SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Grécia: mais um testemunho, insuspeito e em directo.


Todos aqueles que acompanhamos o desenvolvimento da situação sócio-política na Grécia vamos tendo conhecimento do brutal agravamento das condições de vida dos trabalhadores e do povo gregos, resultado directo da manobra de ocupação e espoliação selvática que neste país - nosso irmão de infortúnio - está a ser operada pela UE imperialista, de mãos dadas com os EUA.

Aqui se transcreve mais um testemunho da situação existente e, de forma implícita, também do carácter contraditório das avaliações que são feitas - lá, como cá - aos acontecimentos em curso e às saídas que restam aos povos, para se libertarem e sacodirem este jugo que lhes é "democraticamente" imposto.

E, exactamente por tudo isso, é nosso dever reforçar os laços de solidariedade combativa e de classe com os nossos camaradas gregos, honrosamente na primeira linha do duro combate que hoje se trava, na pátria helénica, entre explorados e exploradores.



"A GERAÇÃO CONDENADA DA GRÉCIA

Depois de um ano de austeridade, nós gregos vimos o nosso país e as nossas vidas ficarem irreconhecíveis.

Um ano depois de o Fundo Monetário Internacional e a União Europeia terem imposto a sua própria agenda infame à Grécia, a vida aqui mudou radicalmente. Quem tem entre 18 e 24 anos de idade, o mais certo é estar desempregado como 40% da sua geração. Quem tem trinta e poucos anos e um emprego, é provável que seja em tempo parcial e flexível. É possível que não o imagine estável e não faz ideia do tempo que irá durar. Os salários caiem gradualmente, não se pode fazer greve, não podemos organizar de forma coletiva e nem sequer exigir que nos paguem. As férias estão fora de questão, adoecer é um risco demasiado grande e não é possível ter casa própria.

Os jovens gregos não podem fazer escolhas normais na vida: não podem planejar o presente, quanto mais o futuro. Mas dizem-lhes – e muitos sentem-no - que não se podem queixar. Afinal pertencem a uma geração condenada.

A maior parte dos gregos deixou de ver as notícias ou de pensar sobre a razão de isto estar acontecendo. Mas toda a gente fala entre si sobre o que se está se passando: amigos, filhos e pais, comerciantes, taxistas, professores - todos dizem que esta austeridade é desleal e injusta, mas também todos se sentem inseguros e receosos: ao fim e ao cabo não há nada que possam fazer. Esta nova realidade parece ter sido lançada sobre nós - quase como um fenómeno sobrenatural. Dizem-nos que arcamos com as culpas da crise porque "todos nós andamos na vadiagem e gastamos para além das nossas possibilidades" - mas os que sofrem mais sabem que não tiveram nada a ver com isto.

Ainda não se passaram 12 meses desde que esta crise começou, mas as pequenas histórias que ilustram a mudança estão sempre aparecendo: sem-abrigo a vasculhar os caixotes do lixo à procura de comida, amigos despedidos sem indemnização ou aceitando cortes salariais, a polícia reprimindo cidadãos em protesto, escolas e hospitais que fecham, professores e médicos que perdem o emprego, jornalistas censurados, sindicalistas perseguidos, ataques racistas no centro da cidade. Legalidade, maioria, democracia e igualdade começam a parecer palavras sem nexo.

De repente, as coisas que aconteceram há apenas um ano em lugares remotos, subdesenvolvidos – como para provar a sorte que tínhamos por pertencer à civilizada Europa – estão a acontecer agora, aqui, na Grécia. Mas os gregos não podem queixar-se, não podem reagir, porque lhes dizem que a culpa da crise é deles – mesmo quando toda a gente sabe que não pode ser apenas culpa deles.

Mas para além da cobertura mediática dominante e das declarações das elites e dos políticos, cada vez mais pessoas sentem a falta de sentido, de racionalidade, justiça e liberdade na sua vida cotidiana. Alguns recusam-se a pagar taxas sobre os transportes e nos hospitais, portagens e dívidas e outros criam pequenas redes de solidariedade locais, comércio alternativo ou auto-educação nos seus bairros. Alguns lêem blogues e contam histórias diferentes, reconfirmando a sua dignidade com actos humildes, diários, de resistência, porque sentem a diferença entre "nós" e "eles" que nenhum meio de comunicação social ou discurso estatal consegue obscurecer.

Um povo inteiro não pode viver no isolamento, sentindo medo e culpa por muito mais tempo, encarando um futuro cheio de problemas que não podem ser resolvidos. O que o FMI e os políticos gregos sabem e receiam é que um povo oprimido possa aprender a comunicar sem falar, a avançar sem parecer que se mexe, a resistir sem resistir - gradualmente as pessoas irão descobrir-se umas às outras e perceber o que se está a passar e de quem é realmente a culpa. E depois, como aconteceu em dezembro de 2008, haverá uma reacção em massa aqui na Grécia, uma reacção que poderá ser violenta e que irá uma vez mais ser classificada de imprevisível e irracional."


Testemunho de Hara Kouki, historiadora e investigadora grega.

(Texto publicado no "Guardian" e traduzido e transcrito no site "Controvérsia")


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