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quinta-feira, 16 de julho de 2009

À atenção dos democratas e amantes da liberdade

Factos recentes, embora com protagonistas velhos conhecidos, vêm colocando a nu os verdadeiros contornos "democráticos" do actual regime político em Portugal.
De facto, transcorridos estes já longos trinta e cinco anos após a Revolução Democrática de Abril, na sua quase totalidade vividos em resistência e luta permanentes, contra o curso contra-revolucionário das políticas dos sucessivos poderes estabelecidos, os últimos meses e alguns acontecimentos recentes vêm confirmando que - exactamente como há muito foi afirmado - um regime de liberdades é incompatível com a sujeição do poder político ao poder dos monopólios e do grande capital, estes aliados/subordinados - como sempre - ao imperialismo.
A realidade torna evidente que tal sujeição, já estabilizada e consolidada, configura o quadro de regime actualmente existente, com a consequente violação, supressão e esmagamento de direitos políticos e sociais, a par da liquidação do exercício efectivo da liberdade. Não vivemos - ainda! - de novo sob um regime fascista, mas as liberdades estão mutiladas por um regime autoritário, autocrático, anti-democrático, ostentando já traços fascizantes.

Vêm-se acumulando as situações de repressão social e política, dia-a-dia de maior gravidade. Nas empresas, os trabalhadores perderam a liberdade de se organizarem como classe, crescendo a repressão sobre os que resistem e lutam pelo exercício das actividades sindicais (as efectivas, não as do patrão); trabalhadores da Administração pública, professores, médicos, enfermeiros, militares, polícias e outros, vêm perdendo direitos e liberdades, de actuação e de organização, pela acção repressiva e de estímulo directo à delação por parte do governo e de outros dirigentes da hierarquia do Estado, em violação grosseira das normas e disposições constitucionais; comportamentos autoritários e repressivos vão medrando neste caldo de cultura anti-democrático, alargando-se como mancha a todos os sectores da sociedade, nos locais de trabalho, nas escolas, nas instituições, na organização do Estado, nas igrejas, nas estruturas associativas, nos locais públicos, por todo o lado invertendo paulatina e crescentemente os princípios e as aspirações originalmente emancipadoras e participativas do regime democrático de Abril.

A provocatória iniciativa de criminalização da ideologia comunista, tarefa abjecta agora atribuída em versão doméstica ao fascistoide Jardim, soa como mais uma campainha de alerta. Se tal diatribe é avaliada pelos democratas pela sua faceta bufa e risível, estaremos a cometer um erro de avaliação perigoso. É sabido que, os verdadeiros mandantes, primeiro soltam os cães e os doidos, acobertando-se numa falsa distanciação dos mandados que executam os trabalhos sujos. Mas, como provocação que é - aos comunistas e simultâneamente a todos os verdadeiros democratas -, se tal "iniciativa" tiver alguma aceitação institucional e sequência legal, então estaremos perante uma manobra de maior envergadura, na linha das que vêm sendo desenvolvidas em vários dos parlamentos europeus e no da própria U.E..
É uma 'lei" da história universal da luta de classes que, num período de agudização das contradições e das lutas, emergem as soluções "musculadas" ou mesmo claramente fascistas, com o objectivo de conter e sufocar a ascensão das lutas dos trabalhadores e das suas organizações políticas de classe. A situação nas Honduras, no seu contexto latino-americano, aí está a confirmá-lo. Porque haveria de ser de forma diferente entre nós? A força dos ideais libertadores de Abril é ainda muito grande, mas tal não significa que os seus inimigos e adversários desistam de prosseguirem as actividades para continuarem a golpeá-la.

Um outro facto recente está intimamente co-relacionado com o vómito fétido de Jardim e, igualmente, não deve ser subestimado pelos amantes das liberdades: o gesto, igualmente sórdido, do ex-ministro PS, Manuel Pinho, ao macaquear uns cornos na própria cabeça, em pleno debate na A.República. Também neste caso, logo abafado pela sua acelerada demissão de membro do governo, estamos perante uma manifestação gritante do real e manifesto desprezo que os actuais governantes nutrem por princípios elementares da convivência democrática, tal como pelas regras de funcionamento do parlamento que noutras ocasiões tanto gostam de chamar a casa-sede da democracia - a democracia deles, entenda-se. Mas este episódio, muito esclarecedor sobre o estofo do ex-ministro, não deve ser analisado como um facto isolado e individual. Na verdade, não o é. Trata-se de um comportamento miserável e de um escandaloso gesto de desprezo pela democracia, por parte de um indivíduo que integrou durante quase quatro anos o governo PS e que decerto, nessa qualidade, partilhou da visão geral sobre a vida e a actividade política que enformam a ideologia e a prática deste governo.

Jardim e Pinho são assim as duas faces de uma mesma moeda. Um do PSD, outro do PS - aos quais facilmente se poderão somar alguns outros, do CDS ao BE -, ambos são, simultâneamente, as faces e os protagonistas momentâneamente destacados de um regime anti-democrático, corrupto, decrépito, esgotado. Um regime alimentado e sustentado pelos grandes grupos económicos que dele são os principais credores e beneficiários, grupos do grande capital que, por isso mesmo, mandam os seus orgãos de comunicação "social" ocultar e maquilhar diariamente os podres destas personagens de pacotilha.
Nem a doidice, nem a bebedeira, nem os intuitos provocatórios, embora evidentes, podem desculpar e sobretudo conduzir à subestimação na avaliação dos comportamentos e atitudes dos agentes políticos. Numerosas vezes, a realidade contém ao mesmo tempo traços de ópera bufa e de tragédia. Cabe aos verdadeiros democratas, aos sinceros amantes da liberdade, aos patriotas, a todos os que se assumem como defensores dos ideais de Abril, exercerem uma activa e consequente acção de combate a todas estas manifestações que carregam no bojo o inconfessado mas óbvio propósito de liquidação das liberdades e desarticulação das trincheiras que ainda resistem e se opõem à destruição total e completa do sonho e das já muito fragilizadas transformações progressistas que ainda restam dos anos de 1974/75. Sindicatos, autarquias, organizações populares, associações, comissões de trabalhadores, de moradores, de utentes, todos podem e devem intervir, tomando posições claras e enérgicas sempre que estejam em jogo as liberdades e os ideais democráticos. Até porque, quanto ao anti-comunismo, as lições de Brecht permanecem actuais e úteis.

Urgem as iniciativas de unidade e convergência dos democratas, lançando iniciativas e pontes, agregando vontades, estabelecendo acções e objectivos comuns, barrando no imediato o passo às manifestações protofascistas e construindo em seguida o caminho da urgente e inadiável ruptura democrática e progressista, o caminho há muito interrompido da inacabada Revolução de Abril.

1 comentário:

Fernando Samuel disse...

Excelente texto. Um abraço grande.