segunda-feira, 20 de junho de 2011
Líbia: Mais um testemunho directo - e corajoso - da barbárie imperialista.
É claramente evidente que a OTAN excedeu o seu mandato, mentiu acerca das suas intenções, é responsável por assassínios extra-judiciais, tudo em nome da “intervenção humanitária”.
No período em que integrei o Comité de Relações Internacionais no Congresso, entre 1993 e 2003, tornou-se-me evidente que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) constituía um anacronismo. Fundada em 1945, no final da II Guerra Mundial, a OTAN foi criada pelos EUA como resposta à sobrevivência da União Soviética enquanto Estado Socialista. A OTAN constituía o garante político, para os EUA, de que a dominação capitalista sobre as economias Europeia, Asiática e Africana iria prosseguir. E esta garantia assegurava também a sobrevivência do apartheid global então existente.
A OTAN é um pacto de segurança colectiva através do qual os estados membros assumem que um ataque contra qualquer deles é um ataque contra todos eles. Por conseguinte, se a União Soviética tivesse atacado um qualquer dos seus membros europeus, o escudo militar norte-americano seria activado. A resposta soviética a este pacto foi o Pacto de Varsóvia, que sustentou um “cordão sanitário” em torno do território russo central, na eventualidade de um ataque da OTAN. Dessa forma o mundo foi cindido em blocos, dando origem à “Guerra Fria”.
Os “guerreiros frios” confessos dos dias de hoje continuam a encarar o mundo dessa forma, e não conseguem ultrapassar a visão de uma China Comunista e de um Império Soviético amputado como Estados inimigos dos EUA cujas movimentações, seja em que parte do planeta se verifiquem, devem ser contrariadas. O colapso da União Soviética proporcionou uma oportunidade acelerada para que a hegemonia dos EUA fosse exercida em áreas de anterior influência russa. Territórios africanos e eurasiáticos onde se situam antigos estados soviéticos satélites, bem como o Afeganistão, o Paquistão e outros têm sempre assumido um lugar predominante nas teorias da “contenção” e do “ricochete” que até aos dias de hoje orientam a política dos EUA.
Com tudo isto como pano de fundo, o ataque de foguetões contra Tripoli na noite passada é inexplicável. Tripoli, uma área metropolitana com cerca de 2 milhões de habitantes, suportou 22 a 25 bombardeamentos ontem à noite, abalando e partindo janelas e fazendo tremer o meu hotel até aos alicerces.
Abandonei o meu quarto no Hotel Rexis Al Nasr, caminhei pelo exterior, e podia sentir o cheiro dos explosivos. Por toda a parte, habitantes locais de mistura com jornalistas estrangeiros de todo o mundo. Enquanto ali estávamos, mais bombas atingiram vários pontos da cidade. As explosões clareavam o céu de vermelho, e mais foguetões disparados por jactos OTAN atravessavam as nuvens baixas antes de explodir.
Podia sentir na boca a poeira espessa levantada pelas bombas. Pensei de imediato nas munições de urânio empobrecido que se diz estarem a ser utilizadas, bem como as de fósforo branco. Se estão a ser utilizadas armas de urânio empobrecido, de que forma afectarão os civis locais?
Mulheres transportando crianças pequenas fugiam para fora do hotel. Outras corriam a lavar a poeira que lhes entrara para os olhos. Com as sereias rugindo, viaturas de emergência surgiram na zona sob ataque. Os alarmes dos carros, disparados pelos impactos sucessivos, podiam ouvir-se sob os cânticos desafiadores do povo.
Tiros esporádicos de armas de fogo romperam, ao que me pareceu em todo o lado à minha volta. A estação Euronews mostrou imagens de enfermeiras e médicos entoando cânticos, nos próprios hospitais em que tratavam aqueles que a última investida de choque e assombro da NATO deixara feridos. De repente, as ruas à volta do meu hotel encheram-se de gente a cantar e de automóveis a buzinar. Dentro do hotel, uma mulher líbia transportando uma criança aproximou-se de mim e perguntou-me por que lhes estão a fazer isto?
Quaisquer que fossem os objectivos militares do ataque (e eu e muitos outros questionamos a utilidade militar de semelhantes ataques) permanece o facto de que este ataque aéreo foi lançado contra uma grande cidade repleta de centenas de milhares de civis.
Reflecti também se algum dos políticos que autorizou este ataque aéreo alguma vez se encontrou do lado errado de munições de urânio empobrecido guiadas a laser. Teriam alguma vez presenciado os danos horríveis que estas armas provocam numa cidade e nos seus habitantes? Pode suceder que, se alguma vez tivessem estado numa cidade sob ataque aéreo, se tivessem sentido o impacto destas bombas, se tivessem visto a devastação causada não estivessem tão dispostos a autorizar um ataque contra a população civil.
Estou convicta de que a OTAN não teria sido tão negligente com a vida humana se tivesse sido convocada para atacar uma cidade importante do ocidente. Aliás, estou convicta de que tal nunca sucederia. A OTAN (tal como os EUA e os seus aliados) apenas ataca os pobres e os desprotegidos do 3º mundo.
No dia anterior, numa iniciativa de mulheres em Tripoli, uma mulher aproximou-se de mim de lágrimas nos olhos: a mãe está em Benghazi e ela não pode voltar para saber se a mãe está ou não bem. As pessoas do oriente e do ocidente do país viviam em comum, amavam-se, casavam entre si. Agora, em consequência da “intervenção humanitária” da OTAN, geraram-se e endurecem divisões artificiais. O recrutamento de aliados pela OTAN na Líbia oriental insere-se na mesma estratégia de “guerra fria” que procurava assassinar Fidel Castro e derrubar a Revolução Cubana com cubanos “aclimatados” dispostos a cometer actos de terrorismo contra o seu anterior país. Mais recentemente, a República Democrática do Congo foi ameaçada de amputação territorial, depois de Laurent Kabila recusar uma solicitação da Administração Clinton no sentido de abandonar a zona oriental do seu país. Laurent Kabila descreveu pessoalmente o encontro em que esta solicitação e a respectiva recusa sucederam. Este plano de balcanização e de amputação de um país africano (como sucedeu no Sudão) só não foi por diante porque à recusa de Kabila se juntou a mobilização de congoleses em todo o mundo, que se organizaram em defesa da integridade territorial do seu país.
Horrorizou-me saber que os aliados da OTAN na Líbia (os “Rebeldes”) têm linchado e massacrado os seus compatriotas de pele mais escura, depois da imprensa dos EUA ter identificado os Negros Líbios como “mercenários negros”. Digam-me agora, por favor: vão expulsar os negros de África? Informações da imprensa sugerem que os americanos ficaram “surpreendidos” por encontrar pessoas de pele escura em África. O que é que isto nos diz acerca desta gente?
O triste facto, entretanto, é que são os próprios líbios que têm sido insultados, aterrorizados, linchados, assassinados, em consequência das informações que hiper-sensacionalizaram esta grosseira ignorância. Quem é que vai ser responsabilizado pelas vidas perdidas no frenesim sanguinário desencadeado por estas mentiras?
E isto traz-me de regresso à pergunta que a mulher me colocou: porque está isto a acontecer? Honestamente, não pude dar-lhe a resposta educada e razoável que ela esperava. Do meu ponto de vista, todo o público internacional se debate com essa questão “Porquê?”.
O que sabemos e está muito claro é isto: aquilo a que eu assisti na noite passada não é uma “intervenção humanitária”.
Muitos alimentam a suspeita de que a questão é a quantidade de petróleo existente no subsolo líbio. Podem chamar-me céptica, mas dá que pensar como é que forças combinadas de terra, mar e ar da OTAN e dos EUA, custando milhares de milhões de dólares, são mobilizados contra um relativamente pequeno país do Norte de África e se supõe que todos fiquemos convencidos de que se trata de defender a democracia.
O que eu vi nas longas filas de espera para obter combustível não é “intervenção humanitária”. A recusa em autorizar fornecimento de medicamentos para os hospitais não é “intervenção humanitária”. O que é mais triste e que sou incapaz de dar uma explicação plausível do porquê às pessoas agora aterrorizadas pelas bombas da OTAN, mas é claramente evidente que a OTAN excedeu o seu mandato, mentiu acerca das suas intenções, é responsável por assassínios extra-judiciais, tudo em nome da “intervenção humanitária”.
Onde está o Congresso quando o Presidente excede as suas competências no desencadear da guerra? Onde está a “consciência do Congresso”?
Para aqueles que discordam do conselho de Dick Cheney, de que preparemos a próxima geração para a guerra, é necessário que dêem apoio a quem quer que seja que esteja disposto a pôr fim a esta loucura. Por favor organizem-se e depois votem pela paz. A gente de todo o mundo precisa de que nos levantemos e falemos, em seu nome e no nosso, porque a Venezuela e o Irão também estão sob ameaça. Os líbios não precisam dos helicópteros bombardeiros da OTAN, nem de bombas inteligentes, mísseis de cruzeiro ou bombas de urânio empobrecido para resolver os seus problemas internos. A “intervenção humanitária” da OTAN tem que ser denunciada pelo que realmente é à luz crua da verdade.
Enquanto anoitece sobre Tripoli tenho, juntamente com a população civil, de me preparar para mais “intervencionismo humanitário” da OTAN.
Parem de bombardear África e os pobres de todo o mundo!
16.Jun.2011
Cynthia McKinney*
*Antiga membro do Congresso dos EUA eleita pelo Partido Democrático, integra actualmente o Green Party, pelo qual foi candidata à eleição presidencial de 2008. Nos últimos anos dos seus mandatos, vem integrando diversos movimentos cívicos, subscrevendo várias iniciativas legislativas de frontal contestação às políticas do governo estadounidense, nomeadamente exigindo a saída das tropas do Iraque, o apuramento da verdade sobre o 11 Setembro, a divulgação dos relatórios da CIA sobre o assassinato de Martin Luther King, a denúncia das agressões imperialistas na R.P. do Congo, a exigência de apoios às vítimas em Nova Orleãs do furacão Katrina, um pedido de "impeachment" de Bush. Integrou a delegação de activistas pró-palestinianos que embarcou no "navio da dignidade" com destino a Gaza, sendo deportada para os EUA pelos sionistas e, mais recentemente, empenhou-se na luta contra a agressão militar imperialista contra o povo líbio.
quarta-feira, 15 de junho de 2011
Líbia - O país de vez na criminosa estratégia imperialista.
A situação na Líbia, alvo de ataques e bombardeamentos aéreos diários por parte dos "aliados" da NATO, exige-nos atitudes de denúncia vigorosa desta "Aliança"(?!) e acções de solidariedade com o povo líbio, actualmente o escolhido pelos imperialistas do eixo EUA/UE como o alvo de vez da sua estratégia mais geral, ao programarem guerras de agressão contra todos os países que, mesmo de forma mitigada, se vêm opondo aos seus desígnios imperiais, ao mesmo tempo que praticam autênticos assaltos à mão armada às riquezas e recursos desses países.
De novo se repetem as mesmas imagens, quando é possível vislumbrá-las nalguns canais noticiosos internacionais, com a divulgação de cenas de terror, de destruição - mesmo de hospitais, de escolas, de infra-estruturas vitais para a vida das populações agredidas -, imagens do extermínio de civis transformados, numa linguagem hipócrita, em descartáveis vítimas "colaterais".
Em seguida, transcreve-se um texto publicado no "Il Manifesto" italiano e divulgado no companheiro "Blogue do Velho Comunista", no qual se descrevem os meios militares já "gastos" pelos agressores nos ataques à Líbia, bem como a forma como os arsenais estado-unidenses continuam a alimentar os esgotados stocks europeus, assim alimentando a indústria militar da morte. São dados de mais uma das muitas guerras da Nato imperialista, nas quais a participação e conivência de Portugal nos cobre a todos de enorme vergonha. Uma criminosa participação que, em cada dia que passe, torna mais urgente a sua corajosa denúncia e a correspondente e inadiável exigência política da saída do nosso país dessa organização, uma organização militar ao serviço da agressão imperialista contra os povos em todo o mundo.
Os estoques de munições da força aérea aliada estão esgotados. Mas para continuar a destruição da Líbia, o Pentágono aprovisiona a NATO. A guerra é assim um negócio rentável.
Em 60 dias de « Protecção Unificada » os aviões da NATO efectuaram, segundo dados oficiais, mais de 9.000 missões na Líbia, entre as quais 3.500 ataques com bombas e mísseis. A maior parte é levada a cabo pela força aérea dos EUA, Grã-Bretanha, França, Itália e Canadá. Aviões italianos (Tornado, Eurofighter 2000, F-16 e outros) efectuaram, segundo uma estimativa, cerca de 900 missões. Com eles participam igualmente Suécia, Espanha, Holanda, Bélgica, Noruega, Dinamarca, Emirados Árabes Unidos, Jordânia, Qatar e Turquia.
No total, mais de 300 aviões estão envolvidos, isto porque esta guerra permite igualmente testar, em condições reais, novas armas, como o caça francês Rafale. A aeronáutica italiana está experimentando o avião Boeing KC767-A, que acabou de receber e que efectua operações de aprovisionamento em pleno voo de caças-bombardeiros e também transportes aéreos estratégicos. No seu baptismo no aeroporto de Pratica di Mare, este foi apresentado como «o pilar para uma única e excepcional capacidade de projecção da componente aérea não só a nível nacional mas também de toda a NATO». Assim, um novo sistema de armas é testado na guerra da Líbia para potencializar a capacidade da NATO na projecção de forças aéreas e terrestres noutras guerras.
A operação « Protecção Unificada » revela, no entanto, algumas deficiências. Com o incessante bombardeamento, as bombas esgotam-se. No entanto não há problema, sendo que o Pentágono continua a fornecer. O coronel Dave Lapan, porta-voz do departamento de Defesa afirmou: «Desde que a NATO tem liderado a campanha aérea, temos fornecido um apoio material, munições inclusive, aos aliados e aos parceiros participantes nas operações na Líbia». Lapan precisa que este fornecimento, cujo valor ascende agora a 24,3 milhões de dólares, inclui «bombas inteligentes teleguiadas de extrema precisão». Na Itália, estas bombas estão estocadas em enormes quantidades em Camp Darby, a base logística (estadunidense, NdT) que aprovisiona as forças aéreas dos EUA na zona mediterrânea e africana.
terça-feira, 7 de junho de 2011
Pelo seu voto, 440.863 portugueses afirmam-se dispostos à luta!
Reflexo desse (induzido) desinteresse político e elemento importante de análise aos números eleitorais reside no aumento da massa de abstencionistas e no crescimento dos votos brancos, o primeiro expresso nos 41,1% da abstenção - mais 120.000 eleitores a recusarem votar - e, o segundo, nos 2,67% de votos brancos - subindo de 99.000, em 2009, para os 148.000 votos de agora.
Entretanto, um outro dado dos resultados ainda mais importante emerge, com toda a força da sua própria dimensão: neste passado domingo, mais de 440.000 portugueses tiveram a capacidade e a determinação de recusar todas as "inevitabilidades" e de afirmar vigorosamente, com o seu voto, que querem uma decidida viragem na vida nacional, que exigem e que lutam e lutarão por um outro caminho para o nosso país e para o nosso povo. São uma força imensa, pois não obstante constituírem a minoria do eleitorado português que votou, são a parte mais esclarecida e combativa dos eleitores, são todos aqueles que, de facto, levaram a luta até ao voto! E estes são os indispensáveis e insubstituíveis.
Terminado o intenso e militante esforço que foi realizado na campanha pelos milhares de camaradas e activistas da CDU, esforço no qual - não se tenha a mais pequena dúvida! -, reside por inteiro o êxito alcançado na mobilização para o voto consequente daqueles 440.000 eleitores, é chegado de novo e sempre o tempo de prosseguir a luta. Sabemos o que pelos banqueiros e outros grandes capitalistas está sendo tramado, contra os trabalhadores e o povo, contra a independência e dignidade do nosso país. Sabemos que as próximas rábulas sobre lideranças partidárias "renovadas" se destinam a prosseguir com a cenografia das "oposições" do baile mandado - ora agora "comes" tu, ora agora "avio-me" eu -, entre os partidos do "arco institucional", aqui se incluindo um metamorfoseado BE. Entretanto, a realidade está pelos que lutam, pelos que resistem e combatem, com coragem e determinação; o desenvolvimento dialéctico do real está com todos aqueles que estão determinados a combater o desgraçado estado actual deste regime esgotado, batendo-se pelo seu fim e substituição por um regime verdadeiramente livre e democrático, inteiramente ao serviço dos trabalhadores e das outras camadas sociais anti-monopolistas suas aliadas.
O real vai aproximar muitos dos votantes PS/PSD/CDS/BE daqueles que, eleitores da CDU ou abstencionistas, sempre lutaram e continuarão lutando contra estas políticas predatórias e destrutivas do país. Sem exclusão de um único daqueles centenas de milhar (milhões, mesmo) de operários, assalariados, intelectuais e quadros técnicos, pequenos empresários, de todos aqueles que, ludibriados pela actividade ideológica dos seus verdadeiros inimigos, votaram directamente contra os seus interesses e futuro, sem terem as ferramentas de análise que lhes permitiriam avaliar e recusar as funestas consequências de uma escolha errada e as suas próprias responsabilidades na avalanche negra que aí vem. Não direccionemos nunca a nossa luta contra esse eleitorado que vota erradamente, mas sim e sempre contra os seus (e nossos) algozes, contra o inimigo comum.
Prosseguir uma denúncia vigorosa dos inimigos de classe dos trabalhadores, esclarecer e agitar, unir e mobilizar para a acção, alargar e intensificar a luta, são as prioridades do momento, são as orientações na ordem do dia. Juntos, iremos à luta - que continua!
sexta-feira, 3 de junho de 2011
Domingo, o Voto de Classe é CDU!
segunda-feira, 30 de maio de 2011
Grécia: mais um testemunho, insuspeito e em directo.
Todos aqueles que acompanhamos o desenvolvimento da situação sócio-política na Grécia vamos tendo conhecimento do brutal agravamento das condições de vida dos trabalhadores e do povo gregos, resultado directo da manobra de ocupação e espoliação selvática que neste país - nosso irmão de infortúnio - está a ser operada pela UE imperialista, de mãos dadas com os EUA.
Depois de um ano de austeridade, nós gregos vimos o nosso país e as nossas vidas ficarem irreconhecíveis.
Um ano depois de o Fundo Monetário Internacional e a União Europeia terem imposto a sua própria agenda infame à Grécia, a vida aqui mudou radicalmente. Quem tem entre 18 e 24 anos de idade, o mais certo é estar desempregado como 40% da sua geração. Quem tem trinta e poucos anos e um emprego, é provável que seja em tempo parcial e flexível. É possível que não o imagine estável e não faz ideia do tempo que irá durar. Os salários caiem gradualmente, não se pode fazer greve, não podemos organizar de forma coletiva e nem sequer exigir que nos paguem. As férias estão fora de questão, adoecer é um risco demasiado grande e não é possível ter casa própria.
Os jovens gregos não podem fazer escolhas normais na vida: não podem planejar o presente, quanto mais o futuro. Mas dizem-lhes – e muitos sentem-no - que não se podem queixar. Afinal pertencem a uma geração condenada.
A maior parte dos gregos deixou de ver as notícias ou de pensar sobre a razão de isto estar acontecendo. Mas toda a gente fala entre si sobre o que se está se passando: amigos, filhos e pais, comerciantes, taxistas, professores - todos dizem que esta austeridade é desleal e injusta, mas também todos se sentem inseguros e receosos: ao fim e ao cabo não há nada que possam fazer. Esta nova realidade parece ter sido lançada sobre nós - quase como um fenómeno sobrenatural. Dizem-nos que arcamos com as culpas da crise porque "todos nós andamos na vadiagem e gastamos para além das nossas possibilidades" - mas os que sofrem mais sabem que não tiveram nada a ver com isto.
Ainda não se passaram 12 meses desde que esta crise começou, mas as pequenas histórias que ilustram a mudança estão sempre aparecendo: sem-abrigo a vasculhar os caixotes do lixo à procura de comida, amigos despedidos sem indemnização ou aceitando cortes salariais, a polícia reprimindo cidadãos em protesto, escolas e hospitais que fecham, professores e médicos que perdem o emprego, jornalistas censurados, sindicalistas perseguidos, ataques racistas no centro da cidade. Legalidade, maioria, democracia e igualdade começam a parecer palavras sem nexo.
De repente, as coisas que aconteceram há apenas um ano em lugares remotos, subdesenvolvidos – como para provar a sorte que tínhamos por pertencer à civilizada Europa – estão a acontecer agora, aqui, na Grécia. Mas os gregos não podem queixar-se, não podem reagir, porque lhes dizem que a culpa da crise é deles – mesmo quando toda a gente sabe que não pode ser apenas culpa deles.
Mas para além da cobertura mediática dominante e das declarações das elites e dos políticos, cada vez mais pessoas sentem a falta de sentido, de racionalidade, justiça e liberdade na sua vida cotidiana. Alguns recusam-se a pagar taxas sobre os transportes e nos hospitais, portagens e dívidas e outros criam pequenas redes de solidariedade locais, comércio alternativo ou auto-educação nos seus bairros. Alguns lêem blogues e contam histórias diferentes, reconfirmando a sua dignidade com actos humildes, diários, de resistência, porque sentem a diferença entre "nós" e "eles" que nenhum meio de comunicação social ou discurso estatal consegue obscurecer.
Um povo inteiro não pode viver no isolamento, sentindo medo e culpa por muito mais tempo, encarando um futuro cheio de problemas que não podem ser resolvidos. O que o FMI e os políticos gregos sabem e receiam é que um povo oprimido possa aprender a comunicar sem falar, a avançar sem parecer que se mexe, a resistir sem resistir - gradualmente as pessoas irão descobrir-se umas às outras e perceber o que se está a passar e de quem é realmente a culpa. E depois, como aconteceu em dezembro de 2008, haverá uma reacção em massa aqui na Grécia, uma reacção que poderá ser violenta e que irá uma vez mais ser classificada de imprevisível e irracional."
Testemunho de Hara Kouki, historiadora e investigadora grega.
(Texto publicado no "Guardian" e traduzido e transcrito no site "Controvérsia")
sexta-feira, 20 de maio de 2011
A UE imperialista e as lutas de massas em curso.
Na tarde de ontem, quinta-feira, 19 de Maio, muitos milhares de trabalhadores portugueses saíram às ruas em Lisboa e no Porto (50.000, em Lisboa, e 15.000, no Porto, segundo a CGTP), desfilando em manifestações patrióticas e de combate, prosseguindo assim a luta contra o assalto e a ingerência da "troika" imperialista (FMI/BCE/UE) e contra a submissão e a traição da "troika" dos partidos (PS/PSD/CDS) que estão ao serviço da primeira, combatendo energicamente as medidas de espoliação e sobre-exploração que estes congeminaram e continuam a preparar, pela surda, na mansidão dos seus gabinetes e nos encontros que têm com os banqueiros e outros representantes da grande burguesia nacional e europeia.
Entretanto, as lutas de classe prosseguem e redobram de intensidade também noutros países europeus, igualmente sob o fogo do ataque em larga escala que o grande capital desenvolve contra os povos. Da edição de ontem do jornal "Avante!", transcrevem-se as notícias sobre duas importantes jornadas de luta.
Após um ano de duras medidas de austeridade, que já retiraram um terço do poder de compra a amplas camadas de trabalhadores, muitos são aqueles que se interrogam: para onde foi o dinheiro? O descrédito dos partidos burgueses cresce à razão do agravamento dos problemas do país: o desemprego, que duplicou em menos de dois anos, atinge 15,1 por cento; as contas públicas degradam-se; o Estado resvala perigosamente para a bancarrota e volta a estender a mão à «ajuda» externa.
Sem outra cura que não provoque a morte do paciente, o poder burguês esforça-se para conter as convulsões das massas, manobra com mais promessas, abafa protestos com repressão, mas sente que a situação ameaça fugir ao seu controlo.
Na última semana, marcada pela grande greve geral de dia 11, que paralisou a generalidade dos sectores de actividade, os cordões policiais foram reforçados com novos contingentes, especialmente junto ao parlamento, local a que afluíram milhares de manifestantes.
A maior manifestação em Atenas, organizada pela PAME, a central sindical de classe grega, chegou ao fim sem incidentes. Porém, o desfile das centrais reformistas GSEE e ADEDY, no qual se infiltraram elementos provocadores, terminou em violentos confrontos com a polícia. Os agentes dispararam granadas de gás lacrimogéneo e atacaram brutalmente os manifestantes a pontapé e à bastonada. Uma das muitas vítimas foi levada para o hospital entre a vida e a morte.
Todavia, se os grandes bancos franceses e alemães, detentores de uma grande parte da dívida grega, podem esfregar as mãos, seguros de que continuarão a receber juros usurários, a esmagadora maioria do povo helénico está confrontada com uma deterioração sem precedentes das suas condições de vida.
As medidas preconizadas pelo governo visam mais cortes nos salários dos trabalhadores da administração pública e das antigas empresas públicas, nas prestações sociais, na Saúde, Educação, protecção e Segurança Social, a desregulamentação laboral e o aumento de impostos sobre o consumo.
No dia em que, pela segunda vez este ano, tudo estava parado na Grécia, não havia comboios nem barcos, jornais ou noticiários, a secretária-geral do Partido Comunista da Grécia, Aleka Papariga, presente na manifestação da PAME, acusou o governo de estar a conduzir o país para uma «bancarrota organizada e controlada» e sublinhou que ao povo trabalhador cabe «escrever em letras grandes a sua página na história deste país. A sua raiva precisa de se transformar em força para que possam passar ao contra-ataque. Não há outro caminho.»
As manifestações, convocadas pelo movimento «Democracia Real, Já», decorreram sob lema «Não somos mercadorias nas mãos dos políticos e banqueiros», e tiveram uma forte participação sobretudo de jovens estudantes, à procura do primeiro emprego ou em situação de precariedade, mas também de trabalhadores de vários sectores e reformados.
À semelhança do movimento português «Geração à Rasca», a plataforma foi lançada nas redes sociais da Internet. Teve origem nos meios universitários de Madrid, com a criação do grupo «Juventude sem Futuro», mas depressa ganhou o apoio de centenas de associações e organizações por todo o país, designadamente de ecologistas e da associação internacional ATTAC, que reclama a taxação das transacções financeiras, bem como de professores, poetas e escritores.
Os seus porta-vozes fazem questão de se demarcar dos partidos políticos e dos sindicatos, e alguns apelam mesmo ao abstencionismo eleitoral. No manifesto da «Democracia Real, Já», defendem a ideia de uma «revolução ética», todavia consideram «obsoleto e antinatural o sistema económico vigente», que «se consome a si próprio, enriquecendo uns poucos e afundando na pobreza e na penúria os restantes. Até ao colapso.»
Em Madrid, onde se concentrou o maior número de manifestantes, 25 mil segundo os organizadores, o desfile terminou, ao princípio da noite, na praça Porta do Sol, onde o escritor José Luis Sampedro, de 94 anos, instou os jovens a insurgir-se de forma pacífica contra a «tirania financeira e as suas consequências devastadoras». Posteriormente grupos radicais cortaram o trânsito e envolveram-se em confrontos com a polícia, que efectuou várias cargas para dispersar os manifestantes e fez várias detenções.
No entanto, um grupo de jovens decidiu ficar pacificamente na praça durante a noite, repetindo a acção na madrugada de terça-feira, quando, cerca das 5.30 horas, algumas centenas de jovens foram expulsos do local pela polícia.
Concentrações importantes tiveram ainda lugar, no domingo, em Barcelona (15 mil pessoas) – onde já na véspera se tinham manifestado perto de 30 mil pessoas contra os cortes sociais do governo catalão –, Valência (8 mil), Córdova (7 mil), Sevilha (6 mil), Granada, Saragoça, Múrcia, Las Palmas e Tenerife (5 mil em cada), Málaga e Alicante (4 mil), entre muitas outras. Em todas elas surgiram protestos contra as medidas de austeridade, o desemprego, os cortes nos salários e nas pensões: «Sem casa, sem trabalho, sem pensão e sem medo», tal é o lema da «Juventude sem Futuro» que promete mais mobilizações.
A Reuters apressou-se a dizer que tal termo - "re-profiling" - não existe no léxico financeiro. A ideia é levar os credores da dívida a aceitar a troca de dívida de menor prazo por dívida de longo prazo, permitindo um reescalonamento voluntário, estendendo as maturidades, evitando, formalmente, que se declare um "evento de crédito" (eufemismo técnico para default). A missão dos gregos - certamente com alguma "ajuda" da depressão política por parte das grandes potências europeias - será a de convencer os credores privados a aceitarem serem pagos mais tarde.
O processo da Grécia parece um filme em vários episódios, recorda Bastian. Começou com um resgate especial - ainda antes dos mecanismos depois criados a que já recorreram a Irlanda e Portugal -, depois foram estendidas as maturidades do empréstimo de 3,5 anos para 7 anos e foi reduzida a taxa de juro dos empréstimos da parte europeia de 5,2% para 4,2%. Em seguida, mais recentemente, começou a falar-se da necessidade de um plano suplementar - cujos valores variam entre €30 a 100 mil milhões, consoante as análises - ao resgate inicial que trouxe um envelope de €110 mil milhões. Finalmente, começa a soletrar-se a palavra "R".
Isto é, perante as lutas e o descalabro que as suas receitas de "ajuda" estão já a originar nos países que primeiro se renderam à sua aplicação (Irlanda e Grécia), o capital manobra simultâneamente com os seus dois propósitos clássicos: a) amortecer o impacto da luta dos trabalhadores e o reforço das suas alianças sociais com outras classes e camadas anti-monopolistas; b) tentar "sacar" pelo menos uma parte do planeado assalto aos rendimentos do trabalho, perante a perspectiva cada dia mais próxima e real de os povos agredidos constatarem a impossibilidade prática de o fazerem e se recusarem a pagar as dívidas dos banqueiros e dos grandes grupos económicos, com isso originando a temida bancarrota destes países e o correspondente colapso do sistema do euro.
A fecharmos este rápido painel da actualidade, dedicado aos últimos desenvolvimentos da renhida confrontação das antagónicas forças de classe no teatro europeu, mencionemos uma notícia de ontem sobre as declarações da representante do imperialismo anglo-franco-alemão, Ângela Merkel, acerca dos direitos laborais dos gregos, dos espanhóis e dos portugueses, a qual, usando termos de uma arrogância já descarada e desbragada, afirmou que os trabalhadores têm que passar a ter férias mais curtas e a só obter o direito à reforma nos anos de uma velhice mais avançada. Disse ela:
"Não se trata só de não contrair dívidas, em países como a Grécia, Espanha e Portugal, as pessoas não devem poder ir para a reforma mais cedo do que na Alemanha", afirmou a chanceler num comício partidário na terça-feira à noite, em Meschede (Renânia).
"Todos temos de fazer um esforço, isso é importante, não podemos ter a mesma moeda, e uns terem muitas férias e outros poucas", advertiu Merkel.
Esta "senhora", mentindo e ocultando, p. ex., o facto de os salários alemães serem qualquer coisa como seis vezes os salários dos portugueses e que os horários de trabalho na "sua" Alemanha são bem mais curtos e sem os prolongamentos ilegais que aqui se verificam e sem direito a qualquer pagamento extra, esta "Chefe", numa outra iniciativa da sua juventude partidária (neonazi?), afirmou também que a sociedade multi-cultural é "um modelo totalmente fracassado" (!)
Cada dia que passa fica assim mais claro que as classificações que vimos atribuindo à UE - federalista, ultraliberal e militarista - já são insuficientes. A estas torna-se agora indispensável adicionar-lhes outras, actuais: imperialista, xenófoba (mesmo já adentro das suas fronteiras!), ditatorial, neofascista.
E é a estas realidades que se deve prioritariamente atender, para se entender como se tornou prioritário e crucial reforçar os laços de solidariedade combatente entre as organizações comunistas e operárias que se batem, à frente dos seus povos, na luta anti-imperialista que travam contra as potências mandantes da UE, combatendo as suas criminosas ofensivas anti-operárias e anti-populares, defendendo com honra o direito à independência e à soberania dos seus países, hoje sujeitos a poderes ditatoriais por via das traições anti-patrióticas que diariamente são praticadas pelos seus governos e pelos partidos políticos que os apoiam.
Esta não é a Europa dos Povos, da Liberdade, da Solidariedade, da Democracia e da Paz. Esta UE é o inimigo nº. 1 dos povos europeus, o aríete imperialista usado para os subjugar e oprimir, o inimigo comum contra o qual os trabalhadores e os partidos operários devem cerrar fileiras, tendo por objectivo final a sua destruição e substituição por uma verdadeira União de povos soberanos, tendo por fundamento principal a livre cooperação, assente nos seus interesses recíprocos e mutuamente vantajosos.
No relacionamento entre partidos operários e movimentos sindicais de classe, talvez nunca antes como agora se deverá aplicar e cumprir escrupulosamente a conhecida consigna dos nossos clássicos: "Proletários de todo o Mundo, Uni-vos!"
quarta-feira, 27 de abril de 2011
Abril, Ano 2011, Portugal - A mudança está em marcha.
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar."
(Bertold Brecht)
Vivemos em Portugal um novo período de viragem, com o país mergulhado numa profunda crise política, muito para além das "guerras(inhas) do alecrim e da mangerona" entre PS e PSD - essas são só meros afloramentos, contraditórios, de movimentos de classe mais vastos -, após a qual nada ficará como dantes, crise cujo traço central é o acelerado esgotamento de um regime podre e corrupto dito “democrático” que, nas últimas três décadas e meia, vem sendo conduzido à vez pelos partidos burgueses e orientado para a total subversão da democracia sonhada pela dupla que realizou a Revolução do 25 de Abril de 1974 - Povo/MFA, os obreiros do período mais luminoso da nossa história contemporânea.
Vivemos actualmente num regime político que pariu uma horrenda caricatura de democracia, uma mascarada pseudo-democrática marcada pela corrupção, pela violência social, pela repressão, pelo roubo dos recursos nacionais, pela submissão e humilhação do país perante os sucessivos “diktates” das potências imperialistas. Em síntese, afirmemo-lo com clareza, os portugueses sofrem hoje a opressão típica da ditadura - financeira, económica, social, política, cultural - própria das democracias burguesas, testemunhando e sofrendo a liquidação das liberdades, dos direitos e das conquistas transformadoras do nosso viver colectivo operadas no curtíssimo período histórico dos já distantes anos de 74/75 do século passado.
No quadro da aguda necessidade de uma actualizada reflexão e crítica, por parte dos comunistas e revolucionários, sobre as falsas concepções dominantes acerca do que é uma democracia – ou, mesmo, sobre o que é a democracia – surgem ultimamente valiosas iniciativas de análise e debate, artigos, ensaios, declarações cívicas, todos visando estudar e polemizar sobre os diversos significados políticos e de classe do conceito, cruzados com a realidade e com as suas práticas políticas concretas. Na segunda das três Conferências recentemente realizadas pela Associação Iuri Gagárin, sob o lema geral “Lenine e a Democracia”, o camarada Filipe Diniz proferiu uma intervenção que, pela actualidade e interesse relevante do seu conteúdo, pela contribuição que constitui para a busca dos novos caminhos, abaixo se transcreve:
Começarei por dizer que me seria muito menos difícil organizar esta intervenção sob o tema geral destas conversas, ou seja, Lénine e a democracia, do que sob o tema de hoje, A democracia liberta-se. E isto por uma razão teórica bastante simples: porque para Lénine, como antes para Marx e Engels, o processo da emancipação humana segue um caminho que, a certo passo do seu texto sobre “ O Estado e a Revolução”, Lénine sintetiza da seguinte forma: “quanto mais completa for a democracia mais próximo está o momento em que se tornará desnecessária. Quanto mais democrático for o Estado, […] mais depressa começará a extinguir-se todo o Estado”. Ou seja, a luta pelo socialismo - que é a luta pela supressão da exploração capitalista e de toda violência organizada e sistemática através da qual esta exerce o seu domínio, de toda a violência sobre os homens em geral - conduz necessariamente à supressão do Estado. E, para os marxistas, a democracia não é mais do que uma das formas de organização do Estado.
segunda-feira, 18 de abril de 2011
Unidade de Classe e Luta!
quinta-feira, 14 de abril de 2011
Os dias presentes são de resistência, de unidade e de luta!

domingo, 10 de abril de 2011
Carpe Diem (III) - O povo islandês volta a dizer "Não"!
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
Carpe Diem (II) - Situações e Crises Revolucionárias - Revoluções
Ultrapassado o período histórico marcado pela sua ascensão revolucionária à condição de classe dominante, se há palavra que nos dias de hoje mais atemoriza a burguesia, essa palavra é “revolução”.
Definidora de um processo agudo de transformação radical de determinado “status”/regime político, designa a passagem do poder das mãos de uma ou mais classes para as mãos de outra ou outras classes sociais. Quando tal ocorre, altera-se igualmente de forma drástica a anterior correlação de forças, emergindo uma nova correlação. Dependendo da classe ou classes em confronto na revolução considerada e da resultante final desta, as revoluções sociais da nossa época podem ser consideradas, grosso modo, nacional-libertadoras, democrático-nacionais, democrático-populares e socialistas.
Vem isto a propósito dos acontecimentos em curso no Magrebe e no Médio Oriente e das conexões que se podem – e devem! - estabelecer entre eles e as situações de agudos conflitos de classe em marcha neste lado setentrional do Mediterrâneo, designadamente no conjunto dos países que constituem as suas margens europeias.
Três grandes lições ou ensinamentos podemos talvez tirar dos processos insurrecionais populares em curso, em vários países árabes:
- Situações nacionais com regimes políticos aparentemente “perpétuos”, prevalecentes ao longo de várias décadas, apoiados económica e militarmente pelo imperialismo estadunidense, entram em crise e colapsam através de processos transformadores aparentemente “inesperados” e surpreendentes.
- O elemento motriz desses processos reside na força de massas populacionais em movimento, lutando e tomando as ruas e nestas se mantendo em situação de rebelião, ao longo de vários dias/semanas, defrontando e combatendo os poderes de estado constituídos e os seus instrumentos repressivos, acabando por impor mudanças nos “status” até aí existentes.
- Ainda que decorrendo de processos políticos nacionais diferenciados, os movimentos de massas populares irrompem em países cujos povos vêm suportando condições materiais de vida muito penosas, com fossos e carências sociais enormes, com condições de exploração do trabalho assalariado quase ao nível da escravatura – tudo isto constituindo as chamadas condições objectivas -, sendo os respectivos processos insurrecionais despoletados por factores com fortes componentes espontâneas (embora seja um erro crasso ignorar as lutas operárias e populares decorridas nos últimos anos) e mesmo, excepto no primeiro caso (Tunísia), claramente induzidos pelas experiências alheias próximas – o conjunto destes constituindo as chamadas condições subjectivas.
As revoltas, insurreições e manifestações de amplas massas que continuam em curso nestes países do mundo árabe, não obstante os esforços imperialistas do chamado “mundo ocidental”, as suas ameaças de novas agressões militares e as manobras e cedências oportunistas dos governos de turno, configuram uma profunda e promissora transformação geopolítica nesta região do mundo – Tunísia, Egipto, Iémene, Bahrein, Líbia, Argélia e, em menor escala, também no Líbano, Marrocos, Síria, sendo legítimo interrogarmo-nos sobre o que se irá ainda passar na Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes e outros, e, mesmo na Palestina.
Para os marxistas-leninistas, uma definição corrente e simplista das condições prévias a uma revolução é expressa na frase “quando os de baixo já não aceitam e os de cima já não podem”. Então, à luz das revoltas populares árabes que poderão conduzir a efectivas revoluções e observando as situações nacionais existentes na Europa, designadamente em Portugal e na Grécia – onde acaba de realizar-se esta semana uma nova greve geral e grandes manifestações populares – justifica-se a oportunidade de uma reflexão sobre a questão enunciada. Afinal, esta é uma questão decisiva na elaboração teórica e na manobra estratégico-táctica de todos e cada um dos partidos comunistas e operários, em qualquer parte do mundo onde actuem.
Eis o primeiro:
“Para um marxista, não há dúvida de que a revolução é impossível sem uma situação revolucionária, mas nem toda a situação revolucionária conduz à revolução. Quais são, de maneira geral, os indícios de uma situação revolucionária? Estamos certos de não nos enganarmos se indicarmos os três principais pontos que seguem: 1) impossibilidade para as classes dominantes manterem sua dominação de forma inalterada (...); 2) agravamento, além do comum, da miséria e da angústia das classes oprimidas; 3) desenvolvimento acentuado, em virtude das razões indicadas acima, da actividade das massas (...) para uma acção histórica independente”
O segundo:
“Sem essas alterações objectivas, independentes não somente da vontade destes ou daqueles grupos e partidos, mas também destas ou daquelas classes, a revolução é, como regra geral, impossível. É o conjunto dessas alterações objectivas que constitui uma situação revolucionária. Viveu-se essa situação em 1905 na Rússia e em todas as épocas de revoluções no Ocidente; mas ela existiu também nos anos 60 do século passado na Alemanha, assim como em 1859-1861 e 1879-1880 na Rússia, embora não tenha havido revoluções em tais momentos. E por quê? Porque a revolução não surge em toda a situação revolucionária, mas somente nos casos em que a todas as alterações objectivas acima enumeradas vem juntar-se uma alteração subjectiva, a saber: a capacidade, no que respeita à classe revolucionária, de conduzir acções revolucionárias de massa suficientemente vigorosas para quebrar completamente (ou parcialmente) o antigo governo, que não cairá jamais, mesmo em época de crise, sem ‘ser derrubado’. Essa é a concepção marxista da revolução, (...) confirmada com um particular realce pela experiência de 1905”
Da sua leitura resulta claro que, desde Lenine, para os comunistas a revolução é: 1) uma realização política de massas, mobilizando a parte mais consciente e combativa das classes trabalhadoras e das massas populares; 2) exige a existência prévia das condições objectivas tornadas necessárias; 3) a uma situação revolucionária tem que suceder um período agudo de crise revolucionária, caracterizado pelo ascenso e alargamento das lutas e pela incapacitação/paralisação dos partidos da(s) classe(s) dominante(s) e dos seus governos, perante a disposição combativa em ascensão das massas; 4) a transformação da situação e crise revolucionárias em insurreição vitoriosa e em revolução exige que a(s) classe(s) revolucionária(s) – aqui, para Lenine, a classe operária - tenha a capacidade de conduzir(em) a luta de massas de forma vigorosa e determinada, levando-a até ao fim e derrotando a(s) classe(s) detentora(s) do poder político, desarticulando o seu aparelho repressivo e derrubando o governo desta e substituindo-o pelo seu próprio governo revolucionário.
Tudo isto significa dizermos que, em sentido inverso, em situações objectivamente revolucionárias - e mesmo em períodos de crise revolucionária – as revoluções não ocorrem se entretanto o factor subjectivo não acompanhar/corresponder à situação objectiva existente, paralisando assim o seu desenvolvimento e originando condições para a recuperação pelo poder em crise da iniciativa política e de margem para manobrar, permitindo-lhe ficar de novo senhor da situação.
Nos países árabes, as lutas em curso mostrarão, pelos seus desenvolvimentos, se chegarão ou não a transformar-se em revoluções. Nada está ainda decidido. Activamente solidários com as lutas presentes dos seus trabalhadores, confiemos que conseguirão derrotar os planos de agressão e as manobras e chantagens imperialistas, impondo a vitória de novos regimes democráticos e populares, ao serviço dos seus povos e da plena soberania sobre as suas riquezas e recursos naturais, a caminho do socialismo.
Quanto a nós, comunistas e trabalhadores europeus, encontremos no exemplo dos povos árabes em luta um novo estímulo para o nosso próprio combate. O actual estádio da luta de classes nos países periféricos do sul da U.E. indica-nos, de forma clara e insofismável, que não existe nenhuma mirífica e pequeno-burguesa “terceira via”. Do renhido combate em curso, só um de dois desenlaces poderá ocorrer: ou somos nós a derrotá-los e a escorraçá-los do poder, ou serão “eles” a impor-nos um novo e prolongado período de nova barbárie social e civilizacional. A este respeito, foi muito curiosa e esclarecedora a resposta que um manifestante grego deu à equipe que televisionava a última manifestação em Atenas (?), quando respondeu ao repórter exactamente com esta frase frontal e claríssima: “Agora, ou somos nós ou são eles!”
A situação existente em Portugal, é de um óbvio apodrecimento do regime. A enorme percentagem de abstenções e votos brancos e nulos nas últimas eleições presidenciais (a par dos chamados votos de protesto, dispersos por várias candidaturas) são um indício muito evidente do divórcio crescente de milhões de portugueses deste regime “democrático” e da sua atitude de rejeição e repulsa perante tão selvática exploração do trabalho, tão ostensivo desprezo pelas pessoas, tanta corrupção, tanta subserviência vergonhosa perante os ditames da U.E., tanta ausência de valores; de protesto e oposição perante a aumento vertiginoso do custo de vida, do desemprego, da pobreza e miséria de centenas de milhares de famílias de trabalhadores, da galopante e despudorada liquidação dos direitos laborais e da criminosa destruição dos serviços públicos (na saúde, na educação, na segurança social, nos transportes, na habitação, na higiene e limpeza, no abastecimento alimentar, nos meios de cultura, em tantos outros), afundando a economia e hipotecando o futuro do país.
Nós, os comunistas, temos afirmado com inteira razão que se tornou urgente e inadiável uma ruptura democrática e patriótica - de esquerda e popular - com o actual rumo de ruína nacional e humana que o regime vigente vem, há longos trinta e cinco anos, impondo ao povo e ao país. A cada dia que passa se vai tornando mais evidente a mais e mais trabalhadores e democratas que já não é possível tal ruptura nos limites impostos - anti-democrática e inconstitucionalmente – pelo actual regime. Este sistema político, contra Abril de 1974 e contra a sua original Constituição, não é reformável nem é recuperável. A degradação política e social conduzida pelos partidos do chamado “arco do poder” – PS, PSD, CDS - originou uma situação sem retorno. O apodrecimento das instituições do Estado é manifesto, nos órgãos de soberania – P.R., A.R., Governo -, na justiça e nas magistraturas, nas forças de segurança, nas FA’s. Em correspondência com este estado de degradação geral, as “elites” do sistema evidenciam um nível rasteiro (e rastejante) e as divisões, conflitos e dissensões no campo anti-popular são já inocultáveis.
sábado, 5 de fevereiro de 2011
87 anos após a sua morte, o pensamento de Lénine continua vivo e vivificante
TRIBUNA POPULAR/ESPECIAL – Por ocasião dos 87 anos do falecimento de Vladimir Ilich Lenine, reproduzimos o artigo do Dr. Lucilo Batlle Reyes, professor titular do Instituto Superior Pedagógico de Educação Técnica e Profissional “Hector A. Pineda Zaldívar”, escrito para comemorar os 136 anos de seu nascimento.
No dia 22 de abril comemoramos os 136 anos do nascimento do grande discípulo e seguidor de Marx e Engels, e fundador do primeiro Estado de operários e camponeses, Vladimir Ilich Lenine.
Sobre ele, Fidel disse as seguintes palavras na ocasião de seu centenário: “Ninguém, como ele, foi capaz de interpretar toda a profundidade e toda a essência e todo o valor da teoria marxista. Ninguém, como ele, foi capaz de interpretar essa teoria e levá-la até suas últimas consequências. Ninguém, como ele, foi capaz de desenvolvê-la e enriquecê-la da forma como ele o fez. “
O debate que ocorre entre as forças revolucionárias na atualidade em torno do que tem sido chamado de “a alternativa ao neoliberalismo” ocorre sob a influência da crise ideológica e política resultante do colapso da URSS e dos demais estados socialistas da Europa Oriental.
Junto ao cepticismo, ao pessimismo e à desesperança que causou a muitos no movimento revolucionário e progressista mundial, também revelou, consciente ou inconscientemente, a renúncia e a deslegitimação da teoria do marxismo e do leninismo como o único instrumento válido para a compreensão do capitalismo contemporâneo e para o desenvolvimento da estratégia e tática das forças do progresso.
Para Lenine, salvaguardar os fundamentos teóricos do marxismo é a tarefa mais importante para os marxistas ante os momentos de crise. “Precisamente, diz ele, porque o marxismo não é um dogma morto, não é uma doutrina acabada, completa, imutável, mas sendo um guia vivo para a ação, não podia deixar de refletir em si as mudanças surpreendentemente bruscas da vida social. O reflexo dessa mudança foi uma desintegração profunda, a dispersão, a hesitação de todos os tipos, em suma, uma grave crise interna do marxismo. A resistência decidida a essa desintegração, a luta resoluta e tenaz em prol dos fundamentos do marxismo está colocado de volta na ordem do dia.
Camadas amplas das classes que não podem prescindir do marxismo ao formular suas tarefas, haviam agido na época precedente de um modo extremamente unilateral, distorcendo, “flexibilizando” uma ou outra bandeira de luta, umas ou outras soluções para problemas táticos, mas sem compreender os critérios marxistas que permitem avaliar essas soluções. “
O auge dos movimentos sociais contra a globalização neoliberal tem levantado vozes desde a esquerda que substituem o enfoque de classes pelo movimentismo, o que significa o abandono dos princípios básicos do marxismo. A este respeito, Lenine diz:
“Os homens têm sido sempre em política vítimas nécias do engano dos demais e de seus próprios erros, e permanecerão assim enquanto não aprenderem a discernir por trás de todas as frases, declarações e promessas morais, religiosas, políticas e sociais os interesses de uma ou outra classe. Os defensores de reformas e melhorias serão sempre enganados pelos defensores da velha ordem, que por mais bárbara e apodrecida que pareça, se sustenta pela força de uma ou outra das classes dominantes. E para vencer a resistência dessas classes só há um meio: encontrar na mesma sociedade que nos rodeia, educar e organizar para a luta as forças que possam – e, por força de sua situação social, devem – formar a força capaz de varrer o velho e criar o novo. “
Os sustentadores das teses movimentistas também defendem que a classe operária não é mais a classe revolucionária da sociedade e, portanto, a força hegemónica da mudança, senão que hoje o sujeito emancipador integra toda a comunidade das vítimas do capitalismo neoliberal em que se inclui a classe trabalhadora. Lenine dá as chaves para compreender que o que faz a classe trabalhadora a classe mais revolucionária não é o seu peso numérico, mas a sua qualidade no modo de produção.
A tomada do poder continua sendo o problema fundamental da revolução. Porém, em alguns setores da esquerda se defende “mudar o mundo sem tomar o poder”. De nada valeriam as propostas de mudanças mais elaboradas e viáveis, se não há meios políticos de realizá-los e, especialmente, quando se trata de uma revolução socialista, a única alternativa para os povos. Sobre isso, Lenine disse:
“O proletariado necessita do poder estatal, organização centralizada da força, organização da violência, tanto para esmagar a resistência dos exploradores quanto para dirigir a enorme massa da população, os camponeses, a pequena burguesia, os semi-proletários, na obra de “colocar em marcha” a economia socialista.
Para conduzir com acerto a ira popular anti-neoliberal e recolocar a luta contra o capitalismo de hoje, é de obrigatória referência, por seu profundo conteúdo esclarecedor, a obra de Lenine, especialmente toda aquela em que ele desenvolveu a teoria marxista da revolução; e fazê-lo tendo em vista o seu permanente conselho de não reproduzir clichés, não copiar fórmulas nem repetir frases decoradas, senão estudando a vida para encontrar as formas específicas pelas quais, em cada situação e em cada país, se marche rumo ao grande objectivo comum, o Socialismo.
Fonte: www.trabajadores.cu
Publicado em Blogue do Dario.