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terça-feira, 28 de abril de 2009

A propósito da "classe média" e da "esquerda" (2)

Após um necessário intervalo para a comemoração do "nosso" 25 de Abril - o verdadeiro 25 de Abril do povo, o da revolução transformadora -prossigamos, então, esta reflexão.


Importa tratar o problema da erradamente chamada "classe média", a partir de uma breve análise sobre a classe social que constitui o seu núcleo principal, a pequena burguesia. Em primeiro lugar, esta classe social, ao contrário daquilo que a sua designação poderia induzir, não é uma classe pequena, no sentido numérico, quantitativo. Pelo contrário, os indivíduos que a compõem contam-se sempre por milhões, mesmo em pequenos países como Portugal. Em segundo lugar, não obstante chamar-se pequena ela é também a burguesia, isto é, a parte mais numerosa da classe burguesa. É detentora de meios de produção e existência material autónoma, não carecendo de vender/assalariar a sua (potencial) força de trabalho. Em pequena escala, comparticipa do processo de exploração da classe operária e de outras camadas assalariadas, condição social que a unifica com as outras componentes, vulgarmente designadas por média e grande burguesia. Constituem a pequena burguesia os pequenos empresários - industriais e comerciais -, os pequenos proprietários - os rurais, possuidores de terra, e os urbanos, possuidores de prédios, casas, espaços comerciais.

Para além destes segmentos principais, a pequena burguesia inclui ainda outros, como os artesãos, os micro empresários, os chamados profissionais liberais, que não são detentores de meios de produção ou de renda como os anteriores, antes exercem uma actividade económica autónoma determinada que lhes proporciona a realização de um valor de troca que materialmente os sustenta. No plano político, a pequena burguesia constitui como que um tampão ou almofada que, na luta de classes, se interpõe entre a grande burguesia e os assalariados. Marcada por esta sua condição intermédia e contraditória - simultâneamente participa do processo geral de exploração do trabalho e é ela própria alvo de um permanente processo de espoliação por parte da grande burguesia - é um produto social orgânico do sistema capitalista que tende ao desaparecimento, atingida continuamente por uma implacável proletarização, imposta pelo fenómeno da concentração/centralização capitalista. Esta condição social determinada origina-lhe comportamentos políticos voláteis e inconstantes, que se podem resumir a três principais, mutáveis em função das alterações da correlação de forças de cada momento: de forma mais frequente, alia-se à média e à grande burguesia, apoiando as soluções políticas destas; em situações de fragilização na hegemonia da grande burguesia, busca alianças com o proletariado; permanentemente, busca obter a sua própria autonomização na representação política, por vezes visando tornar-se hegemónica, com experiências mais ou menos duráveis mas sempre condenadas ao insucesso. Historicamente, constitui-se frequentemente suporte de soluções de poder autoritárias, nomeadamente na primeira metade do século XX o fascismo e o nazismo. Os seus membros têm uma percepção marcadamente individualista da vida em sociedade, revelando grande dificuldade em se inserirem em projectos colectivos, sendo inconstantes nas escolhas políticas e nas alianças sociais.

Vejamos agora, também simplificadamente, o que é a chamada "'classe' média". Medida pelo volume dos seus rendimentos médios, esta designação, inexpressiva do ponto de vista da arrumação rigorosa das classes sociais, torna-se abrangente e engloba genericamente toda a pequena burguesia, bem como camadas e estratos de assalariados mais bem remunerados, designadamente quadros técnicos, intelectuais, assessores, consultores, directores administrativos, técnicos e chefias superiores da administração pública, advogados e juristas, chefias militares, diplomatas, artistas, segmentos da classe operária com salários mais elevados (aristocracia operária), e outros. Este conceito de "classe média", actualmente de uso generalizado , tem ainda as subcategorias "classe média-alta", "classe média-média" e "classe média-baixa", permitindo-se integrar na primeira estratos da média burguesia, tal como na última integrar segmentos dos assalariados.

Em termos políticos, trata-se de uma designação "sociológica" com claros objectivos ideológicos, visando arrumar os indivíduos em função dos seus recursos materiais "médios", dos seus locais de habitação, hábitos e culturas comuns, diluindo as fronteiras das diferentes classes sociais que a integram e visando o "aburguesamento" da auto-imagem dos seus componentes assalariados, ao mesmo tempo que oculta e ilude o lugar e papel efectivos de cada um nas relações de produção capitalistas e no processo produtivo. No plano estritamente ideológico, trata-se de uma designação-conceito que procura inculcar a ideia que as sociedades humanas são constituídas por indivíduos sem pertenças de classe e cuja única diferenciação seria o nível de rendimentos e de vida, numa escala desde a situação de indigência ou pobreza até à de grande possidente. Obviamente, neste contexto "teórico" não há lugar para as lutas de classes. De um ponto de vista marxista-leninista, das suas categorias metodológicas definidoras das classes e das suas relações de produção, trata-se de uma falsa categoria, mistificadora e que visa a diluição e ocultação das classes sociais e das suas relações reais de dominantes/dominadas. No limite, tem por objectivo negar a exploração e a opressão de uma classe (operários e outros assalariados) por outra classe (a burguesia).

Como fica patente no artigo de opinião que vimos tratando, trata-se do testemunho de alguém que se pretende situado no campo da esquerda, sentindo-se partilhar esses ideais de esquerda com outros indivíduos do seu círculo social. Com desânimo saudoso, descreve as grandes batalhas políticas que mobilizaram muitos membros da sua " 'classe' média" há alguns anos atrás, nos desenvolvimentos recentes ocorridos na sociedade brasileira. Fala em valores como socialismo, transformação, igualdade, justiça social, que teriam sido varridos do (seu) dia-a-dia, sendo hoje a apatia, a descrença, e mesmo simpatias pelas posições conservadoras e reaccionárias, o traço comportamental da dita "classe média". Buscando razões para esta mudança de atitude, aponta as derrotas do socialismo, a que chama "o fim do socialismo real (e dos seus sonhos e utopias)", a par daquilo que considera "de certa forma o triunfo do chamado neoliberalismo". Depois de descrever as concepções que esta drástica alteração da correlação de forças originou, com a acentuação do individualismo e do egoísmo, passa a fazer a crítica às debilidades da esquerda, à sua perda de referências e bandeiras, "não conseguindo exprimir as vontades e anseios da maioria".

Claro que para o autor, à semelhança do que ocorre com largos sectores da mencionada "classe média", a "esquerda" integra os partidos social-democratas locais, nomeadamente o PT. Este erro de localização do PT, traduzindo uma das características acima referidas, quanto à inconsistência da pequena burguesia nas suas escolhas políticas, exemplifica um fenómeno que tem um carácter mais geral, sendo observado em países em variadas latitudes, nomeadamente em Portugal, onde o PS é (ainda) considerado uma força partidária de esquerda. Mas a questão mais relevante para agora aqui avaliarmos - recordando, a questão do papel do factor subjectivo - prende-se com o parágrafo final deste artigo que vimos citando.

Como se procurou deixar assinalado, a pequena burguesia constitui uma componente numerosa e heterogénea da classe burguesa, e, por extensão, essa heterogeneidade caracteriza a "classe média" que vimos tratando, traduzida em variadas simpatias ou mesmo engajamentos políticos. A larguíssima maioria - como já assinalamos, são milhões de indivíduos - apoia, vota, segue as posições dos partidos do sistema, os partidos constituintes da democracia burguesa vigente, nomeadamente o PS, o PSD, o CDS. Entretanto, segmentos minoritários mas em fase de crescimento, perante o agravamento das contradições e o aprofundamento da crise social - agora acelerada pela crise global do capitalismo - procuram outras representações políticas e ideológicas. No espectro político português, tais simpatias vão desde uma muito reduzida e localizada extrema-direita neonazi até ao partido operário marxista-leninista, o PCP.

Pelo seu carácter de epifenómeno, quanto a este processo de transformações contínuas em função da correlação de forças, merece especial referência o caso do BE. Perante a rudeza e o grau de exigência da luta de classes, que opõe o proletariado à grande burguesia, haverão sempre elementos da pequena-burguesia que, recusando "pela esquerda" apoiar as forças do capital, revelarão a sua incapacidade de se aliarem à classe operária, saindo "pela direita" e desembocando no reformismo social-democratizante e co-gestionário, mesmo quando mascarado por um palavreado "de esquerda". Na actualidade, o BE já não reclama ser a força dirigente do operariado, como faziam anos atrás os agrupamentos esquerdistas que se fusionaram para o criarem e é um curioso exemplo da deriva para a direita de um segmento radicalizado da nossa "classe média".

Parece razoavelmente pacífico afirmarmos que, face à conjuntura nacional e mundial, cresce o número de elementos da pequena burguesia/versus "classe média" atraídos pelos ideais de esquerda. Aos comunistas e aos revolucionários está colocado um urgente desafio: pela investigação, pelo estudo, pela elaboração teórica inovadora, serem capazes de atraírem e capitalizarem para si essa maior disponibilidade dos elementos mais avançados desta "classe média" para aderirem ao ideal do socialismo e do comunismo. Para alcançarem este objectivo, as palavras finais do autor do artigo citado têm toda a validade: "Mas para isso, cara esquerda, é preciso recomeçar. Compreender a realidade, unir ideias à acção, dar conteúdo à actividade política. E devolver, urgente, a emoção e a sensibilidade às causas, empolgando e entusiasmando as pessoas."

No combate político dos revolucionários, a política de alianças sociais, cruzada com as posições e iniciativas políticas que a construam, consolidem e alarguem, constitui uma difícil e exigente componente da actividade geral dos partidos comunistas e operários. Em termos práticos, isto significa que o papel de vanguarda que são chamados a desempenhar constitui uma complexa conjugação de objectivos de classe, definindo e concretizando as vias pelas quais a classe operária deve exercer o seu papel motriz, de locomotiva, esclarecendo e persuadindo as camadas sociais aliadas sobre a convergência de interesses e vantagens recíprocas dessa aliança estratégica.

Nas sociedades contemporâneas desenvolvidas, mais que no início do século passado, a designada "classe média" passou a ser, simultâneamente, sujeito e objecto centrais da acção política, tanto por parte da classe operária como pelo lado da grande burguesia. Por isso, ao mesmo tempo que define qual o caminho e suas etapas para a classe operária, o partido de vanguarda deve levantar e defender as aspirações e os interesses específicos desta "classe média", assegurando-lhe que podem e devem caminhar juntos, no combate contra o seu inimigo comum, o grande capital e o imperialismo. Com a plena garantia que esse caminho comum e reciprocamente vantajoso vai perdurar, mantendo inteira validade tanto nas etapas democráticas, nacionais e populares, como na etapa revolucionária da construção efectiva da sociedade socialista.

1 comentário:

cid simoes disse...

Um trabalho com muito interesse. Obrigado. Vou divulgar.