SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

UM POVO E UM PAÍS NA ENCRUZILHADA: ACEITAR AS MIGALHAS OU TOMARMOS TUDO O QUE É NOSSO E NOS ROUBARAM?



Em vésperas de se iniciar o último ano da actual legislatura, a cena transmitida pelas televisões no dia
da aprovação deste 4º orçamento, com o 1º ministro A.Costa e o seu lugar-tenente Pedro Nuno Santos a fazerem para as câmaras de televisão o gesto dos quatro dedos erguidos, em modo de gozo faceiro pela vitória que alcançaram, fica a assinalar significativamente o fim da cognominada "nova fase da vida política nacional". Libertados do compromisso político que ardilosamente conseguiram, ei-los soltos e contentes para retomarem sem rodeios os acordos com o PSD, chamados de regime e apadrinhados pelo presidente Marcelo. E assim, dia após dia, semana após semana, mês após mês e ano após ano vamos constatando a verdade óbvia: nos seus traços essenciais, permaneceu e continua a governação de direita, a mesma velha e relha política de direita partilhada por PS, PSD e CDS.

Sucedem-se os governos e em resultado das suas comuns políticas de direita não existe um único traço central da realidade portuguesa que escape ao sentido geral de continuado empobrecimento, declínio e esgotamento político de um regime cada vez menos democrático, qualquer que seja o terreno de análise escolhido. Seja nas práticas democráticas e no exercício sofrível das liberdades, seja nas difíceis condições sociais de vida do nosso povo, seja na situação da exaurida economia nacional, seja no exercício da soberania do país, formalmente independente há mais de oito séculos. Ano após ano, governo após governo, como povo e como país vamos ficando pior, revelando-se vincados aspectos de um regime político apodrecido, roído pelos lóbis mafiosos de um "arco da governação" que se apossou do poder na sequência do golpe militar contra-revolucionário de 25 de Novembro de 1975. Frustrando as expectativas populares da Revolução de Abril, há quarenta e três penosos anos que vivemos um simulacro paupérrimo de democracia, um regime crescentemente corrompido, oligárquico e esgotado, a negação mesma da sua clássica definição como o "governo do povo".

Num ambiente sócio-político próprio de "fim de feira", por inúmeros lados do aparelho de Estado se observam comportamentos e manifestações de desleixo dos detentores do poder, procedimentos burocráticos e de irresponsabilidade, com formas de actuação tipo "deixa andar", com total falta de seriedade no tratamento de tudo quanto é colectivo, público e do interesse de todos, a par de endémicos comportamentos corruptos e corruptores, numa atmosfera geral de impunidade que alastra aos meios judiciais, tantas vezes ostensiva e de gozo, escarnecendo dos que se manifestam civicamente críticos e preocupados com o clima de imoralidade reinante.

Utilizando as ferramentas do materialismo dialéctico e histórico, nada do quadro existente constitui surpresa. Vivendo sob um regime plenamente instalado e consolidado de capitalismo monopolista de Estado, regime articulado e submetido por um sistema global de domínio imperialista à escala planetária, as consequências daí resultantes não poderiam ser diversas: um país cronicamente atrasado e economicamente dependente, dirigido por uma burguesia burgessa e sem dignidade, com uma pequena/média burguesia  predominantemente simpatizante da direita e serventuária dos grandes grupos capitalistas, governado contra os direitos e aspirações de um povo resilientemente optimista e possuidor de apreciáveis qualidades humanas mas arrastando-se numa vivência adiada, sofrida, pobre e sempre à beira da miséria e da ignomínia.

Desmentindo a visão cor-de-rosa conformista e submissa, alimentada nos meios de comunicação do capital pelas teses dos "avanços e recuperações possíveis" que o governo PS olimpicamente nos impinge, a sociedade portuguesa volta a viver um novo período de agitação social, mobilizando-se em numerosos segmentos do mundo do trabalho assalariado e atingindo variados sectores sociais, em resultado dos generalizados sentimentos de frustração e de revolta que vão crescendo diariamente entre amplas massas do nosso povo e por fundadas razões: salários, remunerações e reformas praticamente congelados há uma década, com os minúsculos aumentos todos os dias "comidos" pelo aumento constante dos preços; sofríveis condições de atendimento às populações em todos os serviços públicos, na saúde, no ensino, nos transportes, na habitação, nas acessibilidades, no ambiente, nas águas e no saneamento, na cultura e fruição dos (poucos) tempos livres, na segurança, nos apoios aos mais frágeis - idosos, jovens, crianças -, na justiça, na gestão do território e destruição das riquezas do património nacional (industrial, agrícola, florestal, mineral, cultural), no desbaratamento das capacidades técnicas e científicas adquiridas pelas faixas etárias mais jovens. O seu recente aproveitamento, hipócrita e manipulador, por movimentos e partidos à direita do espectro partidário, não ilude os factos objectivos desse descontentamento.

Com o desenvolvimento dialéctico da realidade, um outro traço político relevante é a evolução do papel do oportunismo, cuja influência nas camadas populares vai inapelavelmente perdendo força, a cada dia mais desmascarado. No quadro dos entendimentos estabelecidos com o PS há três anos, a corrente oportunista de direita (derrotada no XVI Congresso do PCP) voltou a medrar, afirmando os "renovadores" que tiveram "razão antes do tempo" ao defenderem há muito uma linha política de alianças com o PS. Vale a pena, hoje, "revisita-los" (1). Reformistas, conviveram tranquilamente com este governo PS de António Costa, saudando superlativamente as migalhas do seu bodo aos pobres e defendendo - com a posição típica dos oportunistas sobre táctica/estratégia - a transformação de uma posição apresentada como táctica, num novo rumo estratégico para o PCP a prosseguir nas próximas legislaturas, um caminho para o qual os comunistas portugueses já não teriam qualquer alternativa! Parafraseando Lenine, querem arrastar-nos com eles para o pântano dos compromissos oportunistas e da conciliação de classes.

Entretanto, a actualidade da situação nacional enquadra-se no quadro geral da União(?!) Europeia, revelando fenómenos semelhantes aos observados noutros países integrantes. Ainda que de forma obviamente assíncrona e por vias diversas, resultantes dos seus distintos estádios  de desenvolvimento e diferentes graus de consciência social e política, nesta UE gestora do capitalismo vão assomando manifestações de rejeição e de revolta: a)  o sentido da votação do eleitorado inglês no referendo que decidiu o "Brexit", malgrado as contradições dos próprios promotores; b) as manifestações populares com dezenas de milhar de participantes em vários dos países - de que são exemplos mais recentes os movimento dos "coletes amarelos" em França e na Bélgica; c) os fenómenos de radicalização política à esquerda e à direita do espectro partidário, com resultados surpreendentes em recentes actos eleitorais, em linha com as mutações dos últimos anos e no sentido do desaparecimento das formações partidárias clássicas.

São os afloramentos visíveis de movimentos tectónicos mais profundos que vêm abanando os alicerces do sistema capitalista, agravando as suas contradições e fracturando os edifícios nacionais e transnacionais do Estado da burguesia, abrindo fendas importantes nos mecanismos de poder da grande burguesia europeia.

Em Portugal, replicando o fenómeno observável noutras paragens, também emergem ultimamente movimentações de recorte fascista. Há dias, uma personagem politicamente execrável e repelente que dá pelo nome de Proença de Carvalho, saiu à liça para declarar que as pessoas já não se revêem nos partidos existentes e que lhes falta uma força política que as represente. O óbvio apelo ao surgimento de um partido neofascista, mesmo que disfarçado de reflexão política teórica, não podia ser mais descarado. Como ele e com ele, outros se movimentam na mesma direcção.
A recente convocação de uma manifestação para esta sexta-feira, 21/12, com o mote "Vamos parar Portugal", pelo que se observa nas redes sociais está assente em ideias nacionalistas próprias da extrema-direita e do fascismo e beneficia da generosa divulgação e apoio das televisões e principais jornais diários e semanários do capital. As razões alegadas pelos seus promotores casam na perfeição com o justo descontentamento e o sentimento surdo de protesto de muitos milhares de portugueses. Dizendo-se alheios aos partidos e sindicatos, afirmam só querer "salvar" o país e dizem já ter asseguradas acções em autoestradas e várias capitais de distrito. Estranhamente (ou talvez nem tanto), a própria PSP informa publicamente a mobilização geral dos seus efectivos, afirmando que são esperadas "grandes manifestações naquela data", uma sexta-feira, sublinhe-se! Nem sequer o governo se salva, nessas posições de divulgação mascarada da acção neofascista, com membros seus afirmando-se bastante preocupados...Só falta mesmo que o grande patronato conceda tolerância de ponto aos seus explorados!

Existem duas razões principais para explicarmos o ascenso das formações fascistas e o eventual sucesso relativo destas acções, "inorgânicas" e aparentemente apartidárias, razões aplicáveis tanto no exame do panorama internacional como numa avaliação nacional: 1) O descontentamento real das classes e camadas populares da pequena burguesia e dos assalariados - por demais evidente entre nós, no desinteresse pela causa política e na elevada percentagem da abstenção nas consultas eleitorais -, frustradas pelas sistemáticas mentiras do neoliberalismo e pela traição das forças reformistas da social-democracia, nas quais foram acreditando estar a solução dos seus problemas e os do país; 2) A existência de um espaço político oposto insuficientemente ocupado, resultante do enfraquecimento, inacção e/ou ausência de forças políticas verdadeiramente democráticas, patriotas e de esquerda. E como em tudo na Natureza, também na política não há espaços desocupados ou em branco de forma duradoura; tarde ou cedo, estes espaços são ganhos pelos segmentos sociais e políticos mais activos e determinados.

Este conjunto de fenómenos tem um denominador comum e um nome: barbárie. A típica barbárie do capitalismo agonizante, vivendo a sua derradeira fase imperialista, transformado num sistema mundial criminoso, predador, despojado já das suas próprias regras e disfarces "democráticos", tripudiando sobre os direitos dos povos, caminhando para o seu fim e arrastando para o desastre povos e países inteiros, impotentes e paralisados pelos vírus da ideologia dominante, das inevitabilidades, do individualismo, do sucesso a qualquer custo, da xenofobia e do racismo, das inovações tecnológicas robotizantes dos comportamentos, anestesiando as pessoas com potentes aparelhos ideológicos e assim impedindo-as de reagirem e salvarem a sua própria condição de humanos.

Estudos sérios sobre a realidade económico-financeira mundial concluem que vem a caminho uma nova crise sistémica do capitalismo, com consequências talvez mais devastadoras que a anterior crise de 2007/8. De facto, tais "crises" não passam de procedimentos tornados padrão na fuga em frente do capital globalizado. Segundo o FMI, a dívida global atingiu no ano de 2017 o nº recorde de 184 triliões (milhões de milhões) de dólares, o equivalente a 225% do PIB mundial. Os EUA, a China e o Japão são os três maiores devedores, somando mais de 50% da dívida mundial. A percentagem da China tem vindo a subir, passando de 3% no início do século para os actuais 15% daquele total da dívida. Pelas suas fragilidades endógenas, criadas por décadas de destruição do nosso tecido produtivo e pela alienação ao capital privado das principais riquezas e empresas estruturantes da economia nacional, e, pelo seu lugar totalmente dependente no contexto imperialista europeu, de entre os países do Sul, Portugal será outra vez dos mais fustigados.

Perante este cenário (mais que provável, é absolutamente garantido), vão os portugueses voltar a aceitar passivamente o roubo de milhares de milhões de euros (até agora, já são mais de 20.000 milhões!) dos rendimentos e poupanças do trabalho, para serem imolados de novo no altar da banca privada, especuladora, mafiosa e predadora? Vamos continuar resignados face à destruição do SNS, transformado em promotor do negócio da saúde pelos privados à custa da degradação física e mental dos portugueses e aos milhares de vidas ceifadas prematuramente? Vamos continuar passivos perante a exaustão das reservas financeiras da S.Social, tornadas almofada para todas as tropelias "sociais" e roubos, designadamente os "investimentos" de milhares de milhões dos nossos descontos em fundos financeiros internacionais, "derretidos" ao sol da especulação e saque das principais bolsas mundiais? Vai o nosso povo aceitar sem luta a continuação da entrega ao capital, voraz e insaciável, do nosso ensino e da nossa educação, tornados mordomias para os filhos dos ricos e totalmente vedados aos filhos dos trabalhadores? Vamos continuar a testemunhar a degradação dos transportes, especialmente o ferroviário, a depravação dos nossos equipamentos e infra-estruturas, o aviltamento da nossa dignidade e a liquidação dos nossos direitos essenciais ao bem-estar, à cultura e ao lazer?

Tudo isto, toda esta destruição da vida colectiva do nosso povo é "explicada" e justificada pelo governo de turno do PS com a mentirosa "falta de recursos" financeiros, enquanto vamos vendo anualmente serem embolsados pelos capitalistas dezenas de milhar de milhões de euros, pela via das amortizações dos "empréstimos" tipo FMI, pelos pagamentos anuais dos juros do "serviço da dívida"(cerca de 8.000 milhões de euros por ano), pelas Parcerias Público-Privadas, pelos contratos swaps, pelos perdões fiscais concedidos aos monopólios. Em consequência, o fosso entre a minoria dos mais ricos e a população em geral continua a crescer. Vivemos de novo uma época de encruzilhada, complexa e difícil, mas a escolha final é nossa, dos trabalhadores e restantes massas populares. A nós, marxistas-leninistas, compete o indeclinável dever e a grande responsabilidade de estimular e encabeçar/dirigir a luta contra a política de direita praticada pelos governos do capital - como é o caso deste actual do PS -, ligando-nos mais e melhor aos trabalhadores, aprendendo com eles, dando provas de fidelidade ao proletariado e às suas lutas, guiando-nos sempre pelo seu conteúdo e interesses de classe.

Vão amadurecendo dia-pós-dia as condições apontadas pelos mestres clássicos do marxismo: os de baixo já não aceitam ser governados como até aqui e os de cima já não conseguem governar como dantes. No previsível quadro de um agudo agravamento das contradições existentes, uma crise revolucionária chegará. De facto, já vem a caminho e ao nosso encontro, inevitável para a burguesia e ansiada pelo proletariado. Quando chegar, como nos vai encontrar a nós, comunistas?  Devemos responder, firmes e preparados, capazes de transformar a crise em situação revolucionária, porque é essa a nossa intransmissível obrigação de classe. A insurreição do Trabalho contra o Capital, estilhaçando o aparelho de domínio deste, acontecerá mais cedo que tarde, tão mais cedo quanto os explorados o quiserem e decidirem.

Duas notas finais: a primeira nota, para reafirmar uma verdade historicamente há muito estabelecida, a saber, as revoluções não nos caem do céu, pelo contrário, nós é que temos que avançar no "assalto aos céus". Desde 1871, com a percursora Comuna, sabemos que assim é. E a próxima revolução não tem data, não surgirá por decreto nem será legislada por maioria na Assembleia da República - tal como não a alcançaremos por via de eleições "democráticas", numa qualquer "democracia" burguesa como a actual e com as classes exploradoras a aceitarem pacificamente o seu fim. Só sob a direcção do proletariado, organizado pelo seu partido de classe, será realizável a insurreição popular vitoriosa dos explorados, assente numa ampla aliança de classes e camadas anti-monopolistas e anti-imperialistas; a segunda nota, para recordar que o atentismo, o espontaneismo e o pragmatismo reformistas, com o seu cortejo de ilusões burocráticas numa progressão etapista entre capitalismo e comunismo, adiam "sine die" a libertação das classes produtoras, reduzindo-as à condição de classes "sindicalistas" e esgotando o seu potencial de combate nas lutas economicistas, ao mesmo tempo que vão transformando subjectivamente os partidos proletários/comunistas em protagonistas da conciliação de classes, partidos amarrados às fantasiosas "vantagens" de uma pacífica co-gestão do sistema capitalista, sempre anunciada como a caminho do socialismo e do comunismo, traindo as aspirações e os interesses mais profundos da classe operária e de todos os trabalhadores. Com exemplos infelizmente abundantes no Europa e no mundo, partidos comunistas que, anteriormente revolucionários, transitaram para a triste condição de partidos da esquerda do sistema. Alguns deles, falando das realidades políticas como leões da "problemática", têm sempre saídas de sendeiro quando lhes exigimos coerência e solidez na "solucionática".

Nota (1)
https://www.rtp.pt/noticias/politica/renovacao-comunista-assinala-enorme-viragem-apos-15-anos-a-reclamar-convergencia_n872374

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