou convidada actualmente para um Congresso sobre a língua espanhola no Chile, fiz todos os trâmites, mas não me deixam sair.


SL: Deram-lhe alguma explicação?


YS: Nenhuma, mas quero afirmar algo. As sanções dos Estados Unidos contra Cuba são uma atrocidade. Trata-se de uma política que fracassou. Disse isto muitas vezes, mas não se publica isso porque desagrada que tenha esta opinião que rompe o arquétipo do opositor.


As sanções económicas


SL: Então você se opõe às sanções económicas.


YS: Absolutamente, e o digo em todas as entrevistas. Faz algumas semanas, mandei uma carta ao Senado dos Estados Unidos para que permitissem aos cidadãos estadunidenses viajar a Cuba. É uma atrocidade ver que impedem que os cidadãos estadunidenses viagem a Cuba, como o governo cubano me impede de sair de meu país.


SL: Que pensa das esperanças que suscitaram a eleição de Obama que prometeu uma mudança na política com Cuba e que decepcionou a muitos?


YS: Chegou ao poder sem o apoio do lobby fundamentalista de Miami que apoio ao outro candidato. De minha parte, já me pronunciei contra as sanções.


SL: Este lobby fundamentalista opõe-se ao levantamento das sanções económicas.


YS: Pode discutir com eles e expor-lhes meus argumentos, mas não diria que são inimigos da pátria. Não penso isso.


SL: Uma parte deles participou da invasão de seu próprio país em 1961 sob as ordens da CIA. Vários deles estão implicados em actos de terrorismo contra Cuba.


YS: Os cubanos exilados têm o direito de pensar e de decidir. Sou favorável a que tenham o direito de voto. Aqui, se estigmatizou muito o cubano exilado.


SL: O exílio «histórico» ou os que emigraram depois por razões económicas?


YS: Na realidade, me oponho a todos os extremos. Mas estas pessoas que estão a favor das sanções económicas não são anti-cubanas. Pensam que defendem Cuba segundo seus próprios critérios.


SL: Talvez, mas as sanções económicas afectam aos sectores mais vulneráveis da população cubana e não aos dirigentes. Então fica difícil estar ao mesmo tempo a favor das sanções e pretender defender o bem-estar dos cubanos.


YS: É a opinião deles. É assim.


SL: Não são ingénuos. Sabem que os cubanos sofrem devido às sanções.


YS: São simplesmente diferentes. Crêem que poderão mudar de regime impondo sanções. Em todo o caso creio que o bloqueio tem sido o argumento perfeito para o governo cubano para manter a intolerância, o controle e a repressão interna.


SL: As sanções económicas têm efeitos. Ou pensa que só são uma desculpa para Havana?


YS: São uma desculpa que conduz à repressão.


SL: Afectam o país de um ponto de vista económico, segundo você? Ou só é secundário?


YS: O verdadeiro problema é a falta de produtividade em Cuba. Se amanhã levantarem as sanções, duvido muito que se vejam os efeitos.


SL: Neste caso, por que os Estados Unidos não levantam as sanções e tira assim a desculpa do governo? Ver-se-ia assim que as dificuldades económicas só se devem às políticas internas. Se Washington insiste tanto nas sanções apesar de seu carácter anacrónico, apesar da oposição da imensa maioria da comunidade internacional, 187 países em 2009, apesar da oposição de uma maioria da opinião pública dos Estados Unidos, apesar da oposição do mundo dos negócios, será por algo, não?


YS: Simplesmente porque Obama não é o ditador dos Estados Unidos e não pode eliminar as sanções.


SL: Não as pode eliminar totalmente porque falta um acordo do Congresso, mas pode, no entanto, aliviá-las consideravelmente, o que não fez até agora já que, salvo a eliminação das restrições impostas por Bush em 2004, quase nada mudou.


YS: Não, não é verdade, pois também tem permito às empresas estadunidenses de telecomunicações fazer transacções com Cuba.



Os prémios internacionais, o blog e Barack Obama


SL: Você terá que admitir que é muito pouco quando se sabe que Obama prometeu um novo enfoque com Cuba. Voltemos ao seu caso pessoal. Como explica esta avalanche de prémios, assim como o seu êxito internacional?


YS: Não tenho muito que dizer salvo expressar meu agradecimento. Todo o prémio implica uma dose de subjetividade por parte do jurado. Todo prémio é discutível. Por exemplo, muitos escritores latino-americanos mereciam o prémio Nobel de literatura mais do que Gabriel García Márquez.


SL: Você disse isso porque pensa que não tem tanto talento ou por sua posição favorável à Revolução cubana? Você não nega seu talento de escritor, ou nega?


YS: É minha opinião, mas vou dizer que conseguiu o premio não por ele e o vou acusar de ser um agente do governo sueco.


SL: Obteve o prémio por sua obra literária enquanto que você foi recompensada por suas posições políticas contra o governo. É a impressão que temos.


YS: Falemos do prémio Ortega y Gasset do periódico El País que suscita mais polémica. Ganhei-o na categoria «Internet». Alguns dizem que outros jornalistas não o têm conseguido, mas eu sou uma blogueira e sou pioneira neste campo. Considero-me como uma figura da Internet. O júri do prêmio Ortega y Gasset compõe-se de personalidades sumamente prestigiadas e não diria que se prestou a uma conspiração contra Cuba.


SL: Você não pode negar que o periódico espanhol El País tem uma linha editorial sumamente hostil a Cuba. E alguns pensam que o prémio, dotado com 15.000 euros, era uma forma de recompensar os seus escritos contra o governo.


YS: As pessoas pensam o que querem. Creio que se recompensou o meu trabalho. O meu blog tem 10 milhões de entradas por mês. É um furacão.


SL: Como faz para pagar os gastos de gerenciamento de semelhante fluxo?


YS: Um amigo na Alemanha se encarregava disso porque o site estava hospedado na Alemanha. Desde há mais de um ano está hospedado na Espanha e consegui 18 meses gratuitos graças ao prémio The Bob’s.


SL: E a tradução em 18 idiomas?


YS: São amigos e admiradores quem o faz voluntaria e gratuitamente.


SL: A muita gente custa crer nisso, pois nenhum outro site do mundo, inclusive os das mais importantes instituições internacionais como, por exemplo, o das Nações Unidas, do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, da OCDE, da União Européia, dispõe de tantas versões linguísticas. Nem o site do Departamento de Estado dos Estados Unidos nem o da CIA dispõem de semelhante variedade.


YS: Digo-lhe a verdade.


SL: O presidente Obama inclusive respondeu a uma entrevista que lhe fez. Como explica isso?


YS: Primeiro, quero dizer que não eram perguntas amáveis.


SL: Tampouco podemos dizer que você foi crítica, já que não lhe pediu que levantasse as sanções económicas sobre as quais você disse que «se usam como justificativa tanto para o descalabro produtivo como para reprimir aos que pensam diferente». É exatamente o que disse Washington a respeito. A pergunta mais atrevida é quando você lhe perguntou se pensava invadir Cuba. Como explica que o presidente Obama haja tirado o tempo de responder-lhe apesar de sua agenda sumamente carregada, uma crise económica sem precedentes, a reforma do sistema de saúde, Iraque, Afeganistão, as bases militares na Colômbia, o golpe de Estado em Honduras e centenas de solicitações de entrevistas dos mais importantes meios de comunicação do mundo na espera?


YS: Sou afortunada. Quero-lhe dizer que também mandei perguntas ao presidente Raúl Castro e não me respondeu. Não perco a esperança. Além disso, agora tem a vantagem de contar com as respostas de Obama.


SL: Como chegou até Obama?


YS: Passei a entrevista a várias pessoas que vinham ver-me e que podiam ter um contato com ele.


SL: Pensa que Obama lhe respondeu por que é uma blogueira cubana ou porque se opõe ao governo?


YS: Não creio. Obama me respondeu porque fala aos cidadãos.


SL: Recebe milhares de solicitações todos os dias. Por que lhe respondeu se você é uma simples blogueira?


YS: Obama é próximo à minha geração, ao meu modo de pensar.


SL: Mas porquê você? Há milhões de blogueiros no mundo. Não acha que tem sido instrumentalizada na guerra midiática de Washington contra Havana?


YS: Em minha opinião, queria talvez responder a alguns pontos como a invasão a Cuba. Talvez lhe haja dado a oportunidade de expressar-se sobre um tema que queria abordar faz muito tempo. A propaganda política nos fala constantemente de uma possível invasão de Cuba.


SL: Mas houve uma, não?


YS: Quando?


SL: Em 1961. E em 2003, Roger Noriega, subsecretario de Estado para os Assuntos Interamericanos disse que qualquer onda migratória cubana aos Estados Unidos seria considerada como uma ameaça à segurança nacional e necessitaria uma resposta militar.


YS: É outro tema. Para voltar ao tema da entrevista, creio que permitiu esclarecer certos pontos. Tenho a impressão de que há um desejo de ambos os lados de não normalizar as relações, de não se entenderem. Perguntei-lhe quando íamos encontrar uma solução.


SL: Quem é responsável por este conflito entre os dois países segundo você?


YS: É difícil encontrar um culpado.


SL: Neste caso, certamente são os Estados Unidos o que impõe sanções unilaterais a Cuba e não ao contrário.


YS: Sim, mas Cuba confiscou propriedades dos Estados Unidos.


SL: Tenho a impressão de que se faz a advogada de Washington.


YS: Os confiscos ocorreram.


SL: É verdade, mas se fizeram conforme o direito internacional. Cuba confiscou também propriedades da França, Espanha, Itália, Bélgica, do Reino Unido, e indenizou essas nações. O único país que rechaçou as indenizações foi os Estados Unidos.


YS: Cuba permitiu também a instalação de bases militares em seu território e de misseis de um império distante…


SL: …Como os Estados Unidos instalou bases nucleares contra a URSS na Itália e na Turquia.


YS: Os mísseis nucleares podiam alcançar os Estados Unidos.


SL: Como os mísseis nucleares estadunidenses podiam alcançar Cuba ou a URSS.


YS: É verdade, mas creio que houve uma escalada na confrontação por parte de ambos os países.


Os cinco presos políticos cubanos e a dissidência


SL: Abordemos outro tema. Se fala muito dos cinco presos políticos cubanos nos Estados Unidos condenados a penas de prisão perpétua por se infiltrarem em grupelhos de extrema direita na Flórida, implicados no terrorismo contra Cuba.


YS: Não é um tema que interessa à população. É propaganda política.


SL: Mas qual é seu ponto de vista a respeito?


YS: Vou tentar ser o mais imparcial possível. São agentes do Ministério do Interior que se infiltraram nos Estados Unidos para recolher informação. O governo cubano disse que não desempenhavam atividades de espionagem, mas que haviam se infiltrado em grupos cubanos para evitar actos terroristas. Mas o governo cubano sempre tem dito que esses grupos estavam vinculados a Washington.


SL: Então os grupos radicais de exilados tem laços com o governo dos Estados Unidos.


YS: Isso é o que diz a propaganda política.


SL: Então não é verdade.


YS: Se é verdade quer dizer que os cinco realizavam atividades de espionagem.


SL: Então neste caso, os Estados Unidos tem que reconhecer que os grupos violentos fazem parte do governo.


YS: É verdade.


SL: Você pensa que os Cinco devem ser libertados ou merecem a sua punição?


YS: Creio que valeria a pena revisar os casos, mas em um contexto político mais apaziguado. Não creio que o uso político deste caso seja bom para eles. O governo cubano mediatiza demasiado este assunto.


SL: Talvez porque é um assunto totalmente censurado pela imprensa ocidental.


YS: Creio que se poderia salvar a situação dessas pessoas que são seres humanos, que têm uma família, filhos, mas por outro lado, também há vítimas.


SL: Mas os cinco não cometeram crimes.


YS: Não, mas deram informação que causou a morte de várias pessoas.


SL: Você se refere aos acontecimentos de 24 de fevereiro de 1996, quando dois aviões da organização radical Brothers to the Rescue foram derrubados depois de violar várias vezes o espaço aéreo cubano e lançar chamamentos para a rebelião.


YS: Sim.


SL: No entanto, o promotor reconheceu que era impossível provar a culpabilidade de Gerardo Hernández nesse caso.


YS: É verdade. Penso que quando a política se mete em assuntos da justiça, chegamos a isso.


SL: Pensa você que se trata de um caso político?


YS: Para o governo cubano é um caso político.


SL: E para os Estados Unidos?


YS: Tenho entendido que há uma separação dos poderes ali, mas pode ser que o ambiente político haja influído nos juízes e no júri, mas não creio que se trate de um caso político dirigido por Washington. É difícil ter uma imagem clara deste caso, pois jamais temos podido ter uma informação completa a respeito. Mas a prioridade para os cubanos é a libertação dos presos políticos.


O financiamento dos dissidentes cubanos pelos Estados Unidos


SL: Wayne S. Smith, último embaixador dos Estados Unidos em Cuba, declarou que era «ilegal e imprudente mandar dinheiro aos dissidentes cubanos». Acrescentou que «ninguém deveria dar dinheiro aos dissidentes e menos ainda com o objetivo de derrubar o governo cubano». E explica: «Quando os Estados Unidos declaram que o seu objetivo é derrubar o governo cubano e depois afirmam que um dos meios para o conseguir é proporcionar fundos aos dissidentes cubanos, estes se encontram de facto na posição de agentes pagos por uma potencia estrangeira para derrubar a seu próprio governo».


YS: Creio que se tem apresentado o financiamento da oposição pelos Estados Unidos como uma realidade, o que não é o caso. Conheço vários membros do grupo dos 75 dissidentes presos em 2003 e duvido muito desta versão. Não tenho provas de que os 75 tenham sido presos por isso. Não creio nas provas apresentadas nos tribunais cubanos.


SL: Não creio que seja possível ignorar esta realidade.


YS: Por quê?


SL: O próprio governo dos Estados Unidos afirma que financia a oposição interna desde 1959. Basta consultar, além dos arquivos liberados, a secção 1705 da lei Torricelli de 1992, a secção 109 da lei Helms-Burton de 1996, e os dois informes da Comissão de Assistência para uma Cuba Livre, de Maio de 2004 e de Julho de 2006. Todos estes documentos revelam que o presidente dos Estados Unidos financia a oposição interna em Cuba com o objetivo de derrubar o governo de Havana.


YS: Não sei mas…


SL: Se me permite vou citar-lhe as leis em questão. Assim, a secção 1705 da lei Torricelli estipula que «os Estados Unidos proporcionarão assistência às organizações não governamentais adequadas para apoiar indivíduos e organizações que promovam uma mudança democrática não violenta em Cuba».


A secção 109 da lei Helms-Burton também é muito clara: «O presidente (dos Estados Unidos) está autorizado a proporcionar assistência e a oferecer todo o tipo de apoio a indivíduos e organizações não governamentais independentes para unir os esforços com o objetivo de construir uma democracia em Cuba».


O primeiro informe da Comissão de Assistência a uma Cuba livre prevê a elaboração de um «sólido programa de apoio que favoreça a sociedade civil cubana». Entre as medidas preconizadas, destina um financiamento de 36 milhões de dólares, para «apoio da oposição democrática e para o fortalecimento da sociedade civil emergente».


O segundo informe da Comissão de Assistência a uma Cuba Livre prevê um aporte de 31 milhões de dólares para financiar, ainda mais, a oposição interna. Além disso, está previsto um financiamento de pelo menos 20 milhões de dólares anuais, com o mesmo objetivo, para os anos seguintes «até que a ditadura deixe de existir»


YS: Quem lhe disse que esse dinheiro chegou às mãos dos dissidentes?


SL: A Secção de Interesses norte-americanos afirmou-o em comunicado: «A política estadunidense, desde há muito tempo, é proporcionar assistência humanitária ao povo cubano, especificamente às famílias de presos políticos. Também permitimos que o façam as organizações privadas».


YS: Bom…


SL: Inclusive a Amnistía Internacional, que lembra a existência de 58 presos políticos em Cuba, reconhece que estes estão encarcerados «por haver recebido fundos ou materiais do governo estadunidense para realizar atividades que as autoridades consideram subversivas e prejudiciais para Cuba».


YS: Não sei se…


SL: Por outro lado, os próprios dissidentes admitem receber dinheiro dos Estados Unidos. Laura Pollán das Damas de Branco declarou: «Aceitamos a ajuda, o apoio, desde a ultra direita até a esquerda, sem condições». O opositor Vladimiro Roca também confessou que a dissidência cubana está subvencionada por Washington alegando que a ajuda financeira recebida era «total e completamente lícita». Para o dissidente René Gómez o apoio económico por parte dos Estados Unidos «não é uma coisa que tenha que ocultar ou de que tenhamos que nos envergonhar».


Inclusive a imprensa ocidental o reconhece. A agência France Press informa que «os dissidentes, por sua parte, reivindicaram e assumiram essas ajudas económicas». A agencia espanhola EFE refere-se aos «opositores pagos pelos Estados Unidos». Enquanto a agência de imprensa britânica Reuters, «o governo estadunidense proporciona abertamente um apoio financeiro federal para as atividades dos dissidentes, o que Cuba considera um ato ilegal». E poderia multiplicar os exemplos.


YS: Tudo isso é culpa do governo cubano que impede a prosperidade económica de seus cidadãos, que impõe um racionamento à população. Há que fazer fila para conseguir produtos. Há que julgar primeiro ao governo cubano que tem levado milhares de pessoas a aceitar a ajuda estrangeira.


SL: O problema é que os dissidentes cometem um delito que a lei cubana e todos os códigos penais do mundo condenam severamente. Ser financiado por uma potência estrangeira é um grave delito na França e no resto do mundo.


YS: Podemos admitir que o fato de financiar uma oposição é uma prova de ingerência mas…


SL: Mas neste caso, as pessoas que você qualifica de presos políticos não são presos políticos pois cometeram um delito ao aceitar dinheiro dos Estados Unidos e a justiça cubana as condenou sobre esta base.


YS: Creio que este governo se imiscuiu muitas vezes nos assuntos internos de outros países financiando movimentos rebeldes e a guerrilha. Interveio em Angola e…


SL: Sim, mas se tratava de ajudar aos movimentos independentistas contra o colonialismo português e o regime segregacionista da África do Sul. Quando a África do Sul invadiu a Namíbia, Cuba interveio para defender a independência desse país. Nelson Mandela agradeceu publicamente a Cuba por isso e foi a razão pela qual reservou sua primeira viaje a Havana e não a Washington ou a Paris.


YS: Mas muitos cubanos morreram por isso, longe de sua terra.


SL: Sim, mas foi por uma nobre causa, seja em Angola, no Congo ou na Namíbia. A batalha de Cuito Cuanavale em 1988 permitiu pôr fim ao apartheid na África do Sul. É o que disse Mandela! Não se sente orgulhosa disso?


YS: De acordo, mas no fim das contas, me desagrada mais a ingerência de meu país mais que outra coisa. O que faz falta é despenalizar a prosperidade.


SL: Incluso o fato de receber dinheiro de uma potencia estrangeira?


YS: A gente tem que ser economicamente autônoma.


SL: Se entendo bem, preconiza a privatização de certos setores da economia.


YS: Privatizar, não me agrada o termo porque tem uma conotação pejorativa, mas pôr em mãos privadas, sim.


Conquistas sociais em Cuba?


SL: É uma questão semântica então. Quais são, segundo você, as conquistas sociais deste país?


YS: Cada conquista tem tido um custo enorme. Todas as coisas que podem parecer positivas tem tido um custo em termos de liberdade. Meu filho recebe uma educação muito doutrinada e lhe contam uma história de Cuba que não corresponde em nada com a realidade. Preferiria uma educação menos ideológica para o meu filho. Por outro lado, ninguém quer ser professor neste país porque os salários são muito baixos.


SL: De acordo, mas isso não impede que Cuba seja o país que tem o maior número de professores por habitante no mundo, com classes de 20 alunos no máximo, o que não é o caso da França, por exemplo.


YS: Sim, mas houve um custo para isso e por isso a educação e a saúde não são verdadeiras conquistas para mim.


SL: Não podemos negar algo reconhecido por todas as instituições internacionais. Com respeito à educação, a taxa de analfabetismo na América Latina é de 11,7% e de 0,2% em Cuba. A taxa de escolarização no ensino primário é de 92% na América Latina e de 100% em Cuba e para o ensino secundário de 52% e 99,7% respectivamente. São cifras do Departamento de Educação da UNESCO.


YS: De acordo, mas em 1959, ainda que Cuba vivesse em condições difíceis, a situação não era tão má. Havia uma vida intelectual florescente, um pensamento político vivo. Na realidade, a maioria dos supostos avanços actuais que se apresentam como resultados do sistema eram inerentes à nossa idiossincrasia. Esses resultados existiam antes.


SL: Não é verdade; e vou citar-lhe uma fonte livre de toda suspeita: um informe do Banco Mundial. É uma citação bastante longa, mas vale a pena.


“Cuba está internacionalmente reconhecida por seus êxitos nos campos da educação e da saúde, com um serviço social que supera o da maior parte dos países em vias de desenvolvimento e em certos sectores comparável ao dos países desenvolvidos. Desde a Revolução cubana em 1959 e o estabelecimento de um governo comunista com partido único, o país tem criado um sistema de serviços sociais que garante o acesso universal à educação e à saúde, proporcionado pelo Estado. Este modelo tem permitido a Cuba alcançar uma alfabetização universal, erradicar certas enfermidades, acesso universal à água potável e ao saneamento público de base, uma das taxas de mortalidade infantil mais baixas da região e uma das mais longas expectativas de vida. Uma revisão dos indicadores sociais de Cuba revela uma melhora quase continua desde 1960 até 1980. Vários indícios importantes, como a expectativa de vida e a taxa de mortalidade infantil, seguiram melhorando durante a crise económica do país nos anos 90... Na actualidade a assistência social de Cuba é uma das melhores do mundo em vias de desenvolvimento, como o documentam numerosas fontes internacionais incluindo a Organização Mundial da Saúde, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e outras agências da ONU , e do Banco Mundial. Segundo os indicadores de desenvolvimento do mundo de 2002, Cuba supera amplamente países da América Latina e do Caribe e outros países com orçamentos semelhantes, nos mais importantes índices de educação, saúde e de saneamento público”.


Além disso, os números demonstram-no. Em 1959, a taxa de mortalidade infantil era de 60 por mil. En 2009 era de 4,8. Trata-se da taxa mais baixa do continente americano e do Terceiro Mundo; inclusive mais baixa que a dos Estados Unidos.


YS: Bom, mas…


SL: A expectativa de vida era de 58 anos antes da Revolução. Agora é de quase 80 anos e é similar à de muitos países desenvolvidos. Cuba tem agora 67.000 médicos frente aos 6.000 de 1959. Segundo o diário inglês The Guardian, Cuba tem duas vezes mais médicos que a Inglaterra para uma população quatro vezes menor.


YS: De acordo, mas em termos de liberdade de expressão houve uma redução em relação ao governo de Batista. O regime era uma ditadura, mas havia uma liberdade de imprensa plural e aberta, programas de rádio de todas as tendências políticas.


SL: Não é verdade. A censura da imprensa também existia. Entre dezembro de 1956 e janeiro de 1959, durante a guerra contra o regime de Batista, a censura se impôs 630 dias sobre 759. E aos opositores reservava-se-lhes uma triste sorte.


YS: É verdade que havia censura, intimidações e mortos ao final.


SL: Então não pode dizer que a situação era melhor com Batista, já que se assassinava os opositores. Já não é o caso hoje em dia. Pensa você que a data do primeiro de Janeiro é uma tragédia para a história de Cuba?


YS: Não, não, em absoluto. Foi um processo que criou muita esperança, mas que traiu a maioria dos cubanos. Foi um momento luminoso para uma boa parte da população mas puseram fim a uma ditadura e instauraram outra. Mas não sou tão negativa como alguns.


Luis Posada Carriles, a lei de Ajuste cubano e a emigração


SL: O que pensa de Luis Posada Carriles, ex-agente da CIA responsável por numerosos crimes em Cuba e a quem os Estados Unidos se negam a julgar?


YS: É um tema político que não interessa às pessoas. É uma cortina de fumaça.


SL: Pelo menos interessa aos familiares das vítimas. Qual é seu ponto de vista a respeito?


YS: Não gosto das acções violentas.


SL: Condena seus actos terroristas?


YS: Condeno todo o acto de terrorismo, inclusive os que se cometem atualmente no Iraque por uma suposta resistência iraquiana que mata os iraquianos.


SL: Quem mata mais os iraquianos? Os ataques da resistência ou os bombardeios dos Estados Unidos?


YS: Não sei.


SL: Uma palavra sobre a lei de Ajuste Cubano que estipula que todo cubano que emigra legal ou ilegalmente para os Estados Unidos consegue automaticamente o status de residente permanente.


YS: É uma vantagem que não desfrutam os demais países. Mas o fato de que os cubanos emigrem para os Estados Unidos se deve a que a situação está difícil aqui.


SL: E também os Estados Unidos é o país mais rico do mundo. Muitos europeus também emigram para lá. Você reconhece que a lei de Ajuste cubano é uma formidável ferramenta de incitação à emigração legal e ilegal?.


YS: É, efetivamente, um fator de incitação.


SL: Não vê isso como uma ferramenta para desestabilizar a sociedade e ao governo?


YS: Neste caso podemos dizer também que o fato de outorgar a cidadania espanhola aos descendentes de espanhóis nascidos em Cuba é um factor de desestabilização.


SL: Não tem nada a ver pois há razões históricas para isso e, além disso, a Espanha aplica esta lei a todos os países da América Latina e não só a Cuba, enquanto que a lei de Ajuste Cubano é única no mundo.


YS: Mas há fortes relações. Joga-se beisebol em Cuba como nos Estados Unidos.


SL: Na República Dominicana também e, no entanto, não há uma lei de ajuste dominicano.


YS: Existe entretanto uma tradição de vizinhança.


SL: Então por que esta lei não se aprovou antes da Revolução?


YS: Porque os cubanos não queriam ir-se do seu país. Na época, Cuba era um país de imigração e não de emigração.


SL: É absolutamente falso já que nos anos 50 Cuba ocupava o segundo lugar entre os países americanos em termos de fluxo migratório para Estados Unidos, imediatamente atrás do México. Cuba mandava mais emigrantes para os Estados Unidos que toda a América Central e toda a América do Sul juntas, enquanto que actualmente Cuba só ocupa o décimo lugar apesar da lei de Ajuste Cubano e das sanções económicas.


YS: Talvez, mas não havia essa obsessão de abandonar o país.


SL: As cifras demonstram o contrário. Actualmente, repito, Cuba só ocupa o décimo lugar no continente americano em termos de fluxo migratório para os Estados Unidos. Então a obsessão da qual você me fala é mais forte en nove países do continente pelo menos.


YS: Sim, mas naquela época os cubanos iam e regressavam.


SL: É o mesmo caso na actualidade, já que a cada ano os cubanos do exterior regressam em férias para cá. Além disso, antes de 2004 e das restrições que impôs o presidente Bush que limitaram as viagens dos cubanos dos Estados Unidos a 14 dias cada três anos, os cubanos constituíam a maioria que dos Estados Unidos viajava mais frequentemente ao seu país de origem, muito mais do que os mexicanos, por exemplo, o que demonstra que os cubanos dos Estados Unidos são em sua imensa maioria emigrados económicos e não exilados políticos já que regressam a seu país de visita, algo que não faria um exilado político.


YS: Sim, mas pergunte-lhes se querem voltar a viver aqui outra vez.


SL: Mas é o que você fez, não? Além disso, em seu blog você escreveu em julho de 2007 que seu caso não era um caso isolado. A cito: “Faz três anos […] em Zurich […], decidi voltar a viver em meu país. Meus amigos acharam que lhes fazia uma piada, minha mãe se negou a aceitar que a sua filha já não vivia na Suíça do leite e do chocolate”. Em 12 de agosto de 2004 você apresentou-se na agência de imigração provincial de Havana para explicar o seu caso. Você escreveu: “Tremenda surpresa quando me disseram, fique no fim da fila dos ‘que regressam’ […]. Assim foi que encontrei, rapidamente, outros ‘loucos’ como eu, cada um com sua truculenta história de retorno”. Então existe este fenómeno de regresso ao país.


YS: Sim, mas são pessoas que regressam por razões pessoais. Há alguns que tinham dívidas no exterior, outros que não suportavam a vida fora. Enfim, uma imensidade de razões.


SL: Então, apesar das dificuldades e das vicissitudes cotidianas, a vida não é tão terrível aqui já que alguns regressam. Você pensa que os cubanos têm uma visão demasiado idílica da vida no exterior?


YS: Isso se deve à propaganda do regime que apresenta de maneira demasiado negativa a vida lá fora e isso tem trazido um resultado contrário para as pessoas, que idealizam demasiado o modo de vida ocidental. O problema é que em Cuba, a emigração de mais de onze meses é definitiva quando alguém poderia viver dois anos fora e regressar por um tempo e ir-se de novo, etc.


SL: Então, se entendo bem, o problema em Cuba é mais de ordem económica já que as pessoas desejam abandonar o país só para melhorar o seu nível de vida.


YS: Muitos gostariam de viajar ao exterior e poder regressar logo, mas as leis migratórias não o permitem. Estou certa de que se fosse possível muita gente emigraria dois anos e regressaria logo para ir-se de novo e regressar, etc.


SL: Em seu blog houve comentários interessantes a respeito. Vários emigrados falaram de suas desilusões com o modo de vida ocidental.


YS: É muito humano. Você se apaixona por uma mulher e três meses depois perde suas ilusões. Compra-se um par de sapatos e ao cabo de dois dias já não gosta mais deles. As desilusões fazem parte da condição humana. O pior é que as pessoas não podem regressar.


SL: Mas as pessoas regressam.


YS: Sim, mas só de férias.


SL: Mas têm o direito de ficar todo o tempo que quiserem, vários anos inclusive, salvo que perdem algumas vantagens vinculadas à sua condição de residente permanente como a ‘libreta’, a prioridade para o recebimento de casa, etc.


YS: Sim, mas as pessoas não podem ficar vários meses aqui, pois têm a sua vida fora, seu trabalho, etc.


SL: Isso é outra coisa e é o mesmo para todos os emigrados do mundo inteiro. Em todo caso, podem perfeitamente regressar a Cuba quando queriam e ficar ali todo o tempo que quiserem. A única coisa é que se ficarem mais de onze meses fora do país perdem algumas vantagens. Por outro lado, me custa compreender, se a realidade é tão terrível aqui, alguém que tem a oportunidade de viver fora, num país desenvolvido, por que desejaria regressar a viver de novo em Cuba?


YS: Por múltiplas razões, por seus laços familiares, etc.


SL: Então a realidade não é tão dramática.


YS: Não diria isso, mas alguns dispõem de melhores condições de vida que outros.


SL: Quais são segundo você os objetivos do governo dos Estados Unidos a respeito de Cuba?


YS: Os Estados Unidos desejam uma mudança de governo em Cuba, e é o que eu desejo também.


SL: Então comparte um objetivo comum com os Estados Unidos


YS: Como muitos cubanos.


SL: Não estou convencido disso. Mas, por quê? Porque é uma ditadura? O que quer Washington de Cuba?


YS: Creio que se trata de una questão geopolítica. Também está a vontade dos exilados cubanos, que se toma em conta, e que quer uma nova Cuba, o bem-estar dos cubanos.


SL: Com a imposição de sanções económicas?


YS: Tudo depende a quem se refere. Quanto aos Estados Unidos, creio que querem impedir que exploda a bomba migratória.


SL: Ah sim? Com a lei de Ajuste Cubano que incita os cubanos a que abandonem o país? Não é sério. Por que não anulam esta lei então?


YS: Creio que o verdadeiro objetivo dos Estados Unidos é acabar com o governo de Cuba para dispor de um espaço mais estável. Tem-se falado muito de David contra Golias para falar do conflito. Mas o único Golias para mim é o governo cubano que impõe um controle, a ilegalidade, os baixos salários, a repressão, as limitações.


SL: Você não pensa que a hostilidade dos Estados Unidos tem contribuído com isso?


YS: Não só penso que tem contribuído com isso com também que se tem convertido no principal argumento para dizer que vivemos em uma fortaleza sitiada e que toda dissidência é traição. Creio, na verdade, que o governo cubano teme que este confronto desapareça. O governo cubano deseja a manutenção das sanções económicas.


SL: De verdade? Porque é exatamente o que diz Washington de modo um pouco contraditório porque se fosse o caso, deveria levantar as sanções e deixar assim o governo cubano frente às suas próprias responsabilidades. Já não existiria a desculpa das sanções para justificar os problemas em Cuba.


YS: Cada vez que os Estados Unidos têm tentado melhorar a situação, o governo cubano tem tido uma atitude contraproducente.


SL: Em que momento os Estados Unidos tentaram melhorar a situação? Desde 1960 só se têm reforçado as sanções, com a excepção do período Carter. Fica difícil então manter este discurso. Em 1992 os Estados Unidos votaram a lei Torricelli com caráter extraterritorial; em 1996, a lei Helms-Burton, extraterritorial e retroactiva; em 2004, Bush adotou novas sanções e as ampliou em 2006. Não podemos dizer que os Estados Unidos têm tentado melhorar a situação. Os factos demonstram o contrário. Além disso, se as sanções são favoráveis ao governo cubano e só se trata de uma desculpa, por que não eliminá-las? Não são os dirigentes quem sofrem devido às sanções, mas o povo.


YS: Obama deu um passo nesse sentido, insuficiente talvez, mas interessante.


SL: Só eliminou as restrições que Bush impôs aos cubanos e que lhes proibia viajar a seu país mais de 14 dias cada três anos, na melhor das hipóteses, e com a condição de que tivesse um membro directo da sua família em Cuba. Inclusive redefiniu o conceito de família. Assim, um cubano da Flórida que só tivesse um tio em Cuba não poderia viajar ao seu país, pois não era considerado como membro «directo» da família. Obama não eliminou todas as sanções que impôs Bush e nem sequer regressamos ao status que havia com Clinton.


YS: Creio que as duas partes devem baixar o tom sobre tudo, e Obama o tem feito. Depois Obama não pode eliminar as sanções, pois não tem um acordo do Congresso.


SL: Mas pode aliviá-las consideravelmente assinando simples ordens executivas, o que se nega a fazer no momento.


YS: Está ocupado com outros temas, como o desemprego e a reforma da saúde.


SL: No entanto teve tempo de responder a sua entrevista.


YS: Sou uma pessoa afortunada.


SL: A posição do governo cubano é a seguinte: não temos que dar nenhum passo em direção aos Estados Unidos, pois não impomos sanções aos Estados Unidos.


YS: Sim, e o governo disse também que os Estados Unidos não devem pedir mudanças internas porque é ingerência.


SL: É o caso, não?


YS: Então se eu peço uma mudança também é ingerência?


SL: Não, porque você é cubana e por isso tem direito a decidir o futuro de seu país.


YS: O problema não é quem pede as mudanças, mas as mudanças em questão.


SL: Não estou seguro porque como francês não gostaria que o governo belga ou alemão se imiscuísse nos assuntos internos da França. Como cubana, você aceita que o governo dos Estados Unidos lhe diga como deve dirigir seu país?


YS: Se o objectivo é agredir o país, é evidentemente inaceitável.


SL: Você considera as sanções económicas como uma agressão?


YS: Sim, considero-as como uma agressão que não tem tido resultados e que é uma excrescência da guerra fria, que não tem nenhum sentido, que afeta o povo e que tem reforçado o governo. Mas repito que o governo cubano é responsável por 80% da crise económica actual e 20% é pelas sanções económicas.


SL: Outra vez, lhe repito, é exatamente a posição do governo dos Estados Unidos e os números demonstram o contrário. Se fosse o caso não creio que 187 países do mundo se dessem ao trabalho de votar uma resolução contra as sanções. É a décima oitava vez consecutiva que uma imensa maioria dos países da ONU se pronuncia contra este castigo económico. Se fosse secundário não creio que se incomodariam.


YS: Mas não sou uma especialista em economia, é o meu sentimento pessoal.


SL: O que preconiza você para Cuba?


YS: Creio que há que liberalizar a economia. Claro que não se pode fazer de um dia para outro porque provocaria uma quebra e disparidades sociais que afectariam os mais vulneráveis. Mas há que fazê-lo gradualmente e o governo cubano tem a possibilidade de fazê-lo.


SL: Um capitalismo ‘sui generis’, como disse você.


YS: Cuba é uma ilha sui generis. Podemos criar um capitalismo sui generis.


SL: Yoani Sánchez, obrigado por seu tempo e sua disponibilidade.


YS: Obrigado a você.

Salim Lamrani"

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Salim Lamrani é professor encarregado de cursos na Universidade Paris-Sorbonne - Paris IV e na Universidade Paris-Est Marne-la-Vallée e jornalista francês, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Acaba de publicar Cuba: "Ce que les médias ne vous diront jamais" (Paris: Editions Estrella, 2009). Contacto: lamranisalim@yahoo.fr

Publicado em Rebelión
Traduzido do espanhol por Rosalvo Maciel

Postado por "O Velho Comunista"


quinta-feira, 15 de abril de 2010

Ho Chi Min - Um testemunho revolucionário


Nascido em 1890 e falecido em 1969, desde muito jovem Ho Chi Min se decidiu a dedicar os seus 79 anos de vida à causa da emancipação social e política dos trabalhadores e do povo da sua pátria, o Vietname. Foi emigrado em França que conheceu o Partido Comunista e se tornou seu militante, tendo posteriormente dirigido a criação do Partido Comunista Indochinês, depois mais tarde, e até hoje, designado Partido Comunista do Vietname. Com os seus camaradas, em especial com aquele que seria conhecido mundialmente como um dos maiores estrategas militares de todos os tempos, o general Vo Nguyen Giap - fundador e comandante supremo do Exército do Povo vietnamita -, o dirigente comunista Ho Chi Min, o "Tio Ho", como era carinhosamente chamado, organizou e dirigiu a gloriosa guerra de libertação anti-colonialista e anti-imperialista do povo vietnamita, primeiro derrotando e expulsando o exército colonial francês na Indochina, no célebre cerco e batalha final de Dien Bien Phu, e mais tarde derrotando e expulsando o poderoso exército estadunidense, numa guerra de guerrilha anti-imperialista que duraria oito anos, entre 1965 e 1973, ano em que, após terem originado as maiores carnificinas e as mais criminosas desflorestações químicas do século XX, finalmente derrotados e humilhados, os militares dos EUA fogem em debandada de Saigão.

Mas muitos anos antes, o ainda jovem Nguyen Au Duoc ( Ho Chi Min foi o nome de guerra pelo qual ficou universalmente conhecido e passou à História, dentre dezenas de outros que utilizou durante a dura clandestinidade), na condição de emigrado, percorreu vários países, de entre eles o Brasil, tendo passado por estas paragens o marinheiro Neguyen Tat Thanh (o seu nome à época), como lavador de pratos no navio francês "Amiral Latouche-Treville". Com vinte e poucos anos, desembarcou no porto do Rio de Janeiro e nesta cidade permaneceu alguns meses, por razões de saúde, residindo numa pequena pensão, no bairro de Santa Tereza. É desta época, o interessante testemunho que Ho Chi Min deixou registado nos seus apontamentos, um episódio da luta de classes no Brasil, ocorrido na então capital, Rio de Janeiro, ao qual deu o título "Solidariedade de Classe". É este texto do grande revolucionário, escrito em francês e recuperado em Hanói, depois traduzido e entregue aos camaradas brasileiros, em 2000, pelo embaixador Christiano Whitaker, que a seguir se transcreve.

"No início de 1921, deflagrou no Brasil uma greve de grandes proporções entre os trabalhadores portuários. Justamente então, aportou no Rio de Janeiro um navio cuja tripulação não sabia que os seus camaradas no porto estavam em luta contra os patrões. Um grevista negro, José Leandro da Silva, quis subir a bordo do navio recém-atracado, a fim de informar a tripulação deste acerca do movimento grevista. No cais, José encontrou um policial que o impediu de prosseguir.
- Mas eu tenho pleno direito de ir ver os meus camaradas!, disse José ao representante da ordem.
- Não quero saber de explicações! Circule!, replicou este último.
José insistiu. Como resposta, o policial limitou-se a sacar do seu revólver e disparar. Ágil, José conseguiu evitar ser atingido e, rápido como um raio, agarrou o policial e atirou-o ao mar. Acorreram uns cinquenta policiais armados que se lançaram sobre José. Com a sua faca de marinheiro, matou dois policiais e feriu outros tantos. Por fim, foi vencido pelo número dos seus opositores e caiu quase morto, tendo recebido dezoito tiros. Enquanto o transportavam ao hospital, ele teve forças suficientes para ir murmurando a "Internacional". Depois, foi levado a juízo, tendo sido condenado a 30 anos de trabalhos forçados.
Assim que souberam da sentença, os trabalhadores revolucionários formaram um comité de defesa. Por um lado, confiaram o caso do seu camarada a vários advogados e, por outro, organizaram manifestações e demonstrações de protesto em todo o país. Durante três meses, levou-se a cabo uma vigorosa campanha de agitação em prol de José. A opinião pública indignou-se a tal ponto que as autoridades se viram forçadas a reabrir o processo. No dia 8 de Fevereiro, realizou-se o novo julgamento de José. Quinze mil trabalhadores assistiram aos debates, que se prolongaram pela noite adentro. Os patrões não queriam deixar ir livre a sua vítima, e o procurador levou cinco horas expondo as suas longas acusações. Com eloquência, o camarada Paulo Lacerda e os seus colegas da defesa refutaram vitoriosamente os argumentos do procurador. O julgamento terminou às quatro e meia da manhã. O resultado final foi a absolvição. O veredicto foi recebido com uma tempestade de aplausos. E José, o grevista negro, deixou-se cair nos braços dos seus camaradas e defensores, e dos representantes dos trabalhadores. Assim, apesar da multiplicidade de cores, há apenas duas raças no universo: a dos exploradores e a dos explorados. E há apenas uma verdadeira fraternidade: a fraternidade proletária.

Nguyen Au Duoc"

(publicado na revista "Princípios", n° 101, Maio/Junho, 2009)

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Grécia: A luta de classes intensifica-se

Na Grécia, a luta dos trabalhadores prossegue sem desânimo, cresce e alarga-se a novos sectores sociais assalariados, numa combativa resposta à intensificação da exploração e à política subserviente do governo "socialista" às ordens da UE.
Do jornal "Avante!", na sua edição de hoje, transcreve-se a notícia sobre a actualidade da luta dos sindicatos de classe organizados na PAME, com a preparação de uma nova greve geral no país.
Dois dias de greve geral na Grécia - Um novo passo na luta

Na sequência de intensas e incessantes lutas sectoriais, a Frente Militante de Trabalhadores (PAME) convocou para hoje, dia 8, uma jornada de protesto e uma greve geral de 48 horas para os dias 21 e 22.

Na passada semana, dia 30, os trabalhadores municipais, ferroviários e advogados paralisaram na Grécia em protesto contra os cortes orçamentais determinados pelo plano de austeridade do governo.
Nos caminhos-de-ferros e nos municípios, os trabalhadores lutam contra a redução de salários e retirada de direitos na aposentação.
Por seu turno, o descontentamento começa a tocar igualmente camadas da pequena e média burguesia que se sentem tocadas pelas políticas governamentais. É o caso dos advogados que cumpriram uma greve de dois dias, opondo-se à tributação da sua actividade com o imposto sobre o valor acrescentado (IVA).
Na manhã do mesmo dia 30, sindicalistas da PAME ocuparam o edifício do Ministério do Trabalho em Atenas, em cuja fachada colocaram um estandarte gigante exigindo medidas de protecção para os desempregados.
Acções semelhantes em instalações de centros de emprego tiveram lugar noutras grandes cidades como Tessalónica e Vólos, realizando-se uma manifestação em Larissa.
A PAME e os comunistas gregos chamam a atenção para a escalada do desemprego que, de acordo com os números oficiais, já afecta 14,6 por cento da população activa. Todavia, tal como na generalidade dos países, os dados estatísticos estão muito aquém da realidade, já que consideram os desempregados inscritos. Os números reais do desemprego rondam os 20 por cento, segundo a central sindical PAME.
Também na semana passada, os proprietários de bombas de gasolina da ilha de Creta, a maior do país, encerraram os postos de venda, recusando-se aceitar a imposição de um preço máximo para os combustíveis.
Entre outras lutas que decorreram em Março na Grécia, destacam-se a jornada dos agricultores, dia 28, a greve dos médicos e enfermeiras nos hospitais públicos, dia 22, ou ainda o protesto dos motoristas de taxi, no dia 18.

País em ebulição

Face ao surto de protestos que atravessam os diferentes sectores da sociedade, atingidos pelas medidas de austeridade destinadas a pagar a crise criada pelo grande capital, a PAME realiza hoje, quinta-feira, 8, uma manifestação contra o aumento de impostos sobre os rendimentos do trabalho, e anunciou para os dias 20 e 21 uma greve geral de 48 horas.
Até lá os sindicatos são chamados a organizar a luta, realizando plenários de trabalhadores e constituindo comités de greve nos locais de trabalho. A PAME apela aos trabalhadores a que ignorem as direcções das centrais sindicais reformistas GSEE e ADEDY e unam forças em torno da única central combativa e consequente, a Frente Militante de Trabalhadores. Só assim a luta terá resultados.
Em resposta ao flagelo do desemprego que não pára de crescer, como consequência directa da destruição de inúmeras pequenas empresas varridas pela política de concentração capitalista ao serviço exclusivo dos bancos e grupos monopolistas associados, transcreve-se também uma informação divulgada pelo sítio do KKE, sobre as reivindicações do comité da PAME contra o desemprego, visando garantir os direitos elementares dos trabalhadores desempregados:

Os sindicatos do PAME reivindicam para os desempregados:

- Subsídio de desemprego igual a 80% do salário mínimo (1.400 €) para todo o período de desemprego
- Urgente ajuda económica de 1.000 € para todos os desempregados
- Imediato congelamento dos pagamentos dos empréstimos de desempregados
- Saúde e assistência farmacêutica, sem quaisquer condições e pré-requisitos
- Não deve ser interrompido o abastecimento da electricidade, da água e telefone
- O reconhecimento do período de desemprego como contando para a reforma
- Acção urgente de recrutamento de pessoal nas áreas da Saúde, da Previdência e do sector da Educação
- Imediata redução do horário de trabalho
- Imediato registo dos jovens que começam a trabalhar
- Emprego permanente e estável para todos

Esta iniciativa foi tomada em vista da próxima manifestação da PAME, em 8 de Abril, contra a nova dura tributação da classe trabalhadora e das outras camadas populares pobres pelo governo social-democrata do PASOK.
São reivindicações justas, perante os ataques do grande capital contra o direito ao trabalho e que trata os trabalhadores como descartáveis e sem direito às garantias sociais que são devidas a qualquer assalariado, como parte dos elementares direitos humanos a assegurar aos trabalhadores neste início da segunda década do século XXI.
São exigências próprias de organizações sindicais em sintonia com os trabalhadores que representam e com a época presente, de intensificação da luta de classes, na Europa e no mundo. Reivindicações de classe dos assalariados gregos que muito dignificam os seus sindicatos e a renhida e exemplar luta que estão a travar, merecedora do nosso atento acompanhamento e firme solidariedade.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Honduras - solidariedade com a resistência popular

A situação nas Honduras deixou de ser notícia na grande Imprensa, desde que os golpistas realizaram as "suas" eleições, com a cobertura dos EUA e a complacência vergonhosa das organizações da chamada "comunidade internacional", a par da quebra de solidariedade que se observa por parte de vários governos dos países da região que durante o golpe tiveram posições de condenação dos golpistas. Com o passar dos dias, vai-se impondo o "pragmatismo" sem princípios, privilegiando as relações comerciais e a diplomacia da cedência aos EUA e abandonando o povo hondurenho à sua sorte.

Entretanto, ao contrário das suas promessas de reconciliação e regresso à democracia, com a posse do governo do "democrata" Lobo intensificaram-se as actividades fascistas no país, com prisões e torturas dos resistentes ao golpe e às "eleições" fraudulentas por parte das autoridades policiais e militares e os assassinatos "selectivos", praticados por "esquadrões da morte" nos centros urbanos e por milícias de jagunços ao serviço dos grandes proprietários de terras nas áreas rurais.
Com o agradecimento devido, transcreve-se um artigo traduzido e publicado no "Blog do Velho Comunista", que retrata bem a actual situação:

Cinco jornalistas assassinados em um mês em Honduras

Cinco jornalistas assassinados em Honduras só no mês de Março, 150 execuções extra-judiciais desde o golpe de 28 de Junho, todas atribuídas aos organismos de repressão e a paramilitares contratados pelo regime, não são suficientes para chamar a atenção da imprensa comercial do continente que entretanto arremete contra Cuba e Venezuela.
Enquanto o mecanismo de propaganda do Departamento de Estado, apoiado pelas agências internacionais, as cadeias internacionais de órgãos de imprensa comerciais e sua rede de clientes regionais multiplicam as manchetes contra as nações progressistas e informa sobre a violência em Honduras fora de seu contexto político, a Resistência hondurenha reclama por manifestações de solidariedade internacional ante as execuções cometidas diariamente pelo aparato repressivo articulado pelos golpistas.
Nos últimos dias tanto a Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) como o Colectivo de Artistas em Resistência e outras organizações, têm se manifestado contra a escalada de violência desencadeada pelo governo de ¨Pepe¨ Lobo com um enorme saldo de mortos e feridos.
A imprensa hondurenha tem sido a primeira vítima da onda de assassinatos das últimas semanas. Em 1° de Março foi baleado o jornalista Joseph Hernández e ferida a colega Carol Cabrera; dia 10, foi assassinado David Enrique Meza; na segunda-feira 15, Nahum Palacios Arteaga, enquanto José Bayardo Mairena e Manuel de Jesús Juárez foram executados na sexta-feira, 27 de Março.
Outro jornalista, José Alemán teve que abandonar o país precipitadamente, depois de sicários tentarem assassiná-lo em plena rua, logo após alvejarem a sua residência. Para cúmulo, agentes de uma delegacia de polícia onde procurou refugio responderam-lhe que eram incapazes de garantir a sua segurança.
Os grupos de resistência têm denunciado o Secretário de Segurança, Óscar Álvarez, responsável pelo sistema de repressão herdado do regime ditatorial de Roberto Micheletti e que é mantido em plena actividade.
Pouco depois do assalto à Casa Presidencial pelos golpistas, em 28 de Junho de 2009, quando o Presidente Manuel Zelaya foi surpreendido em sua casa e expulso do país, com a cumplicidade dos Estados Unidos, vários meios de imprensa, entre eles Radio Globo e o Canal 36, foram fechados em batidas policiais selvagens. Mas por outro lado, os donos de todos os principais meios de comunicação fizeram parte da conspiração. Não só deram a Micheletti um apoio absoluto como também o principal representante desta imprensa ultra-direitista, Jorge Canahuati, foi até pagar de seu próprio bolso parte da campanha de convencimento que se desenrolou então em Washington, a favor da ditadura.
Enquanto os auto-proclamados “defensores da imprensa” tais como "Repórteres Sem Fronteiras", o "Committee to Protect Journalists", a "Sociedade Interamericana de Imprensa", observam uma total discrição, diametralmente oposta à atitude constantemente agressiva e politizada demonstrada contra Cuba e Venezuela, o que só confirma a sua vinculação com o aparato de inteligência norte-americano.
Chama a atenção como da parte destas organizações, que se beneficiam de uma cobertura integral de parte das grandes agências de imprensa, se evita a todo custo politizar as suas discretas solicitações de investigação dirigidas às próprias autoridades hondurenhas que, segundo a resistência popular, geram o massacre.
Para os defensores dos Direitos Humanos, trata-se de uma “estratégia de terror, imobilização e perseguição, contra opositores ao golpe de Estado e ao governo de facto” ante a qual pedem “a intervenção da comunidade internacional e dos organismos internacionais de direitos humanos para que o regime actual detenha esta onda de criminalidade e investigue as mortes” das vítimas.
Para evitar a derrubada de seu regime golpista, Micheletti e os seus cúmplices golpistas foram recorrer a criminosos tais como Billy Joya, criador com seus assessores norte-americanos de “Los Cobras”- comandos de elite treinados para matar - e veterano membro do sinistro batalhão 3-16 criado pela CIA, que perseguiu, torturou e deu sumiço a centenas de hondurenhos na guerra suja dos anos 80.
Joya trabalhou sob as ordens do embaixador e oficial da CIA John Negroponte, que dirigia os "Contras" nicaraguenses desde a embaixada norte-americana em Tegucigalpa. Implicado na coordenação do golpe de estado de Junho passado, John Negroponte trabalha actualmente como assessor da Secretária de Estado Hillary Clinton.
Em Miami, onde está radicada a maior colónia de ex-mandatários corruptos, torturadores e assassinos do continente, o silencio mediático é quase absoluto, igual ao dos políticos que há apenas alguns meses viajavam a Tegucigalpa para elogiar a Micheletti.
Nenhuma investigação sobre agressão contra algum jornalista desde o golpe de estado levou preso um só suspeito.
Jean-Guy Allard
Original em "Habla Honduras"


Deste sítio, "Habla Honduras", vale a pena ainda divulgar uma informação ontem publicada, transcrevendo o seguinte comunicado:

Aviso sobre os novos actos de violência na Aguán
A Comissão de Familiares de Presos e Desaparecidos em Honduras - COFADEH - faz um apelo urgente à comunidade internacional sobre os novos actos de violência no Aguán, nesta quinta-feira, 01 de abril:
1.-Nós condenamos o assassinato do jovem Miguel Alonso Oliva, de 22 anos, que foi morto por guardas de segurança quando o camponês Movimento Unificado Aguán (Muca) assumiu a exploração da terra "Boleros", que está na posse ilegal do senhorio René Morales.
2.-Ao mesmo tempo, condenamos a falta de acção rápida para resolver a disputa de terra na Baixa Aguán pelo regime de Porfirio Lobo Sosa, mostrado condescendente com o proprietário para evitar assumir a responsabilidade pela devolução da terra que é do Estado e imediatamente deve ser dada aos camponeses, como é de lei
3.-Instamos a comunidade internacional para tomar medidas urgentes a enviar representantes ao Estado de Honduras para pôr fim a esta situação precária e difícil contra as mulheres, homens, meninos e meninas que sofrem o terror das armas de seguranças dos fazendeiros Facussé Miguel René Morales e Reinaldo Canales, e o exército e a polícia, fortemente armados que estão preparados para ir para a área, com a intenção para expulsar os camponeses que têm terra recuperada na margem esquerda do Rio Aguán e onde estão localizadas as cooperativas Suyapa e Guanchfas Aguán, Good Friends, Whirlpool, Wake, Trinidad, San Esteban, Quebrada Honda, Paso Aguán Squad ilhas 1 e 2, Marañón e Bolero.
4.-Estamos solidários com a família do jovem Miguel Oliva Alonso, que está sendo velado na comunidade de Guadalupe Carney em Silin, Columbus, onde dezenas de colegas e companheiras vieram acompanhar as suas famílias.
5.-O COFADEH recebeu informações não confirmadas de possíveis mortes adicionais por guardas de segurança, o que confirma a urgência da resolução deste conflito, para evitar mais derramamento de sangue e a polarização da família hondurenha.

Comissão de Familiares de Detidos e Desaparecidos em Honduras, COFADEH
Tegucigalpa, 01 de abril de 2010


Estas denúncias e as manifestações que corajosamente continuam a ser convocadas pela Resistência, as lutas que vários sectores vêm conduzindo contra a privatização dos bens públicos e em defesa dos direitos dos trabalhadores, continuam a exigir de nós a solidariedade que lhes devemos.
O povo hondurenho trava um combate muito duro pela sua liberdade, pela sua dignidade, pela sua independência nacional, contra a oligarquia parasita e exploradora que é activamente apoiada pelo governo imperialista de Barak Obama. A nossa solidariedade calorosa é um apoio indispensável e insubstituível para aqueles que resistem e lutam nas Honduras.