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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Marx e o debate político-ideológico hoje em curso (II)

"Curioso que certos estudiosos, quando falam do marxismo, investigam o pensamento de Marx antes de este ter formulado as grandes conclusões teóricas. Ou seja: de quando Marx ainda não era marxista. O marxismo há que considerá-lo em movimento, acompanhando a vida." (Álvaro Cunhal, "O valor actual do Manifesto", 1998, in "O Militante", ao assinalar o 150°. aniversário.)


Paradoxal mas indiscutivelmente dialéctica, verdadeira, esta frase de Álvaro Cunhal surge-nos hoje, onze anos depois de ter sido publicada, como se tivesse sido cunhada para caracterizar muitos dos teorizadores que na actualidade, para defenderem as suas teses entre os militantes marxistas, falsificam e tripudiam sobre o pensamento de Marx. São inúmeras as citações deste criador do marxismo, utilizando todos os seus textos mais caracterizadamente políticos e frequentemente para negar o que de mais intemporal tem o seu pensamento, ou seja, a perspectiva da transformação revolucionária do real.

Na imprensa on-line, em textos de opinião, pode dizer-se que após o deflagrar da actual crise sistémica do capitalismo citar Marx virou moda, trinta ou quarenta anos depois de ter sido execrado e banido dos debates políticos. A coberto de uma linguagem "de esquerda", numerosos são os teóricos "marxistas" que pregam a desistência do combate, o abandono da luta de classes, a resignação e a passividade, usando sempre como argumento – para eles axiomático... - uma pseudo-ausência das "condições objectivas" necessárias para se intentar a superação do sistema. Os partidos ditos socialistas ou trabalhistas estão pejados deles. No campo do reformismo, aqui no Brasil e na área destes partidos social-democratas tardios, devemos citar o exemplo de Wladimiro Pomar ("Correio da Cidadania"), um ex-comunista que abraçou a causa lulista do PT, como um caso típico de uma ilegítima utilização da mencionada frase inicial do "18 de Brumário", que tratamos desenvolvidamente na parte (I).

Outros dois casos, de equivocada utilização daquela citação de Marx, são os artigos de opinião, editados pelo "Vermelho", na sua Tribuna de Debates, assinados por Elias Jabbour (“Desenvolvimento desigual e a historicidade da questão nacional”, em 15/7) e Pedro Cross (“As eleições no novo programa – entre o problema e a solução”, em 21/7). A sua leitura revela, com clareza, tanto o seu uso indevido quanto o modo como querem sancionar posições pessoais - economicistas e pragmatistas - utilizando abusivamente como respaldo o pensamento de Marx.

Na maioria dos casos e invariavelmente são pessoas que recusam o papel determinante da luta de massas, pregando a "dispensabilidade" de uma direcção política por parte do partido operário; defendem uma hipotética conciliação de interesses das classes, desenvolvendo as suas erradas teses sobre a possibilidade da superação "pacífica" do capitalismo, discorrendo sobre uma sua hipotética transformação gradualista, visando convencer-nos que, de reforma em reforma, por um modo "democrático" e sem rupturas revolucionárias, "transitaríamos" ao socialismo. Fazem-no geralmente para defender posições que correntemente designamos por "economicistas", "pragmáticas" ou "possibilistas". São os falsos "etapistas", na verdade teóricos defensores de múltiplas teses sobre uma fantasiosa auto-reforma do capitalismo.
No plano pessoal, é legítimo presumirmos que já se renderam perante a força e a posição dominante do capital, aceitando-o como inevitável, priorizando a preservação e usufruto do lugar que eles próprios ocupam na escala social. Considerando que a dura trincheira da luta de classes não é local próprio para eles, intentam persuadir os outros a aceitar “as realidades como elas são”. Contentando-se em serem “a esquerda do sistema”, são seus grilos críticos de uma forma totalmente inconsequente.
Mais ainda, reclamam com frequência ser indispensável atingir-se previamente um estágio de "hegemonia política do proletariado" por via institucional, isto é, pela chamada “via eleitoral”, querendo convencer-nos ser possível numa democracia parlamentar burguesa, no campo do adversário e sob as suas regras, jogar e ganhar o jogo "democrático". Defendem uma idealista concepção de democracia, sem conteúdo de classe, atemporal e universal. Iludem o óbvio facto destas "democracias" parlamentares burguesas serem, afinal, verdadeiras ditaduras de fachada democrática. São familiares ideológicos daqueles outros que há já mais de cem anos Lénine caracterizava dizendo deles: "Alguns dos nossos gritam: 'Vamos para o pântano!' E quando lhes mostramos a vergonha de tal ato, replicam: 'Como vocês são atrasados!' "


A grande burguesia, no caso particular da brasileira, usufrui para o efeito de uma vastíssima parafernália de instrumentos e meios, que liquida qualquer veleidade de democraticidade que se possa acreditar terem as eleições parlamentares burguesas: os grandes orgãos de comunicação de massas - que possui, controla e manipula -, um ensino discriminatório e elitista, meios editoriais poderosos e uma política “cultural” de subserviência ao capital, a repressão económica e social nos locais de trabalho, uma justiça de classe tendenciosa, forças de segurança direccionadas à repressão das camadas populares, o domínio - mais exactamente, a compra! - da esmagadora maioria dos aparelhos partidários, a posse prática e a manipulação dos diversos orgãos de Estado, um colossal poder económico, posições predominantes nos governos estaduais e no governo federal, etc, etc.
Torna-se óbvio que defrontamos um inimigo de classe poderoso, tanto no plano interno como no plano externo. Todavia, exactamente por isso, nas sociedades capitalistas desenvolvidas aos comunistas cabe sacudirem esse jugo multiforme e castrante, organizando as forças operárias e populares, mobilizando energias, construindo alianças sociais e políticas, numa palavra, desempenhando o irrecusável e insubstituível papel de uma força política revolucionária.
É-nos ainda útil voltar ao "18 de Brumário" de Marx, com a transcrição de um parágrafo que nos surge hoje com traços quase premonitórios, que passo a transcrever:

"O carácter peculiar da social-democracia resume-se no fato de exigir instituições democrático-republicanas como meio não de acabar com dois extremos, capital e trabalho assalariado, mas de enfraquecer o seu antagonismo e transformá-lo em harmonia. Por mais diferentes que sejam as medidas propostas para alcançar esse objetivo, por mais que sejam enfeitadas com concepções mais ou menos revolucionárias, o conteúdo permanece o mesmo. Esse conteúdo é a transformação da sociedade por um processo democrático, porém uma transformação dentro dos limites da pequena burguesia. Só que não se deve formar a concepção estreita de que a pequena burguesia, por princípio, visa impor um interesse de classe egoísta. Ela acredita, pelo contrário, que as condições especiais para a sua emancipação são as condições gerais sem as quais a sociedade moderna não pode ser salva nem evitada a luta de classes."

Eis aqui evidenciado por Marx, num só parágrafo, um ramo típico da ideologia pequeno-burguesa. Escrito por um dos maiores revolucionários da história das sociedades humanas, à distância temporal de cento e cinquenta e sete anos (!), aplica-se integralmente às concepções actuais daqueles que, rejeitando o exigente caminho da Revolução, visam trocá-la por uma mirífica transição, gradual e "evolucionista", que nunca virá.

Confirmando a afirmação de Álvaro Cunhal colocada no início, que exactamente combate as citações falsificadoras do pensamento e sentido geral da sua vida e da obra de Marx, termino com um período de uma carta de Engels a Joseph Bloch, escrita em 1890 - quarenta e dois anos depois da publicação do "Manifesto" -, na qual ele já criticava as leituras economicistas do marxismo:

“Segundo a concepção materialista da história, o momento em última instância determinante [in letzterInstanz bestimmende], na história, é a produção e reprodução da vida real. Nem Marx nem eu alguma vez afirmamos mais. Se agora alguém torce isso [afirmando] que o momento económico é o único determinante, transforma aquela proposição numa frase que não diz nada, abstracta, absurda. A situação [Lage] económica é a base [Basis], mas os diversos momentos da superestrutura [Überbau] – formas políticas da luta de classes e seus resultados: constituições estabelecidas pela classe vitoriosa uma vez ganha a batalha, etc., formas jurídicas, e mesmo os reflexos [Reflexe] de todas as lutas reais nos cérebros dos participantes, teorias políticas, jurídicas, filosóficas, visões [Anschauungen] religiosas e o seu ulterior desenvolvimento em sistemas de dogmas – exercem também a sua influência [Einwirkung] sobre o curso das lutas históricas e determinam em muitos casos preponderantemente [vorwiegend] a forma delas.”

Parece clara, transparente, esta recusa frontal de Engels das mistificações acientíficas da teoria política criada por ele e por Marx. Já no seu tempo lhe foi necessário combater o oportunismo de um falso "objectivismo" que visava - e ainda hoje visa! - subestimar a relevância decisiva dos factores subjectivos na transformação progressista e revolucionária das sociedades humanas.

O capitalismo, como sistema sócio-político, não acabará por vontade própria, não aceitará pacificamente ceder o seu lugar na história ao socialismo. Este resultará, sim, da vontade determinada dos trabalhadores, em luta contra o capital, guiados pelas ideias desse sistema integrado de teorias que dá pelo nome de marxismo-leninismo. A todos nós, aqueles que nos reclamamos marxistas-leninistas, estão-nos vedadas ideias e práticas reformistas que atrasam e prejudicam essa caminhada em direcção ao futuro.
Aos assalariados, ao proletariado, aos seus partidos de classe, cabe-lhes afirmar a sua própria ideologia, a ideologia da classe operária, rejeitando o que "alguns dos nossos gritam: vamos para o pântano!" e avançando firmemente pelo caminho certo, há muito apontado por Marx, Engels e Lénine, o caminho da preparação, organização e mobilização para a revolução - realizando a revolução socialista. Afinal, aos que se consideram revolucionários, cabe-lhes cumprir com a sua principal tarefa - fazer a Revolução. Os homens, sim, fazem a sua própria história. E os comunistas, fieis ao seu projecto transformador e revolucionário, "não esperam acontecer".


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