SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Davos, os "Emergentes" e a luta dos povos


Davos

Encerrou hoje em Davos, na Suíça, mais uma edição da reunião anual dos executivos do capitalismo que dá pelo nome pomposo de "fórum económico mundial", com a presença de 2.500 participantes, oriundos de 90 países. É sabido que não é neste "fórum" - que se realiza desde 1971, nesta localidade suíça - que se decidem as grandes orientações para o capitalismo globalizado. Tais orientações são acertadas em reuniões bem mais restritas e que nunca vêm a ser do conhecimento das opiniões públicas nacionais. Mesmo no decurso do próprio "fórum", noticiaram as agências de informação que tiveram lugar reuniões restritas a alguns dos maiores banqueiros e principais dirigentes das instituições capitalistas mundiais, à porta fechada e sem divulgação pública das discussões havidas. Mas estas reuniões anuais em Davos constituem um instrumento de unificação do pensamento estratégico do capital, permitindo-lhe congregar a intervenção político-ideológica dos seus principais executantes.

Traço comum às suas últimas edições, também na edição deste ano resultou clara a preponderância política dominante do capital financeiro, capitaneado pelos grandes trustes bancários, sobre os segmentos outrora dominantes do capital industrial-produtivo. A confirmá-lo, ficam as recusas firmes em aceitarem alterações significativas quanto à regulação e controle pelos Estados das suas actividades especulativas, sejam as multi-laterais defendidas por franceses e alemães, sejam as bem mais modestas adaptações domésticas propostas por Obama. E, entretanto, vão encaminhando à comunicação social alguns recados e recomendações. "Estou reivindicando um fundo europeu de resgate para os bancos", disse o director do Deutsche Bank, Josef Ackermann, ao jornal britânico Financial Times. Isso permitiria que colapsos como o do banco Lehman Brothers fossem pagos "em larga escala" pelos próprios bancos. Ackermann disse ainda que a recuperação económica ainda está frágil e que os mercados financeiros "estão novamente nervosos". Sabemos bem, pela experiência feita, que tal "nervosismo" dos banqueiros visa a obtenção para si de novas drenagens de recursos financeiros dos Estados, a serem pagos, como sempre, pelos trabalhadores e pelos povos.

Uma conclusão se pode desde já retirar: o capital, globalizado pela sua actual etapa financeirizada, passado o profundo choque que a sua crise sistémica operou no final de 2008, procura retomar o caminho que aparentou suspender no último ano, reafirmando orientações e estruturas que conduziram durante mais de duas décadas a sua cartilha neoliberal. Quais fénix's renascidas das cinzas, aí estão de novo e em força o FMI e o Banco Mundial que ainda há menos de um ano pareciam votados ao desaparecimento, voltando a querer determinar os rumos económicos e financeiros - logo sociais e políticos - dos países que se sujeitem ao seu domínio.

Revelando simultâneamente a dominância desta "economia de casino", assente na especulação financeira-bolsista e o agudizar das contradições inter-capitalistas e inter-imperialistas inerentes ao sistema, assistimos ao reforço do papel desempenhado pelos chamados "bancos centrais", nalguns casos em conflito aberto com as estruturas políticas dos Estados mais fragilizados, como é o caso, p.ex., da situação que se vive na Argentina. Se observarmos o descarado retorno dos bancos às suas práticas especulativas - borrifando-se nas declarações dos "seus" políticos, tornadas proclamações "para inglês ver" -, a par da revalorização do dólar, ainda considerado o refúgio mais seguro e das crescentes oscilações dos valores bolsistas, torna-se óbvio quem continua a mandar no sistema, para desgosto de tantos "alegres" e "distraídos" que se revelam parvamente crentes na auto-reforma do capitalismo, com um retorno às "boas práticas" do capitalismo industrial do terceiro quartel do século passado. Ilustrativo do carácter ilusório destas concepções é o facto de, na actualidade, as operações de trocas de bens e serviços não chegam a 5% do movimento de câmbios mundiais, sendo a maior fatia dessas operações constituída pelos movimentos de capitais, 24 horas por dia e em tempo real.
O sistema capitalista global dos nossos dias, para manter as suas capacidades de manipulação ideológica e domínio político, necessita presentemente de alguns retoques a cheirar a social-democracia e a neokeynesianismo, mas não volta nunca para trás nem abdica dos seus ganhos colossais e dos seus juros escorchantes. Tudo isto, claro, sem prejuízo de algumas declarações finais, meramente cosméticas e que lhes permitam prosseguirem a operação contínua de mistificação da realidade, alimentando as ilusões reformistas.


Emergentes

A pretexto da atribuição de um nóvel prémio, criado especialmente para esta edição de Davos e a atribuir ao presidente brasileiro, o grande capital intensifica a propaganda aos Bric's, agora chamados de "emergentes", classificação esta que por vezes, quando lhes interessa, é estendida a mais alguns países integrantes do G-20, p.ex. os casos da África do Sul, da Indonésia, do México, da Arábia Saudita ou da Argentina. Segundo os arautos do sistema, estes países deveriam ser louvados pelos restantes e por toda a "comunidade internacional" como exemplos a seguir quanto às capacidades reveladas para defrontar a "crise" e encetarem a "recuperação" das suas economias. Trata-se de uma mistificação para uso ideológico, sem qualquer conteúdo benéfico para os respectivos povos e para os restantes países. As afirmações falsamente elogiosas, proferidas por alguns dos principais representantes do capitalismo predador presentes em Davos, não deixam margem para dúvidas: "Os mercados emergentes são os lugares mais atractivos para investir neste momento", afirmou David Rubenstein, co-fundador do Carlyle Group, acrescentando que "países como China, Brasil e Índia verão muitos recursos chegando", não reprodutivos mas sim especulativos, acrescentemos nós; o presidente do Abraaj Capital, dos Emirados Árabes, Arif Naqvi, na mesma onda, afirmou que "os emergentes são um bom lugar para estar, têm liquidez e força", concluindo que aí "as oportunidades são tremendas"; por sua vez, o ex-economista-chefe do FMI e professor da Universidade de Chicago - lembram-se dos "Chicago boys"? -, Raghuram Rajan, acredita que estes países "historicamente, nunca foram bem, mas agora estão se saindo melhor" e que aquelas antigas previsões de riscos hoje se aplicam, na verdade, aos países desenvolvidos.

Para tentarmos perceber melhor quais são os reais objectivos desses elogios e desta premiação ao Lula, vale a pena pensarmos um pouco nos traços ou características comuns a estes quatro países - Brasil, Rússia, Índia e China. Se o fizermos, imediatamente ressaltam duas principais características comuns: 1) Os baixíssimos salários praticados, a par de condições legislativas laborais que determinam uma enorme precariedade do trabalho e a ausência de garantias sociais elementares, num quadro de quase total desprotecção do trabalhador face aos interesses e enormes vantagens oferecidas pelos Estados ao capital; 2) uma "gestão" política estável, sem sobressaltos de maior, sem conflitualidade social, isto é, sem desenvolvimentos agudos das lutas de classe.


Através de alguns traços, vejamos um pouco mais detalhadamente e como exemplo o caso do Brasil, talvez nem sequer o mais desfavorável do grupo dos quatro países.
- o salário mínimo anunciado para vir a vigorar em 2010 (em 2008 foram 415 e em 2009 465 reais) são 510 reais, o equivalente a cerca de 196 euros;
- enquanto em países desenvolvidos a distribuição capital/trabalho da riqueza criada atribui ao trabalho percentagens superiores aos 50% e, nalguns casos, atinge mesmo mais de 60% ( em Portugal são 41% e conhecemos bem o que isto significa, traduzido em mais de 2 milhões de pobres!), no Brasil este valor pouco ultrapassa os 30%;
- com lucros monumentais nos seus exercícios, os bancos que actuam simultâneamente no país e na Europa (Santander, Bradesco, HSBC e outros), enquanto nos países europeus os juros que praticam andam em torno dos 10/12%, no Brasil os juros praticados chegam a atingir os 62% (!);
- com a manutenção de um viés claramente neoliberal na orientação macro-económica, seja no campo fiscal (com o famigerado superavit primário, que impede maiores investimentos públicos), seja no monetário (juros altos, com a "taxa selic" do banco central nos 8,75% e com ameaças de próximas subidas!) e cambial, o grande capital financeirizado invade o país, investindo quase exclusivamente nos títulos públicos, o que lhe permitirá, p. ex. para 2010, "exportar" em lucros e remessas para o exterior qualquer coisa como cerca de 40 bilhões de dólares, isto não obstante o facto de, só em cinco dias deste mês de Janeiro, os investidores estrangeiros terem retirado 2,5 bilhões de dólares da Bolsa de Valores de São Paulo, intensificando as suas práticas especulativas;
- a dívida interna brasileira está em R$ 1,7 trilião. No ano passado, o governo federal pagou aproximadamente R$ 115 bilhões em juros e encargos da dívida. Em termos percentuais, os juros e encargos da dívida representaram 3,81% do orçamento fiscal e da seguridade. No mesmo período, o governo federal gastou 0,76% com a educação de ensino superior e com a saúde 1,51%. Como se vê, qualquer um desses gastos públicos essenciais foi infinitamente inferior ao montante pago com a dívida;
- o projecto orçamentário apresentado pelo governo federal para 2010 prevê uma receita de R$ 1,738 trilião. Deste total, 90% serão gastos com despesas obrigatórias, como amortização da dívida, juros, transferências a estados e municípios, pessoal e encargos sociais. Os restantes 10%, serão destinados às despesas discricionárias, entre elas estão o Bolsa Família (a principal medida assistencialista criada pelo governo Lula), a Educação, a Saúde e o chamado Plano de Aceleração do Crescimento (PAC - investimentos públicos em infra-estruturas e, mais recentemente, também em Habitação Social).
- “O sistema tributário brasileiro tem uma preferência. Fez a opção pelos ricos e proprietários”, afirma o presidente do Ipea, Márcio Pochmann; quem recebe até dois salários mínimos de renda familiar mensal contribuiu, no ano passado, com 53.9% desses recursos para o pagamento de tributos, ao passo que o esforço dos que se encontram na outra ponta da tabela e recebem acima de 30 salários mínimos contribuiu com 29%. O total de dias trabalhados para o pagamento de impostos por esses trabalhadores de baixa renda foi de 91 dias a mais no ano do que os que se encontram no topo da tabela.
- no Brasil privilegia-se a taxação do consumo em detrimento do património e da renda. Actualmente, dois terços da arrecadação das três esferas (União, Estados e municípios) tributam o consumo. “Os ricos nunca pagaram muito tributo”, ressalta o presidente da delegacia de Campinas do Unafisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), Paulo Gil Introíni. “Quem tem isenção de lucros, não tem moral para dizer que a carga tributária é alta. Não são os banqueiros, não são os empresários das multinacionais, os grandes executivos, que pagam essa carga. São os trabalhadores. Pela ordem, os assalariados de baixa renda e a classe média. O nosso sistema tributário é Robin Hoodiano às avessas”, acrescenta.
Ainda no caso do exemplo brasileiro, e relativamente à ausência de "conflitualidade social", é manifesto que a eleição de Lula e a constituição de governos dirigidos pelo PT, apostando nos programas de assistencialismo social aos mais pobres (mais rigorosamente, aos "indigentes" e aos "miseráveis"), calou e paralisou os movimentos sociais, enquanto o sindicalismo predominante continuou, salvo algumas excepções, a ser um "sindicalismo" de concertação e conciliação de classes, com os Sindicatos transformados em partes constituintes do sistema geral de exploração dos trabalhadores.


Estes e outros traços da situação brasileira acabam por explicar a existência no Brasil de um fenómeno semelhante ao verificado noutros países (p. ex., Portugal), isto é, os partidos da chamada "oposição" aparecem sem políticas alternativas, paralisados politicamente, exactamente porque as políticas do governo actual são de continuidade no favorecimento dos bancos e das grandes empresas aliadas aos grandes grupos económicos transnacionais, são as políticas que nas questões essenciais e de um ponto de vista de classe a "oposição" aplicaria se estivesse no governo. Isto mesmo lhes foi garantido por Lula, na tristemente assinalada "Carta aos Brasileiros", publicada em 22/6/2002, durante a campanha eleitoral que lhe garantiu a eleição para a presidência.
Não terá sido decerto por acaso que, já antes deste prémio agora entregue em Davos, Barak Obama tenha afirmado que Lula "é o cara!"


Entretanto, as situações sociais na Rússia, como na Índia, como na China - neste último caso mesmo que afirmando-se um país socialista -, em numerosos dos seus aspectos não diferem substancialmente da situação brasileira exemplificada. As taxas de sobre-exploração do trabalho, permitindo a extracção de mais-valias brutais, tornam estes países, aos olhos do grande capital e dos seus instrumentos de mistificação "informativa", exemplos apontados e a seguir pelos restantes países e Estados dependentes.
Polarização da riqueza, grandes fossos sociais, sobre-exploração dos trabalhadores, desemprego e precariedade das relações de trabalho, grandes manchas de pobreza e miséria, liquidação das pequenas empresas, eis a "receita" preferida que o capital transmite aos seus governos de turno, exigindo-lhes para si isenções fiscais, recursos públicos, privatização de serviços e funções sociais dos Estados, numa palavra, tudo aquilo que promova a concentração e centralização capitalistas. E, claro, a imposição de "democracias" ao seu serviço exclusivo, com o cerceamento das liberdades e direitos cívicos e políticos para a maioria e toda a liberdade de explorar para as minorias exploradoras oligárquicas e parasitárias.


Já aqui se deixou assinalado, em postagem anterior, os riscos crescentes para os trabalhadores e os povos de outros países, nomeadamente na Europa. Falam insistentemente no risco de bancarrota para países como a Grécia, Espanha, Portugal, Itália, Irlanda, entre outros da U.E.. Após divulgarem e deixarem latente a ameaça, logo apontam a "solução": redução dos salários, "liberalização" total da legislação do trabalho, cortes nas pensões e outras prestações sociais, alargamento das privatizações a mais serviços públicos, fim aos investimentos públicos, aumento das cargas fiscais sobre trabalhadores e consumidores, isenções e benefícios de toda a ordem para o capital.


No plano político, antecipando a elevação das lutas sociais e da resistência dos povos a esta marcha para o abismo, preparam mecanismos de repressão e de cerceamento das liberdades e garantias constitucionais, enquanto no plano global atribuem aos imperialistas estadunidenses a tarefa de dominação militar, à custa da destruição de países inteiros e da morte de milhões de seres humanos.
Ao grande capital e aos seus executantes de serviço, na sua irracionalidade e práticas genocidas, em cada país e em cada continente, só os deterá a força organizada e a luta corajosa dos assalariados, guiados por um projecto mobilizador das sociedades nacionais que aponte à construção de novas democracias socialistas. Mais do que em qualquer outra época, é nos nossos dias que se aplica por inteiro a rejuvenescida consigna: "Socialismo ou Barbárie". Contra a barbárie actual, então, lutemos juntos pelo Socialismo.

3 comentários:

Anónimo disse...

"Pensar que estas novas tarefas se podem resolver com as forças dos velhos partidos sociais-democratas,educados nas condições pacíficas do parlamentarismo, equivale a ficar condenado a uma derrota inevitável".

Stalin, Fundamentos do leninismo, pg 116.

Anónimo disse...

"Pensar que estas novas tarefas se podem resolver com as forças dos velhos partidos sociais-democratas,educados nas condições pacíficas do parlamentarismo, equivale a ficar condenado a uma derrota inevitável".

Stalin, Fundamentos do leninismo, pg 116.

Anónimo disse...

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