SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O Imperialismo não quer a Paz

Pelas suas relevância e oportunidade políticas, se transcreve em seguida, sem mais considerações, o texto da intervenção de Socorro Gomes, brasileira e presidente do CMP (Conselho Mundial da Paz), na Conferência Internacional “A OTAN, Malvinas e a Reactivação da Quarta Frota dos EUA”, realizada em Buenos Aires (Argentina) de 19 a 20 de Março. A partir de uma perspectiva latino-americana, ela analisa o carácter agressivo e criminoso do imperialismo norte-americano, como vértice e aríete do sistema capitalista mundial.



Está claro que a natureza do imperialismo não se altera com uma simples mudança de equipa presidencial. O carácter imperialista da política estadunidense continua o mesmo. A militarização e a guerra sempre estarão presentes. A paz não é uma vocação do imperialismo. De modo geral, as medidas anunciadas até aqui pelo governo Obama buscam reposicionar os EUA na condição de potência hegemónica. Não tenhamos a ilusão de que o imperialismo estadunidense abrirá mão de ser o centro das definições do sistema internacional. O cenário é de grandes incertezas. Os EUA são um actor insubstituível e indiscutível dentro do sistema imperialista mundial. O seu poder militar é inigualável ao de qualquer outro país. Somente o imperialismo estadunidense está presente em 120 países, contando com mais de 700 missões e bases no exterior. O poder militar é a reserva final do sistema, a guerra é parte essencial do imperialismo.

É a partir do complexo cenário internacional actual que devemos compreender o papel destes poderosos instrumentos de guerra - a OTAN e a IV Frota - e o significado da luta pela paz neste contexto. O pensamento do establishment norte-americano para a América Latina baseia-se no seu interesse em expandir o seu poder sobre todo o mundo. Desde que os Estados Unidos se tornaram uma potência imperialista na viragem do século dezanove e, depois, em potência hegemónica, as suas políticas externa e militar sempre estiveram focadas em fazer daqui uma área de influencia directa. Os acordos e tratados foram sempre utilizados para garantir exclusivamente os interesses dos EUA. Um exemplo clássico disto é o TIAR - Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, de 1947, no quadro do reordenamento do sistema internacional em que os Estados Unidos se empenharam na Guerra Fria contra a União Soviética. É preciso assinalar que durante todo o século XX prevaleceu a política da força, chamada política do "Big Stick". Guardadas as proporções, o TIAR pode ser considerado um equivalente da OTAN no Atlântico Sul. Por ser o primeiro pacto de segurança colectiva que envolveu vários países, as suas bases programáticas serviram para que dois anos mais tarde os EUA constituíssem a OTAN. O discurso instrumentalizado pelos EUA no TIAR era para manter os Estados Unidos no vértice do sistema inter-americano, supostamente para "assegurar a paz por todos os meios possíveis", "promover ajuda recíproca e efectiva" e "fazer frente a todos os ataques armados" ou ameaças a qualquer dos Estados americanos. O TIAR e a OEA foram os principais instrumentos para a imposição da hegemonia estado-unidos na região. Além de ser o meio principal de sua campanha para o isolamento político e económico da Revolução Cubana. Mas, no momento em que o TIAR foi convocado para defender a Argentina da agressão sofrida pelas forças colonialistas inglesas, no episódio da Guerra das Malvinas, o imperialismo posicionou-se ao lado da Grã-Bretanha. Os EUA não somente negaram o apoio "anunciado" no TIAR à Argentina, como ofereceram suporte logístico e de inteligência para os ingleses. Não podem existir ilusões em torno do imperialismo e seus instrumentos de dominação, não há generosidade por parte do imperialismo. É preciso reiterar e reafirmar a nossa solidariedade à luta do povo argentino pela recuperação das Ilhas Malvinas, que é parte do seu território. Não é possível que em pleno século XXI ainda existam territórios ocupados por forças colonialistas. O imperialismo não deixará que a sua influência na região seja diluída sem tomar medidas para evitar que isto ocorra. A reactivação da Quarta Frota é uma clara demonstração disto.

Não é de hoje a importância que os EUA atribuem ao seu poder marítimo. As primeiras ideias de que os EUA necessitavam possuir um grande poder marítimo surgiram a partir das elaborações do Almirante Alfred Thayer Mahan, que na viragem do século XIX para o XX influenciou com as suas ideias a elite americana na sua política expansionista. Segundo Mahan, os EUA necessitavam buscar o controle global dos mares, oceanos e das rotas comerciais, a partir da formação de um amplo conjunto de frotas navais da marinha mercante e de guerra, para com isto garantir seu poder no continente americano. Tais ideias influenciaram as acções anexionistas dos EUA no Hawai, em 1897; na Guerra Hispano-Americana, em 1898, conquistando as Filipinas na Ásia; em Cuba e algumas outras ilhas caribenhas. Herdeiras das formulações de Mahan, as Frotas Navais da Marinha de Guerra dos EUA foram criadas em pleno período da Segunda Guerra Mundial na luta dos aliados contra o eixo. A Quarta Frota foi criada no ano de 1943 com o objectivo, naquele momento, de proteger a região de possíveis ataques marítimos das forças do eixo nazi-fascista. Com o fim da guerra foi desactivada no ano de 1950. Actualmente as "Frotas" estão espalhadas em seis regiões do mundo. A Segunda Frota encontra-se no Atlântico Norte, a Terceira navega pelo oceano pacífico, a Sexta actua em toda a área do mediterrâneo, a Quinta navega pela região do Golfo Pérsico e sudeste asiático e a Sétima pelo oceano índico e sul da Ásia. Com isto os EUA mantêm sob controle militar áreas estratégicas em todo o mundo.

Ao tornar-se pública a notícia do relançamento da Quarta Frota, nas águas da América Latina, a pergunta que surge imediatamente é: porquê neste momento? Com que argumentos, justificativas? Dentro das poucas informações que se tornaram públicas, desde o anúncio da reactivação desta potente arma de guerra do imperialismo, as únicas justificativas que se tornaram conhecidas não passam de eufemismos por parte dos EUA. Segundo James Stravids, chefe do Comando Sul - estrutura à qual a Quarta Frota está subordinada - as suas missões são de carácter humanitário, de apoio às operações de paz, de assistência em situações de desastres, às operações anti-narcóticos, e também para auxiliar os EUA na luta contra o terrorismo. No entanto, o Chefe do Comando Naval Sul, James W. Stevenson, afirma claramente que a sua reactivação "manda um sinal certo para as pessoas que sabemos que não são necessariamente nossos maiores apoiadores." É uma demonstração clara de intimidação aos países que ousam desafiar abertamente os EUA. Como se não bastasse, este contra-almirante afirma que os navios da Quarta Frota estão preparados para "navegar até aos magníficos sistemas de rios que existem na América do Sul, navegando por águas marrons mais que em águas azuis". Perguntávamos numa das nossas actividades realizadas no Fórum Social Mundial - O que representaria um navio de proporções nucleares, ancorado em pleno rio Amazonas? Que missões "humanitárias" teria esta arma de guerra? Se o objectivo era fazer o bem, porquê os países da região não foram consultados? Para bom entendedor, meia palavra basta. A afirmação de que a Quarta Frota é um sinal para alguns governos, em relação aos quais Washington não tem tanta simpatia, é uma aberta provocação ao processo político na região.

Desde a sua reactivação, a Quarta Frota está sediada na base naval de Mayport, no norte da Flórida, como atracadouro para os seus poderosos navios. A mesma não possui uma frota designada, mas tem à sua disposição um verdadeiro arsenal de guerra entre as quais armas de destruição massiva como a nuclear. Entre estas destacamos:- 1 Porta aviões tipo Nimitiz (nuclear), que possui capacidade de apoiar até 85 caças F-18- Navios de assalto - USS Boxer e USS Kearsage: cada qual comporta até 45.500 toneladas e tem capacidade de transportar até 1800 homens.- Helicópteros Sea knight (42 unidades)- Caça bombardeiros AV-8 Harrier II- Helicópteros antissubmarinos (ASW)- Lanchas de desembarque tipo LCAC. É evidente que uma força com um poder de destruição tão grande não possui simplesmente a missão de prestar solidariedade e auxilio aos países da região. A Quarta Frota é uma reação do imperialismo às mudanças políticas que são vividas na América Latina. A Quarta Frota não é uma força defensiva, ela é uma força de dimensão ofensiva e intimidatória, para controle de rotas marítimas e fontes de energia. Não nos restam dúvidas de que a reactivação da Quarta Frota passa pela intenção do imperialismo de posicionar armas potentes e estruturas avançadas que possibilitem, caso seja necessário, a sua utilização para o controle de rotas de fluxos e fontes de energia.

Na Estratégia Nacional de Defesa dos EUA o "Direito ao Petróleo" encontra-se atrás somente da defesa da integridade territorial e da independência política dos EUA. O "Direito ao Petróleo" significa que, para garantir seu consumo predatório, o imperialismo estadunidense poderá fazer o uso da força para garantir o acesso a fontes de energia, onde quer que elas estejam localizadas. Não pode passar desapercebido que a reactivação da Quarta Frota coincide com as recentes descobertas de petróleo em águas da plataforma continental brasileira. O chamado Pré-sal colocaria o Brasil entre o quarto ou terceiro dos maiores produtores de petróleo do mundo. É muito provável que a Quarta Frota não seja motivo de grandes notícias nos próximos meses ou mesmo anos. O seu objetivo inicial não é chamar a atenção, mas sim dar alguns recados estratégicos de posicionamento e poder, além de realizar monitoramento da região e aterrorizar os governos da América Latina que buscam sua independência em relação ao imperialismo estadunidense.O perfil do comandante da Quarta Frota é bem ilustrativo de que sua missão prioritária não contempla acções humanitárias. O contra-almirante Joseph D. Kerman é um militar veterano do Grupo de Desenvolvimento de Guerra Especial Naval, responsável por realizar missões de inteligência e contra terrorismo. Joseph Kerman foi durante longos anos instrutor do conhecido SEAL (Mar, Terra e Ar). Trata-se da elite de guerra dos EUA. O SEAL prestou "valiosos serviços" na guerra do Vietnã, Iraque e Afeganistão, com seus homens-rãs, além de outras missões em sua maioria encobertas pela CIA. Os povos do mundo não podem ficar parados frente a estes graves acontecimentos. A Quarta Frota não é simplesmente apenas contra os países da região, ela está vinculada a uma estratégia de carácter mundial. Fica uma questão em aberto. É possível que estruturas como a Quarta Frota possam contribuir para missões de alianças como é o caso da OTAN? As Frotas da Marinha de Guerra dos EUA estão espalhadas em todo o mundo, em pontos estratégicos para o controle dos fluxos e rotas comerciais, além das fontes de energia. As Frotas Navais participam de várias das campanhas de guerra que o imperialismo desenvolve e dão suporte para as alianças militares das quais os EUA fazem parte, como é o caso da OTAN.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte - OTAN - é uma organização militar que desde a sua fundação sempre esteve ao serviço dos interesses do imperialismo estadunidense. Jogou papel na guerra fria e em um segundo momento desempenha função importante como força militar, no quadro de um reordenamento do mapa político no cenário de um mundo unipolar. No ano em que se completam os 60 anos desta máquina de guerra, o mundo passa por significativas transformações e a OTAN cada vez mais está adequada a apoiar com o uso da força os intuitos das grandes potências. Nascida no calor da guerra fria, a OTAN era um instrumento do imperialismo para ameaçar e, se necessário, atacar os países socialistas. Já na década de 90, quando a chamada "ameaça socialista" não existia mais, materializa-se o novo papel da OTAN, com um novo conceito estratégico. A partir do final da guerra fria contra a União Soviética, os arautos do imperialismo chegavam a afirmar que viveríamos um período de paz eterno, de fim da história. Logo tais afirmações se demonstraram falsas, pois como já afirmamos a guerra é parte essencial do imperialismo. As grandes potências, encabeçadas pelo imperialismo estadunidense, buscaram desde logo abrir caminhos para o leste, aproveitando o vácuo político deixado pelo desmembramento da União Soviética, com o objetivo de controlar as imensas fontes de energia - gás e petróleo - além das rotas de fluxo, existentes nas áreas dos Balcãs e da Ásia Central. Neste período, a OTAN realiza as suas conferências de Londres (1990) e Roma (1991), quando busca selar a sua reconfiguração, assumindo explicitamente um carácter ofensivo, para exercer o papel de uma força estratégica com capacidade operacional e acção pró-activa fora da área territorial dos países que a constituem, para actuar como uma máquina de guerra ao serviço das grandes potências imperialistas, principalmente o imperialismo norte-americano. Este período é marcado pela ampliação da OTAN, envolvendo alguns dos países que faziam parte do Pacto de Varsóvia, realizando alianças com países fora da esfera geográfica da aliança, como é o caso do "Conselho de Cooperação do Golfo" e o "Diálogo do Mediterrâneo". A experiência piloto desta transformação teve por cenário a região dos Balcãs. Especialmente a partir dos bombardeios e da invasão da Jugoslávia, a OTAN começa a expandir militarmente a sua área de influência até às fronteiras da Rússia. Foi neste contexto de novas alianças e ampliação da OTAN que o governo do ex-presidente argentino Carlos Menem desenvolveu uma estratégia de aproximação da aliança militar. Segundo esta concepção, a Argentina somente ganharia espaço no cenário internacional se tivesse uma política de alinhamento automático com os EUA, ou, como se dizia à época, mantivesse com a super-potência do norte uma "relação carnal", seja no âmbito econômico seja na esfera da política externa ou da cooperação militar. Foram realizados seminários e importantes conferências no país para tratar da relação com a OTAN, além de que várias autoridades argentinas participaram nas instâncias deliberativas da OTAN, com o intuito de demonstrar o seu compromisso com a organização. Foi neste contexto que a Argentina foi levada a ser o único país da região a enviar tropas para a primeira guerra do golfo em 1991. Mais tarde enviou tropas para a chamada Força de Estabilização da Bósnia-Herzegovina (SFOR), que era a força de ocupação da OTAN no conflito dos Balcãs em 1996. Foi também nesse quadro que o ex-presidente estadunidense Clinton, proclamou que a Argentina era um "aliado extra-OTAN".O que é ser aliado extra da OTAN? O título de "aliado extra", criado em 1989, é uma designação feita pelo congresso dos EUA a um grupo de países que obtêm vantagens na aquisição de armamentos que só poderiam ser vendidos aos países da OTAN. Os primeiros países agraciados com tal título foram Austrália, Egipto, Israel, Japão e Coreia do Sul. Nos anos do governo Bush, tal agrado foi dado aos seus aliados na "guerra contra o terror" - Nova Zelândia, Jordânia, Bahrein, Filipinas, Tailândia, Kuwait, Marrocos e Paquistão. Nos últimos anos, a OTAN tem realizado esforços para se aproximar novamente da região. Em 2008, no auge da campanha contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC-EP, o Ministro de Defesa colombiano, Juan Manuel Santos, em declarações a jornais, afirmou que o seu país planeava enviar soldados ao Afeganistão e iniciar uma colaboração com a OTAN. Nas semanas que antecederam esta nossa conferência, tornou-se pública a confirmação de que a Colômbia irá enviar 150 soldados num primeiro momento para cooperar com as forças de ocupação no Afeganistão. Isto pode significar que no médio prazo se estabelecerá uma cooperação de outro tipo da Colômbia com a OTAN. Outra via que vem sendo explorada com menos sucesso é a de Portugal, que busca envolver a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) em exercícios da OTAN. Isto, segundo o comando da Aliança, dar-lhe-ia uma projecção de acção nas duas margens do Atlântico.

Hoje, num cenário internacional repleto de incertezas e profundas contradições, os povos do mundo devem procurar fortalecer a consciência anti-imperialista, demonstrando que é próprio da natureza do imperialismo o uso da guerra para impor os seus desígnios e manter-se no centro do sistema internacional. A OTAN completa agora 60 anos de existência. Devemos levar em consideração que as transformações que estão sendo operadas no seio desta aliança militar visam fortalecê-la como um instrumento privilegiado das incursões do imperialismo contra os povos do mundo. Na lógica de controlar as principais rotas de fluxo comercial e saquear as fontes energéticas, as estruturas militares ao serviço do império se complementam. A Quarta Frota da Marinha de Guerra dos EUA pode ser colocada à disposição da OTAN caso seja necessário, com a desculpa esfarrapada de que algum país da região possa estar "violando os direitos humanos", ou "abrigando terroristas", entre outros sofismas possíveis de serem inventados. Nossa região caracteriza-se historicamente pelos esforços na defesa da paz, o que a caracteriza como uma "Zona de Paz". O sentimento geral dos povos que vivem na nossa região é de identidade com a paz, de solidariedade aos povos em luta. O imperialismo vive um momento de profunda crise, a hegemonia americana está posta em xeque. Estamos seguros de que com a unidade das forças democráticas, progressistas e anti-imperialistas, poderemos criar uma ampla frente internacional contra o imperialismo e os seus instrumentos de guerra e uma ampla mobilização dos povos para derrotar o imperialismo. Estamos seguros de que ele não é invencível e será derrotado!

Sem comentários: