SÓ NÃO SE ENGANA QUEM CEDE AO MEDO DE CAMINHAR NO DESCONHECIDO - SÓ SE PERDE AQUELE QUE NÃO ESTÁ SEGURO DO RUMO QUE ESCOLHEU.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

"Eppur si muove!" - Greves metalúrgicas no Brasil


Notícias recentemente publicadas na Imprensa, a propósito das greves dos metalúrgicos nas regiões de São Paulo e de Curitiba (Paraná), em luta por aumentos salariais, forneciam dados muito interessantes para quem, como é o caso do autor, buscam conhecer mais e melhor a realidade brasileira, particularmente o seu proletariado.

Os números, pela sua dimensão, impressionam. As greves, complementadas com manifestações nas ruas das cidades e concentrações frente às empresas, mobilizam muitos milhares de operários. Na região de São Paulo, pelo menos, 14 mil trabalhadores de três empresas montadoras de veículos automóveis - Ford, Mercedes-benz, e Scania - além de outras empresas de auto-peças. No interior de São Paulo, 8.300 0perários da GM, de São José dos Campos; em Taubaté, 7.200 operários da Volkswagen e da Ford, e 2.000 metalúrgicos de auto-peças; em S. Bernardo, a Toyota, bem como autopeças de Diadema - Autometal, TRW e Delga. No Paraná, 2.600 trabalhadores da Volvo, na capital Curitiba, cerca de 5.000 trabalhadores da Renault-Nissan e 3.500 da Volkswagen-Audi.

O patronato, como é seu hábito, ou não divulga as consequências da greve na produção ou minimiza-as. São os casos da Ford e da Mercedes-Benz. Nesta última, são produzidos em média 220 veículos - 60% são caminhões e 40% autocarros. Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos responsável pela convocação da greve na Scania, entre as 7 e as 9h deixaram de ser produzidos 12 caminhões, sendo a produção diária 43 unidades, em média; na Renault-Nissan e na Volkswagen-Audi, em oito dias de paralizações, as duas montadoras deixaram de produzir 8.600 veículos.

As reivindicações de aumentos de salários, variam entre os 10% e os 14,65%, com índices menores para os trabalhadores que recebem acima de 6.000 reais. Reivindicam mais um abono, que varia entre 1.450 e 2.000 reais. Os salários médios andam em torno dos 4.800 reais pagos pelas montadoras e 3.500 reais pelas empresas de autopeças. Ao câmbio actual (1 euro/2,65 reais), são salários equivalentes a, respectivamente, cerca de 1.800 e 1.700 euros. Entretanto, no Brasil, com um serviço público de saúde um pouco pior que o existente em Portugal, são frequentes os planos de saúde (privados) que as empresas "pagam", bem como subsídios de alimentação e transportes, o que eleva substancialmente aqueles montantes.

Nalguns casos, os sindicatos já acordaram com as empresas, geralmente um pouco abaixo dos valores reivindicados. Parados desde o dia 4, os metalúrgicos da Renault conseguiram 8,65% de correção salarial a serem pagos ainda em setembro, além de um abono de R$ 2 mil. No cálculo estão incluídos 100% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), 3% de aumento real, além da efetivação de 1% de correção que tinha sido prometida na negociação do ano passado. Na Volvo, a paralisação comprometeu apenas um dia de trabalho - segundo o sindicato, o prejuízo foi de 24 chassis de ônibus e três chassis de caminhões. Os trabalhadores conseguiram incorporar ao salário o INPC e 3% de aumento real, totalizando um índice de 7,57%, e um abono de R$ 2 mil. Além disso, foi-lhes garantido estabilidade no emprego até o mês de dezembro (!?) e um piso salarial de R$ 1.381,66. Os dias parados não serão descontados nas duas montadoras e vão compor o banco de horas.

E aqui entramos numa outra parte da realidade, o sindicalismo brasileiro. Estes Sindicatos são filiados maioritariamente na CUT (de orientação PT). Exemplo das suas práticas co-gestionárias e de traição foi a sua recente assinatura, em conjunto com a Força Sindical, a UGT e a CGTB, de um acordo com o governo que, sem consulta aos interessados directos e imediatos, visa "esvaziar" a luta em curso dos aposentados brasileiros, que reivindicam aumentos reais nas pensões (muito degradadas nos últimos anos), designadamente com a extinção do aqui chamado "Factor Previdenciário", uma criação dos governos do neoliberal Fernando Henrique Cardoso e que o governo Lula quer manter - algo muito próximo das "novas" regras de cálculo que em Portugal os governos do PS e PSD/CDS também implantaram, degradando as pensões, a pretexto do aumento da expectativa de vida (!) e fazendo-as depender do valor do PIB.
Este acordo de traição, que mereceu a pomposa designação de "Acordão da Previdência", já firmemente denunciado pelas várias Federações de aposentados, foi rechaçado pelas CTB (Confederação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Brasileiros, recentemente criada pela anterior Corrente Sindical Classista, de orientação maioritariamente comunista/PCdoB), pela Nova Central e pela Cobap (Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas). Entidades que também são representativas da classe trabalhadora, como o FST (Fórum Sindical dos Trabalhadores), a Intersindical e o Conlutas, embora não tenham participado da reunião das centrais com o governo, também já firmaram posição contra o acordo.

Este caso ilustra bem a situação de divisão profunda do sindicalismo brasileiro, divisão agravada pelas concepções e práticas "amarelas" predominantes. Trata-se da aplicação das tristemente famosas teses do "sindicalismo de resultados", que transforma os Sindicatos em entidades "negocistas", totalmente de costas viradas aos trabalhadores que dizem representar e que nas "mesas negociais" assinam sempre acordos com os patrões, mesmo que tais acordos se traduzam em legitimar perdas salariais reais, perda de direitos e regalias, redução de postos de trabalho, períodos de "lay-off" impostos pelo patronato, etc. A pretexto do estafado "combate à crise", nos últimos meses estes acordos/"negócios" tem sido frequentes, infelizmente para os trabalhadores brasileiros, traindo os seus interesses próprios e difundindo no seio do proletariado ideias de conciliação que tanto atrasam a elevação da sua consciência política de classe.

Trata-se das práticas e dos propósitos do "sindicalismo" reformista, economicista, tão do agrado do grande capital, uma orientação que "infecta" numerosos Sindicatos, tanto no Brasil como noutros países, Portugal incluído - neste caso, felizmente, muito circunscrito aos Sindicatos da UGT e pouco mais.
O sindicalismo "amarelo", de facto, desempenha um pernicioso papel de traição e divisão dos trabalhadores. Combatê-lo é tarefa central e permanente de todos os comunistas, de todos os marxistas-leninistas. Entre outros, existem dois métodos comprovados para travar este combate: uma efectiva democratização da vida e das actividades dos Sindicatos e uma real linha de massas na acção dos seus dirigentes.

Agindo para garantir constantemente a participação dos trabalhadores associados na intervenção geral do Sindicato, na discussão e decisão sobre as suas reivindicações, na definição das formas de luta adequadas para as conquistar, na eleição de fortes e actuantes estruturas de delegados sindicais, na construção amplamente alargada das listas de candidatos aos seus corpos dirigentes nos actos eleitorais, na elaboração de estudos sobre a classe, na realização frequente de Encontros, Conferências e Congressos que alarguem a participação da massa crítica dos trabalhadores, para melhor definir políticas e rumos de acção.

Trabalhando para uma efectiva e constante ligação do Sindicato e dos seus dirigentes aos locais de trabalho, um conhecimento profundo dos problemas vividos pelos trabalhadores, sindicalizados e não sindicalizados, efectivos ou precários, com uma informação permanente colhida directamente nas empresas e locais de trabalho sobre as suas realidades económicas, sociais, funcionais, políticas, uma auscultação permanente sobre o estado de espírito existente entre os trabalhadores, a adopção de medidas de informação - escrita, oral, virtual - que reforcem os sentimentos de unidade e de luta, procurar a participação da massa dos trabalhadores em todas as reivindicações e lutas a decidir, bem como o seu atento acompanhamento ao desenrolar dos processos de negociação da sua contratação colectiva com os patrões respectivos.


Começamos por um retrato rápido e limitado das lutas operárias no Brasil e terminamos com ideias sobre o combate ao "sindicalismo" fingido que é parte integrante do sistema de exploração e opressão do capitalismo.
Começamos com boas notícias sobre a disposição combativa daqueles trabalhadores, em luta pelos seus direitos e interesses e concluímos com uma tarefa de primeira grandeza dos revolucionários, a saber, o combate frontal e determinado contra uma manifestação particular, no movimento operário, das políticas conciliatórias típicas dos reformistas e dos revisionistas do marxismo-leninismo, uns e outros irmanados no propósito de mascarar o carácter desumano do capital e semearem ilusões sobre um mirífico "capitalismo bom", que aceitaria ser co-gerido pelos trabalhadores - com a "diligente" ajuda destes representantes de uma aristocracia operária vendida ao patronato explorador. A uns - os capitalistas - e a outros - os dirigentes sindicais "amarelos" - não podemos conceder tréguas. O desenvolvimento da luta de massas, esteio certo e insubstituível das transformações políticas progressistas, exige-nos muita firmeza e determinação. Os trabalhadores, nossos irmãos de classe, reclamam isso de nós. Saibamos cumprir aquilo que é um dever militante nosso.
Adenda (19/9)
A luta dos metalúrgicos intensifica-se e estende-se a mais empresas!
Na região do ABC paulista [1], cerca de 60 mil metalúrgicos dos setores de autopeças, máquinas e equipamentos e componentes ferroviários iniciaram greve por tempo indeterminado nesta sexta-feira, após assembléia geral na noite de quinta-feira.
Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, filiado à CUT, os 60 mil trabalhadores reivindicam o mesmo acordo aprovado no sábado passado pelos trabalhadores de montadoras da região, de reajuste de 6,53%, mais abono correspondente a um terço do salário médio do grupo.
Metalúrgicos da General Motors (GM) em São Paulo decidiram nesta sexta-feira parar por tempo indeterminado, em protesto por reajuste salarial entre 10% e 14,65%, informaram sindicatos. Pela manhã, trabalhadores dos primeiros turnos da montadora em São José dos Campos e em São Caetano do Sul decidiram pela paralisação, e a tendência é que os demais turnos das fábricas sigam a decisão.
A GM em São Caetano do Sul emprega cerca de 10.500 funcionários e, em São José dos Campos, outros 8.500 trabalhadores.
Em São Caetano, a GM produz os modelos Astra, Vectra, Classic e família Corsa, a uma média de 852 veículos diários, segundo o sindicato de metalúrgicos, filiado à Força Sindical. Os trabalhadores da região pedem 10% de reajuste e R$ 2 mil de abono.
Em reunião na véspera com sindicatos de São Caetano e São José dos Campos, a empresa manteve oferta de 6,53% de reajuste, mas elevou a proposta de abono de R$ 1.500 para R$ 1.750.
Os trabalhadores de São José dos Campos pedem 14,65% de reajuste. A montadora produz na região modelos Corsa, picapes S10 e Montana e veículos desmontados para exportação (CKDs).
[1] Nota - designação para um conjunto de três municípios (Sto André, S. Bernardo e S. Caetano - na verdade são quatro, hoje também com Diadema), na região sudoeste da alargada malha urbana da grande São Paulo, de grande concentração industrial e onde "nasceram" o PT e o Lula, com a ajuda "desinteressada" da igreja e de mais alguns mecenas, ocupando um espaço que os comunistas não souberam/puderam ocupar.

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