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quarta-feira, 19 de maio de 2010

A correlação de forças e a luta actual pelo socialismo (I)

Os últimos desenvolvimentos da luta de classes nos países do sul da Europa vieram recolocar uma importante questão da actividade política revolucionária: a questão da correlação de forças. Intimamente relacionada com essa questão está o problema de uma correcta avaliação das condições objectivas e subjectivas.
A acção política séria apoia-se sempre numa prévia avaliação da realidade, tão vasta e tão rigorosa quanto o permitam as condições pré-existentes para a realizar, avaliação esta sem a qual fracassam as orientações, as iniciativas, as políticas.
Para os partidos marxistas-leninistas, o objectivo central da sua existência consiste na realização da revolução socialista. Para o concretizar, torna-se necessário assegurar previamente as condições tornadas necessárias para tal pelo actual estádio de desenvolvimento do capitalismo e, observando a lei do seu desenvolvimento desigual, considerarmos que tais condições assumem uma grande diversidade de país para país, dependendo de um complexo conjunto de factores.
Essa diversidade de condições e este conjunto complexo de factores determinam diferentes etapas ou estágios da luta revolucionária, tornando-se necessário que cada partido esteja em condições de integrar totalmente o objectivo da revolução em todas as fases da sua luta. Tratando-se de uma construção política num espaço e num tempo específicos próprios, nenhuma das suas etapas constitutivas deve contrariar/alienar a sua realização última. Isto é, toda a actividade organizativa, toda a acção política, devem concorrer permanentemente para a realização da revolução e não ignorar/ocultar/contrariar, em circunstância alguma, seja pela acção, seja pela omissão, esse propósito último de todos os revolucionários e sua principal tarefa.
Aqui se entronca, então, a questão da indispensabilidade de uma adequada avaliação de forças e da sua correlação no contexto determinado. Adequar os programas e propostas políticas a cada etapa, definir o inimigo principal e estabelecer as alianças de classe apropriadas, saber quais consignas são as adequadas a cada momento, tudo deve observar as duas condições: uma correcta avaliação da correlação de forças e uma firme fidelidade ao propósito central e último - a revolução. E estudando atentamente as experiências dos outros partidos e formações marxistas-leninistas, nos diferentes países e continentes.
Aqui chegados, façamos uma citação de um período de uma obra de Lénine, tornada desde então uma citação clássica na discussão política e ideológica:
A lei fundamental da revolução, confirmada por todas as revoluções, e em particular pelas três revoluções russas do século XX, consiste no seguinte: para a revolução não basta que as massas exploradas e oprimidas tenham consciência da impossibilidade de continuar vivendo como vivem e exijam transformações; para a revolução é necessário que os exploradores não possam continuar vivendo e governando como vivem e governam. Só quando os "de baixo" não querem e os "de cima" não podem continuar vivendo à moda antiga é que a revolução pode triunfar. Em outras palavras, esta verdade exprime-se do seguinte modo: a revolução é impossível sem uma crise nacional geral (que afete explorados e exploradores). Por conseguinte, para fazer a revolução é preciso conseguir, em primeiro lugar, que a maioria dos operários (ou, em todo caso, a maioria dos operários conscientes, pensantes, politicamente ativos) compreenda a fundo a necessidade da revolução e esteja disposta a sacrificar a vida por ela ; em segundo lugar, é preciso que as classes dirigentes atravessem uma crise governamental que atraia à política inclusive as massas mais atrasadas (o sintoma de toda revolução verdadeira é a decuplicação ou centuplicação do número de homens aptos para a luta política, homens pertencentes à massa trabalhadora e oprimida, antes apática), que reduza o governo à impotência e torne possível o seu rápido derrube pelos revolucionários.

Redigida em 1920 e destinada a confrontar correntes de "comunistas de esquerda" nos vários partidos comunistas com os erros do seu inapropriado radicalismo esquerdista, neste parágrafo da sua obra "Esquerdismo: Doença infantil do comunismo" Lénine visa afirmar uma "lei" que considera adequada à interpretação dos processos revolucionários da sua época, com base na sua experiência pessoal nas três revoluções ocorridas na Rússia e direccionada sobretudo à perspectiva de novas revoluções socialistas. Tal como todo o texto da obra, rica de factos e suas interpretações, conserva ensimentos fundamentais, designadamente sobre a imperiosa obrigação dos comunistas observarem rigorosamente todas as condições existentes, objectivas e subjectivas, na definição das suas orientações estratégico-tácticas.
Actualmente, compete-nos esgrimir aqueles princípios metodológicos leninistas na análise dos novos fenómenos sociais e políticos contemporâneos. Como o próprio Lénine afirmou, não como dogmas mas como guias para a exploração das novas realidades. Uma cega aplicação daquela "lei" definida por Lénine, o que nos indicaria sobre as condições pré-existentes às revoluções socialistas entretanto ocorridas ao longo do século XX? Possívelmente, na prática totalidade delas, tal "lei" aconselharia à não-realização dos levantamentos e transformações revolucionárias socialistas que de facto ocorreram - as repúblicas socialistas soviéticas, as revoluções europeias e a revolução chinesa na década de quarenta, a revolução cubana, as revoluções na Indochina - Vietname, Laos, Cambodja -. e outras.
Tal paradoxo da mencionada "lei" torna-se ainda mais consistente se a quisessemos aplicar às condições pré-existentes anteriores às numerosas revoluções democráticas, nacionais, anti-imperialistas, "pró-socialistas" - como algumas mais recentes na América Latina -, que ocorreram ao longo do século passado. Nós, os portugueses, particularmente os mais maduros, podemos fazer este exercício de avaliação às condições existentes nos anos que antecederam a nossa Revolução de Abril e procurar responder à questão: à época, os "de cima" já não podiam e os "de baixo" já não queriam? No mínimo, é duvidoso que tais condições fossem plenamente observáveis. E, no entanto, o PCP, em 1965, no seu VI Congresso, já definia o levantamento nacional e a insurreição armada (revolucionária) como o caminho para o derrubamento da ditadura fascista em Portugal. Sem saber exactamente como ela ocorreria, quais os seus principais agentes, seus desenvolvimentos de classe, etc; mas ela, a revolução, veio de facto a ocorrer, nos anos 74/75.
Voltemos agora ao presente, para nos debruçarmos sobre uma outra citação, neste caso os primeiros parágrafos de uma intervenção de Aleka Papariga, secretária-geral do KKE, apontando as propostas do PC Grego para a saída da actual crise. Trata-se de um importante documento político, cuja leitura e estudo se tornam indispensáveis para todos os comunistas e patriotas, quaisquer que sejam os seus países, pelo seu marcado cunho marxista-leninista e pelo seu conteúdo transformador, revolucionário, perante a crise económica, social e política em desenvolvimento na Grécia. Mas fiquemos apenas, pelo que aqui constituiu o foco principal a discutir, pela transcrição desses parágrafos iniciais:
O KKE sempre denunciou, particularmente depois de 1991, as ilusões existentes em torno do desenvolvimento indefinido do sistema capitalista, da competitividade e da produtividade supostamente no interesse comum dos trabalhadores e dos capitalistas. O Partido falava de inevitabilidade da crise económica em todas as economias capitalistas. Ele previu a crise, o inevitável agravamento e o aguçar súbito de todas as contradições sociais assim como das contradições inter-imperialistas.
Os apologistas do sistema capitalista, dentre os quais os partidários auto-proclamados do velho PASOK ou os revisionistas, ao reduzirem as causas da crise económica a uma questão de gestão do sistema, negam ou dissimulam a verdadeira base sobre a qual ela emerge, o próprio capitalismo.
As condições actuais exigem que o processo de tomada de consciência social e política se acelere e, sobretudo, que se exprima pela organização e a luta planificada que abram perspectivas de futuro. É o nível de vida do povo, da classe operária e das famílias com rendimentos modestos que nos preocupam, não os lucros dos capitalistas.
A nossa estratégia é impedir que estas medidas bárbaras sejam impostas na medida em que possamos fazê-lo nas condições actuais, impedir que elas tenham legitimidade na consciência popular, afastar os trabalhadores do PASOK e do ND, bem como das suas políticas, mobilizar e fazer avançar o movimento na via do contra-ataque a fim de reverter a relação de força actual, rumo ao poder popular. Não somos nem indiferentes nem observadores neutros, mas uma vez que a relação de forças políticas não permite uma intervenção eficaz em favor do povo, colocamos a prioridade no movimento social, fora do Parlamento.
Chegou o tempo para uma frente popular e social, para que uma acção política e de massas ganhe forma, ganhe uma forma distinta, desenvolvida a partir das forças militantes existentes que devem ser desmultiplicadas; ou seja, as forças militantes dos operários e dos empregados do privado e do público, dos independentes pobres – artesãos e pequenos comerciantes –, dos camponeses pobres, com um reforço da participação dos jovens, dos filhos da classe operária e das famílias populares, em particular aqueles que estudam e trabalham e estão em programas de aprendizagem, as mulheres e os imigrantes, aqueles que se batem nos domínios da ciência, da arte e da cultura.
Para esta causa, é necessário mobilizar forças com o KKE, pouco importa se os trabalhadores estão de acordo com o KKE sobre tudo, ou se têm interrogações ou pontos de vista diferentes sobre o socialismo.
As premissas de uma tal frente existem hoje como o demonstram a Frente Militante dos Trabalhadores ( PAME ) , a mobilização anti-monopolista dos trabalhadores independentes e dos pequenos comerciantes (PASEVE), a mobilização militante dos camponeses (PASY), a Frente Militante dos Estudantes (MAS) e outras formações do movimento. Outras formações emergirão no decorrer do caminho, e inclusive formações do mesmo tipo nos movimentos de massas contra a guerra imperialista, pelos direitos individuais e colectivos, democráticos, sindicais e pelas organizações associativas que agem localmente.
O cerne das lutas permanece nos locais de trabalho, nas ruas com os pequenos comércios, no campo, nas escolas, nas universidades, nos bairros de imigrados, em todos os bairros operários e populares. A colocação em cheque das novas medidas anti-operárias e inclusive a supressão das convenções colectivas e a promoção dos contratos individuais, a redução imposta do tempo de trabalho, as relações de trabalho flexível, etc, deve ser avançada com força em cada local de trabalho.
Os trabalhadores devem modificar a relação de forças a partir de baixo e isto deve ser expresso enquanto a luta se desenvolve igualmente ao nível político. O povo não deve aceitar pagar todo o tempo, submeter-se a sacrifícios indescritíveis para benefício dos lucros dos industriais, dos armadores, dos grandes comerciantes, dos monopólios em geral.
Esta frente popular e social deve ter duas finalidades ligadas entre si:
A primeira é a luta, o que supõe resistir, travar uma guerra de desgaste e solapar estas medidas bárbaras que o governo e seus aliados tentam fazer passar; luta contra um aparelho de que uma parte é o sistema político burguês do país e a plutocracia.
Uma luta de desgaste não é suficiente; algumas pequenas ou maiores vitórias devem também ser obtidas.
E, entretanto, a tarefa mais importante da nossa frente deve ser criativa, a de libertar um ponto de vista militante e popular, o optimismo e a dignidade militantes, um patriotismo de classe e o internacionalismo, a acção popular e as iniciativas que podem transformar a frente numa vasta corrente de modificação e de inversão da relação de forças.

Vamos deixar para um próximo escrito o desenvolvimento de algumas ideias relacionadas com o tema em abordagem, tanto mais que talvez a transcrição desta parte das propostas do KKE suscite o vosso interesse pela sua leitura integral, por exemplo aqui http://www.resistir.info/grecia/papariga_15mai10.html , leitura que vivamente aconselho.

6 comentários:

Anónimo disse...

No momento presente seria talvez mais útil e mais actual citar algumas passagens do artigo de Lenine escrito em Setembro de 1917 "A Crise Eminente que se Aproxima e os Meios para a Conjurar" e fazermos a comparação com os discursos actuais dos arautos da Revolução Socialista.
Qualquer semelhança é pura coincidência...

Anónimo disse...

Parece que a participação interventiva dos leitores deste blog esmorece. Isto tem a sua razão de ser; o artigo é repetitivo e meramente abstracto. O comunicado do PC grego é revelador do contágio que tem e que prevalece com o revisionismo enraízado nos PC(s) europeus que conduz ao definhamento da luta dos trabalhadores ao folclore e à derrota habitual. A moção de censura do PCP aliada à mega manifestação, cuidadosamente, preparada pela CGTP,vai constituir o golpe fatal. Dizia Marx noutros tempos revolucionários lembrando Esopo: "Hic Rhodus, hic salta".

Nelson Ricardo disse...

O KKE é a força política grega que mais activamente rejeita e mobiliza as camadas mais baixas da Grécia para mudar o sistema sócio-económico. Com o aprofundar da crise, o KKE saberá distinguir-se ainda mais no espectro político como a verdadeira alternativa partidária e ideológica ao dispor do povo grego.

Um Abraço.

filipe disse...

Nelson:

Tudo aponta para a confirmação do que afirmas, sobre o futuro próximo do combativo KKE. Sejamos, com ele, solidários.
Abraço.

Anónimo(s):

Contraditoriamente com o que escreveu, ao blog não tem faltado a visita do(s) anónimo(s), até com uma frequência e constância dignas de registo...
Lamentavelmente, o propósito da visita parece não ser o de debater(em) ideias mas sim somente ir(em) "assinando o ponto" por aqui - incógnito(s), já se vê, método que exclui qualquer ideia de diálogo sério.

Anónimo disse...

A figura do anónimo tem a paternidade do próprio blog. Isto é, permite ao leitor apresentar-se como tal se assim entender, mas ao fazê-lo é condenado pelo próprio autor do blog como malfeitor.Assim se vê a seriedade da discussão das matérias versadas. Quanto ao KKE, basta ler atentamente o seu manifesto de combate para perceber que a táctica a usar é a mesma do PCP com algumas nuances aproximadas do espírito anarquista e pouco mais. Veremos quem tem razão a curto prazo. Porque a médio ou a longo prazo todos
sabemos que novos protagonistas virão para definitivamente levarem os trabalhad0ores à derrota dos reaccionários e dos oportunistas de diversas matizes.

Anónimo disse...

É necessário não confundir a afirmação que se reporta à "participação interventiva dos leitores" com a "visita do blog feita pelos mesmos" São coisas diferentes das quais se obtêm naturalmente números diferentes". Misturar as coisas não é matematicamente correcto.