SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A correlação de forças e a luta actual pelo socialismo (II)

O texto transcrito no final do post anterior sobre este tema (I) - a primeira parte de uma intervenção de Aleka Paparica, apresentando a posição do KKE sobre a situação actual na Grécia e as vias para o avanço da luta - coloca interessantes e importantes aspectos relacionados com uma visão própria dos revolucionários gregos sobre o conceito em análise: correlação de forças (c.def.). A transcrição de A. Paparica justifica-se, assim, como um bom exemplo de uma tentativa independente e de classe para discernir a realidade da imagem mistificada desta, e, também porque parece evitar três erros de avaliação muito comuns sobre c.def., a saber:

- A c.def. não é um momento estático, uma imagem parada, como uma foto, mas sim um processo em curso, dinâmico, como um filme;

- numa c.def. dada, a nossa atitude, a nossa actividade é sua parte integrante, não lhe somos alheios, não somos espectadores à margem do processo dialéctico que a enforma mas sim seus directos protagonistas, seus componentes determinantes;

- A verdadeira c.def. nunca é aquela que o inimigo de classe quer fazer crer, a sua versão simulada, manipulada e que é veiculada pelos instrumentos de dominação ideológica ao seu serviço, mascarando permanentemente a realidade e ocultando-a dos olhos das classes exploradas.

A definição de uma real c.de.f. é um processo difícil e complexo, nela intervindo um estudo/avaliação multi-facetado e rigoroso, incidindo sobre um largo conjunto de componentes variáveis, que estão presentes em numerosos domínios da vivência sócio-política do conjunto social dado. Todos conhecemos este fenómeno da c.de.f. no dia-a-dia, desde o micro-cosmos de uma família, de um prédio, de uma associação, de uma empresa, de um sindicato, até universos sociais mais vastos, como a freguesia, o concelho, a região, o país, os países num contesto regional ou continental, os países e seus respectivos povos no contexto mundial.

Frequentemente lemos, ouvimos, falamos de c.def. e é notória a forma muitas vezes simplista, aleatória e excessivamente empírica como vemos tratada esta importante questão. Por exemplo, é comum afirmar-se que a c.def. mundial é ainda favorável ao imperialismo, e, afirmando-o, estamos a afirmar uma verdade, embora relativa, como todas. Usualmente, na afirmação está implícita - e sub-repticiamente contida - a ideia que, por parte de todas as forças revolucionárias - e em todas as partes do mundo -, só lhes restará aceitar resignadamente o "status" actual; erradamente, a ideia de uma inevitável submissão/sujeição ("incontornável", usa-se hoje, demasiadas vezes e em falso) perante o poderio militar, económico e político do imperialismo. Entretanto, sabemos que é a própria lei do desenvolvimento desigual do capitalismo que nos mostra que tal avaliação "globalizante" da c.def., embora cómoda, torna-se de verificação impossível simultâneamente em todas as latitudes e em todos os processos políticos nacionais. A globalização - capitalista, não existe outra - avançou muito no último meio século, e aceleradamente nos últimos anos, mas esse processo não anulou a autonomia económica e a independência política de numerosos países e povos; em diversos casos, com experiências nacionais valorosas, de oposição e rejeição aos ditames imperialistas.

Se passarmos a um plano nacional, a proximidade do objecto de análise permite uma melhor aproximação ao real, logo às diversas componentes da c.def. respectiva, mas nem assim estão resolvidas e simplificadas as múltiplas questões que um exame objectivo exige conhecer e avaliar.

Desde logo, constitui um erro frequente - e muito funesto - identificar a c.def. com a correlação eleitoral/parlamentar, elegendo esta como a principal aferição das forças em presença. Em democracia burguesa, a manutenção da posição dominante das forças do capital depende do grau de convencimento das classes dominadas que as primeiras sejam capazes de garantir pela imposição dessa "leitura", ideologizada, dos resultados das suas eleições "democráticas". Mas nisto reside, simultâneamente, o seu principal suporte para exercer a sua ditadura de classe e também o seu "calcanhar de Aquiles", ao evidenciar crescentemente os estreitos limites da sua "democracia", incapaz hoje de corresponder aos anseios dos povos de maior participação e de um exercício efectivamente democrático da democracia política. Com efeito, uma c.def. é excessivamente marcada pelos estratagemas eleitoralistas da burguesia, mas em rigor define-se por muitos mais elementos identificáveis na sociedade considerada.


Sendo assim, às forças revolucionárias está cometida uma tarefa absolutamente decisiva, do estrito cumprimento da qual depende toda a sua actividade e o êxito da sua actuação: uma estreita e contínua ligação com o proletariado e o povo, com as suas várias classes produtivas, suas vivências, seus problemas e suas aspirações, suas organizações sociais e políticas, como está organizado e funciona o Estado nas suas diversas componentes - tipo de estrutura de poder, orgânica de funcionamento, articulação entre executivo/legislativo/judiciário, aparelho militar, aparelho ideológico, etc -, qual a situação económica existente, qual a situação social das várias classes, quais as principais questões que se colocam no seu dia-a-dia, suas aspirações predominantes, entre outras. Este domínio pelos comunistas sobre a c.def. existente - sempre dinâmica, sempre mutável -, exige-lhes um bom conhecimento do que pensam e fazem todos os que os rodeiam, desde os familiares, os amigos, os vizinhos e conhecidos, os camaradas de trabalho, os companheiros de sindicato, de associação, de escola, de clube, de unidade, etc, etc.. Utilizando a estrutura organizativa do seu partido, devem discutir com muita regularidade a evolução do estado de espírito existente em cada local, que avaliações são feitas, que opiniões são emitidas, que soluções são partilhadas quando se discutem os problemas sociais e políticos, etc. Será esse muito vasto acervo informativo, pesquisado e transmitido, debatido e interpretado de forma global que dará ao partido uma boa e sólida visão sobre a c.def. realmente existente. (1)

Isto coloca aos partidos comunistas uma exigência básica e prévia, no que respeita à sua estrutura político-organizativa: dispor de uma organização e de um método funcional que lhe assegurem essa permanente e eficaz ligação de massas, aos níveis nacionais, regionais, locais, de profissões, de grupos e de indivíduos. Sem tal organização e funcionamento, não existe conhecimento/informação adequados sobre a c.def. real e muito menos as formas e os meios a construir para sobre ela intervir eficazmente. Sem elas, é a própria possibilidade de realizar a revolução que fica comprometida.

Este aspecto do problema evidencia, então, a importante questão de saber como deve estar organizado e como deve funcionar um partido marxista-leninista. Deve ser um partido muito numeroso, com muitos e devotados militantes, organizados em células por todo o universo social existente - especialmente onde está a classe operária e os restantes assalariados - e articulados por uma estruturação orgânica que garanta a efectiva ligação política entre todos, desde os seus organismos de base, passando por organizações sectoriais e locais/regionais até chegar à direcção central, por forma a garantir que as decisões e orientações que esta determine correspondam, de forma efectiva e não formal, à consideração de todas e cada uma das informações, opiniões e análises que cada militante e cada célula lhe faz chegar, pela via orgânica.




Partidos políticos que se afirmem comunistas e não cumpram estas condições, podem até existir, podem desenvolver ideários de esquerda, podem ser críticos do sistema capitalista, mas não podem conhecer/apreender a realidade dada e a sua correspondente c.def., muito menos agir revolucionariamente sobre ela para a transformar. Partidos comunistas que não possuam muitos organismos de base - as chamadas células -, com funcionamento e iniciativa e vida próprias, que não disponham de uma rede organizativa vasta e inserida em todas as "malhas" e interstícios do tecido social, não podem conhecer suficientemente a realidade (real), não estão em condições de influir sobre ela, para a re-construir em moldes novos. Partidos "cabeçudos", com aparelhos centrais hipertrofiados, são "cérebros" sem "pés" e sem "mãos", reduzidos à condição de papagaios que se limitam a palrar sobre o socialismo, sobre a luta, sobre a revolução, sem quaisquer condições de serem escutados por quem é o destinatário e, simultâneamente, o sujeito da verdadeira acção revolucionária - o proletariado.

São a esquerda do sistema, sem dúvida, podem até produzir elaboradas análises teóricas sobre diversos aspectos da realidade, mas não são partidos marxistas-leninistas, capacitados para conhecer, interpretar e dirigir os movimentos espontaneístas das massas trabalhadoras, orientando-as sobre qual o rumo que devem tomar, em cada dia, em cada período, em cada etapa, dirigindo as suas lutas com o objectivo último da sua emancipação como classe, para a ulterior conquista do socialismo, para realizar a revolução. Em síntese, relacionado com o problema que aqui se vem tratando - a correlação de forças - , são partidos que vivem na dependência da "informação" das classes dominantes, olham a situação existente pelos olhos do inimigo de classe, analisam e concluem subordinados ao reflexo distorcido da realidade que lhes chega por escassos e corrompidos canais, tornam-se partidos manietados ideológica e politicamente e, assim, transformados em meros "grilos" críticos do capitalismo, remetendo sempre para as calendas a luta pela sua superação.

Deixemos para um próximo post algumas exemplificações do que temos tratado até aqui, para uma mais concreta análise da questão, olhando alguns factos segundo as diferentes ópticas de classe sobre eles.

(1) Nota/Adenda (16/6) Camaradas responsáveis pela ligação a organizações e organismos em cujas reuniões não sentem necessidade de tirar apontamentos, pouca ou nenhuma informação/opinião dos seus camaradas podem transmitir aos organismos de direcção do Partido. São maus dirigentes, julgam já conhecer tudo e, pior ainda, entendem não terem qq interesse as opiniões dos camaradas que (mal, muito mal) dirigem.

2 comentários:

Anónimo disse...

Considerando:
Ponto 3. Que a greve geral pacífica se mostrou insuficiente proporcionalmente aos progressos posteriores do movimento, e que a aplicação parcial dessa greve se mostrou impotente para alcançar o objectivo e não fez mais que desorganizar as forças do proletariado;

Lenine,ponto incluído numa proposta apresentada ao Congresso do P.O.S.D.R. em 1906.

Como se pode concluír, o maior dirigente revolucionário conhecido até hoje, não tinha medo das palavras nem da verdade. Provavelmente este tempo que vivemos está 300 ou 3.000 anos atrasado em relação a Lenine. Paciência...

A CHISPA ! disse...

Caro Filipe

Eugénio Rosa,destacado economista e deputado do PCP,encontrou na baixa escolaridade,dos patrões portugueses,os maiores obstáculos ao desenvolvimento da competitividade das empresas portuguesas.
Se ainda não leu,vá lêr o artigo deste autor públicado no "odiário.info,e veja como Eugénio Rosa defende o capitalismo e uma maior formação escolar dos patrões como um meio de se conseguir maior competitividade para as empresas,que como nós sabemos, em sistema capitalista aprofundará a exploração e o desemprego.
Enquanto você se preocupa em sugerir formas de organização e de intervenção para se ACUMULAR forças no sentido de se ALTERAR a correlação de forças, eles (os Eugénios Rosa do C.C. do PCP)
hajem em sentido contrário.
Ainda acha,depois destas posições e de outras,como por exemplo, defenderem uma maior EQUIDADE nas medidas anti-sociais,contidas no PEC,em vez de centrarem a sua oposição a estas que a Direcção do PCP,está interessada em ACUMULAR forças, para derrotar a ofensiva capitalista em curso? Não acha que é esta linha de pensamento e de acção, que impediu o PCP,de assinar a tal Declaração Conjunta?
Bem esperamos que desta vez lhes caia em cima e veja que o mal de toda esta situação reside nas teses da dita Revolução Democrática Nacional que ainda perduram e que transformaram o PCP,de um Partido revolucionário,num partido da esquerda do sistema.

Um abraço para si Filipe.
"achispavermelha.blogspot.com"
A CHISPA!