SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

domingo, 29 de março de 2009

A NOVA CIMEIRA CAPITALISTA E UMA METÁFORA ACTUAL


Dentro de quatro dias tem lugar nova cimeira do G-20, desta vez em Londres, tendo por anfitrião Gordon Brown, um dos mais dedicados defensores da facção imperialista norte-americana, que vem visitando várias capitais dos países que integram o Grupo, esforçando-se por conseguir a quadratura do círculo, isto é, um entendimento e soluções para a crise. Entretanto, nas últimas semanas têm-se multiplicado as declarações governamentais sobre os hipotéticos resultados de mais esta tentativa dos G-20 para consertarem o sistema capitalista mundial, a braços com a sua própria incapacidade para solucionar os múltiplos problemas que a sua crise económico-financeira está a provocar. Uma crise que teve início no sistema financeiro mas cuja origem mais profunda está na baixa persistente das taxas de lucro durante décadas, a par de uma nova etapa de super-produção conjugada com o esmagamento do poder aquisitivo de biliões de assalariados por todo o mundo e o empobrecimento acelerado de vastas camadas da pequena burguesia, consequências da baixa continuada dos salários reais e do estrangulamento financeiro operado pelos cortes no crédito.
Um exemplo esclarecedor do estado actual do sistema e da sua estrutural incapacidade de auto regeneração é a situação dos bancos norte-americanos. No epicentro da crise financeira que empurrou a economia capitalista mundial para o barranco, têm um buraco de 3 triliões de dólares – 3 milhões de milhões -, enquanto os seus activos somam apenas 1,6 trilhões, isto é, estão técnica e literalmente insolventes, falidos.
A autêntica avalanche de recursos públicos entregues aos banqueiros somam já, desde o início da crise, vários trilhões de dólares. Mas, insaciáveis, bancos e outros aglomerados económicos prosseguem na sangria dos dinheiros dos contribuintes. O último orçamento-plano de resgate da economia apresentado pela administração de Barak Obama, destinando um trilião para financiar investidores privados que queiram prosseguir com o processo especulativo, comprando os chamados lixos tóxicos acumulados pelos bancos, nada resolverá além de aumentar ainda mais a monstruosa dívida pública norte-americana.
Gordon Brown, durante dez anos ministro das finanças de Tony Blair, vai pedir aos G-20 100.000 milhões de dólares para créditos de estímulo ao comércio internacional, enquanto a banca continua a arrecadar sem investir um único cêntimo destes caudais financeiros de que é a principal beneficiada. O Japão anuncia que vai despejar mais 200.000 milhões de dólares na economia nipónica. A Austrália anunciou um plano de investimentos de 26.500 milhões. Em Fevereiro passado, o parlamento do Canadá aprovou um pacote de 32.000 milhões. Desde as greves e manifestações de Janeiro, em França o governo anunciou um plano de 33.100 milhões. A Alemanha, também em Fevereiro, aprovou um pacote de estímulo de 63.000 milhões. A Itália, que tem hoje a 3ª maior dívida do mundo, já tinha aprovado no final de 2008 um pacote de emergência de 102.000 milhões.
Ângela Merkel, dirigente de serviço da mais forte economia da U.E., recusando ontem a injecção de demasiados dinheiros públicos para relançar as economias europeias, já avisou que não se devem esperar grandes mudanças e soluções desta reunião dos vinte mais ricos. No seu conjunto, a U.Europeia, atravessada por divisões e contradições insanáveis entre ricos e pobres e remetendo as soluções para os governos nacionais, não deixará todavia de continuar obrigada a doar mais milhões aos seus bancos, ao mesmo tempo que vai nacionalizando as suas parcelas de prejuízo.
Enquanto os governos tentam manobrar o melhor possível dentro do furacão da crise, os média ao serviço destas políticas estão cheios de debates entre neoliberais, keynesianos ortodoxos e heterodoxos, liberais “ligth” e outros afins, todos perorando sobre os caminhos para saída da crise, entretendo a opinião pública com análises e comentários, ultimamente sobre os bónus milionários pagos aos directores financeiros ou sobre os malefícios dos paraísos fiscais e medidas para os “disciplinar”.

À medida que isto decorre nos planos político e financeiro, os dados sobre a economia real continuam a deteriorar-se. A produção industrial não cessa de cair, o comércio internacional continua a recuar, as bolsas oscilam entre pequenos ganhos e uma linha contínua de quedas crescentes. As últimas previsões de crescimento da economia chinesa, hoje transformada em alegada tábua de salvação do sistema global, vão baixando a cada mês, agora com o Banco Mundial a anunciar que será de 6,5%, enquanto a estimativa do mesmo banco para o crescimento mundial é de 0,9%. Análises de um grupo de estudos europeu, que se tem notabilizado pelo alto grau de acerto das suas projecções – o GEAB – anuncia que a crise sistémica demorará entre três e cinco anos ou como alternativa, no caso de as suas sugestões de solução não serem seguidas, toda uma década.
Nesta cimeira capitalista, marcada para o próximo dia 2, para além das já usuais declarações de convergência e unidade de objectivos, vão falar de medidas de regulação, de políticas orçamentais, de controle cambial, de reformas no FMI e no Banco Mundial, prometendo uma mais alargada composição na sua gestão, etc. Mas o que de facto vai estar em cima da mesa são as contradições insanáveis entre os mais poderosos e os emergentes, em disputa pelos melhores nacos dos despojos que uns e outros já há muito sabem que vão resultar das mortes e feridas económicas profundas que a crise já está a originar por todo o mundo. Economias frágeis caminham para o colapso, enquanto as menos dependentes vão entrando em forte recessão.
Ao mesmo tempo, primeiro a Rússia e agora a China, usando declarações que visam pressionar sobretudo os EUA mas que não deixam de intimidar igualmente a EU e o Japão, vêm reclamando uma nova divisa mundial que substitua o papel de comando que o dólar vem desempenhando no mercado mundial. Um rotundo “não”, foi a resposta imediata dos visados, que contaram com o silêncio conivente dos governos dos países seus dependentes. Obama foi mesmo acintoso na recusa, declarando o dólar e a economia norte-americana "a mais forte do mundo, com o sistema político mais estável do mundo", ao mesmo tempo que acaba de decidir o reforço da sua máquina de guerra no Afeganistão, somando aos 17.000 militares já enviados mais 4.000 e centenas de "civis", sob a estafada alegação da necessidade de intensificarem a luta contra o terrorismo e a Al-Qaeda (uma criação dos neonazis bushianos).
Brasil, Índia, dois outros "brics", vão fazendo o que podem – o que em termos efectivos é bem pouco – procurando não perder muitas posições no festim que se prepara, a curto/médio prazo, com os grandes engolindo os mais pequenos. Em resumo, esta cimeira dos G-20 vai aprovar medidas paliativas, apresentadas como grandes avanços na concertação de posições, mas não vai conseguir dar um único passo em frente no apregoado caminho para a saída da crise, dada a gravíssima situação existente e as profundas contradições que os minam.

As consequências políticas já vão aparecendo à luz do dia. Caem governos, na Islândia, Letónia, Hungria, República Checa; outros, imploram por apoios de emergência, como a Ucrânia e a Polónia. A contestação popular radicaliza-se noutros, como na França, Grécia, Itália, também Portugal. A tendência na América Latina aponta para crescentes reivindicações populares de radicalização dos processos progressistas em curso, enquanto os países africanos e asiáticos irão decerto viver também processos políticos conturbados. Ontem mesmo, dezenas de milhares de manifestantes em Londres, em contraponto à reunião dos G-20, reclamaram por medidas contra a pobreza, pela criação de empregos e por outra justiça social.
No plano social, recusando-se a gastar um cêntimo dos colossais lucros acumulados durante anos, os grandes grupos económicos e as grandes empresas monopolistas querem prosseguir e alargar os despedimentos – até hoje já somam milhões os novos desempregados -, reduzir salários, intensificar a precarização do trabalho, aumentar as jornadas de trabalho, liquidar regalias e conquistas alcançadas pela contratação colectiva. Querem aprofundar ainda mais, até níveis de ruptura civilizacional, a redução contínua da magra fatia do factor trabalho na divisão da riqueza criada, com o correspondente aumento da já grossa fatia do capital.
Estas intenções de uma verdadeira guerra social têm o mérito de operar uma clara linha de separação das águas entre os dois campos, capital e trabalho.Para a esquerda em geral trata-se de escolher o campo justo, o campo dos trabalhadores e dos explorados, lutando com eles por uma viragem decisiva na correlação de forças, nos planos nacional e mundial, recusando os cantos de sereia dos que a querem conduzir ao pântano da conciliação de classes, à co-gestão com os capitalistas, que vão continuar a anunciar, através dos seus meios de manipulação de massas, que querem moralizar, renovar, reinventar o capitalismo, o bom, o democrático, o social, o ecológico. Escolhendo o campo oposto, tal esquerda estaria a trair-se e a negar-se. E, no campo da esquerda, o segmento marxista-leninista assume naturalmente a maior e principal responsabilidade política, tal como as organizações sindicais de classe são chamadas a desempenhar o papel operacional central, um e outras desempenhando um papel decisivo na renhida luta de classes que se agudizou e intensificou com a actual crise do capitalismo.

Aqui chegados, torna-se oportuno recorrermos a uma conhecida metáfora, muito actual nos dias de hoje, a do copo meio. Perante um copo meio, tanto se poderá dele dizer que é um copo meio-vazio como um copo meio-cheio. E, de facto, ambas as afirmações são verdadeiras. Todavia, cabe ao sujeito que observa o copo meio nomear aquilo que vê, melhor, aquilo que escolhe ver, sendo certo que o resultado prático da sua escolha vai determinar o seu posicionamento sobre o estado do objecto e, afirmando-o publicamente, influenciará quem o escute.
De modo semelhante à nossa metáfora, também os sujeitos de esquerda – sejam eles indivíduos ou entidades colectivas (no caso, partidos revolucionários e sindicatos) - , observando e agindo sobre a realidade objectiva desta crise, têm de escolher, no plano subjectivo, se decidem pensar que esta crise vai ser resolvida nos marcos do capitalismo, sendo bastante procurarem resistir, manobrando para não perder muito – isto equivale a ver o copo meio vazio, agindo para que não se esvazie muito mais -, ou se, pelo contrário, considerando que vivemos um período de viragem histórico, decidem alargar e intensificar a luta, travando todos os combates necessários para ganhar terreno ao inimigo de classe, com o objectivo de, aproveitando uma fragilização conjuntural do adversário, alterar a correlação de forças existente num sentido favorável aos trabalhadores e aos povos, na perspectiva do socialismo – isto será ver o copo meio cheio, exigindo-nos todos os esforços e energias para procurarmos enchê-lo o mais possível.
Nenhum de nós pode antecipar o rumo dos acontecimentos actuais, as formas da ruptura que visamos para operar a viragem democrática e patriótica, como se operará a revolução que é nossa obrigação realizarmos. Mas já sabemos que a luta é o caminho e que o sujeito principal desse processo será o movimento operário e sindical de classe, em unidade com as outras classes e camadas sociais igualmente atingidas, sob a direcção política do Partido Comunista Português. Em Portugal, por razões históricas e de classe, afortunadamente e ao contrário de muitos outros países e povos, existe – há 88 corajosos anos - um PCP solidamente organizado e ligado às massas, desfrutando de um prestígio crescente entre os trabalhadores, possuidor de um profundo conhecimento das realidades portuguesas, capacitado com quadros e com ideias para avançar o caminho e as soluções para a gravíssima situação actual. Sendo esta a realidade portuguesa, cumpramos então com honra aquele que é o nosso dever, colocando-nos audaciosamente à frente dos sectores sociais mais avançados, trabalhando para os unir e mobilizar para a acção, para a luta que mudará o infeliz e humilhante rumo actual do país. Confiantes que o povo, escutando a nossa voz, clara nos objectivos e convicta, compreenderá que o caminho apontado pelos comunistas é afinal o seu caminho, o caminho do progresso e da mudança.

Nesta exaltante caminhada, será um grande passo aquele que preparamos para a grande Marcha de Maio. Não permitamos que quem quer que seja - comunista, trabalhador, democrata, patriota - , por ignorância, desconhecimento ou desatenção, subestime a sua importância e a sua responsabilidade, perante os desafios do futuro de um povo que já foi capaz de fazer Abril.
Fazendo mais uma vez uso da nossa metáfora, devemos intervir e agir para que o nosso povo tome como sua a tarefa de acabar de encher o copo - meio cheio! - e o faça finalmente transbordar.

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