SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Uma opinião sobre as propostas de Renato Rabelo/PCdoB

A derrota das experiências - talvez mais que a sua crise - da construção de novas sociedades socialistas na Europa, em especial o desaparecimento da União Soviética, cujos fundamentos criadores tiveram em Lenine o principal obreiro, originou - e continua originando nos nossos dias - profundas consequências no pensamento marxista-leninista, colocando aos comunistas a exigente e corajosa tarefa de interpretar os acontecimentos, apontar as suas causas principais e, partindo sempre de um firme ancoramento ideológico, reafirmar aos trabalhadores e aos povos a justeza e perenidade do objectivo da construção revolucionária do socialismo.
Vários camaradas de entre nós, analisando a contra-ofensiva do imperialismo e as suas terríveis consequências sociais, políticas, culturais, há talvez cerca de dez anos atrás, começamos a definir esse novo quadro como uma regressão civilizacional. Resoluções políticas congressuais posteriores confirmaram colectivamente essa afirmação. De facto, tratando-se de retrocessos multiformes operados pelo capitalismo imperialista de forma global, atingindo países e povos em vários continentes, fazendo retroceder direitos e transformações sociais a níveis semelhantes aos registados várias décadas atrás, tal caracterização civilizacional fez e faz todo o sentido.
Vejamos então agora as propostas de Renato Rabelo, contidas nos parágrafos citados no texto anterior. Segundo afirma R. Rabelo, o PCdoB considera que a luta pelo socialismo (a que chama nova) deve corresponder a uma actualização do pensamento avançado e revolucionário, por forma a responder às exigências da nossa época e aos anseios fundamentais dos trabalhadores e das massas, num esforço de renovação teórica e na busca de uma nova alternativa civilizacional contemporânea.

Antes de passarmos a avaliar os objectivos e metas de tal "alternativa civilizacional", analisemos o conceito em si. Para tal, parece-me ser possível concluir que, para o autor, a mencionada "alternativa civilizacional": 1) não consubstancia a conquista da sociedade socialista mas sim uma fase intermédia entre capitalismo e o socialismo futuro; 2) para essa etapa dita de transição não existe um caminho ou modelo únicos; 3) terá como suporte teórico a confluência dos ensinamentos, a) das experiências socialistas do século passado, b) da experiência actual dos países que (se) reafirmam pela perspectiva socialista, e c) das experiências recentes iniciantes da luta progressista e revolucionária na América Latina e de outras lutas avançadas. E ainda - ponto muito importante -, no final do último dos parágrafos citados, RR afirma que tal avanço civilizacional não é possível nos marcos do capitalismo e da sua ordem mundial imperante.
Parece-me assim óbvio que RR nos propõe um programa político não já para o seu próprio país mas sim um programa (Agenda) internacional, destinado a congregar países e forças políticas num âmbito multi-nacional. Sinceramente, parece-me excessivo tal propósito, como me parece igualmente inapropriado chamar-lhe alternativa civilizacional. Vejamos por quais razões.


Contrariamente à dinâmica histórica do desenvolvimento do capitalismo, sabemos hoje que a construção dos caminhos que os povos percorrerão rumo ao socialismo será diferenciada e que nenhuma caminhada será igual a qualquer outra, porque diferentes são as condições objectivas e também porque diferentes serão os factores subjectivos. Em percursos tão diversificados, os estádios "civilizacionais" variam de país para país, até de continente para continente. Eventualmente, é possível que nos elos mais fracos do sistema possam eclodir revoluções socialistas, sem etapas de transição, tal como noutros casos podem ser inevitáveis processos mais complexos e demorados. Se isto está correcto, então esta diversidade deverá observar-se igualmente, e por maioria de razão, nos programas políticos a seguir nas várias etapas de cada uma das caminhadas nacionais. Por isso, pela diversidade de caminhos, timings, condições concretas e capacidades subjectivas dos partidos revolucionários, uma agenda política única de aplicação geral não corresponde à situação actual, por se revelar inexequível. Então, a sua designação pelo camarada RR como um "programa civilizatório" - talvez motivado pelo contexto - aparenta ter mais propósitos literário-propagandísticos do que políticos, tornando-se assim inapropriado como ferramenta dos comunistas para os combates actuais.

Permitam-me que intercale aqui, pela oportunidade, uma opinião paralela mas correlacionada: considero que tal quadro mundial não é contraditório com a actualíssima e indispensável necessidade, colocada aos partidos comunistas e operários, da urgente reorganização de um novo Movimento Comunista Internacional, com a criação de orgãos democráticos de coordenação das suas actividades internacionais e internacionalistas, com a edição de uma publicação de intercâmbio informativo/formativo, robustecendo a sua unidade na acção política e ideológica comun.

Vejamos agora, quais são os pontos programáticos que RR atribui a tal agenda geral "civilizatória" que, é necessário voltar a sublinhá-lo, segundo o autor não tem por objectivo a construção do socialismo, mas sim "um Programa de transição ao socialismo". Temos, assim: um Estado democrático, não neoliberal, não monopolista, apoiado num pacto político de forças avançadas, que represente uma base social popular, de unidade com as camadas médias, em composição (sic) com os sectores capitalistas que contribuam para o desenvolvimento das actividades produtivas. Este Estado de novo tipo (sic) deveria: destinar 2/3 do excedente económico (?) para um fundo público; implementar progressivamente a jornada de trabalho de quatro horas diárias durante cinco dias da semana; determinar a entrada no mercado de trabalho aos vinte cinco anos de idade; assegurar a educação ao longo da vida, com doze horas nos locais de trabalho; ampliar o tempo destinado à cultura e ao lazer; garantir a universalidade da protecção social (saúde, educação, pleno emprego, previdência e assistência social). Finalmente, estas metas seriam enquadradas pelo propósito convergente de uma nova ordem mundial, equitativa e de paz, a par da garantia e afirmação das soberanias nacionais, de superação da dependência económica e tecnológica, pela construção de um desenvolvimento sustentável, com ênfase na solidariedade entre os povos e na igualdade entre as nações.
Tal como já expressei atrás, talvez estas alargadas proposições do camarada RR tenham sido em boa parte determinadas pelo contexto onde foram colocadas - o Fórum Social Mundial - e pelas realidades da política do seu partido no seu país. No entanto, a necessidade para nós imperiosa do rigor, obriga-nos a avaliá-las com detalhe, cada uma delas e a correlação política que estabelecem entre si, bem como com o instrumento (o Estado) proposto para a sua concretização.

Vejamos a questão do mencionado Estado de novo tipo: no plano das alianças sociais, representaria um leque alargado, desde a classe operária até sectores capitalistas ligados à produção. Trata-se da pequena burguesia, micros, pequenos e médios empresários, ou admite estender-se - como parece ser o caso - também à grande burguesia industrial? No plano das alianças políticas, o que se deve entender por um pacto político de forças avançadas? Exemplificando com a realidade brasileira, quais seriam essas forças?

Passando às questões sociais, é então proposto que tal Estado viesse progressivamente a estabelecer a jornada de quatro horas de trabalho diárias, em cinco dias da semana, com ingresso na vida activa a partir dos 25 anos de idade, para além de garantir o usufruto universal de amplos direitos sociais (saúde, educação permanente, pleno emprego, previdência, assistência social, lazer, cultura). Tomando de novo como referência a sociedade brasileira e o seu grau de desenvolvimento sócio-económico, tais propostas são exequíveis numa etapa não-socialista?

Estas e outras interrogações devem ser colocadas. No plano das relações entre países e povos, as propostas avançadas por RR supõem os sistemas sócio-políticos existentes? Ou sistemas outros a construir e que se assemelhassem em torno das mesmas propostas e Estado de novo tipo? E tais desenvolvimentos, admite o camarada, seriam realizáveis num mesmo - simultâneo? - período histórico?

As propostas de RR, pela sua amplidão de objectivos, colocam em discussão traços identitários e objectivos programáticos dos comunistas, independentemente das suas diversas localizações geográficas. Resulta daqui, para todos nós, a tarefa de realizarmos esta discussão. Pessoalmente, para além do que ficou interrogado, necessito colocar também algumas outras. Assim: que aumentos de salários e pensões devemos reivindicar? Que valor para o salário mínimo, assegurando a dignidade humana a todos os trabalhadores? Que legislação do trabalho "de novo tipo" o Estado proposto deve implementar? Como é garantido o fim do trabalho precário/"terciarizado"? Como ficam impedidos os despedimentos sem justa causa? É proibido o "lay-off"? Os períodos de férias impostos pelos patrões acabam? É assegurado o efectivo direito à contratação colectiva? Como é assegurada a liberdade de actividade sindical nas empresas? E um efectivo controle operário da produção, com a prestação de contas aos colectivos dos trabalhadores? Estas questões, para os assalariados, são fundamentais. Qualquer programa "avançado", se proposto por comunistas, tem a obrigação de lhes responder.

Evidentemente, na organização e funções de um tal Estado, numerosas outras questões devem ser formuladas. De entre elas, três exemplos: Que bancos - públicos/privados - e que actividades bancária e seguradora? Que sectores e empresas estratégicas das economias nacionais serão nacionalizadas? Que políticas fiscais, em defesa dos rendimentos do trabalho e redistribuitivas da riqueza, devem ser praticadas? São exemplos como estes que se podem e devem alargar ainda a outros campos - que liberdades e direitos políticos, que política de segurança, que política de defesa, etc.

Se o objectivo para nós é - e de facto o é - uma questão muito séria, e, tão ambicioso quanto se pode entrever quando o camarada fala num "renascimento civilizacional contemporâneo, que sintetize o progresso civilizatório e seja convergente com uma nova ordem mundial solidária, equitativa e de paz", então toda a reflexão e atenta avaliação devemos garantir no nosso trabalho de comunistas, de marxistas-leninistas. Mesmo quando - e sobretudo quando - o objectivo imediato não é o socialismo.
Exactamente porque em circunstância alguma podemos/devemos esquecer que esse é o objectivo que deve nortear todo o nosso combate de comunistas.
Se os resultados do referendo de amanhã na Venezuela não me levarem a alterar o propósito, no próximo escrito penso falar do futuro socialista, em particular da sua vertente do exercício do poder político pelos trabalhadores, uma questão actual e decisiva na nossa actividade diária para ganharmos - pelo factor subjectivo - a mente e o coração dos trabalhadores na luta pelo Socialismo, uma luta para o nosso tempo, uma luta para os nossos dias.

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