SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Grã-Bretanha - Aprofundamento da crise capitalista compromete a clássica solução parlamentar burguesa do bi-partidarismo


Ao contrário de todas as "profecias" vertidas pela comunicação "social" dominante, semana a semana, mês após mês, anunciando-nos animosamente a "saída da crise", o sistema capitalista mundial prossegue a sua marcha destruidora, tal como um avião desgovernado no seu caminho para o abismo mas com o pessoal de bordo - comandante e comissários - assegurando aos seus passageiros que tudo vai bem, evitando com isso que o pânico se instale. Mas sabemos que, a não ser alterada e invertida tal rota - pela vontade e determinação dos passageiros -, no final deste percurso espera-nos o caos social e a barbárie política e, para desespero dos mais crédulos, constatando que os verdadeiros comandantes e comissários nunca estiveram a bordo!


Também reflexo desta profunda crise, que se vai instalando nos países europeus - não obstante o erro típico dos nacionalismos (de direita e de esquerda!), que afirmam "o mundo vai mal, mas nós não!" - os resultados eleitorais das últimas eleições na Grã-Bretanha revelam uma outra crise: a crise dos sistemas bi-partidários, uma solução instalada e mantida há décadas na velha Albion, tal como em vários outros países capitalistas da linha da frente - caso dos EUA e outros - e "exportada" pelo capital como a sua melhor solução para todos os restantes, através da aplicação de leis eleitorais deliberadamente bi-polarizadoras.

Com os trabalhistas de Gordon Brown derrotados e "despromovidos" para o terceiro lugar e os conservadores de David Cameron "promovidos" ao partido mais votado mas sem conseguirem obter a maioria absoluta no parlamento - não obstante a anti-democrática lei eleitoral inglesa, violadora do fundamental princípio da proporcionalidade entre n°. de votos/n°. de eleitos - a demissão de Brown e a posse ontem (11/5) de Cameron no cargo de 1°. ministro, após negociações para uma coligação governamental com o partido liberal de Nick Clegg, abre-se um novo capítulo no regime político britânico. Como facto novo, os liberais viram a sua votação torná-los o partido-charneira para uma solução da crise política, revelando que a clássica solução alternante labour-tory parece uma solução esgotada, pelo menos no imediato.


Claro que as "juras de amor eterno", trocadas entre Cameron e Clegg, podem afundar-se no médio prazo perante o previsível agravamento da situação social inglesa e o prosseguimento do rumo de descalabro da sua economia e das suas finanças, mas a situação presente é realmente nova.


Para aquilo que aqui nos interessa tratar - não somente a aritmética dos votos, mas sobretudo tentar interpretar o fenómeno nas suas vertentes político-ideológicas -, tem interesse procurar perceber as razões que determinaram estes resultados eleitorais e, concomitantemente, a maior afluência dos eleitores às urnas, maior afluência esta que, por completamente inesperada para o "establishment", obrigou a que tenham ficado muitos milhares de eleitores sem votar, por falta de boletins de voto (!) e paralisados em longas filas esperando votar, sendo confrontados com a inexorável pontualidade britânica e vendo fecharem-se-lhes as portas de muitas das secções de voto.

Parece estarmos perante um interessante fenómeno de "paralaxe política", com o partido liberal a conseguir persuadir os eleitores que, sobretudo em política externa, é contra os principais eixos governativos propostos pelos seus dois outros antagonistas, aparentando com isso posicionar-se à esquerda da "esquerda" trabalhista. Socorrendo-nos das notícias e artigos na imprensa, observemos algumas das suas afirmações no último ano e durante os debates eleitorais, sobretudo sobre as posições agressivas do imperialismo estadunidense.

Cada vez que temos de tomar uma decisão, não temos escolha senão seguir as decisões tomadas na Casa Branca.” Ao contrário de seus concorrentes, ele afirmou que quer que "a Inglaterra passe a agir na área internacional em conformidade com os seus interesses e não como um simples apêndice militar" dos EUA. Consubstanciando essa ideia, Clegg defendeu posições concretas que contrariam os americanos em pontos fundamentais. Foi contrário à invasão do Iraque, compartilhada por forças inglesas. Advoga uma postura imparcial no Oriente Médio, em lugar do apoio a Israel, adoptado pelos governos trabalhistas de Tony Blair e Gordon Brown.

Antes do ataque a Gaza, em artigo no ‘The Guardian’, em Janeiro de 2009, intitulado ‘Precisamos parar de armar Israel’, o líder liberal escreveu: “Brown precisa condenar sem ambiguidades as tácticas de Israel, como condenou os ataques de foguetes do Hamas”. E mais adiante: “Ele (Gordon Brown) precisa liderar a Comunidade Europeia para usar as suas forças económica e diplomática na região e mediar a paz. A Europa é de longe o maior mercado para exportação de Israel. Ela precisa suspender imediatamente o novo acordo de cooperação com Israel até que as coisas mudem em Gaza, apresentando condições firmes para assistência a longo prazo à comunidade palestina.”
Durante a própria agressão sionista a Gaza, Clegg pronunciou-se assim: “Temos um presidente dos EUA de saída (Bush) sancionando a resposta militar israelense e um doloroso silêncio do presidente eleito (Obama). Temos uma União Europeia comprometida por confusas mensagens... Gordon Brown, como Tony Blair, fez a política externa inglesa ficar efectivamente subserviente da de Washington. O apoio ao governo extremista de Israel não é nem do interesse da Inglaterra, nem do seu povo”.
E, um ano depois da invasão de Gaza, quando a Europa e os EUA se calaram perante o bloqueio de alimentos e materiais de reconstrução pelo exército israelense, o líder liberal proclamava que “o confinamento e punição de toda uma população não é a forma de construir a paz para todos os povos do Médio Oriente”.
Mas Nick Clegg foi ainda mais longe no tratamento de temas delicados para as relações EUA-Inglaterra. O manifesto de lançamento da sua candidatura diz que “queremos um completo inquérito judicial sobre a conivência do país nas torturas e nas ‘rendições extraordinárias’, nas quais suspeitos de terrorismo eram presos pela CIA no exterior e enviados a países para serem torturados secretamente”.
Ainda mais outra posição dos liberais, mal vista pela Casa Branca: Clegg é contra o Sistema de Misseis Trident, alegadamente planeado ante a possibilidade de um hipotético ataque da ex-União Soviética. Para ele, já que a Guerra Fria acabou, não se deve manter o programa Trident, com um custo de 120 bilhões de libras nos próximos 20 anos.
Mesmo no plano da política interna e arriscando-se a perder votos de uma população fortemente atingida pela crise capitalista e revelando crescentes tendências anti-imigração, o líder liberal defendeu a amnistia dos emigrantes ilegais que se encontrem há dez anos no país, ao contrário das medidas duras propostas pelos seus adversários, inclusive pelos trabalhistas.
E querendo aparecer como defensor das velhas tradições liberais inglesas, Clegg disse querer ainda, através de uma “freedom bill” (lei da liberdade) restaurar a protecção às liberdades civis violadas e suprimidas pelas medidas anti-terrorismo do período Brown. Sobre política financeira, rejeitou o princípio capitalista aplicado aos bancos conhecido por “too big to fail” (muito grandes para falir), fielmente respeitado por trabalhistas e conservadores e garantiu que, se fosse eleito, não impediria a quebra de grandes bancos fraudulentos (?!).


Pela leitura destas numerosas posições de "esquerda" do partido liberal, pela consideração da maior afluência dos eleitores ingleses nestas eleições inglesas, parecem possíveis algumas conclusões;
- a derrota (já esperada) dos trabalhistas traduz por parte do eleitorado uma atitude de punição do seu governo e das políticas trabalhistas de alinhamento canino com o agressivo imperialismo estadunidense;
- os ingleses estão descrentes com os partidos que durante décadas têm alternadamente aplicado as mesmas receitas, contra os trabalhadores e de favorecimento do grande capital;
- o partido liberal, advogando algumas posições objectivamente mais à esquerda, foi a escolha de alguns milhões desses eleitores descontentes, que assim comprometeram a tradicional alternância sem alternativa que tem sustentado os sucessivos governos conservadores e trabalhistas;
- com este resultado, ficou abalado o edifício político da burguesia inglesa ao qual podemos chamar regime do partido único-bicéfalo, fenómeno novo que pode "contaminar" positivamente os eleitorados de outros países que igualmente vêm suportando semelhantes soluções "bicéfalas"
- por último, estas mudanças eleitorais revelam a existência de um espaço crescente no eleitorado inglês disponível para outras escolhas, para opções políticas que contestem o "status quo", espaço esse que poderá vir a ser suporte para a actividade das forças políticas e sociais que recusam as soluções do neoliberalismo dominante e defendam a contestação do sistema, propondo novos caminhos democráticos para o seu povo.

Aqueles posicionamentos "à esquerda" do partido liberal inglês, revelam aliás um interessante fenómeno político-partidário contemporâneo que podemos, figurativamente, associar aos movimentos telúricos terrestres: sob a pressão ideológica do neoliberalismo durante décadas, operando a compressão/afundamento/fragmentação das posições dos partidos de esquerda - em muitos casos, mesmo a destruição dos próprios partidos -, a força das ideias de esquerda, robustecidas pelo desenvolvimento histórico, vêm actualmente a irromper episodicamente dentro das próprias formações de direita, para mascarar as opções de classe destas últimas mas evidenciando, ao mesmo tempo, uma cedência clara à força ideológica crescente das posições de esquerda e anti-capitalistas.

De um ponto de vista de classe, assente sempre numa análise política igualmente de classe, não há razões para alimentar quaisquer ilusões com o partido liberal inglês. Ele faz parte e integra o arco dos partidos representantes dos interesses do grande capital, lá como cá e em numerosos outros países, são os partidos das políticas de direita. São até de esperar alterações significativas naquelas posições que o liberal Nick Clegg foi defendendo, durante o período que antecedeu as eleições e na própria campanha eleitoral. Isso é um comportamento típico nestas democracias burguesas, é próprio dos procedimentos "éticos" dos políticos burgueses, nada há para se estranhar nem que justifique que gastemos mais tempo com tal expectativa.

Importará sim estarmos atentos às próximas posições e iniciativas dos sindicatos e partidos da esquerda britânicos, esperando que deles tenhamos boas e estimulantes notícias, no nosso combate comum à presente ofensiva neoliberal na Europa e no mundo. Parece fazer parte do pacto negociado entre conservadores e liberais uma reforma do sistema eleitoral inglês; a ser assim, caberá às organizações populares exigirem então o cumprimento dessa promessa dos liberais, agora que estão no governo!

Lá como cá, temos que estar sempre em condições de aproveitar e usar em nosso favor todas as debilidades e dificuldades - mesmo que conjunturais e de dimensões limitadas -, que vão atingindo o aparelho e as forças de dominação capitalistas. Lá como cá, a luta dos povos europeus e mundiais, tornada mais instante e imperiosa, exige-nos uma grande capacidade táctica e uma sólida firmeza estratégica, organizando a resposta e o indispensável contra-ataque das organizações operárias e populares, promovendo a urgente resposta dos democratas e dos patriotas para juntos contermos e derrotarmos a presente (e violenta) ofensiva deste neoliberalismo revivido.

2 comentários:

Anónimo disse...

Enquanto o revisionismo não fôr extripado todas as lutas dos trabalhadores estão condenadas ao fracasso. Este discurso é o típico argumento do vazio político do PCP e seus "muchachos". Não existe uma única ideia concreta para o combate político pelo derrube do Estado burguês. Estes intelectuais são a desgraça dos trabalhadores.

Nelson Ricardo disse...

A única notícia animadora no rescaldo das eleições é a remodelação do sistema eleitoral inglês para um mais proporcional.

Deste modo, pode levar ao desgastar das três principais forças políticas e que abra espaço a uma força verdadeiramente representante da classe operária inglesa.

Um Abraço.