SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Democracia Participativa e Democracia Representativa

DUAS FRASES PARA TODOS OS DIAS

(...)"É, ao mesmo tempo, necessário definir-se mais concretamente, em cada situação concreta, a democracia pela qual se luta. Numa situação dada, num momento dado, pode, por exemplo, a luta pela democracia dar grande relevo à luta pelo reforço dos elementos de democracia directa e participativa a par da democracia representativa.
As eleições são um dos elementos-base de um regime democrático, mas só assim podem ser consideradas se respeitam a igualdade e se são impedidos os abuso do poder, as discriminações e exclusões. Se estas condições não são conseguidas, as eleições tornam-se uma fraude, um grave atentado à democracia e um instrumento da monopolização do poder, por vezes em alternância, pelas forças políticas ao serviço do capital."(...)
(Álvaro Cunhal, in "As seis características
fundamentais de um partido comunista",
2001)



No decurso dos últimos anos, a par da consolidação do neoliberalismo no plano económico-financeiro, no plano político foi ficando cada dia mais evidente o esgotamento da chamada "democracia parlamentar" burguesa. Mesmo de dentro do sistema, foram e continuam sendo levantadas interrogações e preocupações quanto ao rumo político que seguem as democracias do sistema.
A contradição existente, entre a evolução da consciência sócio-política e cultural das pessoas-cidadãos - lenta, mas imparável - e o conservadorismo do modelo de representação política utilizado pela burguesia desde os primórdios do seu ascenso como classe e sujeito histórico, vem conduzindo a um conflito crescente entre as aspirações das massas e o espartilho institucional da democracia parlamentar. Na verdade, a crise profunda em que mergulhou a democracia representativa parlamentar burguesa é já hoje visível em todo o mundo.

Também entre nós assim sucede. O descrédito do Parlamento e dos deputados, o descrédito de "os partidos" lá representados, o descrédito dos políticos, o descrédito da actividade política, são por demais evidentes. São uma consequência das práticas das instituições representativas do Estado burguês e dos agentes desta forma histórica de democracia, em fase adiantada de esgotamento. A eleição da nossa Assembleia da República - à semelhança de tantas outras - deixou de traduzir uma efectiva manifestação de democracia representativa. De um universo de milhões de cidadãos-eleitores emana uma assembleia de 250 "representantes", que nada representam das aspirações populares mais profundas, que nada liga de facto aos eleitores que os elegeram, inteiramente sujeitos aos ditames do capital - através dos "capos" partidários que os nomearam - e que agem impunemente ao longo dos quatro anos do "mandato" ( muitos deles conseguindo garantir essa condição durante décadas!). Evidentemente, todos se dizem fervorosos defensores das liberdades e do regime democrático.

Os resultados estão à vista: trinta e cinco anos depois Abril, várias revisões constitucionais mutiladoras, aprovadas todas as medidas legislativas da contra-revolução: privatizações, leis anti-laborais, destruição de conquistas sociais na saúde, na educação, na segurança social, leis contra as liberdades políticas (Leis dos partidos, tendo por alvo o PCP), leis de reconfiguração do aparelho do estado inteiramente ao serviço dos monopólios, leis de governamentalização da justiça, da segurança e das forças armadas, etc, etc. A descaracterização da democracia parlamentar acaba de ter mais um elucidativo (e recorrente) episódio, com o 1°ministro a afirmar no congresso do P"S" que irá de novo, nas próximas eleições legislativas, "candidatar-se" ao cargo.
As manobras, os golpaças, as trafulhices, as práticas constantes de ignóbeis politiquices, a corrupção impune e descarada, as obscenidades nos confrontos verbais (última aquisição), se as fossemos tratar de forma exaustiva dariam para escrever muitas páginas, esclarecedoras quanto ao grau de degradação política já atingido. E não é esse, sequer, o propósito deste escrito, apesar de estar na ordem do dia realizarmos tal crítica sistemática ao regime actual.

Estas são as actuais condições objectivas. Com um pesado cortejo de consequências terríveis para os trabalhadores e para o país. São condições objectivas que todos os dias se aprofundam e apodrecem e que tornam possível e oportuno o lançamento, no âmbito da nossa acção subjectiva, de uma discussão sobre os limites e o esgotamento desta "democracia", a par das propostas para a sua superação criadora. Tais propostas, tornam-se ainda mais necessárias num enquadramento global que configura a maior crise do sistema capitalista-imperialista, crise que chama para a actualidade do combate ideológico a nossa afirmação do caminho rumo a uma sociedade socialista.

Cada vez mais as etapas actuais do combate pela democracia terão que se ir conjugando ou fundindo com o nosso projecto revolucionário de construção do socialismo. A acelerada perda de capacidade de atracção do capitalismo, o crescimento do sentimento de descrença sobre as suas capacidades de superar a crise actual em favor dos trabalhadores e dos direitos dos povos, abre um espaço novo para a nossa intervenção audaciosa e confiante. Neste quadro, a par da nossa afirmação que a verdadeira alternativa a este capitalismo senil será o juvenil socialismo, cabe aos comunistas afirmarem e fundamentarem o seu distinto projecto de democracia política. Assim, a par da afirmação conjugada das nossas cinco vertentes programáticas - política, económica, social, cultural e de independência nacional - deveremos trazer para primeiro plano, na batalha das ideias, as soluções de organização e funcionamento políticos do nosso projecto socialista.

Esta inflexão/adequação táctica ganha actualidade porque é bem possível que hoje, e cada vez mais, os trabalhadores e os democratas patriotas sintam vontade de nos colocar a seguinte interrogação: "Está bem, vocês estão com a razão, a situação é péssima e sem perspectivas, este sistema é incapaz e politicamente corrupto, cada dia estamos mais descrentes que venham a surgir soluções justas para os nossos graves problemas. Mas, então, que tipo de sistema novo e melhor têm vocês, comunistas, para nos propor e que substituísse com vantagem o existente?". Devemos corresponder a esta provável interrogação, antecipando-nos e respondendo com a verdade do nosso ideal. Afinal, trata-se de afirmar e desenvolver a nossa formulação de democracia participativa – agora, para ser realmente participada - , a democracia de base popular e com dimensão de massas que defendemos. Isto é, invertermos os termos da equação dominante, democracia representativa/democracia participativa, com o objectivo de transformar a segunda no escopo político principal da luta e da intervenção cívica do nosso povo.

É necessário intercalarmos agora uma outra questão, em íntima conexão com as precedentes.
Frequentemente nos interrogamos - e nos interrogam - porque razões nos sindicatos, nas comissões de trabalhadores, de moradores, nas colectividades e no movimento associativo em geral, nas autarquias, o nosso peso de representação social e política aumenta, em comparação com o nosso peso eleitoral nacional.
Essencialmente, penso que este facto se deve, por um lado, à maior objectividade dos problemas e questões em equação e debate e, por outro, à nossa muito maior proximidade com os outros, o que permite que nos vejam tal como somos e não "filtrados" pelo aparato político das instituições e descaracterizados pelos aparelhos ideológicos à disposição da grande burguesia.

Este fenómeno favorece-nos especialmente a nós, mas atenção, não é uma prerrogativa dos comunistas. Trata-se de uma tendência que tem validade e aplicação geral: quanto mais próximo está o candidato ou eleito do universo eleitoral respectivo, mais conhecido/reconhecido ele é - e ele próprio melhor conhecendo a realidade -, maior é a democraticidade electiva e melhores serão as escolhas a fazer pelos que elegem.
Os comunistas, os marxistas-leninistas, têm uma concepção do exercício do poder profunda e sinceramente democrática. Incomparavelmente mais profunda e elevada que a de qualquer outra corrente ou formação política. Nós concebemos, de facto, o exercício do poder político pelo povo e para o povo. Rejeitamos concepções elitistas, tal como as golpistas, umas e outras estranhas ao nosso projecto e ao socialismo. A nossa estratégia e a nossa táctica são inteiramente fundadas na mais profunda convicção, política e ideológica, de que os povos são plenamente capazes de escolher os seus caminhos, rumo à verdadeira liberdade e felicidade humanas. Tal como ocorre com os postulados do Manifesto do Partido Comunista, assim também sucede com as estrofes da Internacional, para nós mais que um hino, pois encerra um projecto político e uma declaração de profunda e inabalável confianças nas massas trabalhadoras e humanas em geral -"Não mais senhores", nem "messias, deus, chefes supremos"e sim, pelo contrário, "Façamos nós por nossas mãos, Tudo o que a nós diz respeito", ou seja, "Uma terra sem amos". Em resumo, colocamos como objectivo central, do nosso combate e da nossa existência, a realização de uma verdadeira democracia de base, popular e socialista.
O Programa do PCP, aprovado no XIV Congresso, em Dezembro de 1982, no seu capítulo II, 1° ponto, na definição que dá ao nosso projecto de uma democracia avançada no âmbito político, entre numerosas outras proposições, no ponto 8. afirma: "A participação popular permanente no exercício do poder será assegurada não apenas através de formas próprias da democracia representativa, mas também das formas de democracia directa e participativa.". Em seguida, desenvolvemos, em doze importantes itens, outros tantos direitos dos cidadãos, das organizações dos trabalhadores e de outras camadas e organizações específicas - pequenos e médios agricultores, pequenos e médios comerciantes e industriais, intelectuais e quadros técnicos e científicos - a par de vários outros direitos de participação - sobre as situações das mulheres, dos jovens, dos reformados, dos deficientes, dos emigrantes, na gestão popular na administração da justiça, da segurança social, da saúde, do ensino, da cultura, do desporto, do ambiente, da administração pública, etc. Cobrindo praticamente todos os sectores e camadas sociais para a participação no exercício do poder político, são importantes propostas, sobretudo porque destinadas a uma etapa de transição entre o regime criado pela Revolução Abril e a futura sociedade socialista.
Então, como deveremos difundir a nossa concepção de democracia, para os tempos presentes como para os tempos seguintes, da construção socialista? Para simplificar e resumir, devemos tomar de empréstimo uma conhecida fórmula publicitária, de uma marca de ferramentas, propondo: "Na política, 'Faça você mesmo' - Não aliene os seus direitos para os outros". Ou seja, devemos propor aos trabalhadores e às massas populares que não mais devem aceitar delegar, em duas centenas e meia de indivíduos e por quatro anos, a totalidade da sua representação política, a defesa de todos os seus direitos, a gestão de toda a sociedade portuguesa, a defesa da soberania e dos interesses nacionais. Ao contrário, os trabalhadores e o povo devem criar novas formas de organização e intervenção políticas, assentes na sua participação directa e constante, sustentada num modelo participativo/representativo que parta da base para o topo e não o inverso.


A terminar, coloco ainda duas ou três ideias, para discussão, sobre as nossas propostas futuras para a construção socialista.
Toda a representação política deve partir de órgãos políticos de base e locais, eleitos ao nível de cada empresa ou conjunto de empresas - por exemplo, pólos industriais - dos bairros, de serviços de administração pública; de uniões regionais de pme's, de agricultores, de agrupamentos escolares (incluindo universidades), de estabelecimentos hospitalares, da justiça, da defesa,etc -, órgãos políticos que por sua vez elegem órgãos distritais e estes uma assembleia popular nacional, que nomeia um poder executivo.
Todos os cargos electivos não executivos são exercidos com a dispensa ao trabalho que for necessária e sem perda de vencimento ou outros direitos; os cargos executivos remunerados são-no pela compensação dos vencimentos que auferiam nas suas ocupações profissionais; todos os cargos são destituíveis a todo o tempo, pelos que os elegem.
Pessoalmente - perdoem-me o pretenciosismo - assumo-me como "soviético", como activo simpatizante com a “velha” organização dos sovietes, na época de Lenine. Tudo o que tenho pensado acerca da questão do exercício democrático e da representatividade política popular me conduzem sempre à mesma conclusão: não há modelo mais moderno e avançado que esse. Se de facto entendermos que é assim, trata-se então de o assumir e, adequando-o criativamente à nossa realidade, convictamente o propagandear e propor ao nosso povo, como aquele que consideramos o melhor, como o adequado para a construção pelos trabalhadores de um Estado Socialista para todos os portugueses.

Como todos sabemos, a questão da organização política do Estado - que devemos defender e propor - é verdadeiramente a questão-chave de todo o Programa do Partido, desde o Manifesto e desde Lenine até hoje. Por tal razão, é uma tarefa central propagandearmos a nossa proposta de uma Democracia Avançada (Para o Século do Socialismo) uma proposta que, recolhendo o que de mais avançado Abril criou, o desenvolva e torne actual e politicamente mobilizador dos trabalhadores, da juventude, das camadas sociais aliadas e das mais amplas massas populares. Com a classe operária ocupando o seu lugar de vanguarda, unida a todos os assalariados e à intelectualidade progressista, eis aqui o que constitui a nossa primeiríssima prioridade nas tarefas de organização, na intervenção e na luta política, no caminho da contestação e consequente superação transformadora da pantanosa – e perigosa – situação actual.

Decorreram já dezasseis anos desde o XIV Congresso do PCP, onde foi aprovado o Programa do Partido em vigor. Do seu III capítulo ( o Socialismo, Futuro de Portugal), transcrevo três parágrafos inteiramente actuais:

"A democracia avançada no limiar do século XXI que o PCP propõe ao povo português visa resolver muitos dos mais graves problemas actualmente existentes. Mas a liquidação da exploração capitalista, o desaparecimento geral e efectivo de discriminações, desigualdades, injustiças e flagelos sociais é tarefa histórica que só com a revolução socialista é possível realizar."

"A experiência [na construção da sociedade socialista] revela ainda que para impedir um distanciamento entre os governantes e as massas, o uso indevido do poder político, o abuso da autoridade, a não correspondência da política e das realidades com os objectivos definidos e proclamados do socialismo, desvios e deformações incompatíveis com a sua natureza - são essenciais o exercício efectivo do poder pelo povo, o controle popular e a consideração permanente do aprofundamento da democracia"

"A experiência revolucionária mundial, assim como a experiência da revolução portuguesa, já mostrou que, na construção de uma nova sociedade, a iniciativa e a criatividade das forças revolucionárias e das massas populares contém imensas e por vezes inesperadas potencialidades e que as soluções adoptadas pelo poder político, além de deverem estar permanentemente sujeitas a fiscalização institucionalizada, carecem de ser aferidas pela prática e de serem sujeitas a mudanças e correcções que a vida e a vontade dos povos imponha ou aconselhe".




Sem comentários: