SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Terminaram neste fim-de-semana dois grandes eventos internacionais, com grande cobertura mediática, aparentando situarem-se políticamente nos antípodas um do outro: a Cimeira de Davos e o Forum Social Mundial. Reunindo estas iniciativas, durante vários dias, milhares de participantes, em representação de governos, institutos, organizações políticas e sociais de todos os continentes, julgo valer a pena reflectir sobre o significado paradoxal de ambos encerrarem os intensos debates travados com uma idêntica incapacidade final: a ausência de propostas de solução para a crise mundial do sistema capitalista.
Em Davos, juntaram-se os representantes do grande capital e dos seus governos e técnicos de serviço. Sendo os responsáveis pela sua própria crise, e como os primeiros interessados na sua resolução, seria de esperar que tivessem no final dos trabalhos conseguido encontrar e anunciar ao mundo o plano da sua (deles!) salvação. Assim não aconteceu. Recheado de divisões, desacertos, gafes e contradições insanáveis, o "chairman" encerrou o conclave em ambiente desanimador, limitando-se a anunciar que voltarão a reunir-se mais adiante.
Em Belém do Pará, Brasil, esta nova edição do FSM cumpriu o calendário, albergou centenas de debates, regalou a vista e o espírito com o rico colorido étnico brasileiro e sul-americano, surpreendeu com a participação de vários presidentes progressistas (uns mais, outros menos) da anfitriã América Latina. Deixou enunciados muitos dos problemas e desgraças que países e povos sofrem na actualidade, condenou o imperialismo, e, no limite do seu enunciado crítico, afirmou - embora diluída na própria multiplicidade da sua agenda - a incapacidade do capitalismo resolver os problemas das pessoas e do meio ambiente, mas não conseguiu apontar qual o caminho alternativo para a sua superação.
Razões desta dupla e contraditória incapacidade? Tentemos encontrá-las, começando por Davos. No início desta crise, e em função dos interesses contraditórios inter-imperialistas, alguns governos do capital, querendo apresentar serviço às suas burguesias nacionais, lançaram a tese da necessidade de reformar o sistema, assegurando-lhe um novo figurino assente na multipolaridade e em mecanismos de controle comuns a assegurar por novas organizações internacionais a criar. Sarkozy, enquanto ainda presidente em exercício da UE, a Rússia, o Brasil (enfim, os brics), com alguns outros bem mais comedidos mas a quererem dar também o seu ar de "independentes", como o britânico Gordon Brown. Mas as dificuldades em o concretizar ficaram manifestas logo na reunião dos chamados G-20, enquanto a reunião dos grandes, convocada ainda por Bush, já revelava a oposição a essas pretensões das chamadas economias "periféricas".
A sua impossibilidade vem tornando-se cada dia mais nítida, com o desenrolar da crise. Na verdade, o capitalismo é hoje um sistema integrado à dimensão global e que como tal funciona, não se permitindo a si mesmo "retrocessos", retornos a soluções correspondentes a outras épocas passadas do seu desenvolvimento. Lembremos as tentativas de alguns desses governos para, a pretexto (político) de serem os EUA os responsáveis da crise, defenderem que o dólar deveria perder o seu predomínio de unidade monetária central do sistema. A fuga de capitais para o dólar, e a sua artificial valorização com a crise, aí estão a demonstrar que tais pretensões são meros devaneios -que iludiram alguns sujeitos, bem-intencionados e "de esquerda" - que a realidade rapidamente vai esfumando. Aliás, é oportuno recordarmos alguns autores que, já antes do agudizar brutal da crise, ao avaliarem a colossal dívida externa dos EUA, especulavam acertadamente sobre o que ocorreria se a China, detentora de triliões de dólares e país que se afirma socialista, de repente decidisse vender e cobrar essas reservas, concluindo que tal gesto afundaria os EUA e toda a economia capitalista na crise. Mas a China não o fez antes nem o fará, pela simples razão que a sua economia hoje é parte integrante do sistema económico capitalista mundial.
Concluindo: nesta fase, todos já compreenderam que hoje, face à globalização operada na época dourada do neoliberalismo, ou se salvam todos - pagando naturalmente facturas muito diversas, com os mais fracos pagando o prejuízo dos mais fortes... -, ou se afundam juntos. Não há lugar nenhum a salvo. As teses ilusórias sobre o papel estabilizador que os BRICS iriam desempenhar aí estão a ser violentamente desfeitas pelo rápido desaceleramento das suas economias, que tenderão a nivelar-se com as mais desenvolvidas, estas já hoje mergulhadas na regressão. Assim, como poderia o conclave de Davos fornecer as soluções, manietados e inter-dependentes que estão - e irão continuar, nos marcos estritos do capitalismo - e sujeitos ao comando único (enfraquecido, mas único) do seu pólo imperialista ainda dominante? Por isto, Davos não decidiu nada nem poderia fazê-lo. Lembrando uma velha anedota que conhecemos com aplicação noutras paragens, restava-lhes "abanarem o comboio, para que os que lá vão dentro pensem que continua a marcha"...
Aliás, num outro plano, é o alto nível de concentração e centralização globais atingido pelo capital que, contraditóriamente mas num sentido favorável aos povos, afasta o espectro de uma nova confrontação mundial inter-imperialista, como as ocorridas no século passado, o que não significa o fim das guerras de agressão "regionais".
Deixarei para amanhã as ideias sobre a semelhante incapacidade de o FSM apontar a saída da crise do capitalismo, bem como algumas conclusões finais.

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