SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Golpe nas Honduras - Uma entrevista esclarecedora




Se a situação existente nos chamados O.C.Social, hoje todos propriedade dos grandes grupos económicos capitalistas, não fosse a manifestação da mais despudorada manipulação das mentes e das mais desavergonhadas mistificações da realidade, esta poderia ser uma entrevista publicada em qualquer um dos grandes meios de informação ditos "ocidentais".


Mas para que tal se verificasse seria necessário que a Imprensa fosse de facto independente do poder económico, não aceitasse intromissões do poder político, fosse imparcial, amante do relato honesto da realidade, democrática, cumpridora do princípio do contraditório, numa palavra, fosse aquilo que há muito se encontra consagrado nos códigos deontológico e de honra dos jornalistas, esses profissionais da informação que hoje mais parecem uma "espécie" à beira da completa "extinção".


E não é assim. Sabemos que, violando grosseiramente o direito democrático dos povos a uma informação isenta, não é essa a situação existente e, muito pelo contrário, vivemos mergulhados num quadro informativo sujo, guiado por mercenários, profundamente anti-democrático, a exigir a luta de todos nós.


O entrevistado, Manuel Zelaya, presidente da República das Honduras, hoje exorcizado por essa grande imprensa internacional, é um homem que a si mesmo se considera um político de centro-esquerda, defensor da economia liberal e membro do mesmo partido do fascista títere dos EUA que ocupa ilegitimamente o seu lugar. Até há pouco tempo atrás, Zelaya foi um interlocutor aceite pela chamada "comunidade internacional". Aliás, a forma cautelosa, quase respeitosa, como fala de Hillary Clinton e da administração de Obama - hoje já sem margem para dúvidas os mandantes do golpe e dos golpistas - evidencia essa sua ex-condição de homem bem aceite pelo sistema dominante.


Para ele, em resultado do golpe, tudo mudou. Mas, contraditoriamente, o maior mérito da entrevista é precisamente deixar evidente que, para o governo imperialista estado-unidense, como afinal para o capitalismo internacional, quase nada mudou.


Em seguida, ficam os trechos desta entrevista publicados no sítio do "Brasil de Fato", que aqui se deixam à consideração de todos os revolucionários, de todos os progressistas, de todos os homens e mulheres honestamente de esquerda, à consideração de todos os amantes da liberdade.




"Cercado por guarda-costas, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, cumprimentava com euforia um grupo de hondurenhos que cruzaram a fronteira com a Nicarágua, local em que ele havia convocado seus simpatizantes para, juntos, reingressarem ao país depois de 26 dias de exílio. A entrada triunfal programada por Zelaya foi minguada pelo governo golpista de Roberto Micheletti, que decretou estado de sítio nos estados cuja rodovia leva à fronteira, em uma tentativa de impedir a mobilização convocada pela Frente de Resistência ao Golpe. Empenhados em receber o presidente deposto, porém, centenas de hondurenhos se aventuraram pelas montanhas do país para driblar a repressão do Exército. Entre abraços e gritos de “urge Mel!” (algo como “apareça, Mel!”, apelido pelo qual é conhecido), a segurança do mandatário advertia sobre a presença de franco atiradores em uma colina. Sem a multidão esperada, Zelaya não cruzou a fronteira. Se o fizesse, “seria preso”, advertiu um coronel do Exército hondurenho encarregado da vigilância da aduana. O presidente deposto aguardava a resposta de uma "negociação" para que o Exército permitisse sua entrada. Não houve acordo. Sentado em um jeep rodeado por simpatizantes, Manuel Zelaya conversou brevemente com o "Brasil de Fato". Visivelmente cansado e aparentemente sem estratégia real para garantir seu retorno à presidência, ele advertiu que “se as armas voltaram às mãos da direita para derrocar presidentes reformistas, então os povos também tem direito de voltar a buscar soluções nesse caminho”.


-Brasil de Fato – O governo dos EUA criticou sua decisão de tentar voltar ao país sem um prévio acordo com o governo golpista. Qual sua opinião?


-Manuel Zelaya – Dei todas as tréguas. Fui extremamente tolerante, esperei e apoiei todas as decisões tomadas pela comunidade internacional. Aceitei o que disse a Secretária de Estado [estadunidense, Hillary] Clinton. No entanto, os golpistas continuam reprimindo o povo, violando os direitos humanos da população, apropriando-se de recursos que não lhes pertencem, usurpando a soberania popular, traindo os poderes do Estado. Me tiraram de casa em uma madrugada a balaços, amarrado. Nunca me acusaram formalmente em uma demanda judicial, nunca fizeram acusação anterior. Agora inventaram acusações contra mim, minha família e meus ministros. Os militares falam de democracias, mas quando alguém emite uma posição contrária, é declarado comunista, perseguem e dão um golpe de Estado. A elite hondurenha é extremamente conservadora.


-O senhor não pôde entrar em Honduras como previsto. O que pretende fazer?


-Mantenho o chamado ao povo hondurenho para que venham à fronteira. [O Exército impede que os manifestantes cheguem à zona fronteiriça]. São só 12 quilómetros entre El Paraíso [último ponto de bloqueio do Exército] e Las Manos. As pessoas podem vir caminhando, a polícia não vai deter. E também há outras possibilidades. Tenho dois helicópteros e posso aterrizar em qualquer lado.


-Quais foram os factores determinantes que desencadearam o golpe de Estado?


-Honduras é a terceira economia mais pobre na América Latina. De cada dez hondurenhos, oito vivem na pobreza e três vivem em pobreza extrema. Acredito que uma sociedade que vive assim há pelo menos um século deve ser analisada para a promoção de mudanças. E essas mudanças estão relacionadas com a forma de estabelecer o sistema de governo. É evidente que as elites económicas, que são privilegiadas por essa situação, pelo status quo, não querem essas mudanças. Então, a única maneira de promover mudanças em Honduras é ampliar os espaços de participação cidadã, os processos de participação social. Apontei isso e os oligarcas me declararam inimigo da pátria; e começaram a conspirar contra mim. Aumentei o salário dos trabalhadores, tentei incorporar a reforma agrária, abri as portas ao socialismo do Sul e isso foi considerado um delito. Tudo isso contribuiu para que a oligarquia económica – apoiada pelos velhos falcões de Washington, como Otto Reich e Robert Carmona, e alguns congressistas estadunidenses – começassem a conspiração que resultou no golpe. Mas se equivocaram. Pensaram que seria fácil como no século 20, quando em 48 horas os golpistas conseguiam dominar o povo. O povo agora já leva 28 dias nas ruas, reclamando, dizendo que não aceitam esse golpe. A comunidade internacional também mudou. Já não aceitam golpes de Estado, porque realmente são ilegítimos, são um retrocesso, é a volta da força sobre a razão. É a volta da violência sobre as urnas. Isso provocou o golpe. O temor às mudanças, temor ao que o povo se organize.


-A imprensa hondurenha o compara com o presidente Hugo Chávez. Como o senhor define seu governo?


-De centro-esquerda. De centro porque apoiamos o liberalismo económico e de esquerda porque apoiamos processos sociais, socialistas. Busquei um meio termo. Mesmo assim me declararam inimigo das elites económicas, precisamente porque aumentei o salário mínimo dos trabalhadores. Me parece injusto que me dêem um golpe de Estado porque estava fazendo uma consulta pública para ver qual era a tendência do povo em relação aos processos de participação cidadã. É ridículo o que aconteceu, o mundo está rindo dos golpistas, ninguém reconhece suas acções.


-Muitos consideram que os EUA adoptaram uma postura dúbia nesta crise. Condenou o golpe, porém não aplicou sanções económicas ao governo de fato de Roberto Micheletti. Qual sua avaliação?


-O governo de Barack Obama tem sido congruente com uma diplomacia multi-lateral e deu demonstrações de querer resolver o problema. Mas não ocorre a mesma coisa em outros grupos de poder dos EUA. Eles sim estão apoiando o golpe, a velha guarda dos conservadores está apoiando o golpe. Obama não. A secretária de Estado Hillary Clinton foi clara. Mas nos EUA há muitos interesses políticos e económicos e há muita gente sectária, que querem impor sua ideologia.


-O senhor busca retomar o poder, porém, até agora, Micheletti tem reiterado que não acatará a determinação da Organização de Estados Americanos (OEA) de restituí-lo ao cargo. O que pode significar esse precedente para a América Central?


-Este golpe mata a força da soberania popular. Isso abre um precedente no sentido de que se as armas voltaram às mãos da direita para derrocar presidentes reformistas, então os povos também têm direito de voltar a buscar soluções nesse caminho, coisa que não desejamos. Primeiro, dizem à população que há que votar e que a democracia é seu direito, e agora as armas voltam a atacar a democracia. Isso não se pode permitir. Há que lutar contra isso.


-Com as Forças Armadas, Congresso e empresários sustentando o golpe, o que o senhor pretende fazer para recuperar o poder?


-Me manter firme."



(Por Claudia Jardim, Enviada a LasManos, Honduras)



A finalizar, mais duas notas, sentidas como evidentes e necessárias pela leitura desta entrevista.


No presente contexto internacional - marcado por dois traços principais, o primeiro a destruição da União Soviética e dos outros estados socialistas europeus no final do século XX e o segundo a profunda crise sistémica que assola o capitalismo internacional nestes primeiros anos do Século XXI - as evoluções dos diversos processos políticos nacionais na América Latina, de cariz anti-imperialista, constituem um autêntico "laboratório" a atrair a atenção, o estudo e a solidariedade de todos os revolucionários e de todos os homens e mulheres progressistas.
É justamente sublinhado, por aqueles que seguem atentamente o evoluir da situação na América Latina, o facto de o golpe nas Honduras seguir o mesmo "guião" da tentativa de golpe na Venezuela, em 2002 (1). Aplicando fielmente o modelo gizado pela CIA, nem faltou o mentiroso anúncio da sua auto-demissão. Como ocorreu agora com Zelaya, o destino traçado para Chavez era igualmente destituí-lo e decerto retirá-lo à força para fora do seu país. Naquela data, felizmente, graças à acção determinada de alguns militares patriotas, ele e o projecto bolivariano escaparam por pouco.

Tudo a confirmar que nestes processos progressistas - como a resistência e a luta do povo hondurenho eloquentemente estão a confirmar, resistindo nas ruas, nas greves e em múltiplas outras acções de protesto - o factor decisivo que garantirá aos povos latino-americanos a sua independência, a plena soberania sobre os seus caminhos e escolhas, o futuro socialista dos seus países, o factor sem dúvida determinante está na organização, na unidade e na luta vigorosa e determinada dos trabalhadores e das camadas populares, afinal os únicos verdadeiramente interessados no futuro livre e independente dos seus países. O que os torna, prioritariamente, dignos credores da nossa activa solidariedade e constante apoio.
(1) Nota: Para os interessados, recomendo vivamente a leitura, em http://www.desacato.info/, de uma “interessante” entrevista com um coronel golpista – e fascista, acrescente-se -, realizada em 10/7, que deixa a nu as verdadeiras razões do golpe e nos dá uma esclarecedora visão de quem são e o que pensam (?!) os gorilas hondurenhos, formados nas escolas militares norte-americanas.

Sem comentários: